quarta-feira, outubro 12, 2005

SÁBADO, O PRATODOMUNDO

Marcus Ottoni


"Já se fala em 40 mil mortos, mas acreditamos que são muito mais. No momento, só podemos atender aos vivos, porque não há meios de retirar os mortos."
Naim Mugal, médico, diante da tragédia deixada pelo terromoto de 7,6 graus na escala Richter, sábado último, no Sul da Ásia


Banda Rosa de Pedra estará se apresentando no fechamento do Pratodomundo, dia 5 de novembro

Khrystal, Balalaika Brega Band e cachaça Maria Boa abrem sábado
o Pratodomundo - II Festival Gastronômico do Beco da Lama

Com shows de Krhistal e Balalaika Brega Band e lançamento público da cachaça Maria Boa será aberto neste sábado, 15 de outubro, às 14:00h, o II Festival Gastronômico do Beco da Lama. Onze bares disputam os prêmios de R$ 600,00, R$ 400,00 e R$ 300,00 para os três primeiros colocados, escolhidos por dois júris distintos, um popular (desconhecido dos concorrentes) e outro especializado, composto por chefes de cozinha de grandes restaurantes da cidade.

O Pratodomundo, como é chamado o Festival Gastronômico do Beco da Lama e adjacências, além da gastronomia e música, terá poesia e os bares serão apadrinhados por artistas plásticos que freqüentam o centro da cidade. Como a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências – SAMBA, promotora do evento - junto à Agência Cultural do Sebrae e Fundação José Augusto - está em processo eleitoral, serão abertos os microfones para os pré-candidatos e apoiadores de chapas que já surgem nas mesas dos bares do centro de Natal. Também constam da programação, canjas musicais e poéticas, com palco aberto àqueles que quiserem mostrar sua arte para o público presente.

A programação se estenderá aos sábados seguintes, 22 e 29 de outubro, datas nas quais o júri popular fará o deguste dos pratos oferecidos. Os nomes dos três membros desse júri não serão conhecidos do público, para que os concorrentes mantenham o padrão de qualidade dos pratos. No sábado, 5 de novembro, os três finalistas serão conhecidos e passarão por novo crivo de paladar, agora de três chefes de cozinha, especialmente convidados para a escolha final. A todos os bares participantes será conferido o Pratodomundo, estilizado pelo artista plástico William Galvão.


PRATODOMUNDO
II Festival Gastronômico do Beco da Lama – Natal/RN
Gastronomia – Música – Exposições – Poesia – Boemia

Local: Beco da Lama e Adjacências
Dias: 15, 22 e 29 de Outubro, 05 de Novembro de 2005


Existe desde o passado,
feliz que eu guardo na mente,
Nasi sorrindo pra gente,
mexendo seu "pau melado".
De cultura abarrotado,
na capital potiguar.
E o poeta popular,
não tem porque ficar triste,
O Beco da Lama existe
ninguém consegue acabar...


Bob Motta

Bares Concorrentes – Pratos

1. Bar de Seu Pedrinho
Rua Vigário Bartolomeu, 540
Prato: Baião de dois com sardinha ao molho de tomate

2. Bar de Chico
Rua Dr. José Ivo, 600
Prato: Galinha à cabidela

3. Bar de Mãinha
Rua Dr. José Ivo, 580 – A
Prato: Buchada sertaneja

4. Bardallo´s Comida e Arte
Rua Gonçalves Ledo, 671
Prato: Arrumadinho

5. Restaurante e Bar da Amizade
Rua Vaz Gondim, 681
Prato: Rabada cozida com pirão

6. Bar de Nazaré
Rua Cel. Cascudo, 130
Prato: Carneiro com macaxeira

7. Bar de Francinete
Rua Dr. José Ivo,
Prato: Peixe no coco com pirão


8. Bar de Aluízio
Rua Heitor Carrilho, 107 – A
Prato: Baião de dois


9. Bar de Zé Reeira
Rua Heitor Carrilho, 80
Prato: Miúdo de galinha

10. Bar da Meladinha (Nasi)
Rua Cel. Cascudo, 156
Prato: Costela com pirão

11. Bar de Odete
Rua Dr. José Ivo, 598
Prato: Favada

Léo Sodré


PRATODOMUNDO
Programação

Dia 15 de Outubro
Concentração
Bares de Mãinha, Francinete, Odete, Chico e da Meladinha

14:00h – Lançamento do Livro de poemas Quadro de Giz, de Robério Matos – Bar do Chico
Recitais Poéticos
Tribuna Livre
Palco Aberto
14:00h - Khristal
15:45 - Mamulengo de Chico Daniel
16: 45 - Balalaika Brega Band


Dia 22 de Outubro

Concentração
Bares: Bardallos Comida e Arte, da Amizade, Aluízio e Zé Reeira

Recitais Poéticos
Tribuna Livre
Palco Aberto
14:30h - Geraldo Carvalho
15:45h – Boi de Manoel Marinheiro
16:45h - Pedro Mendes

Dia 29 de Outubro
Concentração
Bares de Nazaré e Seu Pedrinho

Atrações Culturais
Recitais Poéticos
Tribuna Livre
Palco Aberto
14:00h – Carlos Bem
15:30 - Coral Harmus
16:45 – Show: Cidadãos da Esbórnia, com Raul e Alcatéia Maldita


Dia 5 de Novembro – Premiação
Concentração
Beco da Lama/Cel Cascudo
Bar da Amizade, Bar de Aluízio, Bar de Zé Reeira, Bardallo's Comida e Arte, Bar de Nazaré, Bar de Seu Pedrinho, Bar de Mãinha, Bar de Francinete, Bar de Odete, Bar de Chico, Bar da Meladinha

Atrações Culturais
14:30h – Divulgação dos Finalistas do Pratodomundo
Recitais Poéticos
Tribuna Livre
Palco Aberto
15:00h – Show: A Caminho de Amsterdã, com Romildo Soares e Banda
16:30h – Divulgação do vencedor do Pratodomundo – Entrega dos Prêmios – Entrega do Pratodomundo aos participantes do II Festival Gastronômico do Beco da Lama
17:15h – Banda Rosa de Pedra

Seleção
Nos dias 15, 22 e 29 de outubro, um júri composto por três membros desconhecidos dos concorrentes e do público percorrerá os bares inscritos fazendo sua avaliação dos pratos e bares concorrentes.

No dia 5 de novembro serão divulgados os nomes dos três finalistas, quando novo Júri, agora conhecido e composto por três chefes de cozinha de restaurantes da cidade, farão a seleção final.

Premiação
Os três primeiros colocados receberão os seguintes prêmios:
1º Colocado: R$ 600,00
2 Colocado: R$ 400,00
3º Colocado: R$ 300,00

A todos os participantes será conferido o Pratodomundo 2005, de autoria do artista plástico William Galvão.




terça-feira, outubro 11, 2005

GARIMPANDO VERSOS

Marcus Ottoni


Sábado, 15 de outubro
Krhystal, Balalaika Brega Band e Maria Boa
abrem Festival Gastronômico do Beco da Lama


“Nas zonas mais atingidas, perdeu-se uma geração inteira, e as crianças estão entre os mais afetados.”
General Shaukat Sultan, porta-voz das Forças Armadas paquistanesas, sobre as conseqüências do terremoto de 7,6 graus na escala Richter, que atingiu sábado o Sul da Ásia.

D’Luca/DN

Lançamento do livro “Esperado ouro” (Editora UNA), de Marize Castro.
Hoje, às 19h, no Teatro de Cultura Popular da Fundação José Augusto
Rua Jundiaí, 641, Tirol. Preço: R$ 20

Muralha

Porque me abasteci, estou de volta.
Trago comigo coisas abandonadas.
Coisas que os homens jogaram fora:
placentas, gânglios, guirlandas, guelras.

Retorno mais alimentada. Perigosa.
Mais mar. Mais aberta.

Hoje descobri que quando estou dormindo
Deus segura minha mão e a leva para seu rosto.
Para Ele
sou mulher e menina.
Para o mundo
sou silêncio e desordem.
Lassidão e rumor.

Uma muralha que sempre desejou ser flor.

Marize Castro


Ourives da poesia

Essência, simplicidade, vida e, acima de tudo, verdade: elementos fundamentais que movem a poesia da potiguar Marize Castro. Nesta terça-feira, às 19h, no Teatro de Cultura Popular da Fundação José Augusto, a autora lança “Esperado Ouro”, seu quarto e bem lapidado livro, e segundo título da editora UNA — selo próprio de Marize, que estreou no mercado editorial em julho do ano passado com “Armadilha de vidro”, de Diva Cunha. O lançamento também conta com a parceria da Editora da UFRN e da Fundação Capitania das Artes.

“Jornalista, editora e uma das fortes vozes femininas da poesia brasileira contemporânea”, segundo os escritos de Nelly Novaes Coelho publicados no “Dicionário crítico de escritoras brasileiras”, Marize Castro vai buscar na dor a inspiração para compor sua obra. “A dor pode surgir de diferentes maneiras e não necessariamente significa sofrimento, acredito que ela (a dor) seja a montaria mais rápida para de chegar a verdade”, disse citando o filósofo alemão Nietzsche (1844-1900).

Essas “maneiras” que a autora se refere, ganham formas tão díspares que o leitor pode entender e ser envolvido em atmosferas que tratam de amor, morte, relações interpessoais, prazer, sexo e outras características sentimentais e sensoriais presentes em todo ser humano. Longe de tentar incutir pensamentos complexos e existencialistas, a autora não busca instigar a reflexão nem desconcertar ninguém diante de momentos nus e crus de uma realidade coletiva comum.

“Não quero enquadrar, embalar nem rotular a poesia, pois por si só ela transcende qualquer tipo de classificação ou atribuição. Quero mais é abrir o leque de possibilidades e ver até onde ela (a poesia) pode chegar. As reações dependem do entendimento do leitor e não das intenções do autor”, observa.

Em “Esperado ouro”, a poetisa busca — nos 52 poemas registrados — quebrar restrições e preconceitos que insistem em manter a vida amarrada: “O primeiro estágio é a verdade, é ela que toca e desperta as pessoas. Para mim poesia é essência e simplicidade, garimpo e lapidação”, acredita a autora, que disse não obedecem um padrão para criar.

Autora diz não ter compromisso com tempo

Com três livros já lançados, “Marrons Crepons Marfins” (1984), “Rito” (1993) e “Poço. Festim. Mosaico” (1996), Marize afirma que pode passar anos lapidando um poema como também pode escrever e fechar outro de uma só vez. “O tão ‘esperado ouro’, sugerido no título, é a própria poesia. Como não tenho compromisso com periodicidade, lanço livros de acordo com manifestações que seguem um curso natural. Escrevi muito nesses dez anos que separam os dois últimos lançamento, tinha muito material para selecionar e vi que estava pronta para lançar um novo livro”, explicou a autora, frisando que esse hiato temporal não significa que o próximo livro será lançado daqui dez anos.

Questionada sobre a tendência das pessoas permanecerem “boiando” na superficialidade cultural imposta pela tal globalização midiática, Marize Castro não hesita em dizer que a “distância das pessoas em relação à poesia, é proporcional à distância de si mesmo”: “Não estou restringindo essa observação apenas à esfera poética, todas as formas de arte estão sujeitas a esse tipo de comportamento”.

A autora chama atenção para o trabalho gráfico do artista plástico potiguar Wellington Dantas, que assina a ilustração da capa. “Tudo foi feito com intensidade e cumplicidade, é um trabalho de alquimia que pode ter várias leituras”, completa.

Marize Castro já trabalhou como editora do jornal cultural “O Galo”, entre 1988 e 1990, publica seus poemas em vários jornais e revistas nacionais — Bahia, Paraná, Brasília e Rio de Janeiro — e do exterior (The American Voice e International Poetry Review, publicações que circulam nos Estados Unidos). Atualmente trabalha na Editora da UFRN. “Não posso deixar de agradecer a todos que me ajudaram a tornar esse projeto realidade. Não vou citar nomes para não arriscar deixar alguém de fora, por isso tenho certeza que essas pessoas sabem de quem estou falando”, completa com sua peculiar atmosfera “possibilista”.

Yuno Silva
Tribuna do Norte, 11/10/2005



Poesia garimpada

‘‘Porque me abasteci, estou de volta.’’ Com esses versos iniciais, do poema ‘‘Muralha’’, a poeta Marize Castro volta a publicar o resultado de algo que lhe parece tão vital quanto respirar: poesia. O nome do livro, não poderia ser mais intencional, Esperado ouro, algo que traduz um ‘‘garimpo’’ de coisas sentidas e, principalmente vividas, nesses quase 10 anos sem publicar. O lançamento será hoje, às 19h, no Teatro de Cultura Popular (TCP), anexo à Fundação José Augusto, na Rua Jundiaí, no Tirol.

Mais adiante, naquele mesmo poema, os versos dizem: ‘‘Retorno mais alimentada. Perigosa/Mais mar./Mais aberta’’. E a poesia que não é nada estanque na vida dessa moça parece que escorre também por entre as paredes de sua casa, pelas amplas portas e janelas, (tudo nos tons lilás, branco e rosa) e pelo sorriso de generosidade com que recebe a tarefa de posar para a câmera fotográfica e depois na entrega da conversa, durante a entrevista.

‘‘Neste livro, estou ratificando toda minha trajetória poética’’, vai logo dizendo, ‘‘Poesia realmente é garimpo e lapidação. Não dá para lançar um livro por ano’’, explica. Muito embora admita que nesse tempo em que não publicou, não deixou de escrever. Mas, o que importa é que agora ela está de volta e quer mostrar o que fez.

A matéria-prima para sua poética é a vida. ‘‘A vida que abastece. Hoje sinto uma disponibilidade maior para tudo’’. Depois de mais de 20 anos da publicação do seu primeiro livro Marrons crepons marfins, prêmio de Poesia da Fundação José Augusto, em 1984, e com o qual foi considerada ‘‘revelação’’ da poesia brasileira, conquistando espaço no jornal e projeção nacional, a ‘‘mulher’’ Marize Castro, agora com 42 anos, guarda a menina que ficou meio assustada com todo aquele rebuliço em torno do seu fazer literário e diz que está serena, com relação à expectativa de como seu quarto livro será recebido: ‘‘Não tenho mais medo. Ele desapareceu ou se transformou. Estou tranqüila. É como se estivesse sendo generosa, fazendo uma troca com a vida, com o que ela me deu. A liberdade que tive no Marrons (crepons marfins) estou reencontrando agora. Mas não há fechamento de nada. Há um processo”, diz explicando a trajetória dos seus quatro livros.

Troca

A ‘‘troca’’ com o leitor é algo que Marize Castro também olha com bastante atenção. ‘‘Quero ser lida. Duvido muito que alguém que escreve não queira ser lido. Agora, o contato com o leitor é a poesia. Acredito que é nesse momento que ela realmente ocorre. Nada é gratuito na poesia. Ela não acontece se não há a participação do leitor’’.

Como a própria escritora sugere, Esperado ouro parece conter todos seus outros livros. Numa linguagem que se repete e ao mesmo tempo se renova, com o inevitável percurso do seu fazer artístico e o entrelaçamento com o que a vida foi lhe dando. Durante a conversa, ela de vez em quando insiste em falar da vida como sua maior inspiração.

E é nesse contexto que a poeta diz despir-se de estereótipos de literatura ‘‘feminina’’ ou ‘‘masculina’’. ‘‘Sei que historicamente, houve e ainda há essa divisão. Mas, o grande barato da poesia é quando não existe mais o homem ou a mulher. Sinto-me um ser que escreve’’. Já na ilustração de Esperado ouro a visão da escritora parece estar ali implícita: Traços desenham a silhueta de uma mulher nua. E uma ‘‘fenda’’, no tom dourado, alude a um falo. ‘‘Nos templos revisitados, olhos andróginos abrem-se/falam-me de uma ternura próxima de Deus. Magias deslizam/teço e ascendo/Salva-me uma multidão de teias’’, é o que diz ‘‘Aprendiz’’, outro poema do seu livro.

Em Esperado ouro, há muitas referências, sejam de sentimentos, viagens e até escritores. Sylvia Plath e Virgínia Woolf são duas delas. Sobre se ela se ‘‘alimenta’’ do que lê, a resposta é sim, mas completa: ‘‘Leio poesia dos livros e leio também poesia na vida’’. E é dessa forma, vendo, observando e lendo o mundo, que Marize Castro, também traz na bagagem do seu quarto livro uma seqüência de poemas: ‘‘Lápide’’; ‘‘Com vertigem e perícia’’; ‘‘Em segredo’’ e ‘‘Três bicicletas em Amsterdã’’ feitos após viagens que fez. Neles, há também fotografias que ‘‘completam’’ o que foi escrito.

A presença da natureza, do amor e de Deus são constantes nesse livro. Sobre esses elementos ela fala de Deus: ‘‘Não é um Deus que pune. E sim que acarinha, que me permite também ser criadora’’, fala como se a interseção entre Deus e a pessoa fosse a poesia. ‘‘Não vejo separação entre o eu poético e a pessoa. A poesia é a verdade. Se eu abandonar a poesia, estaria abandonando a mim mesma’’.


Vida dividida entre a poesia e o jornalismo

Marize Castro além de poeta é também jornalista. Trabalha na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e atualmente edita trabalhos na área de jornalismo cultural e científico, principalmente em revistas. Tem mestrado pelo Departamento de Educação, dedicado à poeta Zila Mamede, no seu ofício de bibliotecária.

Fez parte durante dois anos da extinta revista cultural ‘‘O Galo’’, da FJA. Editou também o segundo caderno de O Jornal de Natal e a revista cultural ‘‘Odisséia’’, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da UFRN. Atualmente é idealizadora e proprietária da UNA Editora, que também funciona como uma espécie de produtora gráfico-editorial, do qual seu quarto livro faz parte.

Sobre a ebulição de escritores e de publicações no Estado, Marize Castro, vê com bons olhos, no entanto percebe que há uma ‘‘lacuna’’ na distribuição, principalmente para outras regiões. ‘‘O Marrons chegou por acaso nas mãos de críticos de São Paulo’’, lembra, revelando acreditar que é por essa falta de distribuição que a maioria dos escritores locais são ‘‘anônimos’’ lá fora. Com a UNA ela pretende trabalhar essa distribuição, principalmente agora com seu quarto livro.

Quanto a projetos, Marize Castro espera publicar logo o livro Além do nome, com uma coletânea de entrevistas que fez em 2001, com 33 escritores potiguares, com nomes como Celso da Silveira, Adriano de Sousa, Carmem Vasconcelos e Iracema Macêdo.


Filosofia inspirou o primeiro texto

O primeiro de texto que ela se lembra ter escrito foi aos nove anos de idade. Não o tem mais, mas lembra-se – com carinho – de que tinha um ar ‘‘filosófico’’. Aos 22, quando ganhou o prêmio literário e publicou Marrons crepons marfins, diz que já sentia necessidade de mostrar ao leitor aquelas poesias garimpadas desde os seus 17 anos. Mas no discurso da poeta não há preciosismo no tratamento dado à sua poesia. ‘‘Antes de publicar, mostro a poucos amigos. Mas, não sou refém da crítica. Já fui. Depois do primeiro, foi uma loucura para fazer o segundo (Rito, 1993). E enquanto produzo, não fico fazendo reverência ao que jogo fora’’.

Em sua trajetória poética, Marize Castro também participou de antologias poéticas. Em 1992, a poeta Olga Savary publicou do seu primeiro livro ‘‘Nódoas’’ e ‘‘Querela’’, para a Antologia Nova Poesia Brasileira. Rito foi indicado aos leitores do jornal Folha de São Paulo, em fevereiro de 1994. Antes, porém, durante a década de 80 sua poesia foi publicada em diversos jornais culturais do país, como o saudoso Nicolau, ao lado de nomes como Adélia Prado e Ana Cristina César. O terceiro livro Poço. Festim. Mosaico é de 1996, livro do qual ela expressa um enorme carinho e pode ser considerada uma publicação rara, dado os poucos exemplares que foram impressos.

Em 1997, o crítico norte-americano Steven White traduz sua poesia e a publica numa antologia denominada The American Voice. Naquele mesmo ano, Steven White publica numa versão bilíngüe uma poesia de Marize Castro na International Poetry Review, juntamente com autores brasileiros como Mário Quintana e Murilo Mendes. Em 1998, faz parte do livro A poesia Norte-rio-grandense no século XX, numa seleção de Assis Brasil. Em 2001 edita e também colabora com uma poesia do livro Literatura do Rio Grande do Norte, Antologia. No ano seguinte, torna-se verbete no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras e em 2003, faz parte da revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro.

Sheyla de Azevedo
Diário de Natal, 11/10/2005





segunda-feira, outubro 10, 2005

ORAÇÃO

Marcus Ottoni


Não há nada mais gostoso,
numa fria madrugada,
nem ninho mais carinhoso,
que os braços da minha amada...

Bob Motta

A PARTIR DE 15 DE OUTUBRO, MARIA BOA NO BECO DA LAMA

Bar da Amizade, Bar de Aluízio, Bar de Zé Reeira, Bardallo's Comida e Arte, Bar de Nazaré, Bar de Seu Pedrinho, Bar de Mãinha, Bar de Francinete, Bar de Odete, Bar de Chico, Bar da Meladinha


“Meus princípios não mudaram, mas eu vou votar contra os meus princípios para preservar meus princípios.”
João Ubaldo Ribeiro, declarando seu voto no referendo: “Para votar SIM, vote NÃO.”


Alexandro Gurgel

Aldeia Pau Seco, de índios potiguares, em Cobaoba, distante uma légua do Forte dos Reis Magos.


FAÇA ASSIM:

bem antes de eu chegar, enxugue a sala:
só quadros, o tapete e as almofadas,
as flores renovadas
e um pouco de saudade.

e finja, à minha chegada, ar de surpresa.
me envolva, desde a porta, em seu abraço,
perceba o meu cansaço,
embora eu não esteja.

me leve para perto da sacada.
desligue o spot próximo à janela
e à mínima candela,
só brilhe a sua mirada.

e deixe umas canções no ambiente.
uns discos de vinil, balde de gelo...
alise o tornozelo
sentando displicente.

por fundo, os bolerinhos da Batanga,
ao chão, inda espalhados, meus sonetos,
e o seu tubinho preto
da cor da sua tanga.

me beije, de repente, sem aviso,
e dê para o meu beijo o seu pescoço...
na voz em tom de esforço,
me diz "eu te preciso..."

me engane ao dizer que eu sou o máximo,
acenda a meia-luz, apague a roupa,
arranhe as minhas coxas
e diz que eu sou seu macho.

e sente no meu colo, assim, no meio...
pergunte qualquer coisa... eu direi "sim".
me tire o mocassim
e dê pra mim seu seio.

e fique assim gemendo em trote lento,
guardando em seus afagos meu cabelo,
seu hálito a aquecê-lo
num "ai, que não agüento..."

e passe do trotar à galopada,
arranque meu silêncio com seus gritos,
me chame de maldito,
e implore ser amada.

e beije e gema e grite e trema e goze...
e que não fique nada nos ouvidos,
além desses gemidos
do arfar de nossas vozes...

Antoniel Campos




Três quadras do Othoniel (Menezes):

"Escrava dos desenganos,
tem pobre compensação
- é há mais de quarenta anos,
dona do meu coração !

Mataram a minha planta,
o meu ficus-benjamim...
- Só pode ser uma santa,
quem pariu cabra tão ruim !

A camisa rota, ó corno,
que só você foi quem viu,
foi de uma foda no torno
com a puta que lhe pariu...! "

Abs.
Laélio





T R O V A S

1.

Depois da Lua de Mel,
frustrada como ninguém,
ela disse: Eu quero um homem;
êle disse: E eu também...

Gilda Moura


2.

Quando chega o carnaval,
meu gato foge de mim.
Se esconde lá no quintal,
prá não virar tamborim...

João Alfredo Pessoa de Lima Neto

(João Bolão)


3.

Do tal do fio dental,
a inteligência é profunda.
Porque mora muito bem,
dentro do rego da bunda...

Bob Motta


4.

A menina quando é feia,
é que nem lagarta preta.
Quando metamorfoseia,
vira linda borboleta...

Clarindo Batista de Araujo




MADRUGADA

É madrugada
a brisa fria
sopra de cheio
sobre a relva:
É primavera.

O cheiro bom
da flor do mato
a relva fria
orvalhada
anuncia:
A manhã

O canto do rouxinol
vem com ela
e canta mais,
no seu ninho
a relva orvalhada:
Diz que é primavera.

Chagas Lourenço




Oração

Dai-me, Senhor, essa paz suave
que emana da mulher amada,
rio com temperatura de lã
onde aqueço a minha solidão.
Dai-me, Senhor, a coragem de proclamar
a infinita ternura do meu silêncio
quando olho para a mulher amada
no abandono do seu sono.
Dai-me, Senhor, o recato dos guardiães
para que eu silencie sobre todas as doces loucuras
da mulher amada.
Dai-me, Senhor, a mulher amada
subitamente surgida nos ícones da poesia.

NEI LEANDRO DE CASTRO




O traço expressionista de Franklin Serrão


Pintor, ilustrador, professor, editor, cronista e boêmio, Franklin Serrão é um jovem talento que vem chamando a atenção de críticos de arte, despontando como uma das grandes promessas nas artes plásticas potiguar. Dono de um traço único, Serrão retrata em suas telas cenários expressionistas, acentuando com cores tropicais os ambientes figurados, explorando as sombras e luzes de uma forma homogenia.

Nasceu no Bairro Nordeste, onde fez fama de menino traquinas nos anos setenta. Filho do paraibano de Santa Rita, Fernando Serrão e dona Zuleide Serrão, seridoense de Jardim de Piranhas, Franklin já se destacava na escola com um forte traço para o desenho. Como todo pintor figurativista, começou desenhando e a pintura veio como uma evolução do desenho.

Aos 34 anos de idade, já experimentou vários segmentos na sua carreira polivalente. Trabalhou em gráfica, copiadora, ensinou geografia no Ensino Médio e Fundamental de escolas públicas, produziu eventos culturais, editou livros, ilustrou peças publicitárias e capas de livros. Durante algum tempo, foi colaborador assíduo do jornal VOZ DE NATAL como chargista. Era nos momentos em que estava desempregado que podia se dedicar intensamente à pintura. “Antes, era um estudo muito lento em cima da pintura, dividindo meu tempo com o trabalho”, ressaltou.

Conforme o artista, seu trabalho está se direcionando para o expressionismo figurativo, uma espécie de pintura tropical, usando tinta acrílica sobre telas feitas pelo próprio artista. “No expressionismo alemão as cores são muito nebulosas e as figuras são muito deformadas, o que não acontece no meu trabalho. Procuro fugir dessa caracterização”, afirmou.

Buscando aprimoramento para sua arte, Serrão tem estudado alguns artistas consagrados e confessa uma preferência pelos pintores: o mexicano Diego Rivera e os brasileiros Portinari e Di Cavalcanti. Em terras cascudianas, sua pintura recebeu leve influencia de Newton Navarro e Assis Marinho. Hoje, adquiriu um estilo próprio, sendo sua arte reconhecida por sua maneira singular de pintar. Sua técnica expressionista alia-se a traços coloridos e livres, esculpem volume, luz e sombras aos ambientes.

Franklin Serrão participou de várias exposições coletivas de arte, entre elas a “III Mostra de Arte Prata da Casa”, realizada na Base Aérea de Recife, onde conquistou o 1º lugar na categoria ‘pintura’ com a obra “Auto retrato”. Em maio último, realizou sua primeira exposição individual “Expressionismo”, na galeria de artes do Bardallos, em Natal.

Atualmente, Serrão tem trabalhado numa série de quadros, cujo tema é o cotidiano dos botequins da Cidade Alta, surgido da sua participação na confraria do Beco da Lama, de onde veio a inspiração. “É lá que vamos encontrar os artistas verdadeiros. Uma coisa é você ver a teoria, outra é ir ou Beco e ver as coisas acontecerem na prática”, frisou.

Segundo o artista, a dificuldade de todo pintor é a escolha do tema. Às vezes, o tema vem por encomenda do cliente, mas, na maioria dos casos, pela observação do artista. Dom Quixote, Lampião, São Franciso, Santa Ceia, cangaço, retirantes e sertanejo, são temas apreciados e os mais procurados. “Um caboclo tangendo o boi, gado no pasto, jagunços e vaqueiros, cenas bucólicas do sertão são mais procuradas do que nossas praias enfadonhas e festas populares produzidas, que não são autenticas do anseio popular”, disse.

A veia de escritor Serrão despertou quando os editores do jornal cultural “O Potiguar”, João Gothardo Emericiano e Moura Neto abriram espaço para seus textos, o incentivando a escrever. Atualmente, seus artigos e crônicas têm espaço no Jornal de Hoje, Tribuna do Norte e Diário de Natal. Aliando artes plásticas ao texto, o artista/escritor trabalha no projeto do livro “Memórias de Botequim”, narrando e retratando os acontecimentos dos últimos dez anos que testemunhou, vividos na boêmia natalense.

Segundo Serrão, não há condições de viver trabalhando com artes plásticas em Natal. Em sua opinião, o artista tem que ser eclético, produzindo muito e sobreviver com outra função, transcendendo a pintura, como ilustrar livros, trabalhos publicitários e editar material livresco.

Recentemente, o artista ilustrou o livro de cordel do poeta Manoel Azevedo, “Cordel da Cachaça”. Serrão e o poeta mantêm uma editora chamada “Serrote Preto”, e vai lançar outro livro, um cordel histórico do século passado, “O ABC dos Canelas”, do poeta Preto Salvador, narrando o massacre em Santana dos Matos.

Em novembro, Franklin Serrão vai fazer uma exposição individual na Feira de Sebos de Natal, na praça André de Albuquerque. O tema da exposição será “Dom Quixote De La Mancha”, em homenagem aos 400 anos desse clássico da literatura espanhola, escrito durante o cárcere por Miguel de Cevantes.

Alexandro Gurgel




P A P A N G U 2 0

Já nas bancas de jornais e livrarias do Estado, a vigésima edição da revista de humor e cultura Papangu. A partir da arte da capa (mais uma "traquinice" do cartunista Túlio Ratto), o leitor já terá uma idéia do que
está por vir em se tratando de novidades na política potiguar. Nesta edição, que deixa a Papangu a apenas quatro números de completar dois anos de seu lançamento, a revista destaca, mais uma vez, o sempre agitado palco da dramaturgia política do Rio Grande do Norte. Assim, velhos e conhecidos
atores da arte eleitoreira dão continuidade à longa (senão sem fim) novela Boca de Urna.

Neste episódio, os principais grupos políticos do Estado (leia-se Garibaldi Alves Filho e Wilma de Faria) buscam, com unhas e dentes, conseguir a atenção e o apoio do "Galinho dos Ovos de Ouro", aqui
protagonizado pelo senador pefelista José Agripino Maia. Este súbito interesse pelo ovíparo do Alecrim, que até bem pouco era escorraçado pelos mesmíssimos pares, tem uma explicação bastante razoável: é que atualmente Zezinho figura como o parlamentar rio-grandense com maior destaque no
cenário político do País.

Na parte literária, destaque para a entrevista com o professor e escritor mossoroense Tarcísio Gurgel, radicado em Natal, que figura como um dos mais importantes nomes das Letras Potiguares. A entrevista foi concedida ao igualmente professor e escritor Clauder Arcanjo, que, sob o heterônimo
Carlos Meireles, também assina o espaço de resenha literária denominado Autores & Obras. Neste número, o bibliófilo Meireles indica ao leitor de Papangu o livro "A Balada do Velho Marinheiro", do poeta Samuel Taylor
Coleridge (1772-1834), um dos mais expressivos nomes do romantismo anglo-saxão.

Em Primeiras Palavras, o estudante Rodolfo Cavalcante foca a ansiedade e a solidão humana no texto "O Telefonema". Tem-se aí um dos primeiros escritos de um jovem que envereda pelos tortuosos becos e vielas do mundo literário. No quadro Em Cartaz o leitor depara com boa dose de sátira e
ironia sobre o atual momento político nacional na sinopse "Mandalascar", que narra as peripécias dos petistas no comando do País e a infindável onda do "mensalão", acompanhada com estarrecimento e angústia pelo povo brasileiro.

Na página 10 o leitor se depara com o artigo do professor Francisco Edílson Leite Pinto Júnior, do Departamento de Cirurgias da UFRN, que aborda o grave momento político com um texto irônico sobre o que faria se fosse um juiz, posicionando-se de forma até sugestiva para que se aplique a lei com mais rigor no país da bola, da propina e do carnaval.

No espaço exclusivamente aberto para o exercício da prosa de ficção, este mês o leitor de Papangu confere os apuros e ímpetos sexuais de um copidesque provinciano no conto "Ossos do Ofício", de autoria do escritor
e poeta Marcos Ferreira, que também figura entre o rol de papangunistas com a seção intitulada Escrivaninha.

Na página destinada à criação poética, a revista oferece versos de autores potiguares como Symara Tâmara, Marco Túlio Cícero, Lívio Oliveira, Kalliane Sibelli e Antoniel Campos. No mais, são páginas repletas de humor
e cultura que a Papangu vem apresentando ao público do Rio Grande do Norte e do Brasil há quase dois anos, o que se pode considerar um verdadeiro feito para uma publicação cultural nascida e sustentada no ideal e na perseverança de uns poucos abnegados e sonhadores deste rincão nordestino.

Nesta edição, a revista Papangu conta, ainda, com papangunistas e colaboradores como Milton Marques, Leonardo Sodré, Franklin Jorge, Damião Nobre, Alexandro Gurgel, Antonio Capistrano, Marco Túlio, Escolástico Bandeira, Raildon Lucena, Cláudio de Oliveira e Túlio Ratto.

Túlio Ratto




domingo, outubro 09, 2005

E...

A PARTIR DE 15 DE OUTUBRO,
MARIA BOA NO BECO DA LAMA
Bar da Amizade, Bar de Aluízio, Bar de Zé Reeira, Bardallo's Comida e Arte, Bar de Nazaré, Bar de Seu Pedrinho, Bar de Mãinha, Bar de Francinete, Bar de Odete, Bar de Chico, Bar da Meladinha

Marcus Ottoni


“Nós erramos por não termos dito desde o começo que os companheiros pegaram dinheiro não-contabilizado.”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República






E...

E... as lágrimas....
Escorreram levando meus sonhos
Por entre as angústias do tempo
E... o tempo....
Feito aves de arribação
Voou por entre as veredas do firmamento
E... o firmamento....
Na busca incessante do nada
Escondeu-se por trás das cortinas do Sol
E... o Sol....
Carregado com sua própria energia
Engoliu impiedosamente os raios da Lua
E... a Lua....
Vestida com as sombras da noite
Suplicou romantismo aos poetas
E... os poetas....
Mergulhados na sensibilidade
Construíram o inevitável mundo dos sonhos
E... os sonhos....
Livres das angústias do tempo
Voltaram, trazendo a esperança
E... a esperança....
Entrou em mim
Devolvendo os meus sonhos

Manoel Bomfim





MATURESCENTE

Vieste, após ser tantas, enfim, ser tu somente.
E me presenteaste, assim, tão de surpresa,
que eu não percebi
tu sempre em mim presente.

(Nem sequer eu poderia.)

Chegaste em minha vida
quando eu pouco a possuía,
e tu adolescias
e eu adolescendo,
e éramos, nós dois, em tantos eus,
que nos víamos em muitos,
mas quase nunca em nós.

(E me surges, assim, tão de repente,
assim, tão diferente.)

Foste, sempre, a única de mim
e eu de ti apenas,
mas como se não fôssemos de nós,
dois elos que unidos se deixaram
e pouco se tocaram.

(E me tomas, assim, tão entranhada,
assim, amalgamada.)

Tu sempre me amaste e pouco me disseste,
pois amor também precisa ser falado,
mormente quando início,
nos mínimos indícios,
em tudo registrado.

(E hoje, que me amas, assim, tudo te atesta,
calada e, assim mesmo, manifesta.)

Nos primeiros dias, noites, madrugadas,
teu corpo era teu verbo.
E tu te retorcias.
E tu te insinuavas.
E eu, senhor de ti, me comprazia
e te retribuía
nas vezes que te amava.

(E me vens, assim, o amor em cada gesto,
e eu te amando, assim, em todo e resto.)

Ai, que só nos bastam um e outro...
Um no outro, um no um, unos, completos.

Cuidavas do teu rosto e com tal zelo,
que te ver além do rosto eu não podia
- melhor, eu não sabia - ,
e hoje não te aflige mais a ruga.
Antes, vens a mim
e rindo, diz-me: veja...
É a deixa que me dás e não recuso.
Adivinhando o beijo,
sou dono do teu queixo:
Colhendo as tuas mãos que te pintavam,
hoje as minhas te maquiam,
somente pelo toque adstringente
e a língua que passeia, umectante.

Te sei e tu te sabes mais encanto.
Te sinto e tu te sentes mais amante.

E hoje, meu amor, que tu me tens
no tanto em que nunca me tiveste,
pois só te dei o macho que eu era,
e hoje dou-te o homem em que me acho,
não a chamarei de loba,
nem te direi por fêmea,
tampouco de fatal,
mas, decerto, por teu nome
- teu nome e mulher minha - ,
e tu a mim chamando
ao nome e de teu homem.

(Te amo muito mais do que te amara
- Se é que o amor a si mesmo supera - ,
Te amo de amar tanto, que esperara
Que todo o amar possível eu já tivera.)

E me vens, assim, plena, completa,
sem chances de eu te amar pela metade,
porque tudo me chama

toma
rapta
cala
e clama

e arde mais a chama
do que a cama em que ardias,
e tu, plena, completa,
tanto em mim e eu não te via...

Agora tudo em mim te ama em tudo.

E amo-te nas coxas, nos cabelos, nos teus peitos.
E amo-te na alma, nos teus risos, nos teus ais.

Nos feitos, nos defeitos,
porque em tudo estás.

Antoniel Campos





Distante dos olhos, mas dentro do coração

Sábado, 21 horas. Desço para a Ribeira. Sob o semáforo, reminiscências. O ar fresco da noite e as batidas do sino da Igreja Bom Jesus me reportam há anos atrás, quando, como uma Cinderela pós-moderna às avessas, sempre chegava naquele pedaço depois da meia-noite.

Noites inesquecíveis aquelas! Ao chegar nas proximidades da Rua Chile, já dava para sentir “o clima”. A alegria esfuziante dos jovens de todas as faixas etárias estava no ar, nos cheiros da noite, um misto de maresia, perfumes, hormônios e outros odores não identificados. Participar dos eventos públicos, ao ar livre, ou dançar no Blackout ao som do velho e bom rock and roll ou do sensual blues era tudo que havia de melhor para fechar a semana.

E você sempre estava por lá. Com seu sorriso largo, escancarado. Com olhos brilhantes, mais luminosos ainda nos dias de comemoração do seu aniversário ou do Bar, que, de tão cheio, saiu do espaço interior e ganhou o largo, ocupou as adjacências e conquistou definitivamente nosso coração. Você e seu sonho de revitalização, de resgate histórico, de lazer popular, democrático, que, infelizmente, até agora, não se concretizou.

Nesta noite, 1º de outubro, ao descer para ver o aplaudidíssimo Projeto Rock na Rua, empreendimento de uma jovem amante do gênero, deparei-me com sentimentos que duelaram em meu peito: de um lado alegria por estar ali, viva, sentindo a noite e vibrando pela possibilidade de rever antigos amigos e amores. Do outro, uma saudade imensa. Tão grande, que a própria palavra saudade ainda é insuficiente para traduzir.

Circulei pelo entorno do palco. Rostos desconhecidos, felizes, interagiam com a música, deixando o corpo solto seguir o ritmo das músicas. Casais beijavam-se apaixonadamente, pessoas conversavam animadamente. Nenhuma baderna. Nenhuma briga. Apenas algum lixo pelas ruas (necessitava ter mais depósitos espalhados para recolhê-los) e os raros bebuns de plantão. Nossos irmãozinhos desequilibrados, tão necessitados de ajuda.

Sentei-me para apreciar a multidão. Por alguns instantes, senti-me invisível. Anônima. Quase uma estranha no velho ninho. Até que vi o pessoal do Mad Dogs e Gabi, que, com seu abraço afetuoso e uma caneta doada, patrocinou as primeiras anotações desta crônica.

Conversamos, rimos e comentamos o quanto tudo era estranho sem você. Olhamos o Blackout fechado; com uma pintura diferente do colorido original. Tudo ali denunciava a sua ausência. Mas, de repente, ao olhar a noite serena, a rapaziada curtindo em harmonia, sem excessos, percebemos que estávamos compartilhando aquele momento com você.

Nossos olhos não conseguiam lhe ver, mas no nosso coração uma certeza se fez presente: você estava próximo e estávamos sentindo a mesma felicidade ao ver a velha Ribeira cansada de guerra alegre novamente. Pedimos outra cerveja e brindamos à noite, à música e ao amor, o dom supremo que move o universo.

Oferecemos a você, Paulo, aqueles momentos felizes, sabendo que mais cedo ou mais tarde a verdade se revelará. E a justiça que, como sabemos, tarda, mas não falha, principalmente a Divina, será cumprida.

Te amamos muito. Você está mais vivo que nunca em nosso coração.

Ana Cristina Cavalcanti Tinôco





O DETETIVE JAPONÊIS
Poema Matuto

Um marido discunfiado,
se viu tá e quá um ferrôio.
Pensô: Tô levaando é chife;
vô logo é abrí do ôio.
Prá muié num me inganá,
eu vô depressaaaa butá,
ais minha báiba de môio.

Cuntratô um detetive,
pru siná um japonêis.
Cabra bom, eficiente,
no jôgo, a bola da vêiz.
E falô cumpenetrado:
Japa, êsse resurtado,
eu quero antes de um mêis.

Pode dêçá, eu galanto.
Ao séiviço eu vô dileto.
Zaponêis segue a mulé,
faiz o tlabáio discleto.
O zaponêis lhe galante,
segue a mulé, dá flaglante,
faiz o selviço cumpleto.

Adispôi de um mêis de ispela,
o hôme foi se incrontá,
cum o jaaaponêis detetive,
prá do causo se intérá.
O japa dixe: O que eu ví,
e tudo o que descoblí,
agola eu vô lhe contá.

Eu ví a sua mulé,
saí cuberta cum um véu.
Num carro muito bonito,
com um cala, entlô num motel.
Zaponêis tlepô no mulo,
ficô lá em cima, no esculo,
plu mode vê o escarcéu.

Sua mulé tilô a saia,
eu eu fiquei lá, só na minha.
Tilô bluza, soutian,
palecia uma laínha.
Zaponêis ficô olhaaando,
quando o cala, lhe agalando,
tilô a sua calcinha.

E adispôi ? Pegunta o côrno.
Dispôi, hí, meu camalada.
Zaponêis ficô doidinho,
cum a sua mulé pelada.
E quando viu a bucêta,
foi batê uma punhêta,
caiu e num viu mais nada!...


Bob Motta
Esse poema faz parte do seu Recital de Poesia Matuta, Raízes e Fuleragens de Um Poeta Matuto e é uma das faixas do CD que leva o mesmo nome e tem a participação de José Augusto Costa Júnior, ao violão.


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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