sábado, fevereiro 05, 2005

João, ex-alegria

Ó o João aí, gente!

Tribuna do Norte


Edgar Barbosa

As coisas simples
Nilo Pereira




No dia 6 de agosto de 1976, falecia, em Natal, Edgar Barbosa, após longos padecimentos.
A impressão é a de que, filho e neto de pessoas que longamente viveram, ele também longamente vivesse.
Ele havia alcançado essa sabedoria clássica. Pela arte viverá perenemente.
Seu estilo, talvez único no seu tempo e entre os seus contemporâneos, lhe assegura a perpetuidade. Nunca será esquecido o intelectual que tudo deu de si, fixando-se na Província, sem aceitar os insistentes convites, que lhe fez Aprígio Câmara para advogar com ele em São Paulo.
O seu último desejo foi repousar para sempre no chão sagrado do Ceará Mirim. Fez, assim, a sua viagem de volta, como disse Paulo de Viveiros, ao pé do túmulo, falando em nome da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
Todo o Ceará Mirim comoveu-se diante do seu grande filho morto. Quando o cortejo fúnebre entrou na cidade, a velha Matriz fez dobrar o seu sino legendário. Por quem o sino dobra? Até ao vale chega o seu som dolorido. Alguém vem chegando para descansar e dormir profundamente. Esse alguém é um dos mais completos e ilustres ceará-mirinenses – o escritor, o poeta, o magistrado, antigo Juiz de Direito da Comarca, o jornalista, o cronista, o mestre universitário – Edgar Barbosa.
Só ali, naquele descanso que é um berço, ele podia estar, ao lado dos pais, como se assim melhor se integrasse em si mesmo, na sua alma romântica de sonhador.
O general Hélio de Albuquerque Melo, falando na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras por ocasião da homenagem prestada à memória de Edgar Barbosa, 6 de agosto de 1977, ao ensejo do primeiro aniversário do seu falecimento, fez esta revelação:
- Edgar deixou sua frase na memória dos que o assistiam. Uma frase simples, como ele próprio: “Há séculos, os homens procuram as coisas simples.”
Esta frase final é o coroamento da vida de um pensador. Pois é preciso também encarar Edgar Barbosa como um homem de pensamento, que soube debruçar-se homens, os fatos e os tempos, colhendo de tudo isso as lições maiores da vida – a sobriedade, a humildade, a simplicidade.
Essas qualidades ele as encarnou de tal modo que, parecendo embora avesso ao convívio social, encontrava na própria sociedade a maior motivação da sua reflexão solitária.
Dele se pode dizer que era, a rigor, um homem do seu canto. Do seu pequeno universo. De um restrito círculo de amigos.
Mas, como diz Thomas Merton, “homem algum é uma ilha”, E ele não foi uma ilha; foi um continente, no qual conseguiu permanecer isolado do exibicionismo, da idolatria dos poderosos e do cantochão dos políticos, que, todavia, sempre o procuraram no seu recolhimento quase de asceta.
Precisamente nessa solidão que se impôs por temperamento e, certamente, por decepção, ele conseguiu aprimorar o seu espírito, atingindo graus de sabedoria verdadeiramente invejável.
Sua morte levou com ele muitas coisas simples, que os homens desprezam. Essa herança do seu espírito é a sua permanência entre nós, junto aos amigos e companheiros.
Em companhia de D. Dolores de Albuquerque Barbosa, viúva do grande escritor, tenho por mais de uma vez visitado o túmulo desse amigo de infância.
Chego a invejar aquele repouso sagrado, na terra sempre lembrada, onde estão as nossas raízes e onde tivemos as primeiras sensações de vida.
Leio o seu nome todo por extenso. Edgar Ferreira Barbosa – na lápide que cobre o que dele resta. E vejo que a vida é bela, como disse Machado de Assis, mas que é preciso que essa beleza venha das coisas simples, que são os poemas cotidianos de Deus.
Ele foi feliz. Descansa no chão da infância, bafejado pelas auras que vêm do vale, trazendo um perfume de poesia.


Ferreira Itajubá

Ferreira Itajubá

Manoel Rodrigues de Melo



Manoel Virgílio Ferreira Itajubá nasceu no penúltimo período de reação contra o romantismo, início da fase parnasiana no Brasil.
Era a fase de Segunda Escola Paulista, citada por Sílvio Romero, no seu livro "Evolução da Literatura Brasileira", que tinha por epígonos Teófilo Dias, Raimundo Correia, Olavo Bilac, Alberto Oliveira, Afonso Celso, aos quais se ligavam Artur Azevedo, João Ribeiro, Adelino Fontoura, Guimarães Passos, Rodrigo Otávio, Magalhães de Azevedo, Mário de Alencar, Luiz Guimarães Filho, Paulo de Arruda, Osório Duque Estrada, além de outros.
Em Natal, os poetas desse período chamavam-se Lourival Açucena, José Teófilo, Joaquim Fagundes, Moreira Brandão, Manoel Gomes da Silva, Antônio de Amorim Garcia, Francisco Otílio Álvares da Silva, padre Antônio Arêas, Urbano Hermilo de Melo, Luz Carlos Lins Wanderley, Isabel Gondim e alguns outros.
Em 1876, Natal não passava de uma cidade triste, bisonha, escura, sem higiene, sem transporte, sem escolas, sem indústria, abrigando 20.000 habitantes, em números redondos. Os meios de transporte para o interior da Província eram parcos e morosos: o carro de boi, os animais de carga e de sela, as pequenas embarcações de cabotagem movimentavam a riqueza da terra. A estrada de ferro só existia em projeto. Não havia serviço d`água nem de esgoto. A população da Cidade Alta abastecia-se no Baldo. Os moradores da Ribeira apanhavam água nas cacimbas. Os estabelecimentos de ensino público resumiam-se num só: o Atheneu Norte-Riograndense, fundado em 1834. Colégios particulares, não existiam. As primeiras letras eram ensinadas em aulas particulares: um José Gotardo, um Francisco Otílio e alguns poucos. Os transportes para fora da Província eram feitos em vapores da Companhia Pernambucana, auxiliada por barcos de pequeno curso. Os maiores jornais da cidade eram O Conservador e O Liberal, divisores de águas da política provincial. À margem destes, circulavam O Íris, de Joaquim Fagundes e O Potengi, do tenente Hércules Pindaíra de Carvalho. A política era o supremo ideal dos homens: dois partidos, Liberal e Conservador, revezando-se no poder, com uma quase única finalidade: derrubar os adversários.
Foi nesse ano e nesse meio que nasceu o menino Manoel Virgílio Ferreira. Filho de Joaquim José Ferreira e Francisca Ferreira de Oliveira, veio à luz no dia 21 de agosto de 1876. Esta data não é pacífica. Luís da Câmara Cascudo, Gotardo Neto, Galdino Lima, José Bezerra Gomes, Ezequiel Wanderley defendem-na como exata. Clementino Câmara, em discurso de posse, na Academia Norte-Riograndense de Letras, advoga a data de 1875, enquanto o poeta, em documento assinado do próprio punho, declarou haver nascido em 1877. A placa de mármore afixada no local de seu nascimento, na rua Chile, nº 63, assinala a data de 21 de agosto de 1875. É possível que futuras pesquisas deitem luz sobre o assunto. Os pais de Manoel Virgílio Ferreira eram norte-riograndenses, sendo sua mãe natural de Morrinhos, município de Touros, e o pai de lugar ainda não identificado. Aos seis anos de idade perdeu o pai, que morreu de varíola, em 1882. Aí, começa o drama da família. E o menino, inteligente e esperto, já aos seis anos aprendia as primeiras letras com o professor Terto, Tertuliano Pinheiro, e, mais tarde, com o professor Panqueca, Joaquim Lourival Soares da Câmara. Aos doze anos, já era empregado na loja de fazendas do português Antônio Sátiro, situada à rua Tarquínio de Souza, atual rua Chile, em casa contígua ao antigo palácio do Governo, no bairro da Ribeira. Após quatro anos de experiência no balcão de Antônio Sátiro, foi convidado para servir em idênticas funções em Macau, na casa de Antônio Deodato, onde logo adoeceu de varíola, regressando a Natal. Ali chegando, foi logo procurado pelo antigo patrão, que lhe ofereceu melhor ordenado e permissão para estudar no Atheneu. São desta fase os exames de português e Aritmética, os únicos que conseguiu fazer, na opinião de Clementino Câmara. Essa informação deita por terra a lenda de um Itajubá analfabeto, que ainda hoje corre nos meios intelectuais de Natal.
Clementino Câmara, o biógrafo mais autorizado do poeta, prossegue: " Logo após a morte de Antônio Sátiro, ficando desempregado, concebeu Itajubá uma genial idéia: funda um circo, que foi levantando no quintal de sua própria casa." O biógrafo não menciona a data deste acontecimento. Sabe-se, no entanto, que o poeta foi posteriormente escrevente da Associação da Praticagem, em Natal, servindo, na mesma função, em Macau e Areia Branca, conforme informação do seu filho Nazareno Ferreira Itajubá. Exerceu ainda o cargo de bedel, no Atheneu Norte-riograndense.
Tendo noções práticas de pintura, aproveitava as horas vagas para abrir letreiros em casas comerciais. Em 1896, com vinte anos, funda O Eco, pequeno jornal literário, na informação de Luís Fernandes. Clementino Câmara acrescenta tratar-se de um hebdomadário joco-sério, circulando aos domingos, fundado por Ferreira Itajubá, e polemicando com Chicó Araújo, que respondia pelas colunas de O Fantoche. Em 1897, funda a revista A Manhã, de parceria com Henrique J. de Oliveira, que circula a 2 de abril do mesmo ano. Essa revista, por incrível que pareça, não foi registrada por Luís Fernandes, no seu trabalho A Imprensa Periódica no Rio Grande do Norte, onde arrolou as atividades jornalísticas da Província-Estado de 1832 a 1908. Encontrei-a na revista Oásis, de 15 de abril de 1897, Ano IV, Nº 54, p. 2. Gotardo Neto, em artigo inserto n´O Potiguar, de 21 de agosto de 1908, comemorando o aniversário do poeta, dizia: "Publicou também a revista A Manhã, de colaboração com prático da barra José Pereira, um moço que apesar da humildade em que vivia, era dotado de um espírito progressista e de uma extraordinária força de vontade."
Em um trabalho que publiquei na Revista do Instituto Histórico, em 1966, destaquei o esforço dos rapazes de O Potiguar, órgão do Grêmio Doze de Outubro, cuja circulação compreende o período de 1904 a 1908. Deste jornal, faziam parte Cirilino Pimenta, Francisco Ivo, Manoel Januário, Gomes da Silva, Angione Costa, Alves Mipibu, Ponciano Barbosa, Jorge Fernandes, Clementino Câmara, Antônio Emerenciano, Antônio Glicério, Ferreira Itajubá e Gotardo Neto, "Dois inspirados cultores da lira potiguar", na expressão de Luís Fernandes.
No mesmo trabalho, registrei a presença de O Potengi, que viveu de 1906 a 1908, fundado por Júlio Pinheiro, Manoel e Pedro Pimenta, tipógrafos profissionais, e ainda por João Pimenta. A tipografia deste jornal ficava na rua da Campina, depois Sachet, hoje Duque de Caxias. O Potengi circulava aos domingos e seus colaboradores, além dos fundadores eram Gotardo Neto, Manoel Virgílio Ferreira Itajubá, Antônio Glicério e o normalista Gonzaga Galvão.
Não haverá temeridade em dizer-se que Itajubá colaborou em quase todos os jornais do seu tempo, ora com o próprio nome, ora com pseudônimos. Além dos jornais fundados por ele e de parceria com outros, colaborou ainda n´A República, de Pedro Velho, no Diário de Natal, de Elias Souto, na Gazeta do Comércio, de Pedro Avelino, n´A Capital, de Galdino Lima, n´O Trabalho, de Pedro Alexandrino, n´O Arurau, de Francisco Pereira da Silva, n´A Tampa, n`A Rua, no Pax, n´O Torpedo, disputando sempre o primeiro lugar na beleza dos versos, na inspiração, na imaginação ardente, na espontaneidade, na originalidade, no amor à terra, na feição regionalista da sua poesia.

In Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Edição comemorativa do 80º aniversário de fundação
Volumes LXXII - LXXIV, 1981/1982.



Navarreante

Navarreante
Sanderson Negreiros

Tribuna do Norte

Quando conheci Newton Navarro? Lembro bem. Era o ano de 1953, eu saia do Seminário aos 13 anos e, numa livraria da Coronel Cascudo, encontrei Dorian Gray Caldas. Conversei com ele e comprei o "Narciso Cego", do poeta Thiago de Melo. Dorian deve ter se espantado com minha meninice; e eu lhe fiz a pergunta que me abrasava a vontade de falar: "Você acredita em Deus?" Não lembro o que respondeu; recordo que ele me levou para conhecer Newton Navarro. Era uma casa de Moacyr de Góis, seu primo, onde foi o Bradesco. Cinco horas da tarde. Newton dormia. Foi acordado e nos recebeu generosamente. Senti que ele estava de ressaca. Eu não sabia o que era ressaca. Um espanto. E começou, aí, uma amizade, com tantos trâmites, surpresas e novidades, que posso dizer hoje: convivi com alguém que apostou com a Vida de quem chegava primeiro ao término do silêncio. Do silêncio final. Definitivo.
Visitei-o tantas vezes, em casas diversas que ele alugava, ao lado de Dona Celina, sua mãe, e Seu Elpídio, seu pai; casas humildes, que já não sei os caminhos que ele atravessou nessa vida, carregada e comungada de vitórias e derrotas, que é difícil dizer qual era o Navarro que a gente conhecia... Para mim, ele abriu caminhos; falava de pintores e romancistas, de que eu nunca ouvira falar; escritores e poetas que conhecera no Recife. E fomos ao Recife revisitar seus tempos áureos de vida pródiga; rever Mauro Mota, Tomás Seixas; e me apresentando àqueles amigos e artistas que fizeram do Recife, para ele, um retrato na parede.
E doía.
Nos momentos em que a boemia obrigava-o a parar, surgia o leitor de romance, voraz. Luís Carlos Guimarães sabia disso. E emprestava-lhe as novidades. Então, Navarro pintava ou escrevia contos. A crônica para ele era sempre urgente, que ele assinava na instantaneidade do jornal. Mas está nos contos ou quadros de lirismo inesquecível sua força maior. Mas como esquecê-lo como orador imbatível? É tanto para dele falar e recordar-lhe o perfil de um talento incomum, que lhe perguntava: "Por que você não pára para criar?" E ele respondia: "Sem sofrimento, não sai nada". E invadia o mundo - mas o mundo não se esconde. Ele invadia o quotidiano, queria ultrapassar as horas, domesticar o possível e o impossível. Parou aí.
Aos 63 anos, já amparado por essa admirável figura chamada Salete. E chegou a me dizer, certa vez: "Tudo que você escrever sobre mim, coloque, antes de tudo, o nome de Salete". Que o amparou como mãe, irmã e companheira. Inexcedíveis.
Hoje, ele navarreia. Aonde navarreias, poeta? Tu que estavas aqui, preso à condição humana, mais dolorosa e ressurgente, te libertarás, quando um pouco de nosso amor chegar perto de quem pensava que a Poesia era maior do que a Vida; esta que nos obriga a muito sobreviver, só é poesia depois da morte, quando somos reconhecidos criadores de alguma coisa. E tanto criaste, ó donatário da surpresa! Para tua surpresa inclusive. Navarreante. Como teus amigos, Luís Carlos e Berilo, que navegam, insubstituíveis, na nossa lembrança, e se foram, também, para o Outro Lado - Já os encontraste? Tu que sentaste a Beleza em teus joelhos, e não a injuriaste, como fez Rimbaud, mas foste eternamente dominado pelo frêmito do que na Beleza é eterno, e contrastantemente efêmero? Tenho certeza de que ainda viajas, navarreante, igual à força dos cometas azuis, em busca do Mistério. Que, afinal, é Deus, abrandando o sentimento trágico da vida, que era teu escudo. E teu descuido, de grande e solitário artista.


Luís da Câmara Cascudo

Luís da Câmara Cascudo
Vicente Serejo

Como jornalista, a produção de Cascudo no Rio Grande do Norte, foi a mais densa e a mais demorada possível.
Durante trinta anos, Cascudo manteve uma coluna diária nos jornais, onde ele não apenas registrava as coisas da cidade, como ele fixava perfis de figuras humanas da cidade.
E foi exatamente esse calor humano, essa permanência de Cascudo na imprensa, que fez com que Cascudo fosse a grande ponte, na época do modernismo, entre o Rio Grande do Norte e São Paulo.Foi pelas mãos de Cascudo que foi levado Jorge Fernandes para a Revista de Antropofagia.
Foi pela amizade de Cascudo com Oswald de Andrade, com Mário de Andrade, que toda essa ponte entre a imprensa do Rio Grande do Norte e a imprensa do Sul do país foi possível.
Sem Cascudo, certamente, o nosso modernismo teria sido mais tarde ainda.
Eu sempre o vejo como um arquivo vivo e muito importante para o exercício jornalístico, pelo volume de informações que Cascudo sempre tem para o jornalismo.
Se alguém procurar Cascudo, por exemplo, para fazer uma matéria sobre a origem da rede de dormir, não vai encontrar Cascudo com a postura de um historiador, nem do etnógrafo.
Cascudo vai receber o repórter com uma simplicidade muito grande, dentro de sua própria rede, vai falar da rede de sua avó, de seus pais, vai puxar gravuras antigas, vai se aprofundar no tema, sem, necessariamente, perder a noção de primeiro plano. Cascudo é sempre um grande repórter, que informa pra gente, com a precisão de um jornalista, de uma linguagem seca, pela informação precisa.
E ele é capaz de responder a qualquer pergunta sem, necessariamente, cair no academicismo, nem no bacharelismo. Cascudo foge a esse tipo de coisa.
Para o jornal eu, como repórter, não vejo condições de se esquecer Cascudo. Ele, embora tenha uma casa com coisas velhas e seja aparentemente um velho, é um arquivo vivo capaz de revelar, inesperadamente, para o grande jornal, o lead técnico que o jornalista busca.
Ele não sabe, necessariamente, a técnica de jornal, mas ele sabe o que é jornalístico e sabe o que nós precisamos.
Eu sou da geração que não sabe escrever sem ouvir Cascudo, principalmente, sobre traços culturais, sobre a tradição da cultura brasileira.

Depoimento TV Cultura – Cascudo
Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo, 1978


Cascudo, por Zila

Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual - 1918/1968
(Fragmento)
Zila Mamede

Carlos Lyra


Ao atingir os 50 anos de atividades intelectuais, Luís da Câmara Cascudo confessa não compreender que interesse possa ter uma confidência sua, como escritor "profissionalmente provinciano", sobre seus métodos de trabalho e os antecedentes de sua incurável enfermidade de amar os livros.
Mas nada pode recusar ele, autor, a quem tantos anos dedicou a expor sua bibliografia, revelando-a a ele mesmo; a quem se colocou a serviço de sua velha e teimosa obstinação livresca.
Volta-se para o passado e começa a incursão na infância. A difteria promoveu a anjos do céu seus três irmãos. Por isso e a partir de então, seus pais o cobriram de asfixiantes cuidados defensivos, tentando libertar da lei da morte o terceiro rebento, magro, triste, amarelo e distraído como certas consciências. Todas as coisas apetecíveis e sedutoras faziam-lhe mal. Evitar sol, sereno areia seca ou molhada, vento da tarde, cabeça descoberta, luz da lua, pé no chão, fruta quente, banho frio, pisar na grama; brincar de correr, de pular janela, cavalo de carrossel, comida de lata, brincar com menina, bolo de tabuleiro, água de maré, pingo de chuva; pegar em rabo de lagartixa, encangar grilo, catucar pinto, puxar rabo de gato e outras tentações - eis o código proibitivo de vida-menino que lhe era imposto.
Restou-lhe o direito de ver livro de figuras, colecionar estampas de santos e ouvir estórias de Trancoso, enquanto menino e rapaz, da ama Benvenuta de Araújo e, homem feito, da inimitável Luísa Freire, sua Sherazade analfabeta.
Aos seis anos sabia ler. Não sabia como aprendeu e nem para quê. Os livros enchiam-lhe a casa: presentes dos pais e dos amigos destes. Coleções, álbuns, revistas aos montões.
Esse ritmo, acelerou-se no tempo. "Annante cum fuoco". Foi o primeiro menino, em Natal, a possuir um quarto para a biblioteca que era visitada, gabada, aludida nos jornais por gente grande. Dispensável é, pois, salientar a gabolice infantil e a natural afetação do " leitor de calças curtas e gravata crisântemo".
O pai não o orientou, jamais, para tornar-se um homem prático, industrial, comerciante: uma dessas criaturas surpreendentes que sabem as quatro espécies de contas de alto manejo, para ele impossível.
Fê-lo, porém, estudar três anos de Latim com João Tibúrcio (1845-1927), mestre das gerações, lento, gordo, irônico, suficiente. Latinos e gregos compareceram nas velhas encadernações simpáticas. "Graecum est, non legitur". Aprendeu o alfabeto e a transpor para letra romana o correspondente grego. O Latim era disciplina dominical, porque o professor ia almoçar em sua velha, ampla, alpendrada e desaparecida chácara, na rua Jundiaí. As "sabatinas" tornavam-se risonhas, saboreadas das curiosidades lidas nos poetas e historiadores da Roma Republicana e Imperial. Empurrado para ler os gregos, deve a isso a sua predileção etnográfica, deparando no milênio a contemporaneidade local. Descobria que a farinha de peixe da Amazônia era conhecida dos babilônios; que o costume de estirar a língua já fora anotado em Tito Lívio. Superstições ouvidas na cozinha doméstica estavam em Horácio, Tácito e Suedônio, em Aristófanes e Xenofante.
Como 98% dos brasileiros, teve uma formação desordenada, confusa, alagante. Lia tudo, alternadamente, com a facilidade que possuía o seu pai de mandar buscar livros na Europa. Eram obras indicadas pelos amigos letrados, livros lidos sem muita percepção.
A História foi a sedutora inicial e o amor fiel inarredável, ensinando-lhe a velhice das novidades e a universalidade do regional.
Em 1922, aprendeu a ler o Inglês para acompanhar os viajantes pela África e Ásia. A informação ampliou-se pelo conhecimento dos grandes continentes misteriosos.
O primeiro artigo veio em 18 de outubro de 1918, publicado em A Imprensa, jornal de propriedade e direção do seu pai, o Coronel Francisco Cascudo (1863/1935). O jornal durou de 1914 a 1927. Nele, a geração de Luís da Câmara Cascudo espelhou vozes, "limando na pedra o bico da pena potiguar, riscando todos os assuntos sabidos ou deduzíveis".
Em 1921, surgiu o primeiro livro: Alma patrícia, "estudinhos de críticas sem examinar a gramática dos poetas". No livro, havia uma curiosidade: o final do volume inclui uma notícia bibliográfica. Era a primeira. João Ribeiro, Afonso Celso, Alberto de oliveira e Monteiro elogiaram-no.
Pedro Alexandrino dos Anjos (1872/1917), seu antigo professor de literatura, tinha profunda desconfiança das citações. Habituou Cascudo a ir verificar nas possíveis fontes. Esse hábito tornou-se mania. Cascudo deixa de citar se não pode consultar a fonte original. Despreza citações em Segunda ou terceira mão. A experiência que adquiriu em 50 anos de pesquisa contínua provou "que a frase lida no original do texto tem, às vezes, significação bem diversa. E as em idiomas estrangeiro, sofrem identificação fatal".
Para Cascudo, a leitura diária, normal, inevitável, posta no rumo utilitário do conhecimento é uma capitalização insensível e normal. Enriquece o leitor sem que a memória perceba o lento acúmulo da riqueza disponível. Naturalmente, afirma ele, o dilúvio determina a escolha limitadora das águas para a navegação. E assegura que não se deve abandonar a visita amorosa aos velhos, às vezes esquecidos autores que guardam fundamentos indispensáveis à orientação ou aferição das derivas.

In Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual - 1918/1968
Fundação José Augusto, 1970.


Demência

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Elder Heronildes

Não via ninguém. O mar, bravio, batia contra as rochas que ficavam próximas. Alguém o chamava. Olhava, e o olhar se perdia no horizonte. Olhava outra vez. Sua noiva. Corria para abraça-la, e abraçava o vazio. Voltava. Numa das voltas, encontrou-se com uma mulher. Correu para ela. Virou-lhe o rosto. Como um louco, parte para pegá-la. Ao pensar aproximar-se, a visão desaparece. Cai na areia, os dedos entre os cabelos, puxando-os com força.


Ficou nessa posição longos minutos.


Ao abrir os olhos o que viu diante de si deixou-o trêmulo. A polícia andava-lhe no encalço. Um homem alto se adiantava cada vez mais. Afastando-se, entra no mar.


Depois, viu que o homem alto submergia aos poucos, as águas cobrindo-o estranhamente.


Ficou com medo.


Começou a entrar no mar. Continuou entrando.


Súbito, correu de volta. Quanto mais corria, mais via que se afastava da terra. Gritou por socorro. Nada ouviu. Nem sua voz. Silencio.


Começou então a sentir algo lhe puxando as pernas. Estremeceu.


Mãos macias tocaram-lhe a cintura. Era uma jovem. Enlaçou-a e começou a acariciá-la. Tentou beijá-la.


Surpreendeu-se beijando um horrível peixe que diante da sua doentia imaginação, metamorfoseva-se de instante a instante.


Procurou fugir. Era tarde. O peixe já lhe fincara os afiados dentes. Afinal, conseguiu a desvencilhar-se. Atingiu por fim a areia da praia.


Teve ímpetos de sair correndo como um louco. As pernas lhe doiam. Não tinham comando. Caiu no chão frio e adormeceu. Ao acordar estava numa cama.


Admirado perguntou onde estava. Nenhuma resposta. Perguntou mais uma vez. O silencio repetiu-se.


Súbito ouviu uma voz de mulher. Sua mãe. Ficou sem compreender, pois havia anos que a perdera. De repente, não era a mãe. Era a noiva. Correu. Abraçou-a para largá-la em seguida, com asco.


Veio-lhe à mente a idéia do suicídio. Correu para o mar. Entrando na água deu um mergulho. Não mais apareceu.


Texto de João Machado

Sylvio Piza Pedroza
Tribuna de
João Machado
Tribuna do Norte
25.10.64

Escreveu, não leu, bate o velho Sylvio por aqui, um beijo em dona Branca, um abraço nos amigos, que são todo mundo, correligionários e adversários de política, idem idem de todas as coisas, exceto dos esportes, onde não existem nem uns nem outros, não tem desportista que se preze que não admire e proclame o espírito do filho de seu Fernando, de saudosa memória.
Agora mesmo está entre nós o velho Sylvio, mais jovem do que nunca, mais esportivo do que nunca, mais daquele mesmo jeitão dele do que nunca, mais antropófago do que nunca, tinha graça não ser assim mesmo, quando ele foi governador jamais perdeu a “esportiva”, toda vida ficou do mesmo jeito, não havia de ser agora que ele ia ser besta ou metido a besta, andar emproado, botando banca e metendo pose, feito certos minhocas que andam por aí querendo pisar a gente do alto das tamancas deles, sem Ter nem ao menos o que o periquito roa...
Se encontre com seu Sylvio em qualquer parte, claro, que avec Humberto Nesi dum lado – Alvamar parece que tomou chá de sumiço danado – e verifique com seus próprios olhos que a terra há de comer, se tribuna de João Machado tá mentindo nem exagerando nada, se não está ali vivinho da silva o mesmo tenista e fuleríssimo jogador de futebol de salão que eram o prefeito de Natal e o governador do Rio Grande do Norte, nos idos de quarenta e muitos para cinqüenta e poucos.
Pois é a esse homem do esporte que a Associação dos Cronistas Esportivos vai entregar hoje, em solenidade simples como os homens do esporte gostam, entrega a domicílio, Getúlio Vargas, 750, a mais alta comenda que o Rio Grande do Norte tem para dar, no setor, que é a Medalha do Mérito Esportivo. E já vai tarde, não resta a menor dúvida. Mas demonstração de reconhecimento e gratidão não cai e exercício findo. E tá escrito lá na bíblia, que é o buquê dos buquês, que os últimos serão sempre os primeiros, principalmente quando são gabaritados que nem Sylvio.
Não tem nada mais chato do que o tal mecanismo de repetição em conversa, mesmo quando é na base do corruchiado como a da gente. Até anedota boa de português e papagaio e outras coisas mais gostosas perdem a graça repetidas, quanto mais relações intermináveis de feitos e realizações dum fulano qualquer. Quem é que não sabe o que mestre Pedroza foi para, e falo pelo, esporte do Rio Grande do Norte.
Tribuna de João Machado não vai perder tempo nem tomar precioso tempo de ninguém com um catatal do tamanho da semana da asa sobre o ativo silviano no balanço esportivo cá da terra, aqui todo mundo conhece todo mundo conhece todo mundo, quem não foi compadre ainda, é ou vai ser daqui a pouco, bastaria o ginásio que tem o nome dele para a imortalidade. Quem quiser fazer hora de saudade que fique se lembrando do cimentão da quadra da “Pracinha”, no moderno, ou na quadra do Tiro de guerra 18, em frente ao Grupo do Professor Luís Soares, no mais antigo.
Mas não se esqueça, jamé de la vie, da mudança, do desenvolvimento, do surto de progresso dos esportes amadores , basquete, voleibol e futebol de salão, a partir da inauguração do primeiro ginásio de vergonha que a cidade conheceu, e que recebeu de Sylvio Piza Pedroza. Ultimamente, Natal não é nenhum rabo de cavalo pra só crescer pra baixo, o velho palácio da Seridó está ½ safado, Maranhão fez outro palácio mais paidégua, mas dez anos de bons serviços prestados asseguram a estabilidade funcional e ele vai continuando, impávido e sereno, quem já foi rei não deixa nunca de ter a sua majestade.
O corre-corre da ampulheta do tempo é forte, como já dizia a madre superiora. Menos para o construtor do ginásio do Instituto, que em dez anos está muito mais acabado do que ele próprio em quase meio século de “savir vivre” pra ninguém botar defeito. Pra Sylvio, desligaram o velocímetro, o tempo não tá correndo, a ampulheta-nem-nem, dá até vontade da gente pedir a “receita”, só sendo “coisa feita”, vai ver que é...
Poucas medalhas do mérito esportivo estarão com melhor dono. E muitos poucos a terão recebido com tanto amor, tanto carinho e tanta noblesse como esse papa-jerimum internacional a vai receber logo mais, qual atleta olímpico recebia aquele galho de mato consagrador nada valia pelo valor que tinha, mas tudo valia pelo que representava. É que Sylvio sempre soube cultivar a filosofia magnífica de tudo dar sem nada querer, dentro do melhor modelo greco-romano da alma sã em corpo são, sem nunca arrefecer o ideal olímpico de fer-plei, sempre competindo com lisura, dignidade e esportividade. Muita esportividade...


Não é tudo. Não é nada

João da Rua



Noite. Cidade. Centro. Periferia. Tomo um banho de lua e caio na quebrada da rua. Qualquer carinho porreta venha me valer. Mina paquera. Brotos. Brotinhos de bambu gostosos pra xuxu. Garotos meets garotos. Taxi-girl. Gal. Tal qual nada igual.
Tédio. Amor.
Prazer.
Na contramão da cidade qualquer carinho seduz? Brilho da noite dionisíaca. Fogo.
O anjo terrível do jardim das delícias, zarpou, tomou o trem das onze ou foi atiçar o fogo de outras paisagens da cidade. Ninguém quanto. Alguém poderia ser igual? Como poesia, um achado genial. Poema visual totem total.
Tiros avulsos do seu olhar de laser, me deixam confuso. Dândi suburbano num passo de trembala, entre um cigarro e outro, o olhar incisivo e distante, o seu olhar paralisante, num flerte-míssil porém constante. Conheço essa marca, o que ela carrega em si. Mas quero tudo você para mim. Embora os desacertos desse amor-polaróide acabe dando certo num revezamento tesudo, acasos poéticos, rolando muito bem nas ondas, fios das gramas, no marrom da areia, sacudindo a mesquinhez da poeira dos dias.
Desacertos há.
Num abalroamento de corpos numa esquina do congestionado trânsito de gente do centro da cidade, nesse esbarra em você, é que eu te amo, romance-cilada que com tantos entrementes, não tem fim.
Meu romance barato é um barato. Meu romance. Escrevivência. Sedução.
Galáxia enamorada. Galáxia in the sky with diamonds. Translucidez. Delírio urbano. Alegórica satisfação.
Stephen Dedalus Morrison mora ao meu lado e sempre me sussurra suas canções. Eu dou férias a Morrison e ouço os seus lamentos chapantes. The boy with the thorn in his side. How soon is now? Acredito mais ainda hoje em poesia, quando ele me diz:

"Há um clube, se você quiser ir
Você pode encontrar alguém que te ama de verdade
Por isso você vai e fica sozinho
E vai embora sozinho
E volta para casa e chora
E tem vontade de morrer."

Acabou-se a idade do Working Class Hero. Os heróis-pós-pop são todos pequeno-burgueses, não sonham, deliram. São gângsteres apaixonados pela prostituta noite no desequilíbrio lindo do caos urbano. Tem no coração o lirismo do aço e gritam suavemente canções que fariam Rimbaud chorar.

In Temporada de Ingênios, João da RuaNossa Editora/Timbredições, 1986


Parto verde

Parto Verde



Dedicado ao meu irmão Neimar, em 10/10/2003

Pela janela a vista alcançava
O ballet das altivas carnaúbas
De súbito, num tapete de samambaias
Rolava um corpo moreno, esguio
Pescoço, cérebro e mento
Num só movimento
Expeliram no verde um véu carmim
E do cheiro de morte
Emergiu do mar selvagem
Um novo homem, enfim.

Meire Gomes


Aquarius

EU NASCI EM AQUARIUS
NUMA NOITE DE ECLIPSE LUNAR
NUM LUGAR MUITO CALMO
PRÓXIMO ÀS DUNAS ARBORIZADAS DO TIROL
EM NATAL
ONDE TEM UMA ESTRELA
DE MAGOS DO ORIENTE
Eduardo Alexandre


a hora antiga

a hora antiga

era como um amanhecer
e anoitecia
canteiros de estrelas e tulipas
amarelas meio ao cheiro novo dos jasmins

parecia primavera e era inverno

— era a felicidade —

e eu pensava que era só o seu início.

Márcia Maia


É viajar



Ler é viajar, viajar
será ler?
A leitura conduz
Ao mundo
inteiro
Sem parecer uma
cruz

Andar viajando
pelo mundo
será ter
dinheiro
Aprende-se também
Dependendo de cautela
Como quem pinta uma
tela

Helmut


Sem estrelas

Sem estrelas

Na noite de agosto, deitou-se nua sob o céu à beira-mar. E viu lhe choverem lágrimas. Na noite de São Lourenço, nenhuma estrela.

Márcia Maia


enigma

esfinge de mim
proponho-me o maior de todos
os enigmas

— quem sou? —

(na tarde, ecoam risos
— de pedra —
as faces milenares das estátuas
contorcem-se num imperceptível ricto)

e eu, perdida em meus próprios labirintos
mais uma vez, não consigo
a mim, me responder.

Márcia Maia


Esperança


Dê esperanças
à Lua
quando, novamente
ela brilhar,
estarei aqui
para apreciá-la.

Dê esperanças
ao Sol
quando, ressurgir
vou dourar
e vou senti-lo.

Dê esperanças
ao Amor
quando, ele vier
estarei aqui
-sempre-
a esperá-lo.

Chl.
05/02/05
Chagas Lourenço




sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Resenha do CloE

Gennnnnte!

Meire comeu peixe no Lorota´s. Logo ela, que vive dizendo que não come nada que se movimente. Silêndia chegou muito contente, eufórica. Dizem que é por causa de um novo remédio que ela anda usando, um tal de LuludoLual.

Foto: Juju Pimenta

Karl Leite existe e é tomador de rum com coca e milhares de rodelas de limão. Bebe mais do que Léo e Julinho juntos.

O Bloco dos Assopradores de Cu de Galo passou na frente do Lorota´s e Julinho Galo Capão nem quis ver, talvez com medo de uma soprada...

Eugênio 1/2 chegou atrasado e sem óculos. Os exercícios que fazia para conseguir ler alguma coisa o deixava parecidíssimo com Helmuth Cândido, segundo Dunga Bermudão. De pronto, Léo passou a chamá-lo de Eugênio Cândido.

Dunga, com um bermudão super moderno, roubado do seu filho Artur, quase não se sentava. Ficava de um lado para o outro dizendo que era para fumar sem pertubar Meire, que estava ao seu lado, mas segundo Oswaldo, que estava conversando baixinho com Chagas, era para se mostrar.

Chagas foi olhar o Bloco dos Assopradores de Cu, na esperança de ver Mário Boga. Quando viu os soldados a cavalo, protegendo uma ruma de velhos foliões, não se conteve:

- Depois da cavalgada de sábado, não posso nem ver um cavalo que me dá uma dor na espinha!

José, meio calado, não confirmou nem desmentiu, diante da amada, se havia estado na Banda da Ribeira.

Júlio Imperador Capão somente relaxou quando soube que a Banda da Ascugal estava a dois quarteirões de distância. Passou a noite lamentando a ausência de Rosélis, que, segundo ele, já começou a brincar no carnaval pernambucano. Apaixonadíssimo, declarou que não está nem dormindo, pensando no domingo, quando chegará em Recife, de carona com Silêndia de Lulu. Disse que quando descesse do carro sairia correndo em direção a Flor Lilas como nos filmes: levantaria ela nos braços, num abraço, depois uma rodada junto com um beijo. O perigo é ele não conseguir frear e derrubá-la com seu barrigão em pleno Recife antigo.

Houve um início de briga entre Dunga e Eugênio Cândido por conta do polêmico texto foloboscoitiano de Mário Boga, que ultimamente anda calado, somente apreciando os calangos voadores do seu quintal, que ele jura serem camaleões.

Lá prás tantas, chega Adelaide Guedes, direto do consultório para combinar a festa que acontecerá, ainda em fevereiro, na casa de Boga, em Búzios.

Eu não fui e descobri tudo isso porque Chagas me contou por telefone.

CloE,
preparando a fantasia para o Beco hoje


Lula e Jesus

Dê graças ao Pai!!



Lula, presidente do Brasil, vai a uma igreja em 2006 e se ajoelha na
frente de Jesus, rezando:

Lula: - Jesus, estou totalmente arrependido e gostaria de redimir meus pecados.
Jesus: - Está bem. Que tens feito?
Lula: - Depois de quatro anos no governo, deixei meu povo arruinado e
na miséria.
Jesus: - Dê graças ao Pai!
Lula: - Também traí o povo e meu partido, que me deram apoio e, quando
precisaram de mim, dei-lhes as costas. Expulsei do partido os
verdadeiros petistas!
Jesus: - Dê graças ao Pai!
Lula: - E, por último e pior, pela minha vaidade descontrolada e
desmedida, coloquei meu país rico e maravilhoso no fundo do poço, na
mais completa indigência, em benefício do capital especulativo
internacional, comandado pelo Meireles que eu nomeei presidente do
Banco Central. Protegi o Meireles
e o presidente do Banco do Brasil quando a imprensa apurou as
realidades sobre as delinqüências dos dois. Economizei verbas da
saúde, educação, moradia, conservação de estradas, pesquisas
científicas, tudo para pagar mais juros ao banqueiros. Mandei comprar
lençóis importados, de linho
egípcio. Enchi os depósitos do palácio com todos os tipos de
bebidas caras. Comprei um avião a jato novo, importado, dando emprego
para estrangeiros e não para os brasileiros que trabalham na Embraer.
É que receber mala preta da Embraer ia dar zebra. Protegi os
delinqüentes do MST para desestabilizar a democracia e tentar dar um
golpe e assumir como o Fidel.
Protegi as maracutaias do Zé Dirceu, do Waldomiro e do tesoureiro do
partido. Comprei votos de deputados e senadores com liberação de
verbas de emendas deles ao orçamento.
Arregacei com os velhinhos cobrando novamente dos aposentados a
contribuição previdenciária, sem qualquer contraprestação do Estado
para eles.
Comprei o apoio da Rede Globo com liberação de financiamento pelo
BNDES, para eles pagarem dívidas vencidas, negocinho de pai para filho
com o dinheiro do povo.
Jesus: - Dê graças ao Pai!
Lula: - Mas, Jesus, estou realmente arrependido e a única coisa que o
Senhor tem para me dizer é : "dê graças ao Pai"?
Jesus: - Sim, agradeça ao Pai que estou aqui pregado na cruz,
porque senão desceria para te encher de porrada!


De forró e raparigas

Confrades e Confreiras,
Dani
De forró e Raparigas entendo muito pouco (ou seja: nada). Mas, dois fatos interessantes sobre o assunto tenho a dizer:

De Forró - Impressionei-me quando, em certa tarde de domingo, o globalmente geométrico Fausto Silva, em seu Domingão, 'afirmou' que o forró foi originado em Natal quando, na década de 40, aqui estiveram os americanos. ‘Surtei’ de imediato. E ainda limpando os resíduos digestórios que pingavam da televisão, escrevi um artigo para o Jornal Parnamirim Notícias sobre o tema. Pesquisei Cascudo, Souto Maior e outros gigantes - todos mostravam a incerteza da época, mas a clareza que muito antes de americanos ou ingleses evidenciava-se, nos costumes do homem nordestino, o forrobodó.

E de Raparigas - Em uma entrevista que realizei para o mesmo jornal Parnamirim Noticias - hoje Potiguar Noticias - um ex-prefeito confessou-me que a Vila de Parnamirim acolheu um grande número de prostitutas para acalmar os ânimos da beligerância dos 'companheiros' americanos. De quebra, os 'companheiros' da terrinha aproveitavam a sobra e, anti-ecologicamente falando, 'afogavam o seu estimado ganso' (essa é triste...). Grande parte dessas meninas - aspirantes de co-pilotos - era importada do Estado das Alagoas. Muitas delas, após servirem nobremente as pátrias, permaneceram na Vila, trabalhando e criando seus filhos (futuros cidadãos parnamirinenses).

Esse assunto das prostitutas de Parnamirim quase que me rendia um título de 'Persona Non Grata' e um processo judicial pelos 'nobres, virtuosos e intelectuais' edis daquele município.

Cordialmente

José Correia Torres Neto


Mais charges de guardanapo

Léo Sodré

Léo Sodré


Cagado e cuspido

Depois de muita trela deixada no virtualíssimo grupo do Beco, a propalada discussão sobre a origem do "Cagado e cuspido", chegou a final conclusivo: o termo não vem de Carrara nem de seu mármore, mas da UT/RN onde as meninas cunharam o "descarado e curtido" para referir-se ao filósofo Barbinha de Neném, sempre que este começa a abrir bolsas, livros e cavernas.
Karl vai, Karl vem, até que apareceu. Não precisa nem de foto. O guardanapo de Léo deixou marcas precisas de toda sua fisionomia.

Léo Sodré


Decálogo do aprendiz

DECÁLOGO DO APRENDIZ

Picasso

Mais vale sugerir do que dizer
— diz mais quando se diz com sutileza —.
Falar como quem fala sem querer,
juntando, ao que disser, delicadeza.

E nada lhe pergunte. Dialogue.
Respostas surgirão naturalmente.
A chave é perguntar sem que interrogue
( e ela, respondendo, não se sente).

Sincero seja sempre a qualquer hora
(mentir é demodé e é um perigo...).
O que se vai dizer não se decora.
O que se vai dizer já vem consigo.

Jamais fingir saber o que não sabe.
O que lhe faz valer é sua essência.
Nem tudo há que dizer. Nem tudo cabe.
Mais vale o que se aprende em convivência.

Que seja a sua altura a altura dela,
falando olho no olho, sem rompante.
Que ele valha tanto quanto ela
e ela veja nele um semelhante.

Elogie. Mas só não gratuitamente.
Mais vale o elogio à hora certa.
Quem ouve só louvor, como se sente?
não sabe quando erra ou quando acerta...

A pressa é inimiga, diz o dito.
Se ela recuar, recue também.
Mas fique a esperar pelo desdito:
se ela avançar, avance além.

"Cantar"? não faça isso. Espere ser.
Cantar é pular fases. Sorva cada.
O encanto da conquista é perceber
que a boa é a que se dá compartilhada.

Presentes caros, "chiques"? nada disso.
A ela dê os simples, dê com calma...
Mas junte a cada um a gana, o viço.
Presentes dê quaisquer, mas dê com alma.

Por fim, lhe seja ombro, se é o caso.
E seja a qualquer hora. Firme e presto.
Passada a precisão, não por acaso,
a ela seja boca todo o resto.


Antoniel Campos


Knossós

knossós, 2005 d.c.?


Márcia Maia

por ser-me o inverso da razão
perco-me neste insano
labirinto

sem teseu
sem ariadne e seu fio

só comigo e com uns restos do
que afirmam ter um dia
sido eu.

tempo


cutelo ou bálsamo?

não o sabem
os cabelos verde-azuis
dos afogados

mas eu o sei
e tu (ainda que negues)
também o sabes.

Foto: Milton Montenegro


nova mitologia


sem rumo
avesso a novos caminhos
perde-se em antigos labirintos
enquanto, perfeitamente atualizado,
liberto de complexos e mitos
o minotauro convida-me
para jantar.

( e eu, exausta de idas e vindas,
aceito sem pestanejar.)

Márcia Maia


Tempestade e calmaria



Possuiu-a de pé, sem preliminares. Sem sequer tirar-lhe a roupa. Apenas afastou um pouco a calcinha. Encostada à porta da sala de jantar, com a maçaneta doendo, primeiro, em suas costas, depois à altura do umbigo quando, virando-a de costas, insaciável, possuiu-a por trás. Sem dizer palavra. Todo desejo, fome, posse, gozo.Ela, a princípio, pensou em resistir, mas logo desistiu. E deixou-se guiar pelos labirintos desse kama-sutra súbita e inesperadamente reinventado. Numa sala de jantar. Num tempo dado por findo. Ao som de Good-bye yellow brick road.Depois, permaneceram sentados, lado a lado, no carpete. Sem uma palavra. Sem se tocarem. Apenas se olhavam. Em silêncio. Ele completamente nu. Ela, dos pés à cabeça, vestida. Quando Elton finalmente se calou, foi como se despertassem de um transe infinito. Quase sem sentir, riram.Está com fome? ela perguntou. Um bocado. Sobrou alguma coisa do jantar? ele respondeu. Acho que sim. Sempre posso ajeitar.Ele se vestiu e abriu a garrafa de vinho esquecida, há séculos, no armário. Ela esquentou o resto do risoto. E antes que terminassem de jantar, ele perguntou: ainda quer o divórcio?
Talvez. Pouca coisa mudou. Mas nos dou a chance de tentar nos reinventarmos, respondeu.Alguma exigência em particular? ele arriscou.Sim. Uma essencial e definitiva, ela murmurou, entre um gole e outro de vinho. Um pleito.Pleito? Ele riu. Diga-me qual.Este:

quero:

quero:

sentir a tua boca
em minha boca
a tua língua percorrendo
meus recantos mais secretos
o roçar da tua barba
arranhado o meu pescoço
a aspereza das tuas mãos
por toda a pele do meu corpo.

ser-te meu
ter-me tua

em entre sob sobre

até que mais uma vez
desamanheça

até que uma vez mais
se ponha a lua.

Amém, ele disse. E como a selar o compromisso, serviu um pouco mais de vinho e, após tomá-lo, jogou o copo de cristal por sobre o ombro esquerdo. E no silêncio que cercava casa e madrugada, o eco do cristal espatifado no ladrilho repetiu uma única palavra: amor.




Márcia Maia




quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Os Cão de lá

Bloco da Lama
Pronto. Esse movimento cultural conseguimos exportar para o resto do Brasil. Os Cão fez escola e em todos os mangues surge uma nova versão para a brincadeira. Na foto, a folia é em Paraty, Rio de Janeiro.


Ao operário intelectual Luciano de Almeida

João Gualberto Aguiar

Foto: Lenilton Lima

Luciano de Almeida, da Cooperativa dos Jornalistas de Natal, vem da militância revolucionária clandestina dos anos 70. Mandei para ele um punhado de versos livres, quando estava preso na Ilha de Itamaracá. Esqueço o poema que ele rasgou depois de ler e mostrar aos companheiros de cárcere.
Conheci Luciano no Atheneu Norte-Rio-Grandense, no período anterior e posterior a 64. Havia muita agitação estudantil naquela época secundarista. Eu me lembro de tomar porres homéricos na Confeitaria Atheneu, declamando e ouvindo os versos de Augusto dos Anjos. Era muito cedo para João Cabral de Melo Neto, que só vim a conhecer em 67. O movimento estudantil era bem organizado. Luciano era um dos líderes dessa militância política, antes e depois da ditadura militar. Ele seguia um caminho. Devia obediência ao Partido.
No final de 60, respondi a vários inquéritos policiais militares em Natal, na Fundação José Augusto, no quartel da Polícia Militar, no antigo 16º, e ainda fui intimado a comparecer à Auditoria Militar do IV Exército, em Recife. Fui absolvido. Nem por isso deixei de ser “comunista”. Para todos os efeitos, era comunista: não para os militantes clandestinos do PCBR, que me chamavam de “indisciplinado”. Era comunista para os “censores” que pontificavam nas redações, nos bares e nos lares. “Só pode ser comunista.” “Só os comunistas sabem fazem jornal”, eles diziam. Estava na cara que eu não tinha compromissos com esses ideólogos, a não ser o dever de trabalhar com dignidade para garantir o salário do jornalista. Alguns anos antes, tivera experiência semelhante no Banco do Brasil. O trabalho bancário, no cadastro dos pequenos trabalhadores, levou-me à Faculdade de Sociologia, em 68. Vinte anos depois, encerrei, sem diploma, minha vida acadêmica.
Havia alternativas para quem tinha uma “visão de mundo” marxista: lucidez ou alienação, revolução ou existencialismo pequeno-burguês, “ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”. Para falar a verdade, andei viajando por este nosso “berço esplêndido”. Tanto que, em vez de um título acadêmico, ganhei o epíteto de “poeta marginal”. Bem feito, para quem andava por aí rodando cadernos de poesia em mimeógrafo. Era a ruptura, o começo do fim de todos os preconceitos, de uma angústia mórbida, de um Cristo vacilante, sem cruz ou apóstolos. O conceito de “pátria livre” continua em questão, no hino histórico e no cotidiano vulgar. Hoje sou apenas mais um poema inédito e isso, para mim, é evidência de que continuo na luta. A luta da palavra para encontrar seu meio de expressão. Não a vida literária, mas a luta da literatura.
Luciano de Almeida, operário intelectual, também está nessa luta. Lembra-me Engels, que antes dos 25 anos havia publicado o célebre “A situação da classe operária na Inglaterra”. O velho Marx, em “O Capital”, afirmou ter esse trabalho “uma profunda compreensão do modo de produção capitalista.” Os dois, Marx e Engels, cultivaram uma amizade de 40 anos. A respeito desse período, disse Engels: “Ao que Marx realizou, eu não teria chegado. Marx estava mais acima, via mais longe, abarcava mais e rapidamente, do que todos nós, os outros. Marx era um gênio, nós, os outros, no máximo, homens talentosos.”
Luciano de Almeida faz parte dessa luta. Enquanto existirem poetas, escritores, jornalistas, artistas da palavra, a própria arte terá sua recompensa. E a recompensa da arte é a maior compreensão do humano, suas idéias, seus questionamentos, a permanência do humano, sua força e sua ternura. A revolução é intemporal, porque está no coração dos seres. O mundo não pára de girar, com seus muros ruídos e seus ídolos de barro, todavia é preciso “comportar-se com seriedade diante de seus sonhos”, para citar uma máxima tão admirada por Lênin.

In A esquerda em Questão, do Socialismo Científico ao anarquismo
Luciano de Almeida. Coojornat, 1991.


Beco da Lama, Rua Doutor José Ivo

José Ivo,
o apóstolo da medicina do Rio Grande do Norte
Salésia Dantas
Tribuna do Norte
25/03/01

Se estivesse vivo, teria completado ontem 100 anos de nascimento o médico José Ivo Moreira Cavalcanti. Foi como professor que iniciou sua carreira e dela nunca afastou-se, lecionando em várias escolas de Natal, conciliando as atividades de médico formado pela Faculdade do Recife aos 33 anos, já casado com Josefina Moura Cavalcanti.
De família humilde, enfrentando dificuldades para concluir os estudos, trabalhava durante o dia e à noite aprendia as lições aproveitando a luz dos poucos lampiões que iluminavam as praças públicas da cidade provinciana.
Ainda criança, perdeu o pai, passando a ser educado por outra família, os Moreira, de quem adotou o sobrenome. Fez do exercício da profissão um sacerdócio até próximo a falecer no dia 3 de abril de 1955, vítima do segundo enfarte aos 54 anos de idade. Era o médico amigo dos pobres e ricos, razão pela qual, ao se espalhar a notícia do seu falecimento, numa madrugada de forte chuva e trovões como a muito não acontecia em Natal, uma romaria de ilustres e humildes se aglomerava diante da capela da Policlínica do Alecrim, local do velório, dali saindo para o cemitério do bairro.
Eram as últimas homenagens prestadas ao médico das famílias, que não media esforços para atender a um chamado de urgência a qualquer hora. Não dirigia. Por isso, se deslocava de táxi até à casa dos clientes. O único carro que possuiu foi um Ford Perfect, que lhe serviu até os últimos dias de vida, tendo como motorista um soldado da Polícia Militar, direito designado pelo comando da agremiação por sua patente de médico capitão. O veículo foi presente do amigo comerciante Amaro Mesquita, que ao fazer-lhe a doação teria dito: "É para você, Zé Ivo, poder fazer mais caridade e não se cansar tanto".

Boemia
Sua trajetória de vida foi cumprida por marcantes fases. O jovem boêmio, autêntico xaria nascido na Cidade Alta - rua Vaz Gondim próximo ao Beco da Lama, e que atualmente recebe o seu nome, é citado por Cascudo como grande prestigiador da poesia e canções da época, ao interpretar com sua privilegiada voz o amigo compositor Othoniel Menezes em serenatas pelas desertas e pacatas ruas de Natal.
Em seu livro O Cancioneiro de Othoniel Menezes, Cláudio Pinto Galvão descreve relato de Luís da Câmara Cascudo de que, era a canção Viver de Amor, letra de Othoniel, a preferida dos seresteiros natalenses. Dentre estes, José Ivo, que tinha uma peculiaridade: ao chegar no verso:

"Cravo a florir na fantasia
de minha lira rude e apaixonada!
Que tormento, se fores um dia
Uma saudade roxa e envenenada",

gritava: "De joelhos!". E o grupo todo obedecia. Justificava ser este o mais belo verso, e por isto, devia ser cantado de joelhos.

O religioso
A boemia foi abandonada por conta de uma forte crise de apendicite, sendo operado de urgência. Escapando desta, daí em diante dedicou-se com fervor à religião católica. Filiou-se à Congregação Mariana, à Ordem do Imaculado Coração de Jesus, Irmandade dos Passos e conferencista de encontros eucarísticos e nos retiros durante o período de Carnaval.
Acompanhava com freqüência as procissões religiosas, levando ao seu lado a mulher Josefina e o filho único Lúcio José. Fez parte ainda, da comissão de reconstrução do Convento Santo Antônio em plena segunda guerra mundial, conforme é citado em livro escrito pelo Monsenhor Eymard L'Erestre Monteiro sobre a Igreja do Galo.
Ao lado do Monsenhor Alair Vilar, peregrinou pelo reconhecimento dos mártires de Cunhaú e Uruassu, sendo muitos os seminaristas que receberam ajuda financeira de sua parte para prosseguimento da vocação religiosa. A convite do professor Ulisses de Góis, fundador do jornal A Ordem, colaborou com a escrita de vários artigos para este periódico católico.

Desportista
Na juventude, José Ivo foi desportista, remando pelo Centro Náutico Potengi, e torcedor dos mais ferrenhos pelo time do coração: o América FC.

O militar

Foi também um dos fundadores do Hospital da Polícia Militar de Natal, indicado seu primeiro diretor em 1945. Com o licenciamento de Dix-huit Rosado Maia, ele passou a ocupar o cargo de capitão médico da agremiação. Costumava retribuir a continência militar dos subalternos com a pergunta: "Como vai, meu filho?". Da mesma forma que atendia com simplicidade, nas suas cotidianas visitas médicas ao quartel, ao militar que lhe procurava para consultas. Esperava pacientemente que este, diante dele, perfilado e em impostada voz, citasse a patente, nome, número e o pelotão ao qual pertencia, para dizer-lhe calmamente: "Venha cá, meu filho, dizer o que sentes!"

Política
Sendo José Ivo Moreira Cavalcanti um homem de reconhecida estima e respeito entre pobres e ricos com os quais vivia diariamente em contato com o cumprimento de sua missão clínica, não pôde fugir ao desejo dos amigos em vê-lo ingressar na política candidato a deputado estadual. Não logrando vitória, usou do constante humor como justificativa: "Amigos, eu tenho muitos, mas, eles já estariam presos a outros candidatos melhores do que eu".
Monarquista, mantinha correspondência com os Orleans e Bragança, contribuindo financeiramente para a volta do regime ao país, sendo representante no Estado do movimento Ação Imperial Patrianovista, que também tinha como filiados Câmara Cascudo, desembargador Antônio Soares, monsenhor João da Mata, padre Monte, juiz Véscio Barreto, professor Edgard Barbosa, dentre vários incluídos nas fichas amareladas guardadas com carinho, entre outros documentos, pelo filho geólogo Lúcio José Cavalcanti.
As lágrimas não podem ser contidas por Lúcio, ao falar sobre os pais. Relembra a infância no casarão antigo da Avenida Rio Branco, dividido entre residência e consultório. Final da tarde, era ponto de encontro para as conversas entre médicos, políticos, comerciantes, intelectuais. Um deles, o Mestre Cascudo. E humildes, também. Figuras populares que vinham cumprimentar o dotô Zé Ivo, compadre de tanta gente nesta cidade.
Morreu pobre, mesmo com tantas funções desempenhadas. Provas da dedicação e o espírito humanitário nos cargos exercidos. Nada sendo incorporado aos seus ganhos salariais e ao falecer ficando apenas para a viúva o montepio de professor estadual.
Da solidariedade dos amigos, a família recebeu um imóvel localizado à rua Mossoró. Doutor José Ivo é nome de cadeira na Academia de Medicina do Rio Grande do Norte, ocupada pelo médico Estênio Gomes da Silveira.


Milton Siqueira

Milton Siqueira é o poeta natalense que mais tem a cara do Grande do Ponto. Viveu seus últimos dias todo o cotidiano do centro da cidade.
"Nasceu em Pedro velho/RN, no dia 10 de novembro de 1911. Filho de família tradicional do nosso Estado, Milton Siqueira, mesmo não tendo formação acadêmica, desenvolveu uma intensa atividade literária. Colaborou em diversos jornais e revistas de Natal, e é considerado pelas novas gerações com o nosso " poeta beat", pelo jeito rebelde e despojado que viveu seus últimos anos de vida. Faleceu no ano de 1988. Publicou os seguintes livros de poesia: Emoções; Flores Murchas; Botões de Rosa; Poema de Deus; Flores e Urzes; Gorjeios do Sertão, entre outros."
Todos os dias, era visto no Grande Ponto, vendendo poesia feita ao vivo, e das quais sobrevivia.

Foto: Oswaldo Ribeiro

Berço florido da hospitalidade
Potiguarânia intrépida e viril
Nenhuma tem maior brasilidade
Do que tu, entre as terras do Brasil!

De Camarão possuis o sangue heril
De Miguelinho a indômita bondade
De Severo o caráter varonil
De João Maria a doce caridade!

Teus santos, teus poetas, teu heróis
Brilham na luz eterna de mil sóis
Encastoados no teu firmamento!

No sacrário de tua altiva história
Fulguram jóias de rútila glória
Pérola do mais puro sentimento!

In Poesia Circular, Cenarte.


O reinado da alegria


Gutemberg Costa
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O rei momo e a rainha são figuras peculiares na história do carnaval natalense. Sabe-se que a introdução do personagem carismático e gordo no carnaval brasileiro deu-se com o aparecimento de uma figura de um boneco de papelão obeso que percorria as ruas durante os dias de carnaval.
Depois, o tal boneco foi substituído pela eleição de um folião gordo, alegre e dançante que recebia, simbolicamente, a chave da cidade das mãos dos prefeitos, com a ordem de comandar os festejos carnavalescos da cidade e espalhar a alegria no povo. No passado, como todo rei e rainha, ainda dispunham de uma corte para acompanhamento, constituída de seguranças e músicos corneteiros para anunciar a solene chegada aos clubes, além de motoristas particulares e quem mais o rei achasse no direito de fazer parte de sua corte.
Na época da Segunda Guerra, o nosso rei momo foi o popular folião Zé Areia. O escritor Augusto Severo Neto conta em suas memórias que o Zé Areia vendo a pompa de um rei momo nos anos setenta, teria feito o seguinte comentário: "Como rei momo não tive esta sorte!". Nos anos sessenta, tivemos o gordo Manoel Basílio, que saiu da gerência de uma casa comercial de tecidos para o reinado de carnaval.
O pernambucano Paulo Maux (1934-1984) foi um dos mais gordos do reinado momesco local e também foi o que teve o mais longo período como rei do carnaval. Foram 17 anos de reinado. Em 1984, quando entrevistei a viúva de Paulo, dona Elba, a mesma foi contando-me parte da história dos carnavais em que seu esposo era imbatível nas eleições. Ela estava emocionada, entre lagrimas e risos. Entre outras curiosidades, dona Elba, soltou esta: "Num carnaval do passado, no clube América, um grupo de rapazes da alta sociedade jogou Paulo de uma sacada para o chão. Ele tinha muita gordura para lhe aparar na queda e talvez por causa disto só sofreu uma fratura em um dos braços. Paulo não deu queixa na polícia e terminou o carnaval como se nada tivesse acontecido, perdoando os súditos adeptos de brincadeiras de mau gosto.
Outra vez soube de última hora que ia ser "seqüestrado" quando lhe fizeram um convite para ir a Natal. O "seqüestro" do rei era sempre arquitetado pela corte de outro rei não oficial de nome Severino Galvão. Se acaso o Paulo ficasse "preso" em alguma granja ou residência, era tempo livre para seu concorrente Severino comparecer aos clubes e reinar com a pompa que o carnaval naquela época oferecia ao rei e sua corte. Paulo, desconfiado, só atendia ao convite oficial da prefeitura e dos amigos mais chegados.
Dona Elba Maux contou que uma moça candidatando-se a eleição de rainha sem o devido conhecimento de seus pais, quando ganhou a escolha, para sair ao lado de Paulo, teve que levar consigo sua mãe, que a acompanhou nos bailes noturnos das dezenas de clubes de então.
Paulo quando enveredou pela política partidária ao lado da oposição ao regime militar perdeu a sua única eleição para a Câmara Municipal de Natal. Dizem que foi vítima da famigerada propaganda do "Já ganhou". Dona Elba gentilmente doou várias fotografias de seu acervo particular dos melhores momentos vividos por seu esposo, pai de sua filha e rei para sempre.
Mais tarde, outro gordo, o magarefe Sebastião, apelidado de Beré, brilhou no carnaval de Natal e, na história, foi o primeiro rei momo de cor escura, pois o segundo foi Givaldo Batista, que saiu do rádio e jornal para o reinado de momo. O rei Beré ficou decepcionado quando da primeira eleição direta: perdeu para o magro Severino Galvão no ano de 1985. Nesta eleição, Severino Galvão entrou para a história como o mais idoso deles, com 70 anos de idade.
Neste seu primeiro reinado oficial, o ex-rei momo Severino, de protesto, teve ao seu lado como rainha eleita, a prostituta Natividade de Souza, que morava nos prostíbulos da rua São Pedro do bairro das Rocas. A pobre senhora Natividade, chegou a ser rainha numa armação do carnavalesco Evaldo, que a inscreveu por sua escola de samba. Dou o testemunho do trabalho que a mesma deu para cabeleireiros e maquiadores...
A eleição direta para a escolha do rei e da rainha foi uma popular criação do então secretário municipal Geovani Rodrigues, no governo Marcos Formiga, que não contava em seus planos com a brejeira do carnavalesco Evaldo. A rainha Natividade brincou e reinou, com todo respeito, seu reinado e sem discriminação alguma quanto a sua velha profissão...
Nos anos 90, o rei momo Tomaz Neto, passou de comerciante de restaurante a rei, graças a varinha de condão do jornalista Adalberto Rodrigues que o apadrinhava. Neto, considerado magro, seguindo os conselhos de Adalberto, vestia uma folgada fantasia recheada de espuma, o que triplicava a sua massa muscular. E, assim, milagrosamente, ele tomou conta da chave da cidade por seguidos anos.
O primeiro rei momo intelectual que tivemos, foi o professor, escritor e historiador João Alfredo, que reinando por vários anos, ainda é o rei. Todos os anos, veste sua fantasia e, com a coroa na cabeça, vai ao lado de uma rainha andando a pé ao lado do povo e dos foliões da banda do Siri da praia da Redinha.
Outro que entrou para a história como o primeiro babalorixá a ganhar uma eleição para rei, foi Josué Santiago, que, com a ajuda do padrinho Adalberto, reinou mais de uma vez em nosso carnaval. Josué foi também o mais triste, de cara fechada, que, segundo os boatos, não mostrava os dentes nem para dentistas. Parecia mais um santo de altar, de tão duro que se apresentava no meio do povo, sem o gingado e a alegria dos gordos Paulo e Beré.
A respeito disto, um comentarista de um jornal local chegou a fazer o seguinte comentário: "O rei Josué parece que havia comido alguma coisa que não tinha gostado e não estava passando bem.”
Muita coisa deve ser acrescentada à história dos reis momos que promoveram a folia na cidade dos reis magos. Existem ainda entrevistas, velhos recortes de jornais e fotografias que podem, algum dia, compor um respeitoso acervo. Afinal, rei é rei, como diz o ditado popular.


Retratos de silêncio de Maria Boa



Márcio de Lima Dantas

Todo mundo sabe que Maria Boa, antiga cafetina e proprietária de um reputado bordel da cidade, "o Cabaré de Maria Boa", não gostava de ser fotografada, tampouco dava entrevistas. Difundiu-se a informação que era um artifício para proteger sua família, sobretudo as netas, estudantes em colégios de classe média da cidade, bem como uma maneira de resguardar os nomes da sua importante clientela, constituída de homens "de boa família". Mulher distinta e discreta, depois de ataviada pelas aias, nas antológicas noites licenciosas, a abadessa permanecia na sua cela. Quando tomava conhecimento de alguém importante no Salão, dirigia-se solenemente, e com grande polidez, reverenciava o visitante: político, industrial, fazendeiro.
Para além da atitude ética de proteger sua família, o que faz parecer um jogo com a hipocrisia da sociedade, penso que, na atitude de se manter reservada, se inscreve um outro aspecto digno de ser ressaltado. Falo do mito que entorna a personagem Maria Boa, de certa maneira, criado e ritualizado por ela mesma, dimensão de fantasia para além do empírico vivenciado. Aquilo que Roland Barthes se refere ao deliberado anonimato de Greta Garbo como necessidade de preservar uma imagem da decadência física, abandonando o cinema e a vida mundana, pois a atriz desejava seu rosto preservado numa "ordem conceptual", ou seja, integrante da Idéia, não da substância, com a inexorável perecibilidade de tudo que é da ordem do material.
Nas fotos que permaneceram, sobretudo esta, tirada durante uma festa na casa de uma colega também proprietária de famoso bordel, a Francisquinha, sobrevivente, hoje, de uma época de fausto das casas de recursos, deixa entrever, pela configuração do seu opulento corpo – atributo servente para apelidar seu codinome – um majestático porte natural que poucas mulheres das nossas classes dominantes conseguem alcançar. A maneira de passar as grossas pernas uma sobre a outra, sugere uma naturalidade na qual o corpo se encontrava em harmonia com a alma. Havia uma presença de discreta elegância e acentuado charme, semelhante ao daquelas pessoas um tanto saudáveis, encanto que recende por meio de uma aura na qual o corpo queda-se confortável com o temperamento que o habita. A pele delicada e sedosa deixava entrever a fartura de sua saúde psicossomática.
Ora, a famosa meretriz sabiamente já acumulara uma certa fortuna, podia dar-se ao luxo de manipular o arquétipo da mulher enigmática e de difícil alcance, fazendo vigorar somente seus caprichos de mulher-dama requintada e respeitada entre as classes dominantes da cidade. O pudor fazia parte do jogo no qual o mito se alimentava. Até no nome o mito instalara sua oficina de imagens dinâmicas (Gaston BACHELARD), suplantando as formas e permanecendo preso a determinadas estruturas do imaginário. Astuciosamente se fez conhecer por "Maria", o antropônimo mais comum no universo feminino, genérico e pouco dado a divagações semióticas. Ironicamente é o nome da mãe de Jesus... Quem não tinha conhecimento no Estado de uma proprietária de um requintado lupanar, e que se chamava Maria, a Boa? O mito, da constituição do éter, era aspirado por todos, preenchendo necessidades, ocupando lugares no espírito, imprimindo fantasias nos adolescentes, despertando em jovens mulheres às aventuras da carne, engendrando adultérios imaginários. Integrava, assim, o patrimônio individual e coletivo. Era necessária a existência dessa cortesã, lacrada num paradoxal anonimato: todos sabiam da sua existência, entretanto, não era vista por quase ninguém. Consagrou-se, sem que fosse necessário conciliar-se em demasia com o modus vivendi, contrário à sua própria forma de ganhar a vida. Intuitivamente fez uso dos meandros por onde o mito escorre suas autônomas imagens. Sabia muito bem não ser necessário o factual para que o humano buscasse, mesmo sem vê-la, toda a lombra de uma imaginação das formas, suplantadas, de longe, pela supremacia da imaginação dinâmica.
Em suma, como responder a partir de um dos mitos principais que compõem o imaginário da cidade do Natal à pergunta feita na epígrafe deste artigo? Penso que o autor recifense da obra-prima, o romance A rainha dos cárceres da Grécia, nos dá a resposta: "O corpo é uma história: a do seu próprio curso."


Ela estava no Zeppelin

From Rio to Akron aboard the Graf Zeppelin, 1933
A flight aboard a dirigible, as seen through the eyes of an eight year old girl
(Fragmento)
Zeppelin em Natal
Alicia Momsen Miller
(...)
No one on board was allowed to smoke because of the flammable hydrogen gas which kept us afloat. The smokers chewed gum instead. For entertainment the adult passengers played cards and bridge. Dick and I played checkers and read when we weren't looking out the window.
I liked to look up at the sky and down at the water below when we were over the ocean.When we were over land and towns it was fun to look down at the roof tops. We went low enough to see through the open windows of some houses, and people in the streets and houses waved to us with their towels and cloths. Sometimes we waved towels out the window back at them. We could see dogs running away and chickens scattering as our shadow passed over them.
After our first day and night of travel we arrived at Recife, capital of the state of Pernambuco, at 5:30 a.m. It had rained earlier and, as we descended, we saw a completely circular rainbow in the sky. Our family was the last to leave the ship, but by 7 a.m. we too were ashore, and were driven to the Central Hotel.
We toured the city, spent some time at the beach, and by nighttime returned to the Graf Zeppelin.
Bands played and a big crowd saw us off that night. As we rose from the field, the band music became fainter as we cruised northward, leaving the twinkling lights of Recife behind.
During the night we passed aver the city of Natal, capital of the state of Rio Grande do Norte, on the coast of Brazil nearest Africa. We dropped a lighted wreath of flowers attached to a parachute in memory of Augusto Severo, a famous Brazilian balloonist whose airship Pax, built in France to his own design, exploded and burned at 1500 feet in a Paris flight in 1902. Both Severo and his French mechanic Sachs, died in the accident. Later we were told that the parachute had blown away and did not land where everyone was waiting for it, ready to receive the gift with music and ceremonial speeches.
Before leaving Brazil, Captain Eckener flew westward and inland to give us a good look at the Amazon. We went so low and slowly that we frightened flocks of egrets which flew up from their jungle perches in clouds of white feathers. Alligators basked in the sun on river banks as we passed the long, wide Amazon River. The rest of the jungle was an uninteresting solid green sea of tree tops.
That afternoon my mother, father, Dick, and I were invited to see the inside of the hull of the ship, and where the crew slept.
(...)


Versos de circustância

Foto: Hugo Macedo

há uma desmanhã nesta manhã
impalpável semi-oculta
impressentida

um dessabor no negrume do café
um desazul no céu entrevisto da
cozinha

(mesmo o blade runner tocando
como sempre na vitrola soa
estranhamente estranho)

nos meus olhos se abrem gestos
equivocados incompletos
imprecisos

e nos versos que escrevem minhas
mãos nada há que desolhares
vesgos vagos míopes.



Márcia Maia


Mulher fashion, com certeza

Sanderson Negreiros
Tribuna do Norte
06/01/2002

Estava o pobre cronista a enfrentar o calor da tarde, tomando sorvete, no que antigamente se chamava restaurante, lanchonete, ou qualquer outra coisa, mas que, no caso, tinha o nome regionalíssimo de bistrô. Compulsava jornais do dia, meditava nas querelas e ensinamentos do ano que se findava nas lonjuras do espanto. Foi quando, de repente, pressenti e ouvi que três senhoras bonitas, modernas e natalenses, falavam, exaltadas, bem perto de mim. Exatamente atrás de mim. Como estava de soslaio, elas não previam minha curiosidade inata diante do diálogo que os seres humanos, geralmente ricos e pouco enriquecedores, mas sábios e joviais, possam revelar da personalidade frágil e forte - ao mesmo tempo - da condição humana.
Liguei meu gravador, que guardo na minha lembrança mais especial, e fixei momentos inesquecíveis da conversa dessas três citadas senhoras - ou senhoritas, quem sabe? Será que ainda existe essa classe? Uma delas, exaltadíssima, conclamava a solidariedade das duas, e dizia: "Vocês viram? Não fui incluída por Vânia Marinho, na página que ela escreve na TRIBUNA DO NORTE, como mulher fashion do ano. Era só o que faltava".
A segunda amiga deduziu outras explicações: "Isso é pura marcação. Tenho certeza de minha elegância, sou bem-nascida, tenho berço. Com certeza. A revista CARAS inclusive quis fazer uma matéria comigo e vem Vânia Marinho, achando-se dona da verdade, e me exclui da lista também propositadamente. Duvido que se Salésia ainda escrevesse sua coluna, me esquecesse. Com certeza (expressão da moda) que não ..." Senti a vibração furiosa e feminina das vaidades feridas - ou de feras abatidas pela decepção.
Aí, foi a vez da terceira comensal. O meu sorvete já havia se evaporado. De cabeça baixa, eu era só atenção, e profunda, por aquele diálogo, ou triálogo, memorável. Foi quando a terceira voz, branda mas contundente, revelou a sua história ecumênica. E desabafou: "Duvido que se Jota Epifânio fosse vivo, com certeza, eu estaria entre as dez mais elegantes, como ele tanto me considerava. Mas é isso: o que será elegância para Vânia Marinho? Eu compro roupas na Daslu, sapatos em Roma. Minhas bolsas todas são Louis Vuitton. E também não sou mulher fashion. Por quê?" Contudo, a primeira voz feminina, usando a lógica aristotélica e o pensamento cartesiano, ensinou: "Mas essa jornalista diz que, para ser fashion, é preciso, além da elegância - e aponta para a matéria do jornal - é preciso "estar sempre presente nos agitos da cidade, freqüentar bares, baladas, vernissages, lançamentos. Ora, ora - eu não sou de tomar porre em bares. Em lugar nenhum. Tenho horror a bebidas e a quem bebe. E precisa estar antenada... Tenho um vestido Picasso puro. Uma blusa Van Gogh legítimo e óculos Renoir autêntico".
A outra presença também não se calou, reagindo: "Nós fomos realmente discriminadas. De propósito mesmo. De agora em diante, vou me dedicar somente a obras de caridade. Com certeza. Agora, pelo amor de Deus, você trocou as bolas. Picasso, Van Gogh e Renoir foram pintores. Você diga Valentino, Versace ou Cartier. Se isso chegar aos ouvidos de Vânia, ai meus orixás..."
A essa altura do confuso campeonato, que trouxe tanta decepção, empates e desempates, levantei-me e, com voz de pastor que cuida de suas ovelhas tresmalhadas, já em pé, olhei para as três e fiz meu pequeno sermão: "As senhoras me permitam o atrevimento em falar-lhes, mas bons mesmo eram os anos 50 que Woden Madruga rememorou, em nota inesquecível. Vou ler, a seguir:
"Me lembro que nos idos dos anos 50, o baile de reveion era no Aéro Clube. Quando dava meia-noite, Maribondo ia para a ponta do palco tocar o clarim. Fazia-se silêncio e o doutor Gentil Ferreira de Souza, presidente, começa o seu discurso de saudação ao Ano Novo. Encerrado, a orquestra de Jonatas d'Albuquerque atacava de frevo. Todos vestidos a rigor, os homens de smoking, summer (paletó branco, calça preta) ou diner-jacket (calça preta, jaqueta branca). Muitos driblavam a etiqueta e vestiam terno branco, mas a gravatinha borboleta preta (podia ser cor de vinho) era indispensável. Como indispensável era a faixa preta (ou vinho) de cetim cobrindo o cinto. As mulheres todas de longo (soirée). Algumas (poucas) mais afoitas (modernas) com decotes generosos". A mais exaltada das três comoveu-se e disse: "Vamos todas voltar aos anos 50. E não precisaremos ser fashion. Com certeza".


Embriaguez

(Ao som de "Gurudeva Mere Yoganda Ki Jaya", sob a mistura de fumaça de Opium
e vela de Absinto)

Foto: Hugo Macedo

Olhos surdos, boca cega
Ouvido mudo
Desapareces entorpecida
Paralisada
Perdes os parcos sentidos
No mantra, em todos os cheiros
Da vela que não se carcome
Teu corpo inerte, imberbe
Liquefaz-se
Deita no branco leito do pranto
De lágrimas e risos
Retira o manto
Do passado santo
E volta a ser o que fora
Distorcida face lilás, rejeição
Perpetração
Meia vida em cela escura
Desenfreada busca
Identidade perdida
Triturada
Reconstruída
Fim do mantra, Hare Hama
A vela manda
À cela, a lama
Não se gele a flama
Pois a alma chama
Pela luz do cheiro
Pela cor do fogo
Pelo som da fumaça
Madana Mohana clama
Desperte em si
O que quiseste ser e não foste
Agora o és
És mutante encontrada
DNA renascido
(Pelo apelo do pêlo
Pelo medo de nunca tê-lo
Pela clemência de sê-lo)
Na aromática teia da parafina
Haribol


Meire Gomes




quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Voltando ao Carnaval

O Carnaval e um pierrot

Newton Navarro

O carnaval passara da avenida Rio Branco para a Deodoro. O Grande Ponto estava apequenando, mas, para se chegar ao desfile, passava-se por ele. Por ali, circulava-se, indo ou voltando.
Esquina da Princesa Isabel com João Pessoa. Pausa para tomar um sorvete na Sorveteria Cruzeiro. Pessoas vão e voltam, fantasias e mascarados. Há restos de sambas e marchinhas pelo ar e um delicioso perfume das “lanças”, inocentes e permitidas.
No meio da rua, um pierrot de branco parou em frente à porta. Tira do bolso um lança-perfume e ensopa um lenço que leva ao nariz. Logo seus braços pendem e o lenço se desprende. O pierrot hesita, vacila e começa a cair devagar. Flutua, como que paira, leve, descendo aos poucos até o chão.
Acodem pessoas a socorrê-lo, levam-no não sei para onde.
“Era Newton Navarro”, alguém disse.

Cláudio Galvão


Dois poemas de Antoniel Campos

OS OLHOS MEUS DE TE OLHAR

Antoniel Campos

Era sobre o branco imenso
— dos lençóis e o que vestias —
que eu olhava os teus olhos
e os teus olhos me olhavam

De tal forma eu te mirava
de tal forma tu me vias
que quanto mais eu te olhava
mais vontade em mim havia
de olhar mais nos teus olhos
os olhos teus que me viam

E tu a mirar-me os olhos
e os olhos meus te mirando
os teus nos meus olhos vendo
meu olhar todo te olhando

E eu te olhava e em mim tu vias
que o mesmo que eu via, olhavas
Olhava-te tanto e tanto
e em mesmo tanto me olhavas
que mais nada os olhos viam
além dos olhos olhados

e de olhar tanto e amiúde
na completude do olhar
eu te vi na infinitude
do meu instante e lugar

E tu a me olhar nos olhos
os olhos meus de te olhar


Antoniel Campos

ADORÁVEL (frag. 01)


sobre o instante que te tenho
aquele em que a mim não me possuo
que dizer?
quem sou quando não meu e em senhorio do teu ser?
o quanto te possuo
se de mim não me sei dono?
e o que digo da impressão duradoura de querer-te?

e por que tantas perguntas se as respostas já as sei?

tu: o que pensas faço lei
o que importa é isso: ter-te
e o que sou digo abandono

real acaso mito
se és tu o meu desejo, tu és única
e nada digo a mais
mas que és única, repito.


Antoniel Campos


Da Rua da Palha ao Beco da Lama

O carnaval na Rua da Palha
Umberto Peregrino
Carnaval do Beco
Quando comecei a me entender de gente, o carnaval de Natal era na rua da Palha (hoje Vigário Bartolomeu), no trecho compreendido entre a rua Ulisses Caldas e a praça do padre João Maria. Instruirei os que não conheceram Natal desse tempo. Era um trecho de uns 300 metros, em moderado declive, as casas todas residenciais, distendidas inteiriçamente no alinhamento da rua.
As janelas numerosas, à razão de cinco ou mais por casa, eram observatórios privilegiados e ficavam sempre repletas. À calçada, punham-se cadeiras que dilatavam a área de conforto dos moradores da rua da Palha...
E, assim, brincava-se uma brincadeira quase inocente, que consistia em circular rua acima, rua abaixo, distribuindo confetes e seringadas de lança-perfume. Quase todos procuravam acertar o jato de lança-perfume na vista uns dos outros, pelo que as crianças se apresentavam em geral protegidas com uns óculos tipo aviador.
Havia abundância de mascarados com a preocupação do engraçado. Podia ser que nem sempre despertassem o nosso riso abundante, mas bem que mereciam uma comovida admiração esses bravos foliões. Como deviam padecer sob as cômicas caracterizações que escolhiam: às vezes, conduziam objetos mortalmente incômodos; outras vezes, afivelavam máscaras martirizadoras como enormes cabeças de bichos; por vezes, ainda, enfiavam roupas antigas, pesadas e sujas, sob as quais suavam em profusão. E havia, também, os que adotavam disfarces raciais e, então, se tisnavam densamente.
Sinceros e resolutos foliões! Para eles, o carnaval era uma breve oportunidade em que podiam dar vazão a sua sopitada vocação crítica.
O que havia, porém, de mais expressivo no carnaval de Natal ao meu tempo de menino, era o misterioso “Zé Pereira”. Misterioso, sim, porque provinha de um clube de rapazes da sociedade, os quais saiam à rua uma única vez por ano, no sábado de carnaval, à meia-noite. Partiam do Natal Clube e percorriam toda a cidade num bonde especial, que, àquela época, os automóveis eram raros e precários.
Lá em casa, os meninos eram postos a dormir na hora do costume, às 7 horas, mas, em verdade, ficávamos numa vigilante excitação íntima. Até meia-noite, todavia, o sono já nos havia vencido, de sorte que quando estalavam os clarins do “ Zé Pereira” e o bonde se movimentava na nossa rua, bem perto do Natal Clube, éramos levados à janela tontos de sono, olhos pesados, mente turva.
O “Zé Pereira” passava rapidamente, era uma imagem breve e confusa. O que se prolongava era o ressoar da sua música; era, sobretudo, o bombo predominante. E durante os três dias, todos entoavam os versos do “Zé Pereira”:

“Viva o Zé Pereira,
Que hoje à rua sai.
Quem não come, cheira;
Quem não tomba, cai:
Zimbararal! Zimbararal!
Viva o carnaval!

In Crônica de uma cidade chamada Natal. Editora Clima. Natal/RN, 1989.


Clóvis Eugênio Press

Resenha do CloE

Julinnn Maledicente!

Essa não é Neuza Margarida Nunes. Tenha respeito!


Ela vai estar na festa aquariana de Mário Boga Spam, ainda esse mês, em Búzios, morenona, de fio dental. Nós os branquelos e Meire, pele de leite, estaremos debaixo do terraço somente observando de longe, enquanto ela espalhará água para todos os lados.

Susane e Danadinha prometem tomar uma cachaça de entortar na festa. A primeira vai toda perua e a segunda de cabeça raspada! Duvido que Mazé, mesmo tomando umas canas, permita uma loucura dessas.

Chagas não contou nada da cavalgada de sábado. Tampouco mandou fotos. Calculo uma ressaca moral daquelas...

Alex anda calado. Não diz se vai, se fica...

Hugo Desorientado Macedo, não sabe mesmo é com quem vai.

Silêndia, se sobreviver ao carnaval de Recife, vai.

O Metrosexual Catabilho, tem que ir porque o seu aniversário é em fevereiro.

Clotilde, mesmo sem ter o que dizer (segundo ela), vai.

Petit das Virgens, se o GURGEL funcionar, chega por lá.

Osvaldo com certeza irá, pois quer ver se alguns membros realmente existem.

Eu não vou.

Karl disse que ia...

CLOe,
preparando a fantasia para a Sapucai


Becopress 2 Fev 05

Becopress
02 de janeiro de 2005

O ASSESSOR...
... de comunicação do governo Wilma de
Faria, jornalista Rubens Lemos Filho,
rechaçou as críticas do deputado Álvaro
Dias, que criticou Wilma taxando-a de
reacionária, lembrando o fato dele ter
tomado o PTD de Leonardo Arruda,
usando um estilo `conservador e
reacionário´. Rubinho, como é chamado,
afirmou ainda que o estilo da
governadora é baseado no diálogo. Por
enquanto é bom não colocar os dois na
mesma mesa.

MUITAS...
... pessoas ligadas à cultura comemoram
a posse de Dácio Galvão na Capitania das
Artes. Ele tem um excelente trânsito nos
meios artísticos e culturais da cidade.



HOJE...
... a partir do meio-dia tem carnaval na
Praia dos Artistas, com a Banda Maria
Mulamanca, que irá homenagear o
vereador Hermano Morais no Bar de
Popó.

DANDO...
... continuidade ao programa História dos
Carnavais, hoje no SeaWay a cantora
Raquel cantará os melhores
sambas-enredo do carnaval carioca, a
partir das 20:30 horas.

A POUSADA...
... Encanto dos Cariris, situada às margens
do Açude Gargalheiras, do fotógrafo Hugo
Macedo está quase pronta. Ele ainda não
divulgou se irá receber hospedes durante
o período momesco, mas alguns amigos
jornalistas já manifestaram o desejo de
curtir a folia seridoense.

ONTEM...
... foi dia de promoção de caranguejos no bar
Lorotas, no Center Onze. Vendido a 1,20
reais na terça-feira, o crustáceo atrai muita
gente.

AS OBRAS...
... da construtora ECOCIL na área de proteção
ambiental de Lagoinha foram novamente
suspensas pelo fato da empresa não ter
conseguido autorização do IBAMA. A decisão
foi do juiz Francisco Barros Dias e os
ambientalistas estão comemorando. Mas,
ninguém se engane, pois o poder econômico
vai continuar brigando e não costuma perder.

QUEM...
... estiver com vontade de ficar rico, corra! A
Megasena está acumulada em 11 milhões.

GRUPOCadastre-se no becodalama@yahoogroups.com ,
o mais irreverente e informativo de Natal

VEJA a coluna também nos:
http://becopress.blogspot.com/ e
www.natalpress.com


Leonardo Sodré (DRT RN 0895), com
Osvaldo Ribeiro e Chagas Lourenço


Empeno, mas não caio!





terça-feira, fevereiro 01, 2005

Busto de Djalma Maranhão

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Celso e Luiz Carlos

NOSSAS HOMENAGENS AOS BECODALAMENSES LULA GUIMARÃES E CELSO DA SILVEIRA

FOTO: AGUIMARINHO SILVA
ILUSTRAÇÃO: ASSIS MARINHO


Centeio e sonho


Centeio e sonho

O mundo seria outro se cada um conhecesse o seu espelho. Se a ele mirasse sem as máscaras das manhãs, lavado o rosto de sonhos banhados em ego.

As relações decerto seriam outras.

A imagem não esconderia falsidades nem hipocrisias. Não acataria as pedras atiradas aos pecados santos de quem pior nunca foi; não se deixaria dourar, pobre alma de latão, ali, diante de si.

O lado não virtual do espelho não se pergunta: que fiz de mim ou o que fui? O que fiz, o que deixei? Não se indaga. O essencial não importa, mas as mentiras refletidas.

Seu lado não virtual afoga-se em maquiagem perfeita de si mesmo.

Nunca duvida: sou o cara. Presa ao suporte, sua imagem ri da cena. Abomina, mas aceita. Como fugir?

Nem as marcas dos anos modificam o cotidiano encardido que ficou. Um dia a mais; a menos, nada modifica o transmutar das horas.

O eu virtual tem limites. O que está diante de si, talvez nunca: é a máscara do império quase sempre estampada; é o senhor de todos os atos humanos e sublimes a mirar-se diante do que nada vale. Porque o que vale, o que é e será, é ele: o senhor das horas absolutas e sem pecados, puro, imaculado, a desdenhar da realidade em volta. Dos amigos, das situações, até dos perigos que não chega a ver diante de si.

Os homens de caras lavadas diante dos espelhos são deuses. Perfeitos, não enxergam. Só os mortais da vizinhança não sabem vê-los assim: esses não prestam.

Os homens diante do espelho navegam na ambigüidade de si mesmos. Não se sabem joio: sonham-se trigo.

Jamais amassarão o pão do centeio consumido. Consomem. Consomem-se.

E ainda se acham melhores do que os que derramam o suor gestor de sua vã egolatria.

Neuza Margarida Nunes

Barro Vermelho, Natal/RN, 1 de fevereiro de 2005

Analisando o gás da maldade


As coisas

AS COISAS SÃO COMO SÃO, E NÃO COMO A GENTE QUER QUE SEJAM

Depois de tantas nuvens a lua apareceu ontem em grande estilo no
horizonte da Praia de Ponta Negra. Alguém acreditava que a Lua apareceria no meio de tanta neblina? Pois é, nem a metereologia é previsível. Só a matemática é exata. Por mais escondida que esteja, uma incógnita sempre é encontrada. É o xis da questão. Nenhum mortal, além deste xis é capaz de prever algo que possa vir a acontecer.
Eu quase acertei a quina da Loto. Saí de casa com os números anotados e na hora H mudei. Se não tivesse mudado, estaria rico. Esta frase é muito comum. Quem nunca disse, pelo menos já ouviu alguém dizer. O ódio e o amor nunca são esquecidos, apenas adormecem. Assim como um palpite de loteria, um grande amor pode não dar certo por uma simples mudança de planos na hora H. Algumas vezes tudo o que planejamos não dá certo, e o que pensávamos que jamais daria certo, inesperadamente acontece. Está escrito? É o destino? Sinceramente eu não sei. Só sei que aprendi a não fazer planos. Toda vez que desejo muito uma coisa, quando não acontece, demora para tal. Já tentei até desenvolver a técnica da não querença, ou seja, desejar disfarçando que não desejo, para enganar a vontade.
Hoje eu faço isso tão bem, que termino sem querer de verdade o que mais queria. Talvez o que se tenha a fazer é querer só pela metade, e depois conquistar o resto bem devagar. Vou tentar. O maior problema é que todo mundo parece que quando consegue algo desejado, já parte em direção a outra conquista, como se valesse apenas o prazer de ter conseguido, não desfruta dos resultados. É aquele lance de esperar pela festa ser melhor do que ir à festa. É complexo. O que temos, material e espiritualmente? O que temos? Estamos satisfeitos? Temos que agradecer o que temos, ou temos que querer mais? Ser ambicioso é crime? Ser grato é ser acomodado? Sempre vai aparecer um adjetivo que qualifique ao modo alheio, o seu jeito. Portanto, acho que é conveniente adaptarmos a estas nuances a conformação ética do estar preparado para outras opções. Não digo estar sempre com uma carta na manga, porque considero cafajestismo cativar um objetivo, pensando em outro. Mas arranjar uma maneira não torpe de livrar-se dos traumas que as decepções naturalmente causam. Ler um livro sobre o assunto que está lhe incomodando, sobre o tema a que você está vivendo em vida, é o melhor remédio, não para entender, mas sim para comparar estes ditos traumas. Escrever também é aconselhável para quem como eu, questiona quase tudo. Será que só eu questiono todas estas coisas? Claro que não. Todos têm seus questionamentos, apenas alguns os contestam. Uma maneira antiga de se livrar das dúvidas é tentar traduzi-las e imortaliza-las em palavras. Escrever de próprio punho, testemunhar o cunho, arriscar as letras. Quantas vezes não ficamos por um triz, e este triz ainda tira um fino do limite ao que se almejava alcançar. Quando conseguimos o que sempre tentamos, ninguém acredita. Nem nós mesmos. Aí vem o excesso maníaco da humildade cabível. – Eu nunca pensei que iria conseguir!!! Sábio é aquele que já sabe quando vai conseguir. Não reluta, insiste, persiste, determina metas, arquiteta planos, traça terrenos e faz seu território prosperar para que tudo aconteça. É sábio sim. Mas às vezes também, nem assim se chega ao esperado. Não é pessimismo, não é realismo, não é otimismo. É o que tem que ser. As coisas são como são, e não como a gente quer que elas sejam. Ou com vocês é diferente? Tanto Cervantes quanto Maquiavel sabiam dos desencantos que os encantos atravessam, pois tinham uma grande paixão morando ao lado dos seus propósitos. Uma paixão a que se devota em posses e perdas. Um era adepto da quimera, o outro estrategista. Porém, ambos sem a certeza total da conquista. O difícil é atrair o óbvio para si sem cair na volúpia da tentação, e impossível mesmo é esquecer o passado. Sem mais querer filosofar, vou deitar a matéria, pois já filo a cama enquanto espero a noite amanhecer. O que tiver de ser não será. É assim que as coisas são.
CARPE DIEN

Mário Henrique Araújo


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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