sábado, abril 09, 2005

DAQUI A UM ANO, ELEIÇÃO NA SAMBA

Alexandro Gurgel

Dia da Poesia no Beco

Tenho dito, não serei candidato à reeleição da direção executiva da Samba. Não vou participar de montagem de chapas ou dar apoio a nenhuma delas. Também não vou declarar voto.
Uma coisa, no entanto, eu gostaria: que houvesse compromisso do eleito em tocar a entidade. Fazer com que ela cresça e tenhamos um Beco cada vez mais atuante na vida da cidade. Promovendo festas, debates com candidatos a cargos públicos, brigando pela preservação do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural, buscando uma atividade social que eduque e dê perspectivas a quem necessita.
Ao eleito, o meu apoio.

Dunga


Data: 17/04/2003 - 13:11:07
Assunto: El
eição no Beco
Mensagem

DIA 25, QUINTA-FEIRA, TEM ELEIÇÃO NO BECO


Enquanto a disputa presidencial entre Ciro, Serra e Lula era assunto no Brasil inteiro, no Beco da Lama o assunto era único: a sucessão da SAMBA, a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências. As conversas eram animadas e todo dia aparecia uma chapa nova para o concorrido cargo de presidente que, na entidade, na verdade, não existe, já que o posto é reservado a um diretor executivo.

Por conta disso, convidado para ser vice em uma chapa, Albérico, do então PCdoBeco (porque ainda tinha sede no Beco), se dizendo traído e enganado, vítima de uma conspiração, renunciou à condição na chapa Bamba e lançou a Vermelho Sangue, só de comunistas do Beco.

Ato contínuo, surgiram as chapas GLS, com Gardênia na Cabeça, e a Racha/Samba, composta só por mulheres (as rachas).

As pesquisas de intenção de voto se multiplicavam e surgiram institutos de pesquisa, os mais desonestos do mundo (DataBeco, Vox Beculis). Numa dessas prévias, a Vermelho Sangue dos comunistas obteve índices que chegavam a 93% das preferências do eleitorado, coisa que nem Fidel Castro, em Cuba, consegue, exceção única no mundo para Saddan Hussein, que obteve (e sabe-se como) 100% do eleitorado iraquiano.

As festas aconteciam e o vai-e-vem migratório das preferências era evidente, sem que, no entanto, surgisse um edital de convocação para a dita eleição. Acabou o ano, Lula foi eleito presidente da República, foi empossado, e nada de novo presidente do Beco, como, na verdade, é chamado o executivo da SAMBA.

A turma começou a ver que ou se cumpria o estatuto da entidade ou ela ia para o Beleléu, bar do Paulo Sarkis em plena e nobre Petrópoles. E o edital surgiu, afixado pelos quatro cantos do Beco, assinado por toda a diretoria executiva, chamando uma assembléia com a finalidade única de se escolher a nova direção.

Com prazo para inscrições de chapas até às 20:00 horas da próxima Terça-feira, com Adoniram, em Nazi, ou Pedrinho, no Abech Pub, a eleição será realizada na Quinta, 25, às 20 horas, no Bar do Pedrinho (Beco Sul) e nenhuma chapa ainda apareceu.

Ontem, surgiu novidade: o poeta Plínio Sanderson se disse disposto a assumir a direção cultural da entidade, desde que Dunga topasse ser o diretor executivo. Para não deixar o Beco perder a oportunidade de ter o grande e revolucionário vate na direção cultural, Dunga topou o desafio e já tem chapa quase montada, com executiva integrada ainda pelo jornalista Paulo Augusto, Ceiça de Lima, que permanecerá Diretora Adjunta (na verdade, vice-presidente) e o economista Dedé, que permanecerá na tesouraria, caso a chapa se eleja.

O Conselho Fiscal deverá ser composto por Pedro Abech (que queria ser presidente, embalado pelo sucesso da música do Não empurre, não!), Franklin Serrão, Dorian Lima, Maria Help do Socorro, Leninha do PT e Venâncio Pinheiro.

Para o Conselho Consultivo, vários nomes foram postos e quem ainda não foi convidado, será: Marinho Chagas, Pedro Pereira, Haroldo Maranhão, Dário Barbosa (PSTU), Albérico, Mosquito e Meri Medeiros (ex-PCdoBeco, ex chapa Vermelho Sangue), Zizinho, Afonso Martins, Gutemberg Costa, Padre Agostinho, Guaraci Gabriel, João da Rua, Expedito do Sindprevs, Lenilton Paparazzi, professor Bira, Leonardo Sodré, Aroldo Martins, Carlos de Souza, Moisés de Lima, Carlinhos Bem, Carlança, Raminho do Balalaika, Romildo Soares, Nalva, Luciano de Almeida, Cabrito, Fernando Kalon, Soraia Godeiro, Geraldinho Carvalho e outros e outras e outros.

Com um time desse, o Beco, logo logo, vira avenida.

Compareça: Dia 25 de abril de 2003, 20 horas, no Bar do Pedrinho.


EDGAR ALLAN PÔLA


DANÇA, BOLERO, MÃOS E MAR

Alexandro Gurgel

Antoniel Campos


bandoneonamente,
a mão, no gesto, dança por primeiro.
nada importa, tudo é sim daqui pra frente...

cada minuto como fosse o derradeiro,
pois todo tempo é sempre urgente.

a mão que pega a mão que deixa inteiro
o corpo ao corpo e o rosto ao rosto rente.

a mão que desce ao côncavo das costas,
as pernas que se encontram e se entrelaçam.

à altura dos ombros, as mãos postas.
e antes que se dance, mais se abraçam.

o olhar fala de um gesto de início.
o par imóvel, o chão é quem desliza.

cada acorde que sucede é mais propício
à mão que agora é boca e o corpo alisa...

a brisa vem do hálito em comum,
e, ao tempo em que aspira, embaça o queixo.

os cheiros se confundem. dois é um.
o teu em mim e o meu que eu te deixo.

a fala não carece, mas eu quero
dizer coisa qualquer, feito um murmúrio,

que dance, feito a gente, esse bolero,
e invada cada vão desse tugúrio...

dizer a não-dizer, mas só querer
que o que eu não disse, mais por isso eu disse,

pois só quem não sentiu tem que dizer
do que pensou sentir, sem que sentisse.

então eu falo a ti, eu te murmuro...
te digo, te confesso, te segredo.

a lâmpada transformo em escuro,
a luz, a dos teus lábios no meu dedo...

teu beijo que interrompe a minha fala,
o pouso que eu encontro em teu pescoço...

nós dois nesse silêncio que não cala,
os olhos a dizer nosso alvoroço...

a música termina e não termina,
a dança mal começa e já faz horas...

só sei dizer a ti "minha menina,
contigo todo tempo é sempre agora..."

à porta nos convida a madrugada,
e eu giro, incontinênti, a maçaneta...

e tu, já por meus olhos desnudada,
te vestes de noir e violeta...

lá fora, ainda o som, mais a varanda,
e à frente da varanda, só o mar...

e aquém do mar e além dessa varanda,
a areia, toda ela, pra te amar...


Antoniel Campos


DINHEIRO E PODER

Alexandro Gurgel

Beco da Lama, Dia da Poesia 2005


ESSAS CIDADES
MATERNIDADE E TÚMULO
ESTÁTUAS
MONUMENTOS E MEMORIAIS
ESTRADAS
AGÊNCIAS DE VIAGEM
TEMPLOS
POR ACASO NÃO LEVAM
À HECATOMBE SOCIAL?

ESSAS LEIS NÃO SÃO LEIS
SÃO PAPÉIS
SORTE E AZARES
DOS INFORTUNADOS!

JÁ A REGRA
É EXCEÇÃO
COMO A DITADURA
QUE ANISTIA
O INOCENTE!

QUEM FEZ QUEIMAR A CIDADE?
CARRASCOS E BÓIAS-FRIAS
CORREM MESMO
ATRÁS DO DINHEIRO
DINHEIRO
DINHEIRO
VIL MAIS-VALIA
DOS QUE CONSTROEM
AS ILUSÕES DOS BASTARDOS
QUE SINONIMIZAM
DINHEIRO E PODER!

QUE ESCRÚPULOS HÁ NO PODER?
QUE REMORSOS
ATORMENTAM
CONQUISTADORES?
ELES MATAM E
MATAM
TIRAM ESCALPO
ESFOLAM
IMPÕEM TORTURAS
MUTILAM
COMPRAM MIL VOTOS
GANHAM ELEIÇÃO!

ELES ENGANAM O POVO
ELES DIVIDEM IRMÃOS
ELES LEVANTAM UM MURO
ELES CONSTROEM UMA PONTE
VISANDO OS TRINTA DINHEIROS...

ELES MANIPULAM A IMAGEM
MANIPULAM A NOTÍCIA
APURAÇÕES
PARECE ATÉ MANIPULAM
TODAS AS CARTAS
DO TARÔ!!!


EDUARDO ALEXANDRE
in Clip One, 1992©


SAUDANDO LENINE

Alexandro Gurgel
Laélio, no Lorota's


De Cotovelo Lenine
no Beco chegou ligeiro


Antes que a tarde decline
— vamos, pois, formar a guarda ! —
vem chegando da mansarda
de Cotovelo, Lenine !
Dançando fox, beguine,
no bolerão vem linheiro,
vem sozinho, escopeteiro,
vestido com muito gosto,
vem assumir o seu posto
— no Beco chegou ligeiro !

Laélio Ferreira




quinta-feira, abril 07, 2005

A ARMA DO CRIME




José Herôncio de Melo, funcionário público federal, chega a cidade do interior do Estado onde substituiria o titular da repartição. Encontra o colega em descrédito e sofrendo uma tremenda campanha contra si. Responsável pelo defloramento de moça da sociedade, a cidade em peso estava contra ele. Com todas as portas fechadas e a evidente certeza que, levado à júri, o resultado seria 7 X 0 pela sua condenação.

Ao saber que José Herôncio estava na cidade, o procurou como tábua de salvação, certo que o colega, embora não tendo conhecimento de Direito, poderia conduzir a defesa com a sua inteligência.

Formado o júri, o promotor, repetidamente, chamava o pobre rapaz de assassino. Assassino pra cá, assassino pra lá, abrindo os olhos de todos os componentes do júri para a necessidade de sua condenação. A insistência do promotor em chamar o rapaz de assassino e elemento indigno de pertencer a sociedade, acabou irritando Zerôncio, que, a certa altura, foi acometido daquilo que se chama estalo. E virando-se para o promotor, com indignação na voz, aparteou:

— Senhor promotor, Vossa Excelência, desde que chegou a esta casa, repetidamente chama meu constituinte de assassino. Poderia, o nobre colega da acusação, exibir a arma do crime ? Tenho certeza que o senhor não se negará ao meu pedido.

A princípio, os jurados, o público e até mesmo o promotor, não atinaram para aquele inusitado pedido de apresentação de armas. Só segundos depois, é que foram compreendendo a solicitação. E, aos poucos, foram rindo, rindo, e a gargalhar, depois de cutucar um ao outro compreendendo a esperteza de Zerôncio. Depois daí, o promotor não disse palavra, e o resultado é que o rapaz foi absolvido.

A moça e a sua família ficaram tão marcados com o incidente que, onde quer que fossem, todos lembravam do caso, provocando risadas irônicas a tal ponto que o clima da cidade ficou irrespirável. Tanto para a moça, como para toda a sua família.

Resultado: o pai, mortificado com o que estava se passando, só encontrou uma solução para o problema — transferir-se da cidade.


José Alexandre Garcia


ASTRAL FINALMENTE RECONHECIDO POETA DA CIDADE

fotógrafo?

A bela Su Sodré e o chato Dunga


A cidade estava que era um marasmo só. Nesse ano, nem comemoração ao Dia da Poesia houve. Com o intuito de manter a brincadeira, não deixar a peteca cair, os sebistas resolveram provocar fazendo uma lista dos chatos natalenses.

Tinha chato reitor, chato irmão, chato performático, chato jornalista, chato advogado, tinha chato para todos os gostos a lista da moçada: setenta, ao todo. Muito chato para uma chata cidade só.

Chatos poetas eram dois, que poesia que se preza merece reconhecimento dobrado. O chato Dunga e o chato Astral. Eduardo Alexandre e Carlos Frederico, respectivamente.

Eduardo ficou inconformado.

— Eduardo Alexandre até que vai. Esse é chato mesmo. Mas Dunga, e logo ao lado de Astral? É muito chata essa posição, me poupem! Reclamava indignado o poeta, há muito tempo afastado do movimento artístico, decepcionado que estava com a política cultural da província.

Carlos Frederico, no entanto, exultava. Finalmente fora reconhecido na condição de poeta, e, para ele, apesar da condição de chato, ser considerado poeta era o máximo. Afinal, todos, insistentemente lhe negavam o valor dos seus versos. Era tanto o seu contentamento que foi tirar Eduardo do seu recolhimento.

— Você viu, poeta, saiu no jornal o meu e o seu nome na lista de chatos da cidade?! Chatos poetas. O que é que você acha?

— Eu acharia melhor se só saísse um nome nessa lista, Astral. Respondeu-lhe Eduardo, visivelmente consternado. Você bem que poderia ficar com a exclusividade da honraria.

Satisfeito com a recusa, Carlos Frederico correu aos sebos para contar a novidade.

— Se Eduardo não aceita, então fico sozinho na lista. Argumentou, convicto de que a idéia seria bem aceita pelos promotores da brincadeira. Até que alguém explicou:

— Astral, você é tão chato que tinha mesmo era que figurar na nossa relação. Só não sabíamos em que tipo de chato a gente lhe enquadrava. Colocamos como poeta porque todo mundo em Natal é poeta, até você, mas se a lista já não tivesse sido impressa, até que poderíamos ter reservado para você o título de chato chato, mas esse já é de Carlos Gurgel. Que tal chato de galocha, que ainda não tem?

Astral saiu revoltado da conversa. O chato não lhe agradava, é bem verdade, mas perder o reconhecimento de ser poeta, isso nunca, desabafou no bar do Nazi, depois de três doses de cana.

— Chato poeta até que vai. Mas chato de galocha? Será que eu não sou poeta, poeta?

E tomou todas, receoso de ser excluído da lista.


Edgar Allan Pôla


PARA FAZERMOS DE UM BECO RIO?




De água ardente
ou tórrido leito
manso como a planície
que nos acolhe?

(É Dia de Poesia
no Beco)

De água ardente
— tórrido leito —
de vento breve
brisa a um tempo
caliente e leve?

De tudo se faz um Beco!

(que se quer beco
que se quer mar
e quase sem querer se faz rio

por enquanto
apenas por enquanto...)

Apenas por encanto
se fez leito de rio
o meu Beco
Lavado
no enquanto do coito
desavisado

De rio em mar se fará
o Beco quando o
enquanto do
desavisado
coito
for após e
ungido se fizer
das águas calmas
no encanto do depois.


Dunga & Márcia
Orkut, 05/03/2005


PARA CHAGAS

Oswaldo Ribeiro

Artistas plásticos Valderedo Nunes e Leonardo Sodré

Pra glosar o endereço
é lá no Beco da Lama?


Engraçado, eu não sabia
que além da boemia
que o Beco a si sempre chama
na poesia que declama
quem é poeta ou pintor
quando faz muito calor
lá no bar de Nazaré
inda tem esse improviso
de glosar. Mas, um aviso
: não vale quebrar o pé!


Márcia


POR QUÊ?



Ela não pode sequer ouvir a sua voz. Não entende o seu próprio coração. Depois de tanto sofrimento, traições, desenganos, decepções, treme ao ouvi-lo, porque o ama. Mais do que a ela própria, como um vício. E, quando fala com ele, deprime-se, agonia-se, sente que lhe falta o chão, ar, como se nada mais tivesse tanta importância quanto aquela voz. A voz do seu amor, do seu coração. Mil vezes se perguntou: por que amo alguém que não me quer de verdade? Que somente me fez sofrer? Não tem respostas e indigna-se com a sua própria suposta falta de dignidade, por não entender que ninguém manda no próprio coração.

Leonardo Sodré


CLARIM



Pela janela aberta para o mundo,
onde a vida dos povos tulmutua,
arremessei o escopro florentino
com que talhava o molde dos sonetos.

Que valem decassílabos à lua,
quando tudo, aqui mesmo, anseia e sofre,
e o destino das cousas mais sagradas
quem mais armas possui, guarda no cofre?

Bardo! Pendura a cítara dolente
em que choraste apenas o teu drama!
Vão teus filhos bem cedo à barricada!

Antes porém que os tome a vaga ardente,
cai, cantando, no círculo de chamas,
entre rimas, blasfêmias e granadas !



OTONIEL MENEZES

(in “A Canção da Montanha” , 2ª.ed.
Editora Universitária, Natal, 1980)




terça-feira, abril 05, 2005

CANTIGA DE NINAR



És soro na hora da partida
Alimento de alma já passada
Cantiga a ninar primeiros dias

Fizeste de mim refém
De teu amor
Refém de mim
E a mim
Penhasco
Precipício
Sem fim

Eduardo Alexandre


FEITO BURRO



Eu passei o ano inteiro
feito burro trabalhando
não vi o tempo passando
nem no céu o nevoeiro
nem a rosa no canteiro
nem a lua me chamando
nem as ovelhas pastando
vi Márcia com seu letreiro
se glosa fosse dinheiro
eu só vivia glosando

Hugo Tavares


SE DESSE, EU SÓ VIVIA GLOSANDO




Se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando


Um biliardário herdeiro
do meu pai hoje eu seria:
ah, quanto ouro eu teria
se glosa desse dinheiro!
Vagabundo, o ano inteiro,
passava o dia flanando,
comendo, bebendo, amando,
em branca rede deitado,
satisfeito e descansado
— eu só vivia glosando!

Laélio Ferreira



Se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando

Eu canto por derradeiro
a minha poesia contente
e enricava de repente
se glosa desse dinheiro!
Cabra véio canguleiro,
vivia verso inventando,
passava o dia cantando
sem sequer ficar cansado
era rico aposentado
— eu só vivia glosando!

Chagas Lourenço



se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando


plantão? nem por derradeiro!
nem se pedisse meu pai
voltando do além, ai... ai...
se glosa desse dinheiro!
poetisa, o ano inteiro,
ia viver viajando,
na praia me bronzeando.
depois quando fosse inverno?
cobertor e amor eterno:
— eu só vivia glosando.

Márcia Maia



Se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando


Água no meu terreiro
Comida farta e fresquinha
Geladeira e não quartinha
se glosa desse dinheiro !
Seria rei o ano inteiro,
pois prá fazer verso rimando
Inda pro cima ganhando
Dinheiro era de feixe
No açude fisgando peixe
— eu só vivia glosando !

Tadeu Neri



Se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando!

Pobre poeta, obreiro
Decerto eu não seria
fortuna muita teria
se glosa desse dinheiro!
Pegava pena e tinteiro
Mais de mil versos por ano
Isso seria o meu plano.
Se verso fosse uma mina
Não me faltava menina
— eu só vivia glosando!

Dunga,
com a ajuda de Márcia



Se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando!


É o mestre carpinteiro
que faz a peça bonita
nunca mais via marmita
se glosa desse dinheiro!
Vivia todo faceiro
numa mercedes passeando,
menina rica namorando
era um poeta arretado,
emendando pé quebrado
— eu só vivia glosando!

Chagas Lourenço


SHÖNBERG, RAP E SÍNDROME DE PÂNICO



Platão já sabia que a música é perigosa. Na República, um livro clássico da filosofia, ele tinha certas reservas quanto alguns modos musicais dos antigos gregos, porque dizia que podiam agitar a criatura selvagem e sem lei que habita em nós. Quando eu tentei ouvir pela primeira vez o Pierrot Lunaire de Schönberg senti um incômodo profundo.

Nada, nem o mais selvagem Death Metal ou o Hard Core mais feio, sujo e malvado, se compara a devastação interior daquela composição. Schönberg destroçou na sua obra a escala tonal tradicional, derivada das obras de Bach e Rammeau. Ele queria conbstruir seu próprio sistema tonal, inspirado numa estranha escala cromática. Daí desenvolveu a escala serial, inspirada nas composições de Wagner. A gente vê ecos de Schönberg em muitas experiências sonoras. Sister Ray do Velvet Underground é um exemplo da adequação de alguns princípios do atonalismo à eletrônica. Thelonius Monk, o grande pianista de Jazz, brincava perigosamente com o atonalismo em suas composições, causando ondas de mal estar, ansiedade e maravilhamento nas platéias. Arnaldo Baptista também dança na borda do abismo e chega a criar uma esfera de som toda própria e inusitada.

Schönberg brinca com a esquizofrenia que habita, escondida e sinistra, dentro de cada um de nós. Mas sua música é difícil e talvez nunca seja realmente deglutida pelas massas. O Rap não. Ele trabalha com outros monstros. Não falo da festa de corpos negros seminus dos norte-americanos. Mas do Rap nacional, que parece estar se deslocando da matriz norte-americana e produzindo um referencial próprio. Quando eu escuto Racionais MC ou mesmo o Quinto Andar, lançado agora para o Brasil na revista do Lobão, sinto que as soluções sonoras desse estilo flertam com outros diabinhos que moram na alma de cada ser humano.

O pânico (chamado em grego de Fobos) é filho do deus Ares. Na astronomia é uma lua que circunda Marte (O Ares romano). Tudo a ver. Filho da violência e do sangue, o pânico parece ser o modelo explicativo mais eficaz para se entender o que é a vida nas grandes metrópoles brasileiras. Estouradas por uma fissura social ancestral, cindidas por um fosso de exclusão, as grandes cidades brasileiras estão a cada dia cultivando em seus habitantes a ansiedade e o medo. Não é à toa que a Síndrome do Pânico está crescendo e, com seus sintomas fisiológicos de ondas de frio e calor parece que começa a rivalizar com a depressão, pelo posto de “doença psiquiátrica do momento”. O discurso e a sonoridade do Rap nacional parece ser produto desse sistema de vida, bem pouco natural e humano que a maravilhosa sociedade industrial andou produzindo para que possamos cultivar nossas psicoses de estimação.

Essa parece ser a grande função e o grande risco da arte, cutucar as feridas e os fantasmas que nos assombram. Eu ainda não consigo ouvir Schönberg. Estou tentando e quem sabe um dia eu estabeleça um bom acordo com a minha própria esquizofrenia e possa contemplar o Pierrot Lunaire. Já o Rap estou aprendendo a ouvir para ver se consigo domesticar o meu pânico. Me diga mesmo, amigo leitor, quem nessa época de sonhos intranqüilos, não é acossado por pequenos fantasmas, sombras, imagens tênues e desbotadas que, vez ou outra, parecem tomar conta, sem nenhum pudor, da paisagem urbana que nos rodeia. Você pode até tentar correr. Você pode até tentar fugir, mas nunca se esqueça de que, daquilo que nunca se esconde, ninguém pode permanecer oculto.

PABLO CAPISTRANO


PRA GLOSAR O ENDEREÇO

Tribuna do Norte

Velejo de corpo e alma
nas águas da poesia
traço minha alquimia
sem essa de regar fama
meu verso é minha chama
minha alma é de amor
toda rima tem sabor
todo fim tem seu começo
pra glosar o endereço
é lá no Beco da Lama


Hugo Tavares



Se glosa desse dinheiro
eu só vivia glosando

Muito mais que bacharéu
Junto ao poder viveria
Cercado de mordomia
Rodeado de xeleléu
Eu estaria no céu
E só em rimas pensando
Levaria a vida rimando
De papo pro ar no terreiro
Se glosa desse dinheiro,
Eu só vivia glosando !

Tadeu Neri


UM HOMEM, TANTAS HISTÓRIAS



Ele me desafiou:
- Quero ver se você é poeta mesmo se recitar “batatinha quando nasce”.
O desafio estava ganho, comecei:
- Batatinha quando nasce, esparrama pelo chão...
Prossegui até “trago papai no bolso e mamãe no coração”.
O bolso rasgou-se e papai caiu no chão. Ele não achou graça nenhuma. Não conformada, resolvi fazer cosquinhas nele como costumava fazer em Lucas, o neto, nos momentos de brincadeiras. Depois, tudo se perdeu na imensa dimensão dos sonhos.
E foram tantos outros, todos na mesma noite. Pareceu que naquela noite ele multiplicou-se para habitar os sonhos de muitos da família. No de mamãe, estendeu-lhe a mão, e apenas a mão estava visível, como se lhe pedisse ajuda. Ela, assustada, sem entender, chamou pela irmã, sem lembrar que ela já se encontrava na outra dimensão. Provavelmente, por já ser conhecedora dos caminhos e da dor da passagem. E vieram outros. Alguns tão diretos como um aviso. Outros com detalhes e ensinamentos que se revelaram no devido tempo.
E, no tempo, ele viajou.
Passou para o tempo sem medidas. Sem pressa nem dor.
O tempo de encontrar os amigos e familiares que foram antes. O tempo de colher os frutos do que plantou, do amor que espalhou, do exemplo que deu.
Ele, que sempre foi um homem simples, fez seu último passeio acompanhado por quase todos os habitantes daquela cidadezinha simples à beira-mar, onde vivera seus dias mais tranqüilos, quando já não havia mais obrigação com o tempo para o trabalho remunerado. Nesse tempo, ele se debicara a difundir músicas, seu hobby preferido, quer através do sistema radiofônico que se distribuía em alguns pontos da cidade, quer através da sua aparelhagem de som, quando a colocava no alto da colina onde morava, direcionada a cidade, para que todos se deliciassem com os chorinhos, MPBs, músicas clássicas e tantos outros gêneros de sua eclética discoteca.
Naquela tarde, porém, não havia música instrumental. O fundo musical que se formou foi uma composição única, jamais reproduzível, para uma sinfonia de despedida. Foram os chiados dos calçados se arrastando no barro molhado pela chuva que cessou em atenção ao cortejo. A eles, somaram-se o farfalhar dos coqueiros açoitados pelos ventos inquietos; o som das ondas que quebravam perto da rua, em maré cheia, como se quisessem também dizer adeus; as orações e cânticos religiosos, porque religioso ele sempre fora.
Havia um clima místico, quase surreal, e, por breve momento, senti-me como um personagem de um filme ou romance de Jorge Amado. Todos os sons misturavam-se e, mesmo assim, conseguia distinguir um a um. Os cheiros de gente simples: óleo de coco, perfume de feira, cachaça, suor, cigarro, maresia e flores. O odor que subia da terra molhada pela chuva como se ela fosse agora um útero materno macio que se abria para receber seu filho de volta. Já não sabia precisar se o que sentia era êxtase ou agonia; tristeza ou exaltação por estar ali, acompanhando sua urna tão disputada por todos os homens, como se fosse uma honra, uma última homenagem, uma retribuição segurá-la nem que fosse por poucos minutos.
E, assim, cumpriu-se mais um dos muitos sonhos de despedida que sonhamos.
O mar despediu-se, o vento, as árvores e Heitor, o cachorro companheiro de tantos anos, também não poderia deixar de fazê-lo. Ele, que havia abandonado a casa da colina desde que seu dono voltara para Natal, também o fizera em atenção e solidariedade à mãe dos seus filhotes, a cadela do sítio vizinho, sua namorada. Nem imagino como ele tomou conhecimento, mas ele estava lá, naquele cemitério, de longe, observando a cena, atento, tristonho, dizendo da sua dor apenas com o olhar. Ele, Heitor, o cachorro fujão e apaixonado, também esteve na sua partida, meu pai.
Hoje, estás aí.
Sei que é um lugar bom, porque muito bom tu foste. Caridoso e amoroso, cumpriu a lei máxima do evangelho. Trabalhador, certamente, logo que se adaptar, irá continuar seus trabalhos de boas semeaduras, de ensinamentos e exemplos.
Esteja em paz, querido pai. Nós, aqui, guardaremos os melhores momentos de sua estadia. E, como lhe disse em nossa última conversa: agradecemos a Deus pela felicidade de tê-lo como pai; por ter recebido seu carinho, seu exemplo de homem probo, digno, íntegro. Lembre-se sempre: te amamos muito e te amaremos por toda a eternidade.


Ana Cristina Cavalcanti Tinôco
Natal, 30 de março de 2005




segunda-feira, abril 04, 2005

ENTREVISTA: FERNANDO BEZERRIL

Entrevista
Fernando Bezerril
Secretário de Comércio e Turismo da Prefeitura Municipal do Natal



“O turismo só é bom quando ele primeiro é bom para quem mora na cidade”.



O Beco – Sabemos que você está assumindo a SECTUR agora, mas, com relação ao centro Histórico, com relação à boemia de Natal, revitalização do centro, cultura recebendo turismo, já existe algum projeto definido pela Secretaria de Turismo?

Fernando Bezerril – O natalense, mesmo sem ocupar nenhum cargo, é como o brasileiro torcedor de futebol: todo mundo é um técnico e tem uma opinião boa acerca disso. Hoje, estando secretário, nós não imaginamos o turismo dissociado da cultura. E a primeira coisa que nós fizemos foi convidar o colega Dácio Galvão, presidente da Capitania das Artes, que é uma pessoa importante para a cultura do Estado, para indicar uma pessoa da cultura para fazer parte da nossa diretoria. Você sabe que quando a gente ocupa cargo público, os cargos são muito poucos, mas pela importância que é a cultura, nós ousamos solicitar uma pessoa indicada por Dácio para fazer parte da nossa mesa diária de trabalho: chama-se Yuno Silva, que é uma pessoa da cultura, é um colega de vocês, um jornalista, jovem brilhante que tem muito acrescentado nisso, e nós não conseguimos entender porque o turismo de Natal, do Rio Grande do Norte, crescendo como cresceu.
Nós já estamos no quarto mês do ano, e estamos com um crescimento, só a nível internacional, de 30%. Sabendo que o turismo internacional, o nacional, que é o que mantém o ponto de equilíbrio – o paulista é o primeiro e o segundo (capital e interior) pólo emissor mais importante pra gente – e o europeu que descobriu Natal agora, o americano que chegou agora via American Air Lines.
Dia 29, veio a Natal o mais importante diretor da American Air Lines, Dilson Verdoza, veio aqui porque eu disse a ele que a gente tinha uma proposta dos americanos, que são 50 mil que estiveram na guerra aqui e hoje a metade desses ainda estão vivos e então podíamos trazer a Natal os que hoje são generais e os que viraram empresários, e podíamos alavancar o fluxo turístico, porque Natal tem história para contar. Ele achou maravilhoso. Pegou um avião, no outro dia estava aqui, passou quatro dias com a gente.
Eu botei esse cara na garupa do meu cavalo, andei tudo que tinha direito, inclusive mostrando a ele que Natal não era só sol e praia; que Natal tinha um acervo cultural grande e tinha também empresas importantes, exportadoras de atum, que a nossa terra era a maior do Brasil em exportação de camarão de qualidade, concorrendo no primeiro mundo com o americano, com toda a Ásia, que, coitados, tiveram esse problema agora, e que os porões dos aviões da American Air Lines, que voam sete aviões por dia para São Paulo, não chega nem um no Nordeste e que podia ter Natal, geograficamente falando, tava ali, todo europeu, e eles iam chegar depois por quê? E ele disse:
- Fernando, casou certinho o que a gente estava pensando com o que você acendeu a luz aqui.
E eu fiquei feliz porque a gente tem o atum, o peixe, o camarão, a lagosta, a gente tem o melão, a gente tem o que eles não têm para encher os porões e eles têm o passageiro.
Nós temos poesia, cultura, e essa história do americano é cultura. Trazer para cá um fantour e esse fantour seria o quê? Um grupo de dezoito pessoas onde nove seriam ex-combatentes americanos e nove seriam jornalistas e um ou dois operadores que depois iriam vender o produto da gente: venham para Natal.
Levei-o ao Infraero. Mostramos a capacidade nossa de exportação, mecânica de transportar sem dificuldades. Pouca gente de Natal sabe a ferramenta que existe disponível no Aeroporto de Natal. É uma coisa belíssima. Ele que viaja o ano inteiro e conhece o mundo inteiro ficou encantado com o potencial existente, pronto, disponível. Tem uma câmara frigorífica lá de 30 toneladas, totalmente disponível, esteiras rolantes e capacidade de carga do jeito que a gente precisa. Eu me sinto feliz de estar fazendo isso.

O Beco – Como agente transformador da sociedade, o turismo no Rio Grande do Norte é de extrema importância. Como você vê a parte da preservação do centro histórico para o desenvolvimento do turismo aqui em Natal?

Fernando Bezerril – Eu vejo com preocupação, porque a gente sabe que não existe definida ainda uma linha de como isso será a curto, a médio e a longo prazo. Mas nós sabemos que hoje o presidente da Fundação José Augusto, François Silvestre, que é extremamente competente, e o presidente da Capitania das Artes, Dácio Galvão, e o fruto desses trabalhos que estão sendo rodados em mesas, em parcerias com as universidades, juntamente com as nossas secretarias, com certeza, irá sair o melhor.

O turismo de Natal cresceu sem mostrar
o lado talvez mais importante que é nossa cultura

O Beco – Como a Sectur pensa encaixar a cultura recebendo o turismo?

Fernando Bezerril – Ela está pensando com muita responsabilidade. Ela está consciente de que o turista que aqui esteve durante o decorrer de todo esse tempo, ele viu sol e mar. E não conheceu, não teve oportunidade de conhecer o lado cultural. Olha que o turismo de Natal cresceu desse jeito, sem mostrar o lado talvez mais importante que é nossa cultura, mas que o desabrochar dessas idéias dessas secretarias irá complementar isso com muita competência.

O Beco – Como a secretaria encara a parte do turismo gastronômico? Veja que o RN tem uma culinária maravilhosa e isso nunca foi explorado. Como a Secretaria poderia inserir o paladar como fonte de atração para quem nos visita?

Fernando Bezerril – Eu tenho uma pesquisa recente sobre isso muito interessante. Existe uma empresa de pesquisa que é a Perfil, e ela nos deu, de graça, essa informação. Todos nós sabemos que Natal era um dia desses a terra da carne de sol. Você falava em qualquer cidade do Nordeste: carne de sol, Natal. Ótimo! Maravilhosa! Melhor que nenhuma outra. Já morreram seu Lira e seu Marinho, mas seus alunos ficaram. E Fernando, da Perfil, me disse:
- Olhe, Bezerril, aquela pesquisa que você quer fazer do símbolo de Natal, vou lhe dar de graça. Hoje, Natal, na gastronomia, é a terra do camarão. Até mesmo porque potiguar quer dizer comedor de camarão. Eu não sei porque essa coisa não veio antes!

O Beco – Temos notado que Natal tornou-se uma cidade de carnavais fora de época. Antes do carnaval, aqui, tem tudo. No carnaval, nada. Hoje, existe uma tendência de prévias carnavalescas no entorno do Beco da Lama e elas estão acontecendo ali. Não seria interessante uma tentativa da Sectur de resgatar os velhos carnavais natalenses?

Fernando Bezerril – Eu acho interessante que as duas coisas aconteçam. Primeiro, porque o Carnatal nada mais foi que uma cópia das micaretas baianas e achamos que devemos copiar o que está dando certo e quem é competente. Eu sou um copiador da Bahia e do Ceará. Inclusive, na nossa diretoria aqui, o doutor Paulo Nunes esteve recentemente em Salvador, sem nenhum problema de perguntar o que vocês têm de bom que a gente quer conhecer para aprender. E nós entendemos que o Carnatal veio para antecipar a temporada, porque nós tínhamos mil idéias de fazer em dezembro o Natal em Natal, eu menino, me lembro, empresários querendo fazer o Natal em Natal e até hoje não foi feito esse negócio. Mas aí, a Destaque Promoções, com muita ousadia, foi na Bahia, copiou, trouxe para Natal, e fez um carnaval fora de época pequeno, o primeiro, e hoje é o maior do Brasil. A hotelaria de Natal, em dezembro, já não tem mais problema porque o Carnatal resolveu.
Quanto ao carnaval, existe o carnaval pernambucano, incomparável; existe o carnaval baiano, que é exatamente o máximo, e existe o carnaval de Natal que é um carnaval mais voltado para o povo da cidade, para o social, que eu acho que tem de existir. Acho que devia ter algumas modificações. Concentrar a coisa a nível de Zona Norte porque a Zona Norte é a metade de Natal, é Natal mesmo, e a nível de centro da cidade. Devemos ter dois carnavais, porque tudo que pensarmos para Natal devemos ver que a Zona Norte é uma Natal importante. Devemos ter dois carnavais e duas festas de São João. Estamos bem casadinhos com a Capitania das Artes que tem muito mais competência do que a Sectur para fazer São João, para fazer carnaval. A Capitania terá o apoio da gente porque o turismo tem que ir buscar turista para Natal, cuidar da cidade para receber e, em parceria com a Capitania, fazer belos e antigos carnavais.

O Beco – Se você pudesse hoje, sem dificuldade nenhuma, botar em prática um projeto para o turismo e para a cultura da cidade, o que você faria?

Fernando Bezerril – O meu sonho é consolidar mais o turismo de nossa região, sem nunca esquecer que o turismo só é bom quando ele primeiro é bom para quem mora na cidade, para depois ser bom para o turista.

Lenilton Lima




domingo, abril 03, 2005

A CHAPA DO CANDIDATO SÉRIO OFICIAL

o presidente



Bequianos (as)

Em resposta a “Resenha do Cloe”, publicada na última edição do jornal O Beco, e como único candidato oficial (até agora) às eleições do próximo ano, apresento algumas das propostas que serão implantadas na minha gestão, bem como as pessoas que farão parte da chapa que disputará as eleições da Samba. Alguns nomes que figuraram na outra chapa confirmaram apoio e já têm seus nomes devidamente postos nos cargos administrativos. Essa lista é necessária para mostrar aos eleitores que temos uma chapa quente, compromissada em manter viva a chama cultural do Beco da Lama. Qualquer semelhança entre nomes e cargos é pura coincidência proposital.

10 propostas invocadas para o Beco da Lama:

1. Aquisição de uma ambulância, estacionada nas adjacências do Beco, 24 horas de plantão, a disposição dos papudinhos.
2. Viabilizar a ocupação de algumas casas do Beco, hoje fechadas, para o funcionamento de lojas de artesanato, ateliês e galerias de arte.
3. Patrocinar a pintura de todo o conjunto arquitetônico do Beco da Lama, pelo menos uma vez por ano.
4. Criação da “Carteira de Sócio”, legalizando a situação de cada becodalamense.
5. Sincronizar o horário de todos os bares do Beco e adjacências para que abram e fechem ao mesmo tempo. Semanalmente, haverá rodízio de bar para plantões 24 horas, atendendo aos mais afoitos.
6. Aposição de um busto de Nazi, no Largo Nazi Canaan.
7. Instalação do programa “Fazendo arte com arte”, desenvolvendo o domínio completo de pintura e escultura para alguns artistas de plástico e interessados, sob orientação do professor Vicente Vitoriano.
8. Contratação de um “Fiscal de pregos” para que nenhum becodalamense seja lesado no final do mês.
9. Criação do concurso literário “Poesia e Prosa do Beco da Lama”.
10. Absorver todas as ações de cultura e entretenimento da antiga gestão que deram certo.
Alguns nomes confirmados, em seus devidos cargos, para a futura gestão da Samba:

Homenagens
Presidente fundador: Zizinho.
Presidente de Honra: Dunga (pelos relevantes serviços prestados à instituição).
Imperador do Beco da Lama: Júlio Capão César Apimentado

Chapa:
Diretor Executivo: Alexandro Gurgel
1º Secretário: Hugo Macedo

Chefe do gabinete civil da Samba: Ceiça Olhão
Secretário de Comunicação e Combate ao Tabagismo: Leonardo Sodré
Secretário de Ciências, Robóticas e Tecnologias Futuristas: Oswaldo Orf Ribeiro
Secretário de Cultura Erudita e Popular: Plínio Sanderson
Secretário de Educação e Esportes Complicados: professor Bira
Secretária da Saúde Pública Coronária: Simone Sodré
Secretário do Meio-Ambiente e da Seca: José Torres
Secretário de Justiça e Cidadania: Lívio Oliveira
Secretário do Interior e Saneamento Básico: Túlio Ratto
Secretário de Economia de Mealheiro: Jackson Garrido
Secretário da Fazenda, Agropecuária e Pesca: Chagas Lourenço
Secretário de Segurança Pública e Privada: um certo Capitão Rodrigo
Secretário de Recursos Hídricos e Etílicos: Mané Fava
Secretário dos Transportes Interurbanos: Júnior da Rodoviária
Secretária de Turismo Sertanejo: Dani Danadinha
Secretário da Fé, da Paz e do Amor: Padre Agustin
Secretária da Infância, Adolescência e Puberdade: Meire Gomes
Secretário do Desenvolvimento Comunitário Indígena: Lenilton Lima

Superintendente das Artes Cênicas: Clotilde Tavares
Superintendente das Editorias Livrescas: Abimael Silva
Superintendente da Filmoteca Bedolamense: Lula Augusto
Superintendente de Criação e Designer: Venâncio Pinheiro
Superintendente das Minorias Reprimidas: Gardênia Lúcia
Superintendente da Poética do Beco e Adjacências: Antoniel Campos
Superintendente dos Direitos Humanos e dos Animais: Aluízio Mathias
Superintendente da Associação de Bichos Grilos: Marcelus Bob
Superintendente para Assuntos Filosóficos: Helmut Cândido

Chefe do Gabinete Militar: Sargento Miguel Mossoró
Chefe do Gabinete Político: Paulo Augusto
Chefe do Gabinete Intelectual: Nei Leandro de Castro
Chefe do Gabinete Tortura Nunca Mais: Luciano Almeida
Chefe do Gabinete Filantrópico: Biba Thompson
Chefe do Gabinete de Combate à Fome: Ângelo Jotó
Chefe do Gabinete Especial da Mulher: Cintia Gushiken
Chefe do Departamento dos Ciganos: Fernandão
Chefe do Departamento do Forró Bodó: Elino Julião
Chefe do Departamento de Radiodifusão: Marcos Sá
Chefe do Departamento de Imprensa e Textos Selecionados: Karl Leite
Chefe do Departamento de Pesquisas de Opinião da Samba: Casciano Vidal
Chefe do Departamento de Literatura Obscena: Cabrito
Chefe do Departamento de Marketing: Eugênio Meio Quilo
Chefe do Departamento de Semiótica: Jota Medeiros
Chefe do Departamento das Meiotas Quero-Quero: Carlinhos Bem
Chefe do Departamento dos Cacoetes Incontroláveis: Pedro Abech
Chefe do Departamento para Aquisição de verbas para Produção Cultural da Samba: Dorian Lima

Diretor do Núcleo de Artes Abstratas: Marcelo Fernandes
Diretor do Núcleo Chargista: Franklin Serrão
Diretor do Núcleo Ecumênico do Beco: Harrison Gurgel
Diretor do Núcleo Alfarrabista: Vicente Januário
Diretor do Núcleo de Poema Processo: Falves Silva
Diretor do Núcleo de Sexologia: Carlos Barba
Diretor do Núcleo dos Galegos Feios: Adebal Poeta
Diretora do Departamento Alto Astral do Beco: Cristina Tinoco
Diretor do Cerimonial do Beco: Sequilinho (filho de Nazaré)
Diretora Gastronômica: Nazaré
Diretor da Escola de Música: Mário Span
Diretor Carnavalesco: Lula Belmont
Diretora da Secretaria de Transportes Urbanos: Neuzinha Transflor

Líder da Samba na Câmara dos Deputados: Fábio Bezerra
Líder da Samba na Assembléia Legislativa: Diógenes Dantas
Líder da Samba na Câmara Municipal: Hermano Morais
Líder da Samba na Zona Norte: Jorge Araújo
Líder da Samba na Academia Norte-riograndense de Letras: Helder Heronides
Líder da Samba na Oposição (Natal-Brasília): Talvani Guedes
Líder da Militância da Samba no Beco e Adjacências: Socorro Help

Embaixador da Samba no País de Mossoró: Rogério Dias
Embaixador da Samba em Portugal: Jorge Oliveira
Embaixador da Samba em Brasília: Severino Cavalcanti
Embaixatriz da Samba em Pernambuco: Márcia Maia
Embaixador da Samba na Paraíba: Bráulio Tavares
Embaixador da Samba no Seridó: Lôra de Maurício

Assessor da Elegância Becodalamense: Seu Milton
Assessor da Samba em Clínicas de Recuperação: Assis Marinho
Assessora da Samba da Integração Internacional de Cultura: Civone Medeiros
Assessor de Segurança do Gabinete da Direção Executiva da Samba: Edson Negão
Assessor Especial para Ouvir as Conversas Fiadas em Nazi e Nazaré: Júnior Amaral
Assessora da Boa Vontade: Tázia

Editora dos Informativos Impressos da Samba: Yasmine Lemos
Maestro da Orquestra Becodalamense: Neemias
Guitarrista oficial da Samba: Carlança
Dublê mal-acabado de Jota Oliveira n’O Beco: Cloe Resenhando Lorotas da Silva


Alexandro Gurgel


A "FRUTILÂNDIA" DOS POETAS


http://www.cidadespotiguares.hpg.ig.com.br/

Sem jeito, desconfiado, roupa sem o vermelho da poeira da viagem no jipe, banho de cuia tomado na pensão de Chicó, na flor dos meus dezesseis janeiros, à porta da residência modesta bati palmas e gaguejei o indispensável "ô de casa". Tinha uma obrigação, um dever sentimental, sagrado, uma promessa a cumprir no Assu, naquele ano dos anos 50. Visitar, saudar o dono da casa, mestre de muitos sonhos e senhor incontestável da mais úbere, abundante, edênica, maravilhosa e fértil gleba de todo o Vale - a "Frutilândia".
A incumbência me fora dada por meu pai, Othoniel, anos antes convidado solenemente, insistentemente, para ser sócio, meio a meio, de um colossal empreendimento de fruticultura. Redenção econômica de toda a região, gerando riqueza, justiça social, inovando a produção de frutas, legumes, hortaliças, tudo em grande escala, gigantescas proporções. Os pobres sairiam da miséria, teriam moradia, grandes vilas operárias, escolas, assistência médica, futuro. Largariam o secular corte da carnaúba, trabalho sazonal e mal-remunerado. Não se sujeitariam mais aos preguiçosos barões da cera, que nada plantavam, viviam em Natal jogando baralho no Natal Clube, tomando uísque, enriquecendo Maria Boa, passeando no Rio de Janeiro, impecáveis nos ternos de linho branco, lustrosos, gordos como bispos.
Moderníssimas máquinas, escavadeiras imensas, dragas descomunais - rebocadas desde Roterdão - abririam largo e profundo canal, em linha reta, de Assu a Macau. Ali, mar adentro, plantar-se-iam modernos, imponentes, equipados cais, frigoríficos, grandes armazéns. Luzentes guindastes, esteiras rolantes, saciariam a fome das bocarras dos porões das grandes embarcações da própria Companhia, espalhando por Oropa , França e Bahia cajus, mangas, pinhas, araticuns, mangabas, romãs, laranjas-cravo, abacaxis, maracujás - os dúlcidos e tropicais produtos do gigante complexo agroindustrial da biliardária sociedade CALDAS & MENEZES...
De volta ao Assu e à dura realidade, de novo bati palmas na soleira da casinha modesta do senhor da "Frutilândia", naquela rua do Assu, naquela era dos anos cinqüenta. Apareceu o amigo do meu pai, o sócio do sonho tão sonhado, tão detalhado, idealizado nas conversas dos dois. Disse-lhe quem era, fez-me uma festa daquelas, passando, suavemente, a mão na minha cachola sonhadora. Era magro, baixo, gestos nervosos, rápidos. Dando o nó na gravata, convidou-me a entrar, risonho, gentil, hospitaleiro. Calçava, notei, uma daquelas botas de feira. Calça, camisa, colete - tudo amarfanhado, encardido. Guiou-me em direção à cozinha, por uma picada, uma vereda aberta numa mata fechada de ferro-velho, pacotes de amarelados jornais e uma imensidão de garrafas até o teto - um "caminho de Santiago" que, como um peregrino, perpassei, com medo de lacraia e caranguejeira. Enquanto conversávamos, ferveu água e serviu-me um café saboroso, pegando fogo, coado de um pano que devia ter uns bons anos de uso diário e constante.
Na minha idade, não tinha engenho nem arte e nenhuma tenência para falar sobre poesia ou literatura com o idealizador da "Frutilândia". Mesmo que a minha residência, em Natal, vivesse, pululasse em certos dias, cheia de literatos e candidatos a poeta aperreando Othoniel sobre coisas de metrificação, leituras, autores e outras milongas mais - alguns deles pedindo remendos em versos de pé-quebrado. Ficava só cubando, sem pigorar, quem era besta ? Sem anuência ou conhecimento do dono da casa, tinha cometido, já, no Atheneu, algumas glosas sacanas e "burilado" uns três ou quatro sonetos decassílabos à moda de Augusto dos Anjos - coisas horrorosas...
Na cozinha acolhedora, o cavaco, o bate-papo, limitou-se, pois, às notícias da Capital, aos meus estudos, à saudação do "sócio" de Natal, à mútua e sincera admiração entre os dois, às amenidades. Nada sobre a "Frutilândia". Nada, também, acerca da razão social "CALDAS & MENEZES". Ele, entretanto, já na despedida - lembro bem - deu umas boas cutucadas nos políticos do Estado e de outras plagas, pilheriando, rindo com gosto, divertido.
Sol descambando, da porta da sala, do início do labirinto de ferro velho, jornal e garrafa de todo tamanho e cor, veio o chamamento: "Seu João, tá na hora!" Saímos. Era um meninote, chapéu-de-couro atolado na cabeça grande, cara de janduí. O homem bom me pediu licença e retornou aos cafundós do seu tugúrio. Voltou lépido, brilho nos olhos, vestindo um paletó tão encardido quanto o restante da indumentária. Numa das mãos, um surrado bisaco de lona; noutra, uma lazarina impecável, ajeitada mesmo - o cano brilhando mais do que espinhaço de pão doce, a coronha envernizada, bonita como os seiscentos.
O Poeta JOÃO LINS CALDAS, sublime sonhador, senhor de vaticínios para o seu Vale - o sócio do meu Pai - trancou a porta capenga da casinha. Apertou-me a mão, com calor, despedindo-se. Pediu desculpas pela pressa - ia caçar ! Argumentou, cavalheiro, que aquela era a hora dos preás e das rolinhas, das nambus escondidas no panasco dourado. E lá se foi, engravatado, predador solene, feliz da vida - o sonhador...
O curumiaçu, secretário e cúmplice, seguiu-lhe os passos ligeiros, no rumo - presumi - da "Frutilândia", procurando a presa miúda e saborosa.

Laélio Ferreira de Melo


LEMBRANDO DOUTOR JOSÉ IVO




Faz hoje 50 anos da morte do doutor José Ivo Moreira Cavalcanti. Doutor Zé Ivo, como Natal inteira o conhecia, era médico e professor, num tempo em que a medicina, mais do que uma profissão, era um sacerdócio, missão para a qual o cidadão se doava no seu exercício de curar os doentes, servir à sociedade e fazer o bem ao próximo. Era o tempo do médico humanitário, a casa (casa, consultório e às vezes clínica) sempre aberta para receber e servir a qualquer hora do dia. Ah, eu me lembro da casa do doutor José Ivo! Era do lado da sombra da avenida Rio Branco, no quarteirão entre a João Pessoa e a coronel Cascudo. Na esquina, olhando para o Natal Clube, ficava a bonita casa que foi de Alberto Roseli, onde hoje está o Ducal, logo em seguida a dos Gosson e colada a ela a do seu Oscar Rubens de Paula, pai de Ademar Rubens de Paula, o “Rato Branco” do Ateneu, hoje advogado importante em São Paulo. Aí, em seguida, vinha a residência do dr. José Ivo e, fechando o quarteirão, na esquina da estreita Rua Coronel Cascudo, a casa de taipa dos Cajaranas.

Do outro lado da avenida (lado do sol), que tinha mão e contramão, os poucos ônibus subindo e descendo, passava também o bonde que vinha do Alecrim e das lonjuras de Lagoa Seca no rumo da Ribeira, depois de entrar pela esquerda na Ulisses Caldas, mais embaixo, morava o seu irmão Francisco Ivo, doutor Francisco Ivo, advogado famoso. Casa larga, enorme, umas cinco janelas e entrada pela lateral, portão de ferro abrindo para a calçada. Até onde vai a minha memória, era a única casa residencial do quarteirão, lado do sol da Rio Branco, pois na esquina com a João Pessoa ficava o Café Grande Ponto, de seu Andrade, e que deu nome a todo aquele logradouro por onde cruzavam os caminhos de Natal. Natal dos anos quarenta, Natal dos tempos da Guerra. A outra esquina, a da Coronel Cascudo, tinha o prédio sobradado do Círculo Artístico Operário, que ainda lá está. No térreo funcionava a famosa livraria Boi Tatá, de Abelardo Moraes, onde Newton Navarro mostrou seus primeiros trabalhos de pintor e se reuniam os jovens poetas da pequena cidade que não passava dos 60 mil habitantes. Quando a livraria fechou, apareceu Jaeci com o seu estúdio fotográfico. Entre a residência do doutor Francisco Ivo e o Café Grande Ponto, havia uma casa estreita onde os irmãos Grevi abriram um estúdio de fotografia. Valdemir Germano pode contar essa história. Na esquina está hoje o edifício Amaro Mesquita e toda a largura da casa do mestre Ivo já foi banco e foi também a loja 4.400. Nem sei agora o que é. As duas mais importantes praças de automóveis de aluguel de Natal ocupavam o meio fio do quarteirão. Entre eles, o luxuoso e luzidio Mercury preto de Manoel Henrique, que era um dos homens mais elegantes de Natal. Tanto assim, que Jota Epifânio o incluiu numa de suas listas famosas dos Dez Mais. Manoel Henrique, sempre de terno e gravata, nos trinques, transportava as figuras mais importantes da Cidade. Foi motorista de governadores, senadores e generais.

Antes de se formar em Medicina, o dr. José Ivo foi professor secundário, do quadro da Escola Normal de Natal e da Escola Técnica de Comercio do Prof. Ulisses de Gois, ensinou Educação Física (andava pelos 18 anos e praticava o esporte do remo, campeão de skif pelo Centro Náutico Potengi). O magistério e a prática de esportes não impediam suas andanças pela boemia do pequeno burgo, companheiro do poeta Othoniel Menezes nas serenatas de então. Foi médico da turma de 1934 da Faculdade de Recife e já passava dos 33 anos de idade. No decorrer da década de 40, ao lado de outros colegas, entre eles o dr. Clóvis Sarinho, fundou a Policlínica do Alecrim (hoje Hospital Prof. Luiz Soares). Foi fundador, também, da Faculdade de Farmácia e Odontologia (1948) e da Associação de Medicina e Cirurgia do Rio Grande do Norte e comandou o Serviço de Saúde da Polícia Militar do Estado, substituindo o capitão-médico Dix-huit Rosado, que se elegia em 1946 deputado estadual. Na sua gestão iniciou-se a construção do Hospital da Polícia Militar, da qual foi o primeiro diretor.

Doutor José Ivo não cobrava consultas. O jurista Miguel Seabra Fagundes, outro grande brasileiro, seu amigo e companheiro, conta em artigo que escreveu quando de sua morte e publicado no Jornal de Natal (jornal de Djalma Maranhão), edição do dia 15 de maio de 1955, a seguinte passagem:

- Muitas vezes fui ao seu consultório receber remédios para dar a pessoas pobres. Ele havia atendido a mais de 10 pessoas e, na “Cuinha”, nada havia caído! Era de uma incrível resistência em receber dinheiro, fugindo até da gente, quando tinha algum dinheiro. Extremamente bem-humorado, fazia, porém, enorme sacrifício para disfarçar o mal-estar interior provado muitas vezes pela sua saúde em debandada. Quantas vezes, pretextando estar bem e disposto, saía a ver doentes, muito mais saudáveis do que ele naqueles dias!”

A casa do doutor José Ivo, na avenida Rio Branco, estava sempre cheia de amigos e colegas, ricos e pobres, cristãos ou não, católicos e ateus (o anfitrião era um líder católico, pertencente à Congregação Mariana e à Irmandade dos Passos), esquerdistas e reacionários, políticos, empresários, intelectuais. Era um ponto de convergência do que a cidade tinha de mais atuante na sua variada paisagem humana. Gente assim como o comendador Ulisses de Gois, o mestre Câmara Cascudo, Dom Eugênio Sales, o cônego Luiz Wanderley, o jurista Seabra Fagundes, que foi Interventor do Rio Grande do Norte e Ministro da Justiça (Governo do presidente Café Filho), os advogados Oto Guerra, José Baptista Emerenciano (seu primo) e José Siqueira de Medeiros (Siqueirinha), o juiz Eutiquiano Reis, os médicos Clóvis Sarinho e José Tavares, os dentistas José Carlos Leite e Augusto de Souza (seu vizinho mais embaixo da Rio Branco), o poeta e médico Esmeraldo Siqueira, os empresários Felinto Manso e Amaro Mesquita, o tabelião Alínio Azevedo, Gentil Nesi, José e Enéas Reis. E entre eles, essas figuras maiores da província, os notáveis da aldeia, viam-se também pessoas simples, anônimos passantes da avenida, seus admiradores. Alguns nem entravam, ficavam na calçada trocando palavras, diante da janela, onde, debruçado no parapeito e às vezes ao lado de dona Josefina, sua mulher, doutor José Ivo acompanhava o vai-e-vem vespertino, o crescimento da urbe, o comércio se instalando no Centro da Cidade, com a abertura das lojas chiques e a larga avenida aos poucos se transformando numa agitada e colorida passarela. Ali era um dos caminhos do Grande Ponto. A cidade começava a se encontrar por suas esquinas, nos bares e restaurantes alinhados que se instalavam também nas ruas João Pessoa e Princesa Isabel: sorveteria Cruzeiro, restaurante Acaiaca, Bar e Confeitaria Cisne, o Café São Luís (cujo proprietário, Luiz Veiga, com um toque de sofisticação, chamava de “posto de degustação”). Os consultórios médicos deixam a Ribeira, que ia perdendo a sua majestade, e sobem para a Cidade. Até o carnaval - com o seu corso e suas batalhas de confetes e serpentinas, suas odaliscas, corsárias, colombinas e tirolesas, era agora na Rio Branco.


Woden Madruga

Tribuna do Norte - 03/04/05


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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