quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Mulher fashion, com certeza

Sanderson Negreiros
Tribuna do Norte
06/01/2002

Estava o pobre cronista a enfrentar o calor da tarde, tomando sorvete, no que antigamente se chamava restaurante, lanchonete, ou qualquer outra coisa, mas que, no caso, tinha o nome regionalíssimo de bistrô. Compulsava jornais do dia, meditava nas querelas e ensinamentos do ano que se findava nas lonjuras do espanto. Foi quando, de repente, pressenti e ouvi que três senhoras bonitas, modernas e natalenses, falavam, exaltadas, bem perto de mim. Exatamente atrás de mim. Como estava de soslaio, elas não previam minha curiosidade inata diante do diálogo que os seres humanos, geralmente ricos e pouco enriquecedores, mas sábios e joviais, possam revelar da personalidade frágil e forte - ao mesmo tempo - da condição humana.
Liguei meu gravador, que guardo na minha lembrança mais especial, e fixei momentos inesquecíveis da conversa dessas três citadas senhoras - ou senhoritas, quem sabe? Será que ainda existe essa classe? Uma delas, exaltadíssima, conclamava a solidariedade das duas, e dizia: "Vocês viram? Não fui incluída por Vânia Marinho, na página que ela escreve na TRIBUNA DO NORTE, como mulher fashion do ano. Era só o que faltava".
A segunda amiga deduziu outras explicações: "Isso é pura marcação. Tenho certeza de minha elegância, sou bem-nascida, tenho berço. Com certeza. A revista CARAS inclusive quis fazer uma matéria comigo e vem Vânia Marinho, achando-se dona da verdade, e me exclui da lista também propositadamente. Duvido que se Salésia ainda escrevesse sua coluna, me esquecesse. Com certeza (expressão da moda) que não ..." Senti a vibração furiosa e feminina das vaidades feridas - ou de feras abatidas pela decepção.
Aí, foi a vez da terceira comensal. O meu sorvete já havia se evaporado. De cabeça baixa, eu era só atenção, e profunda, por aquele diálogo, ou triálogo, memorável. Foi quando a terceira voz, branda mas contundente, revelou a sua história ecumênica. E desabafou: "Duvido que se Jota Epifânio fosse vivo, com certeza, eu estaria entre as dez mais elegantes, como ele tanto me considerava. Mas é isso: o que será elegância para Vânia Marinho? Eu compro roupas na Daslu, sapatos em Roma. Minhas bolsas todas são Louis Vuitton. E também não sou mulher fashion. Por quê?" Contudo, a primeira voz feminina, usando a lógica aristotélica e o pensamento cartesiano, ensinou: "Mas essa jornalista diz que, para ser fashion, é preciso, além da elegância - e aponta para a matéria do jornal - é preciso "estar sempre presente nos agitos da cidade, freqüentar bares, baladas, vernissages, lançamentos. Ora, ora - eu não sou de tomar porre em bares. Em lugar nenhum. Tenho horror a bebidas e a quem bebe. E precisa estar antenada... Tenho um vestido Picasso puro. Uma blusa Van Gogh legítimo e óculos Renoir autêntico".
A outra presença também não se calou, reagindo: "Nós fomos realmente discriminadas. De propósito mesmo. De agora em diante, vou me dedicar somente a obras de caridade. Com certeza. Agora, pelo amor de Deus, você trocou as bolas. Picasso, Van Gogh e Renoir foram pintores. Você diga Valentino, Versace ou Cartier. Se isso chegar aos ouvidos de Vânia, ai meus orixás..."
A essa altura do confuso campeonato, que trouxe tanta decepção, empates e desempates, levantei-me e, com voz de pastor que cuida de suas ovelhas tresmalhadas, já em pé, olhei para as três e fiz meu pequeno sermão: "As senhoras me permitam o atrevimento em falar-lhes, mas bons mesmo eram os anos 50 que Woden Madruga rememorou, em nota inesquecível. Vou ler, a seguir:
"Me lembro que nos idos dos anos 50, o baile de reveion era no Aéro Clube. Quando dava meia-noite, Maribondo ia para a ponta do palco tocar o clarim. Fazia-se silêncio e o doutor Gentil Ferreira de Souza, presidente, começa o seu discurso de saudação ao Ano Novo. Encerrado, a orquestra de Jonatas d'Albuquerque atacava de frevo. Todos vestidos a rigor, os homens de smoking, summer (paletó branco, calça preta) ou diner-jacket (calça preta, jaqueta branca). Muitos driblavam a etiqueta e vestiam terno branco, mas a gravatinha borboleta preta (podia ser cor de vinho) era indispensável. Como indispensável era a faixa preta (ou vinho) de cetim cobrindo o cinto. As mulheres todas de longo (soirée). Algumas (poucas) mais afoitas (modernas) com decotes generosos". A mais exaltada das três comoveu-se e disse: "Vamos todas voltar aos anos 50. E não precisaremos ser fashion. Com certeza".

por Alma do Beco | 12:29 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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