sábado, fevereiro 05, 2005

Navarreante

Navarreante
Sanderson Negreiros

Tribuna do Norte

Quando conheci Newton Navarro? Lembro bem. Era o ano de 1953, eu saia do Seminário aos 13 anos e, numa livraria da Coronel Cascudo, encontrei Dorian Gray Caldas. Conversei com ele e comprei o "Narciso Cego", do poeta Thiago de Melo. Dorian deve ter se espantado com minha meninice; e eu lhe fiz a pergunta que me abrasava a vontade de falar: "Você acredita em Deus?" Não lembro o que respondeu; recordo que ele me levou para conhecer Newton Navarro. Era uma casa de Moacyr de Góis, seu primo, onde foi o Bradesco. Cinco horas da tarde. Newton dormia. Foi acordado e nos recebeu generosamente. Senti que ele estava de ressaca. Eu não sabia o que era ressaca. Um espanto. E começou, aí, uma amizade, com tantos trâmites, surpresas e novidades, que posso dizer hoje: convivi com alguém que apostou com a Vida de quem chegava primeiro ao término do silêncio. Do silêncio final. Definitivo.
Visitei-o tantas vezes, em casas diversas que ele alugava, ao lado de Dona Celina, sua mãe, e Seu Elpídio, seu pai; casas humildes, que já não sei os caminhos que ele atravessou nessa vida, carregada e comungada de vitórias e derrotas, que é difícil dizer qual era o Navarro que a gente conhecia... Para mim, ele abriu caminhos; falava de pintores e romancistas, de que eu nunca ouvira falar; escritores e poetas que conhecera no Recife. E fomos ao Recife revisitar seus tempos áureos de vida pródiga; rever Mauro Mota, Tomás Seixas; e me apresentando àqueles amigos e artistas que fizeram do Recife, para ele, um retrato na parede.
E doía.
Nos momentos em que a boemia obrigava-o a parar, surgia o leitor de romance, voraz. Luís Carlos Guimarães sabia disso. E emprestava-lhe as novidades. Então, Navarro pintava ou escrevia contos. A crônica para ele era sempre urgente, que ele assinava na instantaneidade do jornal. Mas está nos contos ou quadros de lirismo inesquecível sua força maior. Mas como esquecê-lo como orador imbatível? É tanto para dele falar e recordar-lhe o perfil de um talento incomum, que lhe perguntava: "Por que você não pára para criar?" E ele respondia: "Sem sofrimento, não sai nada". E invadia o mundo - mas o mundo não se esconde. Ele invadia o quotidiano, queria ultrapassar as horas, domesticar o possível e o impossível. Parou aí.
Aos 63 anos, já amparado por essa admirável figura chamada Salete. E chegou a me dizer, certa vez: "Tudo que você escrever sobre mim, coloque, antes de tudo, o nome de Salete". Que o amparou como mãe, irmã e companheira. Inexcedíveis.
Hoje, ele navarreia. Aonde navarreias, poeta? Tu que estavas aqui, preso à condição humana, mais dolorosa e ressurgente, te libertarás, quando um pouco de nosso amor chegar perto de quem pensava que a Poesia era maior do que a Vida; esta que nos obriga a muito sobreviver, só é poesia depois da morte, quando somos reconhecidos criadores de alguma coisa. E tanto criaste, ó donatário da surpresa! Para tua surpresa inclusive. Navarreante. Como teus amigos, Luís Carlos e Berilo, que navegam, insubstituíveis, na nossa lembrança, e se foram, também, para o Outro Lado - Já os encontraste? Tu que sentaste a Beleza em teus joelhos, e não a injuriaste, como fez Rimbaud, mas foste eternamente dominado pelo frêmito do que na Beleza é eterno, e contrastantemente efêmero? Tenho certeza de que ainda viajas, navarreante, igual à força dos cometas azuis, em busca do Mistério. Que, afinal, é Deus, abrandando o sentimento trágico da vida, que era teu escudo. E teu descuido, de grande e solitário artista.

por Alma do Beco | 12:58 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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