terça-feira, abril 12, 2005

UMA SERENATA NATALENSE


Otoniel Menezes, autor da conhecida Praieira

Se 2002 foi rico em datas comemorativas, uma em especial passou batida pelos natalenses. Em outubro do ano passado, a canção Praieira, composição de Eduardo Medeiros sobre poema de Otoniel Menezes, tida por muitos como ‘‘hino’’ da cidade, completou 80 anos de sua criação.

A história sobre a origem da canção, de acordo com o pesquisador Cláudio Galvão, começou com as comemorações, em 1922, do centenário da Independência do Brasil. Naquele ano, um grupo de pescadores natalenses resolveu partir a remo para o Rio de Janeiro - então capital do país -,
para celebrar a data. Após o sucesso da empreitada, uma grande recepção foi preparada em Natal para o retorno do grupo.

Era comum, nessas festas, a presença de fogos de artifício, bandas de música e discursos exaltados, além de saudações feitas pelos poetas da cidade. Otoniel Menezes preparara, na véspera da chegada dos pescadores, durante uma noitada de boemia no Paço da Pátria, do dia 18 para 19 de outubro, os versos da Serenata do Pescador, nome original da canção. Porém,
após a ressaca, não teria gostado do resultado, uma vez que considerara os versos, por demaisromânticos, inadequados para a situação. Findou por declamar um poema conhecido como Cântico da Vitória.

Um amigo de Menezes, o também poeta Bezerra Júnior, entretanto, interessou-se pelos versos e convenceu o colega de que o poema daria uma boa canção. Por indicação de Bezerra Júnior, procuraram o músico Eduardo Medeiros, conhecido na cidade pelo seu talento. Como Medeiros não se encontrava em casa, deixaram o poema com o recado para que ele o musicasse.

Os dias se passaram e nem sinal de Medeiros. Cerca de um mês depois, Otoniel comentou com Bezerra Jr. sobre a demora. Chegaram à conclusão que, por ser profissional, Medeiros deveria ser pago pelo serviço. Como na época Menezes trabalhava no Governo do Estado, ocupando um cargo semelhante ao de Chefe da Casa Civil, mandou um contínuo do Palácio do Governo à casa de Medeiros, levando um envelope com 20 mil réis. No outro dia, lá estava o músico, na casa de Otoniel, bem cedinho, tocando a canção no seu violão.

A música rapidamente ganhou as ruas e era repetida à exaustão nas serenatas pela cidade. O lançamento oficial da Serenata do Pescador, como afirma Cláudio Galvão, teria sido no Teatro Carlos Gomes (atual Teatro Alberto Maranhão), em 16 de dezembro de 1922, na voz de Deolindo Lima. De lá para cá, a canção se tornou um símbolo da cidade. Teve sua primeira gravação em 1956, feita por Valdira Medeiros, filha de Eduardo Medeiros. A pesquisadora Leide
Câmara, no seu Dicionário da Música do Rio Grande do Norte, registra ainda outras dez gravações ao longo das décadas.

Em 1971, um decreto municipal a elevou à categoria de ‘‘Canção Tradicional da Cidade’’. ‘‘Foi a primeira canção tornada tradicional por decreto’’, brinca Cláudio Galvão. Laélio Ferreira, filho de Otoniel e responsável pela memória do poeta, conta que um tio seu, lutando na Segunda Guerra Mundial, teria cantado a Praieira a plenos pulmões no alto do Monte Castelo, após a vitória dos brasileiros.

Um detalhe curioso é que nenhuma das gravações feitas contempla todas as estrofes da canção. Na cidade, corre a história que a família não permitiria novas gravações por causa dos cortes na letra. Ferreira desmente o boato. ‘‘Nunca neguei a ninguém que me pediu para gravar a música, nem criei caso. Agora, me reservo o direito de escolher junto com a pessoa as estrofes a serem gravadas, para evitar distorções na obra de meu pai’’, explica.

Para Cláudio Galvão, o ocaso da canção nos dias atuais deve-se aos meios de comunicação. ‘‘O rádio hoje briga por audiência e como o grande público não tem um gosto musical apurado, não há um compromisso com a boa música’’, avalia.

Ao poder público ainda resta uma esperança de recuperar o tempo perdido e fazer a devida reparação pela passagem da data. Há uma divergência entre os pesquisadores, uma vez que Leide Câmara, em seu Dicionário, e Gumercindo Saraiva, no Trovadores Potiguares, registram a canção como sendo lançada em 1923, e não 1922, como defende Cláudio Galvão.

Otoniel morreu em pleno auto-exílio

Alexandro Gurgel

Laélio Ferreira, filho do poeta, prepara relançamento de
Sertão de Espinho e de Flor (1952), ainda para este ano

A vida de Otoniel Menezes (1895-1969) ficou marcada a partir de 1935. Naquele ano, Natal sofreu uma tentativa de golpe de Estado organizada pelo Partido Comunista, que ficou conhecida como a Insurreição (ou Intentona) Comunista. Menezes participou do levante ao ajudar os comunistas com o jornal A Liberdade. ‘‘Na verdade, papai escreveu o jornal de cabo a rabo, mas o advogado de defesa dele o orientou a negar tudo’’, explica Laélio Ferreira.
Isso não impediu que o poeta fosse condenado a três anos de cadeia. Os amigos de Menezes conseguiram que ele pagasse a pena em Natal, em vez de ser levado à Ilha Grande com os demais revolucionários. ‘‘O interessante é que depois correu na cidade o boato de que os integralistas iriam matar os comunistas que estavam presos em Natal. Como o Chefe de Polícia era amigo de papai, ele dormia na cadeia com uma pistola dentro da camisa, para se defender’’, revela Laélio.

Após a prisão, o estigma de ‘comunista’ perseguiu Menezes pelo resto da vida. Isso, aliado à fama de boêmio, levou o poeta a enfrentar dificuldades financeiras e a exercer diversas profissões.

Em 1962, Natal abrigou um congresso de escritores. Alguns deles resolvem visitar o poeta e ficam chocados com sua situação. Otoniel Menezes já apresentava os primeiros sintomas do Mal de Parkinson. Procuraram o governo e conseguiram que o Estado financiasse os medicamentos do poeta. Menezes retiraria os remédios por alguns meses numa farmácia de um amigo, mas depois descobriu que o governo nunca havia pago uma pílula sequer. Revoltado, resolveu auto-exilar-se no Rio. Sete anos depois, morreria, meses depois da esposa, Maria da Conceição Ferreira. ‘‘Ele não agüentou a perda de mamãe’’, explica Laélio.

Autodidata, Menezes era fluente em francês, inglês e italiano. Foi eleito pelos intelectuais natalenses o ‘‘príncipe dos poetas do Rio Grande do Norte’’. É nome de rua em Santos Reis, mas não há nenhuma escola Otoniel Menezes. Parnasiano, tinha um domínio ímpar da técnica e da forma poética. ‘‘Seus versos eram irretocáveis, tanto na métrica, como na rima’’, avalia seu filho.

No fim da vida, após abandonar a boemia, tornou-se arredio e recluso. Eleito por aclamação para a cadeira 23 da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, nunca foi tomar posse. Publicou em vida os livros Gérmen (1918), Jardim Tropical (1923), Sertão de Espinho e de Flor (1952) e A Canção da Montanha (1955). Este último, é seu único livro de aspirações modernistas, com predominância dos versos livres. Não lucrou uma prata com seus livros. ‘‘Todas as edições foram doadas para instituições beneficentes. Papai não achava digno lucrar com sua poesia’’, diz Ferreira.

Graças aos esforços do pesquisador Cláudio Galvão, que prepara um biografia do poeta para o fim do ano, e de seu filho, Laélio Ferreira, os livros A Cidade Perdida, Desenho Animado e Ara de Fogo-Abysmos-Esparsos foram publicados postumamente. Ferreira ainda prepara novidades para este ano. ‘‘Pretendo lançar em julho um reedição de Sertão de Espinho e de Flor e um
ensaio inédito que papai escreveu quando estava preso, em parceria com o Sebo Vermelho’’, revela. Com o nome de Hugo et Les Pretes, o ensaio, em francês, estava guardado na biblioteca de Esmeraldo Siqueira e deverá ser publicado em agosto, numa edição fac-similar, com tradução de Juliano Siqueira e Vitória de Oliveira Costa.

Músico ficou magoado com atitude do poeta


Canguleiro, Eduardo Medeiros morava nas Rocas

Eduardo Medeiros (1877-1961) foi um dos grandes compositores populares da Natal da primeira metade do século passado. Natural de Touros, fixou residência no bairro das Rocas num período fértil da música potiguar.

Respirava-se música na Natal daquela época. Enquanto as famílias de posse sempre tinham em casa um piano, os menos abastados procuravam adquirir um violão logo que sobrava algum trocado. Na década de 20, a modinha alcançou o apogeu como estilo musical preferido da cidade. Nesse cenário, Eduardo Medeiros, que tocava violão e clarinete, fez inúmeras parcerias com poetas locais, como Lourival Açucena e Otoniel Menezes.

O nome do músico entraria para a posteridade com a composição da música Serenata do Pescador, mais conhecida como Praieira. O músico, porém, guardou uma mágoa de Menezes. Ao revelar as circunstâncias em que recebera a música das mãos de Eduardo, mediante pagamento pela canção, o poeta feriu os sentimentos do músico, que achou-se diminuído após a revelação. ‘‘No entanto, não vejo problema nenhum, que ele, como profissional, tivesse recebido pela música. É até natural’’, argumenta Cláudio Galvão.

Sem formação acadêmica, Medeiros sabia ler e escrever partituras, mas muitas de suas canções hoje se encontram perdidas, pois o músico nunca se preocupou em registrá-las em papel. Só não se perderam por completo devido ao trabalho do pesquisador Cláudio Galvão, que em seu livro A Modinha Norte-Rio-Grandense conseguiu resgatar várias canções. No fim da vida, Medeiros chamava atenção nas ruas das Rocas, com seu jeito calmo e os longos cabelos brancos. Teve um vida tranqüila, vivendo de seus rendimentos como músico e do aluguel de casas que possuía no bairro. Hoje, é nome de rua em Barro Vermelho.


Alex de Souza
Especial para o Muito
O POTI, 16.03.03



SERENATA DO PESCADOR
(PRAIEIRA)


Praieira dos meus amores,
Encanto do meu olhar!
Quero contar-te os rigores
Sofridos a pensar
Em ti sobre o alto mar...
Ai! Não sabes que saudade
Padece o nauta ao partir,
Sentindo na imensidade,
O seu batel fugir,
Incerto do porvir!

Os perigos da tormenta
Não se comparam querida!
Às dores que experimenta
A alma na dor perdida,
Nas ânsias da partida
Adeus à luz que desmaia,
Nos coqueirais ao sol-pôr...
E, bem pertinho da praia,
O albergue, o ninho, o amor
Do humilde pescador!

Quem vê, ao longe, passando
Uma vela, panda, ao vento,
Não sabe quanto lamento
Vai nela soluçando,
A pátria procurando!
Praieira, meu pensamento,
Linda flor, vem me escutar
A história do sofrimento
De um nauta, a recordar
Amores, sobre o mar!

Praieira, linda entre as flores
Deste jardim potiguar!
Não há mais fundos horrores,
Iguais a este do mar,
Passados a lembrar!
A mais cruel noite escura,
Nortadas e cerração
Não trazem tanta amargura
Como a recordação,
Que aperte o coração!

Se, às vezes, seguindo a frota,
Pairava uma gaivota,
Logo eu pensava bem triste:
O amor que lá deixei,
Quem sabe se inda existe?!
Ela, então, gritava triste:
Não chores! Não sei! Não sei...
E eu, sempre e sempre mais triste,
Rezava a murmurar:
“Meu deus quero voltar!”

Praieira do meu pecado,
Morena flor, não te escondas,
Quero, ao sussurro das ondas
Do Potengi amado,
Dormir sempre ao teu lado...
Depois de haver dominado
O mar profundo e bravio,
À margem verde do rio
Serei teu pescador,
Ó pérola do amor!


OTONIEL MENEZES


por Alma do Beco | 9:14 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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mariza lourenço

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