sábado, setembro 24, 2005

DO LÁCIO, A FONTE



"Aldo Rebelo é um homem de bem, mas a candidatura mostra que o governo resolveu assumir o comando da Câmara sem intermediário. Isso fortalece a candidatura da oposição." José Carlos Aleluia (PFL-BA), líder da Minoria na Câmara.




Para Maria Dália

Diga dama deslumbrante
de Dakota, Denver, Dalas


De donde, Dália distante,
diga donde, delicada,
diga doce, dedicada
- diga, dama deslumbrante!
Dadivosa diletante,
dê-me dádivas. Dará-las ?
- Diga dois ditos dualas,
diga dulces, depurados,
dois deleites, dois ditados,
de Dakota, Denver, Dalas ...!

Laélio




Terra

Pólo Sul
Pólo Norte,
Entre dois extremos
Um corte

Bem querer
Sem querer,
Entre dois cabos:
Uma remota esperança

Ingênua geografia...

Deborah Milgram




Do Lácio, a fonte

A Deodoro ainda prima
em ser do Lácio a fonte
vendo a linha do horizonte
José Melquíades faz rima
numa décima que exprima
seu valor vernacular
sabe o verbo conjugar
ele aprendeu no convento
o mais sábio pensamento
na piscina azul do mar

Um poeta também erra
nas belas praias do sul
Newton Novais de azul
boêmio velho de guerra
nessa "Delícia" de terra
o mar já faz espelhar
a cor do céu a brilhar
um Gagarin de encantos
fotografou Clóvis Santos
na piscina azul do mar

"A República" vai mal
Clóvis Santos fotografa
Olívio abre a garrafa
para o pintor de Natal
Navarro excepcional
é safra para provar
a tarde toda a falar
a entrevista gravava
o repórter caprichava
na piscina azul do mar

Tirou da máquina a trava
começou a escrever
nesse doce padecer
o repórter caprichava
só o poeta andava
na redação potiguar
resolvido a abdicar
do seu velho idealismo
vim fazer meu jornalismo
na piscina azul do mar

De caderno em caderno
acalentava a poesia
só por ela ele vivia
era um poeta moderno
depois entrou no inferno
entrou de bar em bar
ela um dia vai voltar
ligou a televisão
acabou-se a solidão
na piscina azul do mar

João Gualberto Aguiar



Minuto de silêncio


Os jabutis e as araras
Pedem silêncio
Um minuto de silêncio
Pelo que foi a amazônia!!!

Todo esse arfar
Meteórico minguante
Da Selva Amazônica
Parece não bate
Nas preocupações
Dos madeireiros
Dos exportadores de grãos
Dos senhores do gado
Humano
Consumista das chaminés
Do primeiro mundo!

Desmatam
Desencapam
Reduzem
O oxigênio
Destroem
O ozônio
Expondo o planeta
Às iras
Do universo!!!

A Terra precisa da casca!!!

Eduardo Alexandre




sexta-feira, setembro 23, 2005

MERECE O PRÊMIO NOBEL



"Eles descumpriram todos os acordos. De agora em diante, não se aprova mais nada." Deputado Alberto Goldman (SP), líder do PSDB na Câmara.


Candinha Bezerra

Poeta Carlos Gurgel

Para o mundo admirar

Em poesia sou completo
sou poeta de cordel
merece o Prêmio Nobel
João Cabral de Melo Neto
o meu verso mais dileto
para o mundo admirar
meu nordeste retratar
isso é mais que uma sina
"Morte e Vida Severina"
na piscina azul do mar

Compositor de cordel
agora mudou de plano
só quer ouvir ao piano
versos de Carlos Gurgel
xará de Carlos Gardel
com rock, vinho e luar
até o sol declamar
o melhor psicanalista
violeiro repentista
na piscina azul do mar

Minha poesia repousa
em um cantinho do céu
a musa descobre o véu
da mártir Auta de Souza
ponho meu verso na lousa
o seu "Horto" vou regar
para os antigos honrar
com o valor da memória
escrevi a nossa história
na piscina azul do mar

João Gualberto Aguiar


Terra

Pólo Sul
Pólo Norte,
Entre dois extremos
Um corte

Bem querer
Sem querer
Entre dois cabos
Uma remota esperança

Ingênua geografia...

Deborah Milgram



Sobra

Somando
os erros
e os acertos
Sobra a amplitude
da cloaca
Que se descortina
platicamente sã
Simplória
como a vã

roendo as migalhas
mofadas
De minhas duas
mãos.

Carlos Gurgel




Minuto de silêncio

Os jabutis e as araras
Pedem silêncio
Um minuto de silêncio
Pelo que foi a amazônia!!!

Todo esse arfar
Meteórico minguante
Da Selva Amazônica
Parece não bate
Nas preocupações
Dos madeireiros
Dos exportadores de grãos
Dos senhores do gado
Humano
Consumista das chaminés
Do primeiro mundo!

Desmatam
Desencapam
Reduzem
O oxigênio
Destroem
O ozônio
Expondo o planeta
Às iras
Do universo!!!

A Terra precisa da casca!!!

Eduardo Alexandre




quinta-feira, setembro 22, 2005

A PORTA MAIS LÁIGA DO MUNDO



“A elitezinha, essa que não quer jamais largar o osso, insuflou contra mim seus cães de guerra.” Ex-deputado Severino Cavalcanti 217 dias!

O Globo
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O CARNÊ

Era um rapaz inteligente, dinâmico, aplicado, vivedor, bem casado, um pedaço de morena, mas que atravessava fase de maré vazante de causar dó. Não esquentava um emprego, as firmas não pagavam as comissões, as transações entabuladas não se concretizavam na undécima hora, por qualquer quase nada.
A cara-metade teve bem intencionada idéia:
- Vou lhe ajudar, filhinho. Vou trabalhar!
Até aí, tudo cem por cento. Mas, um mês depois, TV em cores. E como não, se a jovem comprou um carnê, destes ditos da felicidade?
A sorte, realmente, havia mudado. E foi um tal de ganhar que, benza-Deus! Depois da TV, fogão a gás; depois, geladeira. Um mês depois, videocassete. E, se como o carnê não bastasse, deu pra achar dinheiro na rua, lojas queimando vestidos caríssimos por pechinchas, amigas que vendiam jóias a prestações ínfimas... Os amigos o cumprimentavam:
- Sua mulher é um portento! Trabalhadeira, está aí!
Mas o pobre foi detectando umas piscadelas suspeitas, uns risinhos maliciosos quando se referiam ao labor da bela consorte...
Um dia, chegou em casa disposto a colocar as coisas em pratos limpos. Mal entrou, escutou pedido vindo do banheiro:
- Acuda, filhinho! Estou toda ensaboada e faltou água. Arranje-me um balde, uma bacia d’água...
Quando o marido cumpriu o mandado, passou-lhe apenas um caneco de alumínio.
- Mas, filhinho, esta água não dá pra nada.
E o marido, pisando nos calos, a fúria na voz:
- Dá pra lavar o carnê...

José Alexandre Garcia



A PORTA MAIS LÁIGA DO MUNDO

Um hôme parô na porta,
de um pequenino bar.
Tirô uma trena do bolso,
e se pôis a istirá.
Cum a trena istirada,
midiu a porta da entrada,
muntas vêiz, de lá prá cá.

Uis povo parô prá oiá,
aquela situação.
O hôme a midí a porta,
repetia a operação.
Inté qui êle parando,
na certa, se contentando,
terminô a midição.

Se virando p'ro povão,
falô: Triste sina, a minha.
Essa porta tão istreita,
e assim tão apertadinha,
num é a porta do céu,
mais de um ambiente crué,
qui levô tudo qui eu tinha.

Aí passô meu dinhêro,
passô o pão duis meus fío,
minha casa cum terreno,
passô todos uis meus brío.
Passô o meu artomóve,
passô todos uis meus móve,
e meus cubertô de frío.

Passô a minha saúde,
passô minha mocidade,
passô toda a isperança,
da minha ispôsa, in verdade.
Aqui pru êsse portá,
tombém passô o meu lar,
e a minha felicidade.

Aqui uis farsos amigo,
ficaro vendo eu passá.
Ficaro do lado de fora,
assistindo eu entrá.
Assistiro eu munto moço,
chegá no fundo do poço,
in sua lama afundá.

Me leva isso, a cuncruí,
cum pesá munto profundo:
O qui se ganha numa vida,
se perde aqui, num sigundo.
O aiculirmo num cunforta,
pois êle pissui a porta,
qui é a mais láiga do mundo...

Do livro PÉ DE PAREDE - CORDEL DE CABO A RABO,
de Bob Motta, página 37, edição 2002, esgotada.

Dedico hoje a todos os queridos amigos (as) que dão tréla às besteiras que eu escrevo...

Bob Motta





Caleidoscópio

Deixo na boca solitária dos poetas
As palavras
Deixo nas mãos fervorosas dos pintores
Os pincéis
Deixo nos dedos ligeiros dos músicos
As partituras
Deixo na voz rouca dos cantores
Os protestos
Deixo nos pés calejados dos dançarinos
Os palcos
Infinito festival...

Deborah Milgram



Maior Que a Própria Vida

Quando mais tarde um dia me faltar
aos olhos a visão do teu sorriso,
Quando para te ver me for preciso
construir teu corpo desenhando o ar,

E dessa forma ter definitivo
o que fora sempre antes provisório,
que me seja bem leve e transitório
o ânimo de viver e o seu motivo.

Que me seja bem pouco o alimento
da minha carne desapetecida,
do meu caminho sem prosseguimento,

Pois bastará, à minha sobrevida,
o ar que respiraste e o sentimento
de que foste maior que a própria vida.

Robério Matos



M O T E

BOB, POETA MATUTO
COM NOME DE AMERICANO

G L O S A S

1.

Meus irmão, num fiquei puto;
vocêis tem tôda razão.
É isquisito de muntão,
BOB, POETA MATUTO.
De linguajá puro e bruto,
vô lhe dizê, seu fulano:
Nascí pós guerra, meu mano,
no Trampolim da Vitóra,
isso é o "X" da minha istóra,
COM NOME DE AMERICANO...

2.

Eu nascí no Potengí,
dispôi da segunda guerra.
De Natal, amada terra,
me danei p'ro Carirí.
E me criei puralí,
de sêca a inverno, ano a ano.
Isso ixprica, seu fulano,
e eu num tomo cumo insurto,
BOB, POETA MATUTO,
COM NOME DE AMERICANO...

Bob Motta




Bob, poeta matuto
com nome de americano


seu talento não discuto
trova vai e trova vem
trova muito, trova bem
bob, poeta matuto
nacional é o 'produto'
sertanejo, sem engano
cabra de lascá o cano
valoriza o que é da roça
bob motta é coisa nossa
com nome de americano


ele não é um chinês
muito menos timorense
vietnamita, ugandense
australiano ou francês
digo pra todos vocês
que o hômi não é cubano
não é grego e nem troiano
é brasileiro esse fruto
bob, poeta matuto
com nome de americano


Meméia



Bob, poeta matuto
com nome de americano


Minino vou lhe contar
Nesse beco, tem de tudo
Uns entram pelo cano...
Outros só querem ganhar
Mas, tem "cabra" astuto
Esperto que só bichano
Num é que foi botar...
Bob, poeta matuto
com nome de americano


Manoel Bomfim



BOB, POETA MATUTO
COM NOME DE AMERICANO

Ele é sábio, é astuto
tem uma poesia mimosa
para mim é rei da glosa
BOB, POETA MATUTO.
É ligeiro, é resoluto
faz poesia mano a mano
adivinha como cigano,
ele é mesmo um grande artista
nem sei se é abecedista
COM NOME DE AMERICANO

Chagas Lourenço




quarta-feira, setembro 21, 2005

VAMOS CHAMAR O BOBO

Marcus Ottoni


“No mesmo dia em que Lula não votou porque não votou, 272 mil petistas votaram porque votaram. Lula poderia ter dito qualquer coisa, menos fazer gracinha com um partido que está na lona muito mais por sua causa do que por culpa da militância anônima da estrelinha.” Elio Gaspari



Tengo Telengo Tengo

Tão pecador
Comunga
Com cavaco-chinês

Plínio Sanderson




Vamos chamar o Bobo

Vamos culpar o bobo,
Por essa tremenda zoada,
Na porta desse lugar
Onde todos têm entrada

Vamos brindar ao bobo
Que assim meio cabreiro
Diz-se apenas passageiro
Mas tem alma de arteiro

Vamos agradecer ao bobo
Que é pura gentileza
Abrindo espaço e ouvidos
Emocionando toda a redondeza

Rápido, vamos chamar o bobo
Calma aí, se aquiete, se acalme
Ele vem e desaparece
Quem o viu, jamais esquece

Deborah Milgram




De volta à Solidão

Depois de tanto tempo,
Eles voltaram
Aos ares
Árvores
Fios elétricos
Muros, telhados.

Cantam,
Trazendo uma alegria
Há muito ida,
Quando os canarinhos da terra,
Alaranjados,
Queimados de sol,
Se foram também.

São belos,
São mágicos:
Tricolores como a cobra coral
Que ainda resiste,
Sob as folhas caídas
Dos cajueiros teimosos
Das dunas
Do Tirol.

Entre os pardais invasores,
Aqui chegados nos anos 70
Do século passado,
Galos-de-campina nos lembram
O tempo,
Quando esses matos eram chamados
Solidão.

Eduardo Alexandre



A gente recebe bem

Bob Motta lhe garante:
A gente recebe bem,
não quer saber quem é quem,
todo e qualquer visitante.
É carinho a todo instante,
na capital potiguar.
A lhes recepcionar,
golfinhos desinibidos,
nadam e pulam divertidos,
na piscina azul do mar...

Em noite de lua cheia,
eu vou pra beira da praia,
me sento numa "catráia",
e ouço o canto da sereia.
O esguicho da baleia,
faz eu me emocionar.
E fico a me imaginar,
dentro d'água, sem pudor,
com você, fazendo amor,
na piscina azul do mar...

Bob Motta



Versos de solidariedade

Bob Mota, meu prezado
Tô cum você e não abro
No seu verso bem rimado
Contra esse descalabro

É de lascar essa verdade
Por você apresentada
É muito grande a maldade
Cum a poesia amatutada

Eu também já notei isso
Que o cordel nunca ganhou
Parece que o compromisso
É só com o verso do "dotô"

Nós também somos "dotô"
Na arte de escrevê
Pois falamos de amô
De sodade e de sofrê

De paisage do sertão
Do forte cabra da peste
Aquele nosso irmão
Que tem in todo nordeste

Cum você sou solidário
Aproveitando sua poesia
Você não está solitário
Pois tem minha simpatia

Manoel Bomfim



Péricles

Já faz algum tempo, apareceu pela Igreja Matriz da Cidade da Esperança, Péricles, um jovem trajado de imundos calção e camiseta, descalço, de rosto amarelado, os olhos avermelhados e perdidos, cabelo e barba em desalinho e com um penetrante fedor de cola e suor, de sujeira e lágrimas.

A primeira vez que entrou na Igreja, era dia de domingo, na Missa das 19:00 horas. Como de costume, a Igreja estava lotada até o tampo. Desde o altar, inquieto, observei o jovem mendigo abrindo passo pelos corredores, imprensado pelo povo, de mão estendida, pedindo esmola.

Não era a primeira vez que algum pedinte, de aspecto parecido, procedia assim. As pessoas, incomodadas, retrocediam ou faziam de conta que não viam... Algum raro paroquiano metia a mão no bolso para dar algum trocado.

Dentre todos aqueles que andaram pela Igreja, só Péricles permaneceu até hoje, nos proporcionando sua incômoda visita alguns dias durante a semana e, invariavelmente, nas Missas dos domingos. Às vezes, parece ficar satisfeito com uma ou duas voltas pela Igreja. Outras, passa uns dez ou quinze minutos rodando pelos corredores, inquietando as pessoas, atrapalhando as orações, a liturgia, a pregação, etc.

No começo, algumas pessoas me pediam: “Padre, não sei como o senhor consente... Deveria botá-lo para fora.” Mas eu nunca expulsei (e se Deus me der juízo, não expulsarei) ninguém, nunca, por motivo nenhum.

O Dr. José Dantas, da Vara da Infância e da Adolescência, cuja amizade prezo por muitos anos, me confidenciou que Péricles havia sido criança abandonada na creche e passou a primeira juventude esperando uma adoção que nunca chegou. Já adulto, ganhou às ruas e por lá ficou.

Há uma categoria sociológica para a pirâmide social humana que qualifica como “descartáveis” as pessoas que se situam no último estrato social. A palavra “descartável” parece forte demais. Mas sociologia é assim mesmo. Por exemplo, apenas na África subsahariana, neste ano que transcorre, há quase oito milhões de pessoas que morreram ou que vão morrer de malária, AIDS e fome. Não são apenas hipoteticamente “descartáveis”, mas estão sendo, simplesmente, “descartados”.

Desde o primeiro momento, percebi que Péricles era um “descartável” ou, como se dizia antigamente, “bucha de canhão”. A cola ou a droga e a impossibilidade de adaptação ao meio, fizeram-no assim. Em algum momento, imaginei que poderia enviar Péricles para a Fazenda Esperança, na Serra do Mel, para tentar sua reabilitação, como já fizemos com outros jovens. Destes, um que não agüentou e voltou, já foi assassinado. Estes têm família que se preocupam com eles. Péricles, não: pertence, somente, à rua e a Deus.
Parece ser que, apenas na Igreja, se sente seguro ou protegido. Dias atrás, colou-se, sufocado, na sacristia, rogando-nos para deixá-lo sair pela porta traseira da casa paroquial que dá para a avenida Pernambuco, pois, na praça da frente, havia gente que queria matá-lo. Por quê? Não saberia dizer, pois ele não contou, mas podemos pensar que seria qualquer coisa relacionada a dívidas por drogas. Escapou, assim, Péricles, da morte anunciada e, por alguns dias, não o vimos mais. Porém, não custou muito em aparecer de novo e continuar atrapalhando e incomodando, como de costume.

Algumas pessoas mais perspicazes em sua fé começaram a compreender o porquê eu deixava perambular Péricles, sem me importar. No fim, eu não teria coragem de me aproximar do altar do Senhor para celebrar na Eucaristia, a comunhão no seu Corpo e no seu Sangue dados por toda a humanidade, se eu tivesse a ousadia de expulsar Péricles. Para que serviria uma bela liturgia que excluiria um jovem, classificado pela sociologia de “descartável”?

Lembro, aqui e acolá, a palavra de São Paulo, precisamente, para aqueles que fazem a divisão social tanto na vida quanto na Eucaristia de que, aquele que come do pão e do vinho consagrados, “sem dar seu devido valor, se torna réu do Corpo e do Sangue do Senhor e come e bebe sua própria condenação”. Porque a Eucaristia é, por definição, o grande instrumento de comunhão humana e divina. E, assim, está sendo compreendido por algumas boas pessoas da paróquia. No fim, o próprio Jesus se tornou um descartável e, conseqüentemente, um descartado.

De todo modo, é arriscado dar dinheiro a Péricles, que, com toda certeza, vai para a droga que for (não saberia dizer qual). Mas um prato de comida não falta numa ou outra casa da Paróquia.

Domingo passado, Péricles completou 23 anos. Apareceu na Igreja bem cedo para me comunicar seu aniversário. Na sacristia, antes da Missa das 8:30h da manhã, já havia passado pelo meu gabinete onde me abraçou e beijou na careca. Um penetrante fedor repentino me deixou meio tonto. Roguei-lhe que, para a Missa da noite, viesse limpinho, arrumado e cheirosinho.

Na Missa da noite, Péricles, sentado num banco lateral, perto do presbitério, com a cabeça apoiada no encosto do banco da frente, dormitando em sua própria imundície, participou de toda a Missa. Antes da benção final, pedi a toda a Igreja, como temos o costume de fazer com os aniversariantes do dia, para cantar os “parabéns pra você”. Péricles, tentando sorrir, apesar do aspecto maltrapilho, sujo e sonolento, conseguiu ficar de pé. Após a benção final, dei o costumeiro abraço em Péricles, do mesmo jeito que em outros. Depois, na sacristia, a secretária da paróquia deu a ele, de presente, um relógio barato, comprado num camelô.

Pensei que o relógio se tornaria fumaça rapidamente. Porque só um milagre de primeira grandeza salvaria meu amigo Péricles de ser, apenas, um ser humano sociologicamente “descartável”.

Pe. Agustín Juan Calatayud y Salom sj




Carnaval em tempos de guerra

Hoje, 21 de setembro, a Livraria Sparta promoverá, dentro do projeto “Prosas e Pensamentos”, a palestra “Carnaval em tempos de guerra em Natal” proferida pela professora Flávia de Sá Pedreira. O evento reunirá escritores, artistas e pesquisadores da cultura regional. A proposta da livraria é apresentar aos estudantes universitários e do ensino médio, pesquisadores e ao público em geral o que se apresenta de mais expressivo no estado do Rio Grande do Norte.

No projeto “Prosas e Pensamentos”, que permanecerá até o mês de novembro de 2005, serão abordados assuntos sobre cangaço, poesia, urbanização da Cidade do Natal, história, artes, entre outros.

Sobre a Autora

A professora Flávia de Sá Pedreira nasceu em São Luís do Maranhão e cursou a graduação e o mestrado de História na Universidade de Brasília, doutorando-se em História Social pela Unicamp.

Desde 1994, faz parte do corpo docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde atualmente desenvolve o projeto de pesquisa ‘Do outro lado de lá: olhares, saberes e poderes norte-americanos sobre o Brasil (século XX)’.

Sobre a Palestra

A palestra da professora Flávia de Sá Pedreira abordará o tema: "Carnaval em tempos de guerra em Natal", onde serão apresentados os resultados de uma pesquisa iniciada em 1995 e que culminou na realização do vídeo-documentário "...De Outros Carnavais", de 12 minutos de duração, e na elaboração da tese de doutorado (Unicamp, 2004), que foi publicada sob o título "Chiclete eu Misturo com Banana: Carnaval e cotidiano de Guerra em Natal (1920-1945)", pela EdUFRN, 2005.

Informações Gerais

Evento: Ciclo de palestras “Prosas e Pensamentos”
Local: Livraria Sparta
Data: 21/09/2005
Horário: 18:00h
Entrada gratuita
Palestrante: Profa. Dra. Flávia de Sá Pedreira
Tema: “Carnaval em tempos de guerra em Natal”




segunda-feira, setembro 19, 2005

SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR - CANTO 7

Marcus Ottoni


Se para votar projetos de interesses duvidosos de governabilidade se fez o que gerou tudo isso, imagine o que está sendo feito para salvar-se o governo e umas dezenas de parlamentares num parlamento já comprometido pela suspeição quase que generalizada.
Eduardo Alexandre


Otoniel Menezes

"SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR"

OTONIEL MENEZES
2A. EDIÇÃO ANOTADA e revista por Laélio Ferreira
No prelo

Canto 7

No Piso do Comboio

“...As lendas arrepiadoras do caipora travesso e maldoso, atravessando célere, montado em caititu arisco, as chapadas, desertas, nas noites misteriosas de luares claros; os sacis diabólicos, de barrete vermelho à cabeça, assaltando o viandante retardatário, nas noites aziagas das sextas-feiras, de parceria com lubisomens e burras-sem-cabeça notívagos: todos os malassombramentos, todas as tentações do maldito...” (“Os Sertões”, pág. 139)


Sertão dos meus dez janeiros!
Cavalos mansos, baixeiros (01).
Que delícia, era viajar,
Armando a rede nos ganchos
Do alpendre aberto dos ranchos (02),
- seis dias, para chegar...

Fazer uma madrugada (03)!
A tropa, inda estremunhada,
Trota, no barro da chã...
Vai-se andando...vai-se andando...
Rósea, a barra vem quebrando (04)...
Chora, no vale, a acauã.

(“Rompe-nuvem”, baio lindo!
Viaja-se, mesmo dormindo,
No teu dorso embalador!
Teu nome – de avanço e luta –
É uma hipérbole matuta,
Chalaça de cantador!

Assim, tardo, é que te quero,
Rompe-nuvem! Que inda espero
Volver, tão dócil te sei,
- e, só por matar saudades! –
às serras, às soledades
do sertão que sempre amei!).

A ária, dulcíssima, erparze-a
Nas carnaúbas da várzea,
Graúna, avatar de Orfeu[1]!
Tua asa é a tinta do poema
Dos cabelos de Iracema,
- que, de saudades, morreu...

Latada! Mata esta sede
De madornar numa rede
Bem alvinha, de algodão!
Pelego (05), na areia...areia
Que o rio enxaguou na cheia,
- mais fofa do que um colchão...

Moça da saia encarnada,
Que eu vi, na volta da estrada,
Arisca, a olhar para mim,
- talvez nunca mais te veja!
- ou, um dia te leve à igreja,
a ouvir-te o risonho sim...

Não, nunca mais! Bem m’o disse,
Na sua sábia crendice,
Meu arrieiro (06), o Tundéu:
- Quem carcúla, se atrapáia...
De casamento e mortaia,
O corte é feito no céu!

Eu, condo (07) (fui do seu tope (08),
Quebrava (09) no curilope (10),
No lenço do gurgurão,
Tive tomem uma cera (11)
C’uma cabrocha linheira (12),
Lustrosa (l3) que só o cão (14) !

Hoje, nem dou mais nutiça:
Fizero machaviliça (15),
Briguemo. Foi fusuê (16)!
Uma sujeita zanoia,
Dixe que eu sou vira-fôia (17),
E ela num quis mais me vê...

- Diz os fio da Caindinha
Que ela, agora, é bonequinha
Do cabaré do Iguatú.
Nun vê guaiába passada (18)?
P’ru fora, cheira e é rosada,
- dento, só tem tapurú...

Pricurei meu padim Ciço.
Ele tornou-me: Feitiço
De mulata, é bem capaz
De atentá o própe Cristo;
Vá rezar, se esqueça disto,
- muié, o vento é quem traz...

Andei mascando a liamba (19),
Dei birrada (20), acabei samba,
Bebo foi meu naturá.
Sarou. Mas, p’ru dento, é vivo,
O diale do remativo (21)
Desse estrepe de juá...

Iguá o freguês sem rumo,
Que entra no mato sem fumo,
P’ra caçá, e fica é só,
Toma ferrão de tubiba (Nota?),
- e a caipora, p’ru riba (22),
inda lhe infinca o cipó...

O freguês só tem sossego,
Si num arruma chamego (23),
Mucuím (24), tixe (25) ou muié.
Rabo de saia e mundiça (26),
Faz inté faze toliça
Cavalo de carroçé (27)!

-------

Sobe a névoa matutina.
Terno, o galo-de-campina
Fere a canção do arrebol.
Desperta a fazenda, em baixo.
O dendezeiro do riacho
Apara a esgrima do sol...

Papa-arroz (28)...De nome, é feio;
Qual, porém, mais belo, veio
Da Amazônia, ou do Japão?
Tão retinto, que azuleja:
Da gorja ao peito, flameja
Um crachá cor de malvão!

A Cidade ainda distante...
Eu, o lírico estudante,
Venho em férias. Olho ao sul:

Que alvoroço, que alegria!

- a igreja da freguesia
recorta a torre no azul...

Aí vai, cruzando o caminho,
Um serrano no burrinho
Lerdo, mancando de um pé.
Entra no mato. Mas, onde,
Em que cafundó (29) se esconde
Seu ninho de caboré (30)?

Centelha, vivente, réstia
De sol, gorjeando! Tiveste-a,
A voz, no Céu, a afinar?
Pintassilgo! És o violino
De um gênio, cujo destino
É o de morrer...de cantar!

Casaca-de-couro (31). O ninho,
Enorme, é todo de espinho.
Dá-lhe o nome, a cor que tem.
Canto, em dueto: alarido!
- grita, frocudo, o marido!
- A mulher grita, também!

Sem uma folha, uma, única,
No adamascado da túnica,
O flamboiant faz lembrar
Os Doze-Pares de França[2]:
- é Roldão[3], ferido à lança,
de pé, com o peito a sangrar...

Ganhou Burbank[4] ouro e glória,
Obrigando a palmatória
A sem espinho nascer.
A nossa, não passa disto:
- nem a coroa de Cristo
tanto espinho era de ter!

Lavandeira (32), lavandisca,
Bem casadinha! Petisca,
Desde o pátio, ao corredor,
A lenda a protege e nimba:
- na água e no anil da cacimba,
leva p’ra Nosso Senhor.

Mulungú, pau de tabuado,
Num açude, és um achado
No cavalete (33) que dás!
Florido, a contar de agosto,
Na tua fronde, o sol posto
O fogo em retalhos faz...


Notas ao canto 7

01) Baixeiro: Hábil no baixo, modalidade miúda e macia, da marcha do cavalo ou do burro, muito cômoda e agradável para quem viaja. Em escala de velocidade ascendente, assim se classifica, no sertão, a marcha da montaria:

- passo
- chouto
- baixo (ou carrego)
- galope-em-cima-da-mão
- galope alto (ou largo)
- contra-marcha
- meio
- esquipe
- carreira

02) Rancho: Ou arrancho. Pouso, lugar onde se descansava, durante o pino do sol (pingo-do-sol), ou onde se pernoitava, nas extenuantes, mas tão divertidas, tão pitorescas jornadas através do sertão, prolongadas por três, quatro ou cinco dias, na marcha ordinária dos comboios, marcha que consistia em dois períodos: pela madrugada, até as 10, às 11 horas, e das 14, ou 15, às 18, em etapas de 5, 6 léguas. Havendo luar, a segunda etapa se prolongava às 19, às 20 horas. Os ranchos eram o rústico alpendre, colmado de folhas de coqueiros ou ramas de oiticica, da habitação à margem da estrada, a cuja porta a integral, encantadora hospitalidade sertaneja proverbialmente desobrigava do clássico – “ó de casa!”. Comumente, também, se não era inverno, servia de pousada, para o pernoite, alguma copada de oiticica, uma quixabeira alvinha de flor, um espetacular joazeiro em cuja copa rotunda a gente pressentia o frêmito dos canários estremunhados, sobre o clarão da pequena coivara onde ia ferver, na marmita de folha de flandres, a água para o café – o café mais gostoso, mais tonificante, mais perfumado desse mundo, e cujo pó grosso e rescendente se fazia assentar da panela.

Durava cinco a seis dias, o trajeto entre jardim do Seridó (cilangana,mergulhando-se nesta um tição com a brasa bem viva...desde que, mais de perto, interessa o poema ????) e Macaíba, ponto terminal da jornada, e de onde, através do rio Jundiaí, em lancha ou bote, se atingia Natal.

Anexins e Ditados: “Agrado é que demora viagem” * “Hóspede em casa é dia-santo”.

03) Fazer u’a madrugada: Sair do rancho, em prosseguimento da caminhada, às 3, às 4 horas e, mais cedo. O mesmo que fazer u’a mineira, no Sul.

04) A barra vem quebrando: Vir amanhecendo. Alusão às nuvens que, ordinariamente, se acastelam ao nascente, na antemanhã. Ao quebrar da barra, cedinho, de manhãzinha.

05) Pelego: Idílio. Tem quase sempre sentido pejorativo e, nesta acepção, não figura no “Pequeno Dicionário” aqui já muitas vezes citado. Vejam-se, adiante, cera (n.) e chamego (n.)

06) Arrieiro: Pajem, pessoa que se encarregava de preparar as refeições, de cuidar dos animais, durante a jornada. Almocreve, comboeiro, tangerino, cargueiro.

07) Condo: Quando.

08) Tope: Talhe, tamanho, estatura.

09) Quebrar: Usar, por luxo. Fulano só quebra no brim branco; Fulano só quebra na seda.

10) Curilópe: “Chlorilopolis do Japão”, marca de perfume popularíssimo no Seridó, há trinta anos. Era vendido em vidrinhos de 5 a 8 gramas, com etiqueta dourada – uma gueixa sobre a sombrinha de bambu e seda – a 50 centavos.

11) Cera: Namoro, idílio platônico. Veja-se adiante, chamego (n.).

12) Linheira: Esbelta, delgada, lazarina (veja-se no Canto 11, anotação (n.) à ultima palavra).

13) Lustrosa: Que não é bonita, nem feia. Simpática, bonitota. G. Barroso e M. Bandeira não colhem o termo com este significado, clássico em todo o Nordeste (Referimo-nos sempre, nestas Notas, à 2a. edição do excelente “Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa”).

14) Cão: O diabo. Veja-se Nota à palavra droga, no Canto 4, 16.

15) Machaviliça: Maquiavelice, intriga.

16) Fusuê: Barulho, disputa, confusão, arrelia. Vide verbete angu, em Notas ao Canto 11, número

17) Vira-folha: Infiel, volúvel.

18) Passada: Madura em excesso, meio podre (relativo a fruta).

19) Andei mascando a liamba: Alusão ao ciclo da cachimbagem dessa erva, que é o cânhamo, cannabis sativa, diamba, riamba, pango, maconha (a denominação mais popular, esta última). Rica, interessantíssima, a sinonímia inclui, ainda, aliamba, dirijo, birra, fumo-de-Angola, atchi (corrutela de haxixe)[5]. É uma variedade de cânhamo europeu, originário da Índia, (cannabis indica).

Esta planta, cujo uso e contrabando tanto preocuparam a policia carioca, e foi assunto rendoso a muitos jornais sensacionalistas da capital da República, é conhecida, há muitos anos, no sertão, embora o fato não tivesse sido registrado, até agora, na crônica policial ou judiciária do Estado[6]. No Seridó propriamente dito, e talvez em todo o sertão norte riograndense, não se sabe do uso da diamba.

Entretanto, o Dr. Manoel P. Diniz[7], bacharel em direito, advogado, poeta incluído na coletânea de Laudelino Freire[8], “Sonetos Brasileiros”, e que, em 1941, encontramos nas funções de secretário da Prefeitura da terra de Padre Cícero[9], escreve o seguinte, no seu curiosíssimo livro, “Mistérios do Joazeiro”, que Câmara Cascudo considera (em “Vaqueiros e Cantadores”) um dos mais importantes, minuciosos documentários do ciclo folclórico dominado pela singular personalidade daquele malogrado Barjesus[10] caririense:

“Não inventamos bichos de sete cabeças, quando nos referimos ao uso da liamba (...) Infelizmente, os nossos governos do Norte e Nordeste (onde há os mais perigosos centros de cultura e uso da liamba) ainda não criaram serviço especial de policia preventiva, contra entorpecente tão perigoso, que concorre, não só, para achinesar um povo, como para africanizar, que é muito pior. No Rio de Janeiro existe a legendária favela e, no sertão nordestino, que está mais próximo do Maranhão?” (Simões Fonseca[11], no “Dicionário Enciclopédico, afirma que a liamba é nativa daquele Estado)[12].

M. Diniz continua, - “Há muitas favelas, ou elementos de favelas, atuando particularmente nos grandes centros onde predomina a maioria da ignorância, como desgraçadamente aconteceu em Joazeiro, que só de há poucos anos a esta parte (1935) começou a sair do caos, como se fosse um novo orbe de que o padre Cícero seria o Padre-Eterno, conforme a crença de muitos romeiros que a estas horas, podem estar na Bem-Aventurança celeste, formando a imensa legião dos pobres de espírito que constituíram o maior troféu com que o Patriarca se apresentou diante de Deus, ao ser julgado (...) Mas, dir-nos-iam, que tem isto com aquilo? Muitíssimo; pois muitas pessoas, mesmo das menos simplícias, pensavam que certos tipos, particularmente pretos ou bem trigueiros, eram realmente doidos ou malucos, conduzidos, furiosos, à presença do Patriarca, para curá-los. Nem por sonho. Tais indivíduos, que vimos mais de uma vez à porta do Patriarca, contidos por seus condutores, cavilosos ou não, no dia seguinte estavam bons, e proclamando que tinham sido curados por milagres da benção do Padim Ciço. Quase todos esses tipos eram liambados, e nada mais (...) E a liamba, para a formação desses pseudo-loucos? Existia e existe em Joazeiro, embora usada ocultamente, não por medo da policia, mas porque não queriam que o Padim soubesse; não porque o amassem mas porque temiam que ele mandasse castigar os empreiteiros da cultura da liamba e do seu uso maléfico. Damos testemunho de tal erva aqui. Vimos há anos, no quintal de uma casa, à rua da Conceição, desta cidade, alguns pés de um arbusto parecido com o mastruço e de sementes semelhantes às do coentro. Eram pés de liamba”.(“Mistérios do Joazeiro, M. Diniz, tipografia do “O Joazeiro”, Ceará, 1935).

Em 1947, a revista “O Cruzeiro”, do Rio, publicou sensacional reportagem em torno do uso da maconha (liamba). Americo Valério e Gonçalves Fernandes (pesquisar), de Pernambuco, têm publicado estudos especiais a respeito.

20) Birrada: Pancada (de birro, bilro, cacete curto), caçambada, tamburetada, sabacuzada, lapada, gebada (esta última tem também sentido obsceno).

21) Remativo: Reumatismo. Qualquer dor surda e intermitente, cuja causa não conheçam, é assim denominada, entre os matutos.

22) E a caipora, p’ru riba: O sertanejo acredita na caipora[13], duende, espírito protetor dos animais silvestres, espécie de saci-pererê, um negrinho muito vivaz, de barrete vermelho, sempre cavalgando um porco ou um veado, e cuja presença se manifesta num assobio agudíssimo e prolongado. Exige, dos caçadores, o tributo de um pedaço de fumo, sem o que não poderiam eles penetrar impunemente no mato, ou realizar caçada compensadora. O castigo mais temido é o de uma sova de cipó, quando a caipora topa com um devedor relapso, reincidente. Aos caçadores mais felizes, atribui-se estarem em dia com o imposto.

23) Chamego: Namoro, em sentido pejorativo. Agarrado, pergamasso, pelego, arranhado, xodó, chichinado (subst). Animação, cera, influência e ponta são empregados na acepção platônica. Por ocasião de sua última viagem ao Seridó (1941), já ouviu o Autor dessas Notas, em “rodas”de cafés e bilhares, chafrandrilha, chumbregação, e fiapo (tirar fiapo com fulano, ou fulana), termos da gíria plebéia natalense. Há, ainda, aqui (Santo Deus!), mamparra, fraguido, ronçoio (do verbo roçar?), etc.

24) Macuim: Ou micuim, espécie de carrapato microscópico, habitante das folhas verdes, e cuja picada produz inaturável comichão.

25) Tixe: Piolho das aves domésticas, goniodes stylifer. Cafife, mundiça. No feminino, cafifa, significa importunação, estribilho irritante, mofina, caninga, infuca, amolação (veja-se caninga, nas Notas do Canto 6, 05).

26) Mundiça: Imundície. Denominação dada, entre o povo, a qualquer praga de parasitas, especialmente de galináceos e colombinos (mundiça). Gente ruim, canalha, cambada. Em sentido afetivo, trata também assim o matuto a própria família:

- Como lhe vai, a obrigação?

- A mundiça tá viva, graças a Deus....

Jaques Raimundo[14] (“O Elemento afro-negro na Língua Portuguesa”, pg. 124) ensina que mundiça é sinônimo de grande quantidade (Mato-Grosso), e cita uma frase de Taunay[15], em “Inocência”, pg. 101: “Trouxeram de lá uma imundície de gente amarrada”.

Pode ser, esta, a significação em que o matuto emprega a palavra, referindo-se à prole, ordinariamente numerosa entre os casais sertanejos.

27) Cavalo de Carrosel: Sujeito que não sai dos limites, em questões de despesa; econômico, a mais não poder, somítico, avareto; pirão-na-unha, amarrado-de-corda, pão-duro, dura-fogo.

28) Papa-arroz: Pássaro da família das Fringiloidas, Dolychonix oryzivorus. Xexéu de coqueiro, de plumagem negro-azeviche, ou azul-forrete, encontradiço nos coqueirais e carnaubais. Anda sempre em bandos, nos quais avultam as fêmeas. O macho, ave belíssima, quando adulto, tem a plumagem ainda mais escura, e uma faixa cor de brasa viva no papo, começando da parte inferior do bico.

29) Cafundó: Lugar deserto e longínquo, de difícil acesso; furna de serra.

30) Caboré: Glaucidium brazilianum, Gm., pequenina coruja pintalgada, não apenas noturna, e que só nos ermos serranos comumente constrói o ninho, nos buracos da velhas árvores e barrancas. Quando canta, nas proximidades do inverno, é mau sinal. Cuidam os matutos ouvir, no melancólico regougo, em tom grave do caboré, repetida sinistramente, a onomatopéia ameaçadora: sol...sol...sol...

31) Casaca-de-Couro: Ave do sertão e da caatinga, da família das Mimidas, e também chamada Maria-cocoruta, denominação que lhe vem da poupa de penas. Na várzea do Açu, é também conhecida por catapirra. É toda de cor de couro, curtido recentemente. Anda aos casais, tanto no mato como nas árvores dos quintais urbanos, onde todos os anos faz o ninho – um ninho enorme, tão entretecido toscamente de gravetos espinhosos, mas forrados, no interior, com pluma de algodão e capins delicados. São tão grandes, estes rústicos gineceus, que, não poucas vezes, arreia com o peso deles o galho da jurema, de favela ou de “turco”, que os suportava. Há árvores com cinco, seis e mais, ninhos de casaca-de-couro, sempre construído pelo mesmo casal – anos e anos. A casaca tem dois terríveis inimigos, o punaré[16] e o concliz. O primeiro, um ardiloso e voraz rato silvestre, para lhe devorar os filhotes; o concliz, (vide esta palavra no Canto 6 ? procurar), para expulsá-la, aproveitando-se velhacamente da “casa” pronta, para chocar a própria ninhada. A casaca só canta em dueto, um canto alto, agudíssimo, estridente, alegre, caprichoso, sem melodia consagrada pelos Hercules Florense e pelos Gonzaga-Duque do pentagrama avícola do deserto, mas cheio de graça agreste e de saudosa ressonância, ouvido a grande longitude na solidão comburida dos meios-dias sertanejos. Frente a frente, junto ao ninho, e pulando vivo e miúdo, os topetes riçados, as asas distendidas e peneirando, “marido” e “mulher” se desafiam, ardentemente, nesta estrídula melopéia que, a breves intervalos, martelam o dia inteiro.

32) Lavandeira: Lavandisca, Fluvícola climazura. Esclarece Câmara Cascudo, em “Aves no Folclore Brasileiro”, cit.:

“Vão ter uma surpresa, quando lhes disser que a lavandeira está no Index, também. Apesar de seus hábitos simples, de sua familiaridade, de suas visitas às calçadas e cozinhas, de seus saltos e reviravoltas, a lavandeira não é boa peça. Se lavou a roupa de Nosso Senhor, é que foi obrigada, ou quis agradar uma vez na sua vida. Dá azar, e dos grandes. Para anular seu inconveniente prestígio maléfico, quando lhe derem de comer, especialmente carne verde, não lhe dêem de beber. E vice-versa”.

33) Cavalete: Toro de madeira leve – especialmente, o mulungú -, muito usado, nos açudes e nos rios, como precioso auxiliar dos exercícios de natação. É o salva-vidas clássico no sertão.

[1] Figura mitológica, filho da musa Calíope, músico e poeta, marido apaixonado de Eurídice. Quando tocava sua lira, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo. Ele ganhou a lira de Apolo; alguns dizem que Apolo era seu pai.

[2]“Carlos Magno e os Doze Pares de França”, canção de gesta, narrativa com muitas batalhas que se espalhou por todo o sertão e inspirou violeiros e cantadores. A tradição é que esses pares, cavaleiros que formavam uma espécie de tropa de elite do imperador Carlos Magno, eram doze e assim se fixa o seu número no primeiro poema que celebrou a batalha de Roncesvalles — La chanson de Roland.

[3] Forma abrasileirada de Roland, um dos Doze Pares de França, personagem principal da canção carolígea – acima referida -, do ano 1070, sobre a emboscada sofrida pelo Rei franco Carlos Magno, no desfiladeiro de Roncesvales, em 778, pelos bascos

[4] Luther Burbank, (1849-1926), pioneiro dos alimentos ditos hoje transgênicos um dos maiores gênios de melhoria de plantas. Vivia na Califórnia no início do século e que criou centenas de variedades. Livre-pensador, darwinista.

[5] Outras denominações da maconha....

[6] Desenvolver o assunto, fazendo comparações no tempo/epaço....

[7] Natural da Paraíba. Atuou no inventário do Padre Cícero.

[8] Laudelino de Oliveira Freire (Lagarto-SE, 26/01/1873 – Rio de Janeiro-RJ, 18/06/1937), advogado, jornalista, professor, político, crítico e filólogo, nasceu em Lagarto, SE, em 26 de janeiro de 1873, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de junho de 1937. Foi da ABL.

[9] Cícero Romão Batista (Crato-CE, 24/03/1844 – Juazeiro do Norte-CE, 20/07/1934), o Padre Cícero do Juazeiro, “Padim Ciço”. Político importante, “Coronel” de muito prestígio, fazendeiro milionário, fez revolução contra o governo da República. Fundador da chamada “Meca nordestina” (Juazeiro do Norte).

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[12] Pesquisar cannabis maranhensis

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NA PISCINA AZUL DO MAR

Marcus Otonni


Lula e Palocci, repito, já morreram. Não desencarnam porque a ausência de problemas na economia e a falta de interesse dos políticos em carbonizá-los mantém a dupla no formol.
José Negreiros

Danielle Christine
.
.
Na piscina azul do mar

São divinos os pintores
Madê é uma aquarela
vejo Tomé numa tela
inventam todas as cores
como deuses criadores
Dorian Gray é avatar
Fernando Gurgel, Renoir
de expressão modernista
um pincel expressionista
na piscina azul do mar

Marcelinho de avião
com seu lápis colorido
ganhou um sexto sentido
um "hippie" de ocasião
deixou em exposição
um trancelim, um colar
um brinco só, a brincar
com as luzes do Farol
foi na Ladeira do Sol
na piscina azul do mar

Meu quintal era cercado
tinha cajá e coqueiro
debaixo do cajueiro
com a poesia de lado
ele esperou madrugar
e demandou a cantar
era vermelha sua crista
um galo tropicalista
com pinta de artista
na piscina azul do mar

Mora no mundo da lua
a mulher sempre dizia
nos olhos tem alegria
hoje a luta continua
ouço o murmúrio da rua
peguei um táxi lunar
num foguete fui pousar
enfinquei minha bandeira
a bandeira brasileira
na piscina azul do mar

João Gualberto Aguiar



O MEDO

A luzinha acendeu
a porta se abriu
eu entrei.

Mil olhos
me olhavam
mil gentes
acotovelavam-se
junto a mim,
dentro do elevador.

O medo
estampado
em meu rosto
no fundo
dos meus olhos,
a debilidade física
a ressaca moral
o calor
da segunda-feira.

Eu temia
eu tremia,
o medo
que ali ruísse
a fortaleza
do meu eu,
o medo
que ali cessasse
o prazer
de ser forte.

Interiormente
a vida é uma balela
a estrutura física
é frágil
a mente
é débil.

Mesmo assim
tudo vai subindo,
de repente
pára,
a porta se abre
e eu saio.

Chagas Lourenço





DESABAFO

Dotô, discuipe a franqueza,
dêsse poeta matuto,
de linguajá puro e bruto,
e munta sinceridade.
Pelo qui se vê na imprensa,
mermo sem lê sua mente,
sei qui o sinhô, véigonha sente,
se eu lhe chamo de confrade.

Mais, seu dotô, é verdade.
No verso eu vô mais além.
Sendo poeta tombém,
num dô valô a refrega.
Cada quá no seu estilo,
tem a sua cumpetença.
Intoce, a vossa inselença,
digo qui semo colega.

O poeta de verso livre,
tem poema elitizado.
Sem rima, dá seu recado,
e é sempre inartecido.
Só êle ganha concurso,
na Capitá Potiguá.
O poeta populá,
é um eterno isquecido.

E num é qui êle num tenha,
cumpetença nem valô.
Pois tombém fala de amô,
é um apaixonado eterno.
O causo é qui uis cumponente,
dais Comissão Jurgadora,
são pessoas defensôra,
do verso dito muderno.

Aparece uis concurso,
toda mídia noticia,
se propaga noite e dia,
se pubrica o editá.
Mais o poeta de cordé,
sabedô da "arrumação",
num tem o menó tezão,
de dêle participá.

Ais Cumissão Jurgadora,
despreza o verso rimado,
bem feeito, metrificado,
qui soaa bem na audição.
Num sabe qui tão perdendo,
versos de rara beleza,
do isprendô da natureza,
da paisage do sertão.

Sertão da sêca, do inverno,
da cabôca mais bunita,
qui in seu vestido de xita,
ixtraçáia um coração.
Sertão qui inspira o poeta,
qui faiz o fole gemê,
e o cabra enlouquicê,
na puêra do salão.

É isso, caro dotô,
qui uis concurso tão perdendo,
disprezando e isquecendo,
ais raízes curturais.
Intonce, "abram do ôio",
tá in tempo de concertá.
Mais se ligêro num andá,
pode sê tarde demais...

Bob Motta




O Motim das Mulheres

O Motim das Mulheres, ocorrido aos 30 de agosto de 1875, é um dos mais conhecidos episódios da História de Mossoró. Certas autoridades costumam associá-lo à Guerra do Paraguai, embora este que até hoje é considerado o maior conflito da América do Sul, envolvendo o Paraguai e a aliança formada por Brasil, Uruguai e Argentina, tenha acabado em 1870.

O episódio mossoroense tem a ver com o alistamento militar, mais especificamente com o decreto nº 5851, de 27 de fevereiro de 1875, aprovado no governo Rio Branco e regulamentado pelo Duque de Caxias, contento as normas de recrutamento para o Exército e a Armada.

A medida, diga-se de passagem, gerou revolta em outras cidades brasileiras. O caso de Mossoró ficou famoso pelo fato de haver sido protagonizado por mulheres, cerca de trezentas, conforme registram Romão Filgueira, Francisco Fausto e Câmara Cascudo, lideradas por Anna Rodrigues Braga, a Anna Floriano.

Um ofício da Câmara Municipal à Presidência da Província confirma esse número, que só encontra contestação nas palavras do então juiz da comarca, José Antonio Rodrigues, quando se refere ao episódio como a “farsa mais ridícula e ao mesmo tempo criminosa de um grupo de 50 a 100 mulheres mal-aconselhadas por seus maridos”.

Cinqüenta, cem, trezentas, o número não altera o fato de que, desafiando os poderes constituídos e o machismo, dezenas de cidadãs tomaram do escrivão de juiz de paz e rasgaram em praça pública os papéis com a relação daqueles que deveriam se alistar, o mesmo sendo feito com as cópias afixadas na porta da igreja e com as que foram entregues para publicação no jornal O Mossoroense, pertencente a Jeremias da Rocha Nogueira, filho de Anna Floriano.

Em correspondência curta, Jeremias da Rocha, que chegou a ser apontado como inspirador do levante, comunicou à Junta Paroquial a impossibilidade de continuar publicando a relação dos sorteados:

“Comunico a V. Sas. que deixo de continuar a publicar no meu periódico a lista de sorteio desta paróquia, como me havia comprometido, em consequência de haverem sido os respectivos autógrafos que se achavam em meu poder, inutilizados por um grupo de senhoras, que ontem pelas nove horas do dia invadiram a minha tipografia”.

De acordo com Romão Filgueira, Anna Floriano era forte, tinha olhos azuis, cabelos loiros e estatura maior do que o normal das mulheres de sua época. Não nasceu Camboa (apelido da família precursora do povoamento de Mossoró), mas assim se fez pelo matrimônio com Floriano da Rocha Nogueira. Os historiadores da terra nunca conseguiram determinar com exatidão suas origens. Lauro da Escóssia levanta a possibilidade de ela haver nascido em Portugal.

Anna Floriano, ainda de acordo com Lauro, estava sempre demonstrando austeridade e valentia. É famoso, antes do Motim das Mulheres, o episódio em que a mãe de Jeremias teria se armado com um espeto de ferro para impedir que invadissem O Mossoroense, História esta que contarei em outra oportunidade.

Cid Augusto




domingo, setembro 18, 2005

E NEM ASSIM SABEREI

Marcus Ottoni


O BURACO É VORAZ COMO A VIDA SEVERINA
Jomard Muniz de Britto

Ilustração Franklin Serrão Foto: Lenilton Lima



Pecado Capital

Plantar verde
Para colher verdinhas

Plínio Sanderson




Assim fala o cabra da peste

O jovem da capital,
por exemplo, vai saber:
Se amoitá é se esconder,
quem faz fofoca, fuxica.
Mais outro, para ilustrar,
no meu verso, eu mostro agora:

Quem joga conversa fora,
tá cunversando aritica.
Rede é fianga ou tipóia,
apragata é o chinelo,
guaxiním, chamam guaxélo,
touro preto é azeitão.
Frouxo é afolosado,
bicho cruviana é o frio,
arripeio é arrepio,
corretor é intrujão.
Rapariga é surupemba,
mulher chifreira é galinha,
bicha é almofadinha,
novilhote é baibatão.
É assim, caro leitor,
que fala o cabra da peste,
do meu querido nordeste,
nas quebradas do sertão...

Bob Motta



... E nem assim saberei

Que destino
Cumprirá Bagdá?
Cumprirão os judeus?
Que segredos
Foram queimados
Na biblioteca
De Alexandria?

Essa história
Imprevisível
Surpreendente
Que leva bárbaros
Vândalos do norte
À destruição
Do império romano

Essa vontade
De onde vem?

Que forças levaram
Vietcongues
A derrotar
Todas as armas
Do tio Sam?

Esses povos antigos
Esses Sérvios
Croatas
Esses Bascos que lutam por chão
Que destino cumprirão?

Essa porção soviética
Esse povo da Geórgia
Esses russos-brancos
Como coexistirão
Cazaquistaneses
Com ucranianos?

Esses momentos
Esses amores
Tormentos em alto-mar,
Movem Maomé à montanha
Deslocam Thatcher
A retomar as Malvinas
Carregam Castro
À Sierra Maestra!

Esses mistérios terráqueos
Essas contradições
Transcendem
Fazem voar
Um disco voador
Do lago Ness
Aos jazigos eternos
Dos faraós...

E nem assim saberei
De uma sereia
Num doce sussurro
Dos abismos profundos
Dos segredos do mar!

Eduardo Alexandre




Cantinho do Zé Povo
RELAXO

Caro leitor (a):
Hoje, o Cantinho do Zé Povo queria passar para vocês uma situação desrespeitosa à qual seu titular foi submetido por uma empresa de fora, cujo produto é bom, mas seu pós venda, atendimento ao cliente nessa pós venda, é digno de repúdio e de uma sonoríssima nota ZERO... Mas, vou deixar prá lá, para não sujar o espaço do jornal e muito menos minha coluna que eu lhe escrevo todo Sábado, com um carinho e um respeito muito grande.

Também não quero dar IBOPE para esse estabelecimento comercial (?), citando seu nome... Intonce, vamos ao causo verídico, de hoje, passado com meu amigo Relaxo (uma "menina"...), moradora da minha querida Boa Vista, cidade do Cariri Paraibano, hoje sob a batuta do meu querido amigo Betinho, seu prefeito, muito bem acessorado por outro grande amigo: Genilson Pires Gonzaga.

Pois bem! Até hoje não sei o nome de batismo de Relaxo; sei só que, na época em que por lá vivi, já perto de voltar para Natal, estava passando a novela Vamp, e "ela", Relaxo, queria por fim da força, ser chamada de Natasha, a personagem vivida pela Cláudia Ohana... Relaxo é um cara boníssimo, ao qual quero muito bem; e respeito muito sua opção sexual, classificando-o de altamente "corajoso", assim como também caridoso e educado, pois "além de tirar a roupa para servir aos amigos, ainda pede desculpas por ter que ficar de costas"...

Aconselhado certa feita pelo Dr. Rosandro Aranha, médico, fazendeiro da região e ex-vice-prefeito da cidade, quando o Dr. Rosandro alertou-o para o perigo da AIDS, dizendo que ele usasse camisinha, respondeu ao médico:

- Que é isso doutor? Não vou comer "banana com casca nem confeito com papel"!

É de uma irreverência autêntica, mas sincera e cativante. Não perde, ou pelo menos na época que por lá andei, não perdia um Sábado da feira de Campina Grande, por nada desse mundo. E quando passava na feira do peixe, a "mundiça" mexia com "ela", que respondia com seus trejeitos:

- Meu filho, isso aqui, dizia batendo na bunda, é como voto: quem tem o seu, dá a quem quer!

E num determinado Sábado, uma "colega" sua assaltou uma jovem na feira e passou o relógio tomado de assalto para um menor. Em questão de segundos, e o menor saiu em desabalada carreira. A "menina" foi presa e levada para a delegacia, onde recebeu, a partir da entrada, um verdadeiro "chá de casca de vaca" (surra) para descobrir onde estava o produto do assalto, enquanto protestava em seu histerismo:

- Isso é um abuuuuuuuso: só batem em mim porque sou mulheeeeeeeeerrrrrrrrr!....

E o pau cantando! Eis que, de repente, o delegado tem uma suspeita e sem querer acreditar na mesma, ordena a um dos agentes:

- Vá aí na feira e a primeira colega desse camarada que você encontrar, traga aqui.

Quando o agente ía saindo, foi exatamente na hora em que Relaxo passava na frente da delegacia, toda "paramentada e mais enfeitada do que penteadeira de rapariga"... O agente abordou Relaxo, explicando que o delegado estava precisando de um favor seu. E Relaxo foi docilmente, como sempre foi de seu feitio, e sem qualquer reclamação. E, chegando na frente do delegado, falou toda despachada:

- Diga, meu lindo: em que lhe posso ser útil, doutor?
E o delegado, se esforçando para não rir, perguntou sem preâmbulos:

- Amigo velho, me diga uma coisa: é possível uma pessoa esconder um relógio no c...?
E Relaxo, acentuando seus trejeitos, respondeu "em riba da bucha":

-Isso depende, meu filho: o relógio é despertador ou de parede?

Bob Motta
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Confissões de um bebê

Eu sei que está chegando o momento. O espaço em que me encontro me serve bem. Mas minha estadia tem limite e, logo, logo, sairei. Mesmo estando no ventre da minha mãe, cedo ou tarde, bem mais cedo no meu caso, serei expelido. Eu confesso que sinto medo. Muito medo.

Experimento o mundo através da minha mãe. Das vozes que reverberam de fora, reconheço poucas: a da minha mãe, a do meu pai, e uma sirene que vez por outra aparece. A voz do meu pai é diferente da voz da minha mãe. Ela fala suave e com carinho. Ele fala forte e com agressão. Sua voz provoca medo nela, e em mim. Eu ainda não falo. Só penso. E é o meu pensamento que você ouve.

Quando estou feliz, mudo de posição, fico inquieto, chuto. Tento chamar atenção. Sinto quando a ponta dos dedos da minha mãe deslizam sobre sua barriga. E eu, logo abaixo daquela camada de pele tênue, que separa os nossos olhares, relaxo. Sinto que ela tenta me acalmar. “Shhhh....”, eu escuto ela falar. Escuto também os gritos do meu pai, sobre o shhhhh carinhoso dela, seguidos muitas vezes de um sacolejado infligido contra minha mãe. Aprendi a ficar imóvel diante de ameaças. Sinto em mim, a tristeza da minha mãe. Afinal, somos um só, ligados pelo cordão umbilical. Compartilho com ela todos o seus sentimentos, tristes ou alegres. O mundo dela é o meu mundo. Tenho medo.

Começam as dores.

As contrações começam. Fortes e cada vez menos espaçadas. Isso me afeta. Afeta minha mãe. Ela chora. Sinto ela segurar a base da barriga com uma das mãos, e em seguida falar para meu pai que já é hora.

Gritos.

Fico imóvel. Mais encolhido que o normal.

Uma pressão começa a me forçar para baixo. Minha mãe chora. Ela anda com dificuldade. Pára! Continua a andar. Pára novamente! Sinto ela respirar ofegante. Pede apoio do meu pai.

Gargalhadas.

Minha mãe chora mais forte desta vez. Sinto o seu soluço aumentar. Escuto uma sirene diferente das outras se aproximar. Outras vozes aparecem. Muitas. Minha mãe está deitada agora.

Escuto a voz do meu pai no meio da confusão. Mesmo distante, consigo distingui-la de qualquer outra voz. Fico imóvel.

O momento chegou. Sou puxado pelo pescoço assim que minha cabeça desponta, e separado da minha mãe. Já não somos um só. Fico apavorado. Mas aquelas vozes desconhecidas logo me levam para perto dela, que pela primeira vez toca minha pele e me fala suavemente que me ama. Em seguida sou posto em outros braços. Nada enxergo. Ainda dependo do que ouço. Escuto a voz do meu pai. Fico quieto por alguns segundos. Começo a gritar e a gritar!! Sinto os meus pulmões expandirem e aproveito para gritar desesperado. Grito tudo que posso, até que me tiram de seus braços. Escuto de longe minha mãe dizer, “shhhhhhhhh......”. Respiro cansado até me acalmar.


Charles M. Phelan


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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