Em aparente liberdade, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes sabia estar à mercê dos Potiguares. A gaiola preparada para si, porém, permanecia ali, como se a esperar qualquer deslize seu. Melhor seria aceitar a corte da jovem índia e com ela casar, como lhe era sugerido em gestos de boa vontade, e viver em harmonia com os nativos.
Por vezes, o lusitano voltava à barraca armada quando de seus primeiros dias em terras do novo mundo e ali passava dias, sem voltar à taba de Potiassu. Só Jandira o visitava, e não deixava um só dia sem que isso fizesse. Saíam para caçar, pescar, conhecer praias distantes.
Numa dessas caminhadas pela orla, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes deparou-se com uma foz de larga embocadura, talvez de um grande rio, chamado pelos nativos de Potengi. Em sua margem esquerda, resolveu, com a ajuda da companheira de todos os dias, armar uma nova cabana, onde passaram a viver como marido e mulher.
Logo Jandira estava grávida e a notícia chegou a Potiassu, que preparou festa para comemorar. Remoendo ódio profundo, inconformado com a benevolência do chefe, e mais agora com a notícia do casamento de uma mulher de sua tribo com o invasor, o pajé Potimirim urdia planos para matá-lo.
Tempos tenebrosos para o seu povo era só o que antevia Potimirim, a cada dia mais inconformado com a presença de João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes. Matá-lo-ia, sim, na primeira oportunidade, e o mesmo faria com Jandira. Não deixaria nascer o rebento que já estufava a barriga da jovem guerreira.
Quando a lua cheia subia no horizonte de mar do dia que celebraria o casamento de Jandira com Homem da Canoa Grande, chega à tribo a notícia de que grandes embarcações descem do norte com destino sul. Preparativos desfeitos, novas providências são tomadas para aquela noite.
A primeira delas, a volta de Homem da Canoa Grande à gaiola no centro da taba.
Por trás das dunas de todo litoral circunvizinho, grupos de guerreiros espreitam os mares. Próximo ao amanhecer, a notícia se confirma: quatro embarcações cruzam os mares potiguares e se perdem de vista sob a cerração chegada com forte temporal.
Chove durante toda a manhã, impedindo a visão do horizonte.
Os índios impacientam-se e, a custo, Potiassu contém Potimirim que exige a morte do homem da canoa grande, ali, segundo ele, a esperar o resgate que viria, trazendo a morte para seu povo.
Quando cessa a cerração, sol a pino brilhando forte mais uma vez em terras e mares potiguares, nenhum sinal das embarcações é visto. A notícia de que seguiram em direção norte chega de guerreiros acampados do lado direito do Rio Grande, mas nem assim o clima de inquietação arrefece.
Aproveitando-se do alvoroço e da excitação de todos, Potimirim, num gesto de insubordinação, toma seu arco e dispara uma flecha contra João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes, não o atingindo mortalmente porque resvala na estrutura de madeira da gaiola, alojando-se em sua coxa.
Jandira corre ao chefe para levar a notícia, quando uma outra flecha é disparada por Potimirim, agora em sua direção. A mulher grávida rola por chão, enquanto guerreiros fiéis a Potiassu contêm Potimirim, já preparado para nova investida.
Eduardo Alexandre
Desde o tempo em que eu comecei a tomar conhecimento das coisas da vida que o ponto nevrálgico de Natal foi o Grande Ponto.
O Grande Ponto era uma encruzilhada situada entre a Avenida Rio Branco e a Rua Pedro Soares que, depois da Revolução de 30, mudou o nome para Rua João Pessoa. Em cada esquina desta encruzilhada, existia uma edificação marcante. De um lado, ficava o “Café Avenida”, de Seu Andrade, local de encontros, de pequenos lanches, e onde se tomava um bom caldo de cana, e a casa residencial da viúva Dona Sinhá Freire. Do outro, o mais antigo e tradicional clube social da cidade, “O Natal Clube”, e a casa residencial do Dr. Alberto Roselli. Em frente ao “Café Avenida” e a casa “das Freire”, se reuniam os mais heterogêneos grupos de “habituês” para uma tradicional conversa de fim de tarde. Eram comerciantes, profissionais liberais, desembargadores, professores, etc...
Por esta encruzilhada, passavam todas as linhas de bonde da cidade, único transporte coletivo existente na época. A linha do Alecrim, que subia a ladeira da Avenida Rio Branco em direção à Ribeira, retornando pela Praça João Maria e voltando ao Alecrim. Havia também a linha Circular, que descia a Rio Branco no sentido da Ribeira, voltando pela Praça João Maria, e retornando à Ribeira. Na esquina, defronte ao “Café Avenida”, depois “Café Grande Ponto”, era o ponto inicial das linhas dos bondes para os bairros de Petrópolis e Tirol, que se localizava, exatamente, junto à calçada de um prédio que na parte térrea tinha uma confeitaria de propriedade de um Sr. Guerra, e na parte superior, o consultório do Dr. Onofre Lopes. Estas duas linhas seguiam pela rua João Pessoa até a esquina da praça Pedro Velho, quando, então, se bifurcavam, tomando cada uma a direção do seu respectivo bairro. Os bondes de Petrópolis se caracterizavam por uma luz verde, de cada lado do nome do bairro, e os do Tirol, por uma luz vermelha. Era somente para esses quatro bairros que existia condução.
Hoje, procurando recordar alguns momentos memoráveis daquele local tão vivenciado por muitos companheiros da juventude, fazemos uma viagem no tempo, um evocar melancólico dos dias idos. Nunca se deve mexer em coisa antiga, mas, às vezes, é bom trazer de volta um passado que alegrou a nossa mocidade.
No Grande Ponto, vivenciei muitos fatos e momentos interessantes da minha vida, nesta nossa belíssima cidade de Natal.
Quando da Revolução de 30, houve um movimento da mocidade estudiosa, que pensava em transformar o mundo, liderado pelos alunos do Atheneu, que arregimentou alunos dos vários Colégios da cidade para uma passeata pelas ruas, como um protesto pelo assassinato do presidente João Pessoa (os governadores de Estado eram chamados de presidente), um dos líderes revolucionários. Nesta época, eu tinha uns 10 anos e estudava no Colégio Santo Antônio, dos Irmãos Maristas, que funcionava ainda na Rua Santo Antônio, junto à igreja, que também era incluída como estrutura do colégio. Todos nós, do colégio, fomos arrastados com o restante dos estudantes dos vários estabelecimentos, Atheneu, Marista, Colégio Pedro II (do memorável professor Severino Bezerra) e de alguns grupos escolares, pelas principais ruas da cidade, num sonho utópico de contestação de liberdade e de conquista do poder, terminando em pleno Grande Ponto, cantando, ajoelhados, o hino que tinham composto em homenagem a João Pessoa:
João Pessoa, João Pessoa,
Bravo filho do sertão
O teu vulto varonil
Faz vibrar o coração do Brasil
Tua glória espera um dia
A tua ressurreição.
Os anos se passaram, e, um dia, volto eu de Recife, formado em Odontologia, e depois de uns anos com consultório na Ribeira, verifiquei que o progresso da cidade estava se desenvolvendo na Cidade Alta. Imediatamente, abandonei o Edifício Aureliano e me mudei para a Cidade. Montei, então, meu consultório na Rua João Pessoa, no “Edifício Rian”, que foi construído pelo comerciante Amaro Mesquita, junto ao antigo “Café Avenida”, agora já com o nome de Grande Ponto. O nome “Rian”, dado ao edifício, significava o contrário a Nair, esposa de Amaro Mesquita.
Eram meus companheiros, com consultório no Edifício, as grandes e saudosas figuras humanas do meu colega e amigo Sílvio Tavares, uma ausência marcante, e o médico Dr. João Tinoco Filho.
Na parte térrea do Edifício, funcionava a “Confeitaria Cisne”, de Múcio e Rossine Miranda, cujo garçom era o antológico José Américo, que chegou a ser candidato à Câmara Municipal.
A “Confeitaria Cisne” era o local preferido pelos amantes de um bom e necessário drinque, para acalmar os espíritos. Ali, se reunia a nata da boemia natalense e de todos aqueles que, homens de espírito, sentiam a alegria de uma conversa, mesmo sem a necessidade de uma cerveja ou uma dose de uísque. Existia tempo para todas as conversas do mundo dos nossos horizontes, naquela época, inatingíveis. Era um tempo sem angústia, sem medo e, principalmente, sem pressa.
O comércio da cidade fechava geralmente às 17 horas e, logo depois, começavam a se formar as diversas rodas para o bate-papo até o horário do jantar, e restabelecido por volta das 19:30 até às 21:00 horas. Nesta hora, se dizia na época, “se soltavam as feras”. Era a hora que todos tinham que deixar as suas namoradas, retornando ao Grande Ponto.
Passei a conviver, diariamente, com a intensa movimentação do Grande Ponto. Só trabalhava até às 17 horas, pois neste horário começavam a chegar os freqüentadores assíduos, amigos e conhecidos, para as conversas e as novidades do dia. Havia tempo para tudo. Principalmente o encantamento por uma cidade e os delírios de uma mocidade cheia de sonhos, que se tornava grande aos nossos olhos. Estavam sempre presentes as figuras mais expressivas de uma geração: Armando Fagundes, Rossine Azevedo, Rômulo da Fonseca Miranda (Rômulo Minha Gata), Genar Wanderley, Alvamar Furtado de Mendonça, Humberto Nesi, Protásio Mello, Luiz Tavares, Carlos Bengne, João Cláudio Machado, Zé Herôncio, Djalma Maranhão, João Alfredo Pegado Cortez (o conde de Miramontes), Luiz Maia, Alínio Azevedo, Marito Lira, Dácio Azevedo, Ernani Lyra, Veríssimo de Mello, Ebenezer Fernandes, Paulo Pires, Paulo Lira, Alberto Moura, Osman Capistrano, Lauro Bacelar, e alguns de uma nova geração, como José Alexandre, meu irmão, Jahir Navarro e outros.
Outro grupo, composto por figuras mais ilustres e com mais idade, discutiam problemas mais complexos. Gonzaga Galvão, Edgar Barbosa, Antônio Soares Filho, Otto de Brito Guerra, Alfredo Lira, e outros que a memória começa a falhar...
Um grupo de notívagos, comandado por João Cláudio Machado e Djalma Maranhão, varava a madrugada em intermináveis conversas, grupo que era conhecido como os freqüentadores da ”Universidade do Grande Ponto”.
Infelizmente, a grande maioria destes personagens já empreendeu a grande viagem, mas continuam presentes nas estórias que costumam resgatar a nossa memória.
Existiam grupos para conversas de todos os assuntos: futebol, política, religião, até de safadeza.
Também um pequeno grupo, formado pelos “artistas”, rapazes de uma geração bem mais nova, que se preocupavam em se vestir na última moda e sempre com o cabelo muito bem penteado. Eles chegavam ao cúmulo de ensaboar os cabelos e ir para a Praia do Meio, para que o sol endurecesse o seu ondulado.
Deste grupo, recordo-me de Mozart Romano, Milson Dantas, José Garcia da Câmara, Wellington Muniz, Wilton Pinheiro, Milton Fernandes, Mozart Silva. Existia um outro elemento, que era filho de Seu Andrade, dono do “Café Avenida”, mais que não me lembro do seu nome. Ele era chegado a uma briga e uns amores perigosos.
O Grande Ponto era divertido. Apareciam figuras de todos os tipos. Havia esmoler impertinente, como Maria Mula Manca, personagem que, andando de muletas, percorria, incessantemente, todo aquele quarteirão, atazanando e insultando todo mundo. Na época da política, então, se revelavam figuras excepcionais, como Capote Molhado, candidato eterno e avulso em todas as eleições, que fazia discursos homéricos, em cima de uma cadeira, sempre na calçada da Sorveteria e Restaurante Cruzeiro, e era efusivamente aplaudido pelo público gozador.
Os carnavais, que se realizavam até então na Ribeira, na Av. Tavares de Lyra, na época de 40, passou para a Cidade Alta, realizando o seu corso num grande circuito, indo pela Av. Rio Branco, Ulisses Caldas, Av. Deodoro e rua João Pessoa.
Este fato tornava o Grande Ponto um dos locais mais animados da cidade, pela convergência dos vários bares existentes: “Confeitaria Cisne”, “Casa Vesúvio” (de Maiorana), “Sorveteria e Restaurante Cruzeiro”, “O Natal Clube”, o Restaurante de Seu Gaspar, a Sede do Santa Cruz Football Club, que ficava em cima da Farmácia de Cícero, esquina com a Rua Princesa Isabel, e algumas pequenas barracas que eram armadas improvisadamente.
Eu, da sacada do meu consultório, juntamente com a minha família e alguns amigos, assistíamos, de camarote, toda essa movimentação. Sílvio Tavares, com seu constante espírito brincalhão, lançava mão das bisnagas que se usava antigamente nos consultórios odontológicos, enchia-as de água e, lá de cima, molhava os foliões que passavam nos carros fazendo o corso. Os foliões, sentados nas capotas arriadas dos carros abertos, aturdidos, não sabiam de onde vinha aquele jato d’água.
Os corsos dos carnavais de antigamente eram animados, principalmente, porque os carros favoreciam que os foliões se sentassem em suas capotas, dando ensejo que se atirasse serpentina e confete de um carro para outro, unindo os carros, numa verdadeira brincadeira carnavalesca. As luxuosas e variadas fantasias usadas pelos foliões embelezavam de uma maneira destacada o carnaval. Eram os Pierrôs, as Colombinas, os Palhaços, Chinesas, Japonesas, Índias, Marinheiros, Bailarinas, Ciganas, e uma infinidade de outras fantasias, algumas até com aspectos exóticos.
Curioso no carnaval eram as pessoas que apareciam, inesperadamente, se lançando em plena folia, a exemplo do comerciante Júlio Cézar de Andrade, um homem sóbrio, austero, ponderado, mas, às vezes, de respostas implacáveis quando se sentia insultado. Pois não é que Júlio, pai do meu amigo Dalton, num carnaval, montou o bloco da ”Manteiga Garça” (produto que ele representava), e saiu no corso, fantasiado, tentando apresentar ares carnavalescos, em cima de um caminhão, cuja ornamentação era uma enorme lata da tal manteiga, e ainda com a animação de uma orquestra de cordas, dirigida por Augusto Dourado no pandeiro?
Existiam, também, figuras que, isoladamente, pela sua irreverência, extrapolavam alegria. Era o sempre extrovertido e brincalhão Zé Herôncio, que vestido de mulher, tendo na mão um pinico cheio de salsicha, ostensivamente, com caretas como de nojo, fazia que comia o verdadeiro conteúdo que geralmente existe num pinico. E Yoyô Barros, um senhor já com certa idade, que, tocando um reco-reco, era acompanhado, espontaneamente, por um grande grupo de pessoas, cantando, insistentemente, uma canção onomatopéica: “Olha o cão, olha o cão, olha o cão do Jaraguá”.
A animação do carnaval daquele tempo deu ensejo a que as gerações seguintes seguissem a tradição dos blocos daquela época, como o “Aí Vem a Marinha” e criassem alguns outros blocos com a mesma tendência carnavalesca. Os “Kafajestes”, “Jardim da Infância”, “Puxa-saco”, “Bakulejo”, “Saca-Rolha”, “Elite”, “Ressaca” foram os blocos representativos de uma rapaziada da classe mais abastada, que faziam o corso em carros alegóricos, e costumavam, tradicionalmente, “assaltar” as casas residenciais antecipando o período momesco. Este costume dos anos 50 e 60 de assaltar uma casa, significava uma visita do bloco a uma residência, de comum acordo com o seu dono, e eram regados de muita bebida e tira-gostos, confetes e serpentinas.
E, logo depois, o tradicional local do corso mudou-se para a avenida Deodoro.
O Grande Ponto sempre foi palco de grandes acontecimentos. Durante a II Grande Guerra, começou a funcionar o “Serviço de Alto Falante”, de Luiz Romão, cujas caixas de som eram fixadas em um poste, exatamente na esquina da João Pessoa com a avenida Rio Branco, defronte ao “Café Grande Ponto”. Todos os dias, às 19 horas, o Serviço transmitia músicas, e, às 21 horas, re-transmitia o noticiário da BBC de Londres. Os freqüentadores do Grande Ponto se deslocavam para aquela esquina para ouvir as últimas notícias sobre a guerra.
Outro acontecimento da época foi o “blackout”. Durante a guerra, por um grande período, as luzes das ruas eram apagadas, ficando a cidade quase totalmente às escuras. Somente as residências tinham o direito de manter alguma luz acesa, mas com todas as vidraças cobertas com papel escuro para não passar luz.
Assim mesmo, as reuniões do Grande Ponto continuavam concorridas. Ficávamos todos conversando na penumbra, olhando, embevecidos e apreensivos, os holofotes que cruzavam o céu na busca dos aviões da esquadrilha alemã, que diziam vir bombardear Natal, por ser o ponto mais próximo de Dakar, no continente africano, onde os alemães já estavam quase dominando.
O vestuário usado tradicionalmente por toda a população da cidade era paletó e gravata, e alguns usavam chapéu, como eu, que procurava esconder a minha precoce careca. Podia ser sábado, domingo ou dia da semana, era esta a maneira de vestir. Mesmo durante o “blackout”.
Humberto Nesi não foi sempre aquela figura sisuda, circunspeta, introspectiva, como quando foi durante quase toda sua vida como Inspetor Seccional da Receita Federal. Humberto era um gozador, gostava de fazer umas estripulias, um verdadeiro “moleque”, na expressão brincalhona da palavra. Morava numa casa, ainda com seus pais, no segundo quarteirão da João Pessoa, bem perto de onde nos reuníamos. Numa noite de “blackout”, quando estávamos todos reunidos, conversando, esperando o noticiário da BBC, inesperadamente, chega Humberto, vestido somente de pijama e com chinelos. Foi um verdadeiro escândalo.
Havia casas de comércio que marcaram época, como “O Café Maia”, de Chico Azevedo, que era dirigido pelo seu filho Rossine Azevedo, nosso grande amigo. O “Café Maia”, que se especializava em moer café, era um ponto permanente de encontros do nosso grupo de amigos. Tinha a Fotografia de Namorado, fotógrafo da elite da cidade. A “Confeitaria Vesúvio” também era destaque, não só por duas mesas que existiam por trás de um grande armário cheio de bebidas, e era assiduamente freqüentada por alguns fregueses, como Joaquim Luz, Otto Júlio Marinho, Paulo Pires e outros, e sempre servidos pelo próprio proprietário, Francisco Maiorana, mas também pela presença do seu filho, Rômulo Maiorama, um rapaz metido a “dândi”, muito apreciado pelas mocinhas casadoiras. Anos depois, Rômulo foi para Belém do Pará, tornando-se um homem rico, até dono de jornal. Infelizmente, desapareceu muito cedo.
Ainda hoje permanece, no chamado pé de escada do consultório do Dr. Onofre, um senhor desta época, com mais de 80 anos, que tem o ofício de gravador. O senhor, religiosamente, pode ser encontrado neste local, todos os dias, das 8 às 18 horas, gravando medalhas, placas de metal, relógios, etc.
Assim era o Grande Ponto.
Velhos tempos. Quanta coisa a ser lembrada e relembrada num mergulho que, quase sem querer, damos no passado das nossas memórias. Quanta saudade desses dias, que, infelizmente, é inteiramente impossível, no tempo e no espaço, voltar atrás.
Odilon de Amorim Garcia
Em Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão
Edições Galeria do Povo, Natal/RN, 2002
TRANSFORMAÇÃO
Projeto prevê mudanças significativas na área em frente ao Teatro Alberto Maranhão
Tribuna do Norte
16/06/05
Yuno Silva - Repórter
Não é de hoje que se conversa sobre a revitalização do centro histórico da capital potiguar. Já houve ensaios para movimentar o largo da rua Chile, na Ribeira, quando o projeto “Fachadas da rua Chile”, em 1996, recuperou a pintura frontal de parte do casario. Como num ciclo, de tempos em tempos uma crise de identidade bate à porta e o tema volta a ganhar força nas rodas de conversas e nos gabinetes, provocando uma série de encontros e articulações voltadas para a implementação de propostas que possam conferir nova vida à região mais antiga da cidade — Ribeira e Cidade Alta.
O assunto voltou à tona com a palestra “Corredor Cultural de Natal - fortalecimento econômico e cultural de uma área histórica”, evento promovido pela Agência Cultural Sebrae/Sesi na última terça-feira, no salão de eventos da Assembléia Legislativa. A palestra contou com a presença do arquiteto santista Ney Caldatto Barbosa e do engenheiro civil Luiz Phelipe Andrés, responsáveis pela coordenação da revitalização nos centros históricos de Santos (SP) e São Luiz (MA), respectivamente. Também participaram do encontro a secretária municipal do Meio Ambiente e Urbanismo, Ana Mirim Machado; os secretários de Turismo Fernando Bezerril, do Município, e Nelson Freire, do Estado; a diretora do IPHAN/RN, Jeane Nesi; e o empresário do setor turísco, George Costa; entre outros interessados no assunto como o arquiteto Haroldo Maranhão e o presidente da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA), Eduardo Alexandre.
Setor turístico vê revitalização histórica
Para o empresário George Costa, a revitalização do centro histórico é uma interessante opção que deve incrementar o turismo e ampliar a permanência dos visitantes na cidade: “Não precisamos modificar a cidade e sim fazer pequenos ajustes que possam proporcionar condições para a circulação do turista. Locais para estacionamento, sinalização, mapas e folheteria bilíngüe estão entre as primeiras providências a serem tomadas”, apontou o empresário.
De acordo com o secretário municipal de turismo, Fernando Bezerril, o projeto que prevê a requalificação do largo da praça Augusto Severo (em frente ao Teatro Alberto Maranhão), na Ribeira, deverá ser aprovado no Ministério do Turismo agora em julho. “Estamos em constante contato com Brasília para tratar dessa e de outras ações de infra-estrutura. Entre as negociações mais avançadas estão a criação de um terminal para navios de passageiros e a concretização do projeto previsto para a praça Augusto Severo, berço do Corredor Cultural. O prefeito Carlos Eduardo se mostrou sensível ao assunto e garantiu esforços, inclusive a injeção de recursos municipais, em prol dessa proposta.”
Projeto depende de diversos segmentos
Alessandro Ferreira, técnico do setor de patrimônio da Semurb, deixou claro que o processo de revitalização do centro histórico depende do envolvimento sistematizado de diversos segmentos. “Temos que unir o interesse da iniciativa privada em investir na área às ações do poder público e à participação da sociedade, não adianta só a Prefeitura e a classe artística quererem — a parceria tem que ser generalizada e firmada desde o início da implantação do projeto.
Observando as experiências de outros lugares, tanto no Brasil quanto exterior, a grande mola propulsora da vitalidade desses centros é a adequação e criação de espaços habitacionais”, explicou Alessandro, chamando atenção para o convênio firmado entre a Prefeitura e a Caixa para incrementar o setor habitacional.
A opinião é compartilhada pelo gerente da Agência Cultural Sebrae/Sesi, Eduardo Viana: “O próximo passo é provocar o encontro entre todas as partes envolvidas para podermos mostrar a viabilidade da iniciativa de se implementar o Corredor Cultural. Mesmo com poucos recursos, ações planejadas em conjunto podem avançar independentemente do andamento dos pedidos de financiamento ao Ministério do Turismo e do Prodetur.”
Especialistas contam experiências
“Primeiramente, temos que saber lidar com os interesses dos potenciais patrocinadores, que estão mais interessados no retorno de mídia do que na revitalização em si. Não há como fugir dessa tendência mercadológica nem existem fórmulas; o diferencial são as estratégias adotadas. Portanto, o desafio é transformar um projeto de restauração em um produto que seduza tanto a sociedade quanto o patrocinador”, explicou Ney Caldatto Barbosa, arquiteto especialista em restauração e assessor técnico da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Santos (SP) responsável pela coordenação dos projetos de revitalização do centro histórico da cidade situada no litoral paulista.
“Um dos segredos do sucesso é aliar o conjunto arquitetônico com gastronomia e cultura, focando também o potencial turístico. O êxito de qualquer iniciativa depende da aplicação adequada de metodologias, como fazer um levantamento preciso da vocação e das potencialidades do lugar, considerar sua identidade e explorar, com equilíbrio, temáticas que podem gerar uma série de subprodutos (livros, documentários, filmes)... o detalhe é criar a emoção. Natal tem a vantagem de ser uma cidade charmosa onde ainda não há uma degradação avançada”, acredita.
Em Santos, o projeto de revitalização do centro histórico começou em 1999 com ajustes na ocupação e intervenções urbanas como a realocação dos camelôs. “Em 2000, o bondinho voltou a circular pelas principais ruas do centro (1,5 km de linhas recuperadas) com sucesso imediato, tanto que já estamos ampliando a linha para 3,5 km. Porém o programa ‘Alegra Centro’ iniciou com força a partir de 2003, quando os projetos passaram a ser aprovados nas Leis de incentivo.”
Altos investimentos com retornos a longo prazo
Com 28 anos de experiências na área de revitalização de centros históricos, o engenheiro civil Luiz Phelipe Andrés, atual Superintendente do Patrimônio Cultural do Estado do Maranhão, lembra que tudo é uma questão de vontade política e sensibilização social: “O Maranhão já investiu, em 26 anos, 100 milhões de dólares e o retorno é o ganho turístico e cultural, a geração de emprego e a movimentação educacional. Podemos dizer que o centro histórico funciona como uma espécie de espelho que reflete melhorias por toda a cidade. Se ele (o centro histórico) está vivo e revitalizado, mostra nível de civilidade de uma sociedade interessada em preservar a própria identidade, educada e informada... isso acaba requalificando a imagem do lugar.”
Vale ressaltar que o centro histórico de São Luiz tem aproximadamente 5,5 mil imóveis, enquanto que o Corredor Cultural de Natal - região que se estende da Igreja do Galo, na Cidade Alta, até o Teatro Alberto Maranhão, na Ribeira - tem cerca de 30 edificações (quase todas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) com interesse histórico, segundo dados do próprio IPHAN/RN.
“O traçado urbano do centro histórico de Natal - Ribeira e Cidade Alta - é praticamente o mesmo desde o surgimento da cidade, por isso acredito que não teremos grandes dificuldades em adequar os espaços. Agora temos que compreender que o processo é lento e caro, que gera demandas não só financeira como também humana. Acredito que as propostas de revitalização só poderão ser consolidadas se conseguirmos reunir forças e canalizar ações em um mesmo sentido, um trabalho que deve ser assumido tanto pela sociedade e poder público, quanto pela iniciativa privada”, analisa Jeane Nesi, diretora geral do IPHAN/RN.
Jeane Nesi lembrou que o interesse em preservar o patrimônio histórico surgiu no século XV, em Roma.
Corredor Cultural de Natal
Palácio da Cultura
. Convento Santo Antônio
. Memorial Câmara Cascudo
. Igreja Matriz Nossa Senhora da Apresentação
. Praça André de Albuquerque
. Praça Padre João Maria
. Instituto Histórico e Geográfico do RN
. Museu Café Filho
. Casa do Padre João Maria / IPHAN
. Palácio Potengi da Cultura
. Casa do Estudante
. Igreja do Rosário
. Palácio Felipe Camarão
. OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
. SESC – Serviço Social do Comércio
. Praça das mães
. Fundação Capitania das Artes
. Solar João Galvão
. Solar Bela Vista
. Travessa Pax
. Casa de Luís da Câmara Cascudo
. A República – Imprensa oficial
. Colégio Salesiano São José
. Antigo prédio da Escola Doméstica de Natal
. Antigo Prédio do Grupo Escolar Augusto Severo
. Praça Augusto Severo
. Teatro Alberto Maranhão
Fonte: “O Corredor Cultural de Natal”, de Jeanne Fonseca Leite Nesi; e “Natal 400 anos depois”, livro publicado pela Semurb em 1999.
versos de circunstância
todas as lágrimas chora
essa manhã de junho
que se diz manhã-seguinte
e desta feita a nada se seguiu.
talvez chore por manhãs de antigamente
irmãs em saudade e data
ou chore pura e simplesmente pelo ato
de chorar
que sendo de per si um ato inútil
decerto alivia a alma.
(e uma voz quase-sarcástica entreouço
no vento que agita as cortinas:
belos versos mas encerram um enigma
que indecifrado o poema por inteiro invalida
: manhã tem alma?)
Márcia Maia
Essas cidades
Maternidade e túmulo
Estátuas
Monumentos e memoriais
Estradas
Agências de viagem
Templos
Por acaso não levam
À hecatombe social?
Essas leis não são leis
São papéis
Sorte e azares
Dos infortunados!
Já a regra
É exceção
Como a ditadura
Que anistia
O inocente!
Quem fez queimar a cidade?
Carrascos e bóias-frias
Correm mesmo
Atrás do dinheiro
Dinheiro
Dinheiro
Vil mais-valia
Dos que constroem
As ilusões dos bastardos
Que sinonimizam
Dinheiro e poder!
Que escrúpulos há no poder?
Que remorsos
Atormentam
Conquistadores?
Eles matam e
Matam
Tiram escalpo
Esfolam
Impõem torturas
Mutilam
Compram mil votos
Ganham eleição!
Eles enganam o povo
Eles dividem irmãos
Eles levantam um muro
Eles constroem uma ponte
Visando os trinta dinheiros...
Eles manipulam a imagem
Manipulam a notícia
Apurações
Parece até manipulam
Todas as cartas
Do tarô!!!
João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes bebeu a água trazida por Jandira com sofreguidão. A sua volta, cinco potiguares armavam a gaiola onde ele ficaria em cativeiro pelos próximos dias. De longe, Potiassu observava o trabalho com os olhos também no horizonte de mar, pois temia a volta das canoas grandes.
Antes que o homem branco fosse fechado na gaiola sem portas concluída naquele mesmo dia, Jandira arrancou suas vestes pesadas, deixando-o completamente nu. Fora recomendação de Potiassu, que recomendara também, por precaução, mantê-lo de pés e mãos atados.
Antes do entardecer, reunida no centro da tapa, a tribo traçou estratégias de proteção e vigia do litoral. A cada ponta da orla, dali a muita distância, grupos de quatro guerreiros estariam atentos, prontos a avisar aos demais caso surgisse algum sinal de embarcações desconhecidas.
Os dias passaram-se sem anormalidades. Jandira cuidava do prisioneiro e estabelecia com ele uma convivência que seria pelo resto dos seus dias. Alimentava-o, dava de beber, jogava água fresca em seu corpo e até revestiu de galhos e folhas a parte superior da gaiola, para protegê-lo do forte calor. João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes, apesar do desconforto, não mais sentia o pânico dos primeiros dias em que fora aprisionado.
Jandira procurava mostrar amizade e até ensinava palavras ao homem da canoa grande. Por recomendação do próprio Potiassu, os pés e mãos do prisioneiro foram dessamarrados, aliviando-o das feridas decorrentes e já infectadas. Com ervas, Jandira cuidou das feridas de João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes e até já nutria por ele certa simpatia. Sentia falta do filho Japarandiba, mas sabia-o bem cuidado por Itapietá, o que lhe aliviava a saudade.
Antes mesmo do fim do prazo estabelecido pelo chefe, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes ganhou liberdade vigiada. Seus passos, contudo, limitavam-se à taba e sempre acompanhados pela mulher e guerreiros devidamente orientados por Potiassu. Antes do anoitecer, era induzido a voltar à gaiola que ganhara porta e ali permanecia por toda a noite.
Aos poucos, e com a ajuda da silvícola, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes foi vencendo limites da taba e até assumindo funções de trabalho, como a pesca, sempre em companhia do grupo guerreiro indicado por Potiassu. Palavras do idioma nativo foram aos poucos incorporadas ao seu vocabulário, e este aprendizado ajudava-o a fazer amizades, especialmente com as crianças, que tinham nele imensa curiosidade.
Chegado o verão, Homem da Canoa Grande já dispunha de liberdade para caminhar sozinho pelas praias e dunas em volta do marco chantado, sem jamais vencer limites estabelecidos pelo chefe da tribo. Sempre que arriscava passos maiores, distanciando-se, os guerreiros do chefe Potiassu o instigavam a voltar às proximidades da taba, onde Jandira sempre o recebia com a distinção recomendada.
Os meses se passaram e João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes já se assemelhava aos nativos, que o iniciaram em técnicas de pesca, a princípio, e, depois, de caça, com zarabatanas e, mais tarde um pouco, arco e flecha. Fugir, ele não tinha para onde. Usar aquelas armas de caça contra os nativos, não seria prudente, pois facilmente seria abatido pelos demais.
Da convivência diária, um novo relacionamento ia surgindo entre Jandira e o homem da canoa grande, agora mais a vontade nas terras desconhecidas.
Para prevenir baixas entre os seus, Potiassu resolveu tolher as ações do inimigo em terras potiguares. Chamou um grupo de guerreiros e ordenou que a cabana do homem da canoa grande fosse invadida enquanto dormia. Queria ver-se livre de todos os apetrechos de que dispunha. Não estava disposto a ver aquela arma para seu povo desconhecida em uso contra nenhum dos seus.
Noite alta, os guerreiros potiguares acercaram-se da cabana de João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes que dormia, e fizeram-no prisioneiro. Ataram mãos e pés, passaram uma vara comprida e grossa entre seus membros e levaram o português ao centro da taba, onde uma grande fogueira iluminava a noite.
Ao ver chegar o homem branco, a vontade de Jandira foi de partir para cima com seu tacape e dar fim à vida do homem que tirou seu marido da companhia dos vivos. Potimirim, o pajé que via maus presságios naquela visita, tomou a palavra e instigou os companheiros a matá-lo naquela mesma hora, gerando tumulto na tribo de Potiassu.
O chefe da tribo antecipou-se às reações adversas e, acenando ao grupo de guerreiros que havia feito a captura do português, depositou próximo ao seu corpo estendido na areia todos os seus pertences.
- Homem da Canoa Grande será nosso prisioneiro por duas luas. Depois desse período, quando será cortejado por Jandira, que cuidará de alimentá-lo, será solto e, se quiser, poderá viver entre nós. Seus pertences serão enterrados em lugar secreto, e, sem eles, será igual a qualquer um de nós e em desvantagem, porque não saberá se defender como sabemos, porque não disporá das armas que dispomos.
O pajé Potimirim voltou a fustigar a tribo pedindo sua execução, mas Potiassu, mais uma vez o interpelou.
- Respeito sua ciência e seu zelo para com nossa segurança, Potimirim. Disse Potiassu para toda a tribo. Mas estamos vivendo momentos especiais e precisamos saber do homem da canoa grande o que aquela gente pretende em nossas terras. Se vierem em paz, serão bem recebidos. Se vierem para trazer morte aos nossos, serão recebidos com a fúria do nosso povo.
Diante da valentia mais uma vez ali demonstrada, Potiassu impôs sua liderança e os ânimos dos descontentes arrefeceram-se.
Potiassu chamou Jandira mais uma vez a uma conversa reservada, quando lhe deu por responsabilidade os cuidados do estrangeiro, recomendando o zelo pela sua vida, já que poderia ser de muita utilidade em caso de guerra contra o povo que se apresentara na enseada. No dia seguinte, seus guerreiros construiriam uma gaiola de estacas fortes e nela manteriam por duas luas prisioneiro o homem da canoa grande.
João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes não conseguiu dormir naquela noite. As dores nos punhos e tornozelos o incomodavam, maior, no entanto, era o medo de se saber refém daquele povo desconhecido, comedor de carne humana. Imaginava-se devorado e aquilo causava-lhe pânico. Quando, com a retirada dos índios para suas locas, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes percebeu que não seria morto pelo menos naquela noite, ficou mais aliviado, mas o pânico permanecia.
Dois guerreiros fizeram a guarda do prisioneiro, ali, estendido, nas dunas da terra poti, até que o sol aparecesse no horizonte.
Como se nada especial estivesse acontecendo, todos tomaram suas funções normais até que Jandira apareceu, servindo água fresca ao assassino do pai de Japarandiba.
Eduardo Alexandre
Passei três meses em Brighton, Inglaterra. Nos fins de semana, costumava viajar de ônibus ou de trem para conhecer cidades próximas. Um dia, chegando às Seven Sisters, como é chamado o conjunto de sete colinas de Eastbourne, encontrei-me com um colega brasileiro e uma japonesinha amiga dele. Ao sermos apresentados, a moça inclinou-se e me cumprimentou em bom Português: "Eu quero te comer"! Retribuí com a mesma delicadeza: "Eu quero te comer também!" A nipônica era bonita e simpática. Conversamos o tanto que meu inglês capenga permitiu. Na despedida, perguntei se ela sabia o significado daquele "cumprimento". Disse-me que sim, "Nice to meet you" (prazer conhecê-lo), e quase enfarta quando traduzi a frase.
Tenho um amigo que adora palavras bonitas. Ele simpatiza com o som, gosta, e pronto. O sentido que se dane. Certa vez estávamos na porta do jornal "O Mossoroense" esperando o vale da sexta-feira e alguém perguntou ao dito-cujo se determinado advogado era bom em causas criminais. As referências foram as melhores (ou seriam piores?): "Quem, Fulano? Fulano é o advogado mais leigo da região: sabe tudo!" E olhe que essa não é a única do meio jornalístico. Tenho vários causos na memória, como aquele que contei recentemente no artigo "De catrevage a pederasta", no qual um colega de faculdade, observando uma jovem belíssima, disparou: "Eu sou um pederasta". Assustei-me de verdade. O maior paquerador da UFRN entregando os pontos? Não era possível. Mas aí veio a explicação: "Adoro meninas de 17 anos".
O grande Carlito Meireles, ex-prefeito de Francisco Dantas, contou-me outra melhor. Uma professora da rede estadual de ensino recorreu ao botox para eliminar os pés-de-galinha, esticar a testa e o pescoço. O negócio ficou excelente e todos perceberam o rejuvenescimento da cinqüentona. O problema é que a mulher trocou as bolas e sempre que alguém comentava acerca de sua boa aparência, inclusive em sala de aula, ela abria logo o jogo: "Foi boquete". A situação se repetiu, provocando risos e comentários maledicentes, até que um sobrinho, percebendo o mal-entendido, resolveu explicar: "Tia, o que a senhora fez foi uma aplicação de botox. Boquete é @*%&#$?@**". Felizmente o coração da professora estava nos trinques. Moral da história: palavras desconhecidas são pior que casca de banana. Use-as com moderação.
Cid Augusto