CÍCERA DETENHAM
COMPLEXA
ANTES QUE CÍCERA
ENIGMÁTICA
FUJA COM O MORDOMO DO REI
COM CÍCERA PARLAMENTEM
DECIFRADA
ANTES QUE CÍCERA
TRANSVIADA
O FILHO DO REI SEDUZA
DEMOVAM CÍCERA
DESMIOLADA
ANTES QUE CÍCERA
CASTA
O PRÓPRIO REI CONQUISTE
JOSÉ BEZERRA GOMES
Ontem, no Beco, tive a felicidade de conversar horas com o compositor Mirabeau Dantas, uma legenda da música natalense.
Jovem, casado com Odaíres, irmã de Terezinha de Jesus, Mirabeau foi residir na Praia do Meio, logo à direita de quem descia a Ladeira do Sol – que ainda não tinha esse nome, vizinho ao clube do Bandern (hoje em ruínas). Ali, Mirabeau concentrou amigos em sua volta. Em sua casa, foram recebidos músicos e cantores hoje consagrados, mas que apenas estavam começando.
Logo mais adiante, Claudinho Lima mantinha o seu ateliê de pintura. Os artistas plásticos cearense Chico Kurroutec e paraibano Sandoval Fagundes viriam a seguir.
Sérgio Dieb, Graça Arruda e João Gualberto, muitos natalenses da gema, passaram a freqüentar o que hoje chamamos Praia dos Artistas.
Foi o ajuntamento dessa gente que deu origem ao nome.
Quem começou a chamar aquele pedaço de Praia dos Artistas foi Sérgio Dieb, que, à época, nem sonhava ser vereador.
Convidei Mirabeau para uma conversa no programa “Câmara Cultural”, que faço com Leonardo Sodré, na TV Câmara, canal 37, à cabo. O programa voltará a ser exibido essa semana, depois de um recesso de dois meses, mantendo a formatação original.
Também entrevistaremos Eduardo Viana, para falar sobre o Corredor Cultural e o Beco da Lama da Gastronomia, com comidas bem regionais, depois de revitalizado.
Faremos, como sempre fazemos homenageando a poesia, um ligeiro histórico do poeta Berilo Wanderley e encerraremos o programa com uma poesia sua.
Convidei Terezinha de Jesus para montar um show só com músicas de Mirabeau para o Dia da Poesia. Na data, estará em Natal, fazendo parte da programação, o compositor Capinam, amigo de Mirabeau, Terezinha, Odaíres, Dácio Galvão.
Nesta segunda, vamos fechar a programação do 14 de Março, com instituições envolvidas e quem mais quiser aparecer.
Pretendemos ocupar a Capitania, o Palácio da Cultura/Praça da Poesia, Grande Ponto, Câmara Municipal, Beco da Lama, Beco da Voluntários da Pátria (Sebo de Jácio e Verinha) com programações durante todo o dia, encerrando no Lorota`s, que promete esperar tudo terminar para fechar a programação com performances e música.
O Café do Beco, Daniele Brito está preparando.
Logo mais, estaremos no Beco para outras conversas.
Vá lá.
Dunga
Itam Brazil
Sopra as palhas do coqueiro
O vento que veio de lá
Sacode a frágil jangada
Nas ondas bravias do mar
Natal, cidade beleza
O teu encanto é a natureza
Por ser tão bela assim
Teus coqueirais, tuas areias
E um oceano sem fim
Natal, Natal, Natal
O teu mar é um grande espelho
Aos teus pés eu me ajoelho
Foi Deus quem a fez para mim
Se é dia vem o sol brilhar
Se é noite brilha também nas ruas
O clarão daquela lua
E faz toda cidade a cantar
Natal, Natal, Natal
Natal, Natal, Natal
Natal, Natal, Natal
François Silvestre
Sonhei com Mário Moacir Porto. Um sonho esquisito, com ele lendo um texto de Oscar Wilde sobre o muro da cadeia. Pela manhã, vejo na televisão, uma matéria sobre os cem anos e a obra de Nice da Silveira. A mãe dos loucos.
Aquela que cantava canções de ninar no ouvido da loucura para que ela dormisse e despertasse ao mesmo tempo nas asas da criatividade.
Nice dos cárceres da ditadura. Nas páginas de Graciliano Ramos. Na solidão de sua luta contra estupidez. Todas as ditaduras são iguais. São todas de direita, inclusive as de esquerda. Os ditadores e seus burocratas. Toda burocracia é burra, inclusive as inteligentes.
Toda loucura é bela, inclusive as feias. Os esquizofrênicos são os espelhos deformados da nossa hipocrisia. Cada esquizofrênico é um sentinela do desespero. Ele vive pedindo socorro ao infinito. Seu olhar não contém pedido de piedade. Tem a ânsia do inatingível. Ele não quer amparo, quer o claro. Porque é um habitante da escuridão, mas no mesmo tempo é a lanterna de um corredor inconsciente e brilhante. E produz uma vida íntima, seu inferno, que pode ser um paraíso para os olhos dos que se julgam sadios.
O que é a loucura? Pilatos poderia ter feito essa pergunta a Cristo e ele não teria respondido. Como não respondeu o que era verdade. Nice, assim igual a Cristo, não respondeu essa pergunta. Nem preocupou-se em respondê-la. Quando encontrou-se com Yung, o contraponto de Freud, não foi essa sua preocupação.
Seu objeto era a libertação daquele inferno. Não pela lobotomia nem pela terapia do eletrochoque. Mas pelo rompimento da porteira que a comodidade dos "sãos" havia imposto aos "loucos".
Só havia uma saída. Só há uma saída. Qual é? A ARTE. Pela pintura, pela música, pela representação, pela poesia, enfim, pela arte é possível arrancar a peia, destorcer o nó da peia, e oferecer uma saída do inferno da esquizofrenia.
Viva Nice da Silveira. A domadora da loucura. A mãe dos loucos e irmã da arte.
http://www.cotidianopungente.weblogger.terra.com.br/200502_
cotidianopungente_arquivo.htm
Clotilde Tavares
Na segunda-feira passada, meu caro leitor, no dia 21 de maio, o poeta Luís Carlos Guimarães foi inapelavelmente chamado ao andar de cima, por aquela que Bandeira chamou "a indesejada das gentes".
A morte sempre nos deixa assim, meio desorientados, a perguntar "por que?", sem encontrar resposta, porque resposta não há.
Luís Carlos Guimarães era um dos maiores poetas que conheci, e não é só eu quem digo. Dizem isso também os seus livros: O aprendiz e a canção (1961), As cores do dia (1965), Ponto de fuga (1979), O sal da palavra (1984), A lua no espelho (1993) e O fruto maduro (1996). Excelente tradutor de autores latino-americanos, publicou 113 traições bem-intencionadas, em 1997.
Quem diz que ele era um grande, um excelente poeta são seus pares da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, à qual pertencia, e os membros do Conselho Estadual de Cultura, onde tinha assento. Quem o diz são seus inúmeros amigos e conhecidos, que se deliciavam com a sua poesia. Quem o diz é o público que se emocionava com poemas seus, como "O espelho", transcrito ao lado, que recitei um dia em um sarau, para uma platéia deslumbrada.
Quem o diz são seus amigos das últimas horas, Nei Leandro de Castro e Diógenes da Cunha Lima, com os quais passou a tarde do dia 21 tomando vinho e falando das coisas boas da vida.
Enquanto o poeta desfrutava dessa tarde festiva eu tentava localizá-lo pelo telefone para convidá-lo para a Sala de Leitura, para falar sobre o seu trabalho como tradutor. Depois de muitas tentativas, como o telefone não atendia, desisti.
Às sete e meia da noite, ao chegar em casa, ainda de pé na porta de entrada, um enfarte fulminante fez com que tombasse ao solo o doce Lula, de olhos azuis, que me achava parecida com a atriz Viveca Lindfors, por certo uma das deusas da sua juventude.
E no dia seguinte, ao ver a notícia no jornal, fiquei paralisada sentada no sofá, a me perguntar o famoso "por quê?".
Não tive coragem de ir ao velório, nem ao enterro. Fiquei a tarde em casa, olhando os passarinhos no quintal, o sol brincando nas folhas do cajueiro e a tarde que ia se esvaindo em azul, enquanto recordava o amigo, na última vez que o vi, sexta-feira dia 18, no lançamento do livro de Tarcísio Gurgel. Eu fui entrando e ele gritou logo:
- Clotilde! Olha quem está aqui! e veio trazendo pelo braço o pintor Raul Córdula. Quando eu e Raul nos abraçamos, ele disse:
- Vou deixar vocês aí conversando e saiu, feliz da vida, a conversar, a falar, e a sorrir, e a fazer os outros sorrirem.
Doce e suave Lula, de olhos azuis e sorriso de menino. Para aliviar a saudade, ele mesmo nos deixou o remédio: seus versos.
Até um dia, Lula.
Espalhem por aí a poesia de Luís Carlos Guimarães
Nei Leandro de Castro
Em 1982, no final do seu poema "Ode mínima ao enfarte do miocárdio", o poeta Luís Carlos Guimarães escrevia: "Se o enfarte vier,/ atravessarei/ a ponte de safena?"
No dia 21 de maio, segunda-feira passada, em Natal, o poeta não conseguiu atravessar a ponte de safena. Morreu dois dias antes de completar 67 anos, de um enfarte fulminante. O mais difícil de aceitar a morte de um amigo-irmão foi o fato de eu ter passado o dia inteiro na sua companhia, nesse 21 de maio. Saímos desde cedo pelos bares, bebemos muito vinho numa adega climatizada, falamos de poesia, de mulheres, de viagens. Nos despedimos às seis e meia da noite. Às sete e meia, quando tentava abrir a porta do seu apartamento, o poeta morreu.
Quem não conheceu o poeta Lula Guimarães não teve o privilégio de conhecer uma das mais belas figuras humanas deste país. Quem não conhece a sua poesia desconhece um dos melhores poetas brasileiros contemporâneos.
Luís Carlos Guimarães nasceu em Currais Novos, RN, e viveu quase toda sua vida em Natal. Estreou em poesia em 1961, com O aprendiz e a canção. Publicou: As cores do dia, 1965, Ponto de fuga, 1979, O sal da palavra, 1984, A lua no espelho, 1993, e O fruto maduro, 1996. Excelente tradutor de autores latino-americanos, publicou 113 traições bem-intencionadas, em 1997.
Amigos e amigas: espalhem por aí um pouco da poesia de Luís Carlos Guimarães. Viva a poesia.
Abraços, Nei Leandro.
Antônio Marques de Carvalho Jr.
Pintor, tapeceiro, escultor e poeta. Um misto de talento e disciplina, cultura e técnica, inteligência e sensibilidade. Em 1950, juntamente com Newton Navarro e Ivon Rodrigues, expôs no ‘‘Salão de Arte Moderna’’, instalado por eles em um antigo casarão ocupado pela Cruz Vermelha, nas proximidades do Grande Ponto.
O evento sacudiu o marasmo cultural da província, revolucionou a pintura de cavalete, motivou debates sobre as novas tendências artísticas, nacionais e internacionais e, finalmente, ficou como marco da penetração do movimento modernista no campo das Artes Plásticas no Rio Grande do Norte.
Além do espírito inovador, de vasta e sólida cultura que nos faz lembrar a encarnação dos ideais renascentistas, Dorian Gray também se destacou no desempenho de funções públicas de caráter cultural, como assessor da Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte (1967-68) e da Fundação José Augusto (1974); conselheiro e membro do Conselho Estadual de Cultura (1967-73); diretor do Teatro Alberto Maranhão (1967-68) e; da Escolinha de Arte Cândido Portinari (1967-68).
Dorian Gray sempre soube cultivar, simultaneamente, a gravura, a escultura, a tapeçaria, além do jornalismo, do ensaio e da poesia. Atualmente, sua obra artística (particularmente a tapeçaria e a pintura) encontra-se em acervos de instituições culturais e em coleções particulares no país e no exterior. O poeta Sanderson Negreiros assim o define: ‘‘Pintor de marinhas, é um dos que melhor neste País souberam ver, transfigurar, rever e modificar o grande mar - nordestino e do mundo’’.
Newton Navarro reforça o depoimento de Sanderson, quando em uma de suas crônicas escritas em homenagem a Dorian Gray, afirma: ‘‘Quantas vezes, diante do mar, o seu pincel descobre matizes que facilmente outro pintor não descobriria! Pinta e o mar passa inteiro para as suas telas’’.
Comentando uma de suas exposições realizada no Rio de Janeiro, Antônio Bento escreveu: ‘‘Paisagens campestres como nas cenas das praias natalenses e em composições diversas, Dorian Gray Caldas tenta fixar a atmosfera e o caráter de sua terra, através de formas e cores de incontestável sabor telúrico ou nativo. É por isso mesmo um pintor representativo da cultura plástica do Nordeste brasileiro’’.
Woden Madruga
Berilo Wanderley morreu quando chegava aos 45 anos de idade. Foi jornalista, professor universitário, promotor público, crítico literário e de cinema, boêmio, amante de vinhos e da música, poeta.
No jornalismo, a sua atividade intelectual amadureceu na crônica do cotidiano, gênero que dominou soberano juntando a técnica da informação jornalística, fundado no factual que soube aprender no dia-a-dia das redações., ao talento literário que mais nele era intrínseco e que veio a desenvolver no longo e sofrido aprendizado existencial e na leitura dos melhores autores.
Cronista, Berilo foi um escritor e ao mesmo tempo jornalista que sabia esgrimar a arte da palavra, como fenômeno estético, preocupado não somente na empatia do leitor, mas, também, em lhe oferecer o registro dos fatos reais, descrevendo os acontecimentos que ocorriam no espaço provinciano ou àqueles outros, além fronteiras, que normalmente repercutiriam no universo local.
Nesse ofício, BW muitas vezes transmudava e recriava uma nova realidade e aí, tínhamos o traço marcante do ficcionista se conflitando com o repórter. Suas crônicas nos chegavam com os primeiros contornos do contista/novelista que nele existiu em potencial, mas que a atividade diária de jornalista ao lado de outras que necessitava para a sua sobrevivência, obrigavam-no a deixar na poeira das gavetas seus planos literários mais audaciosos.
Berilo foi um lírico e um romântico. Um lírico telúrico, voltando “as coisas da natureza, o canto e o vôo dos pássaros, as flores, os rios de sua geografia sentimental, o pôr do sol, o amanhecer do sertão, o pastoreio das ovelhas, o cantar dos galos madrugadores, as cores do mar, as manhã ensolaradas, tudo que captava a sua profunda sensibilidade de poeta.
Foi um romântico no mais verdadeiro sentido chapliniano. Aqui, temos o cronista urbano anotando os pequenos dramas e comédias da cidade, retratando heróis humildes -–formidável criador de tipos – caricaturando os poderosos e prepotentes que nunca escapavam a sua crítica mordaz e à ironia fina, capazes de levantar o roupão que veste o ridículo desses falsos deuses.
Foi um satírico de tipos e costumes.
A comédia humana sempre esteve presente na sua crônica diária. São histórias pungentes, trágicas, burlescas, ridículas. História de amor, humanas, porque na obra de Berilo está presente a própria e inescapável crônica da condição humana. E, por isso mesmo, na leveza do seu estilo ágil e aprimorado, intimista e coloquial, simples e paratático, no texto enxuto que tanto lembrava Eça e Machado, dois de seus autores prediletos, vamos encontrar a preocupação metafísica, o problema social, a questão política.
Sim, porque Berilo, aparentemente um observador do banal cotidiano, nunca se divorciou, porém, da realidade de seu tempo, pois ele próprio foi um homem de seu tempo que sabia transformar e dimensionar com equilibrado nível de consciência, o trivial em motivo de reflexão.
O ofício do cronista foi também – e porque não principalmente – um ato de profundo amor, pois sabia que a vida é amor na lição mertoniana. Sua arte e seu jornalismo estão sulcados o respeito aos direitos do homem, à liberdade, à justiça, às coisas simples da vida, não fora ele um cultor da simplicidade. Poeta e homem, difícil, é muito difícil, separar em Berilo o esteta/criador da grande e rica personagem que ele foi dessa tragédia que, sendo de todos nós, foi sua – a tragédia existencial – que é de todos os homens porque é da natureza humana
Natal, agosto de 1980
In O menino e seu pai caçador – Crônicas. Berilo Wanderley
Co-edição Clima/Fundação José Augusto – Natal, 1980.
Eliade Pimentel
A cidade já está mais do que no clima de carnaval. Depois de tantas prévias, hoje, à noite, tem Baile de Máscaras na Confeitaria Atheneu e Baile da Danuza no Blackout Bar. À tarde, os blocos das Andorinhas e dos Gaviões fazem a festa nas ruas da cidade.
Formado só por mulheres da área da saúde, o bloco das Andorinhas nasceu há 10 anos com apenas 12 integrantes. Hoje, elas estão em número de 350 foliãs e sairão às 16h do Bar do Bidoca, na rua São José, animadas por um trio elétrico.
Invejadas pela condição feminina de foliãs, os homens da área da saúde criaram o bloco dos Gaviões. Eles saem pelo terceiro ano, também hoje, às 14h, do bar Dom Quixote, e percorrem ruas de Petrópolis até alcançarem a Associação Médica, na avenida Hermes da Fonseca. Lá encontram as Andorinhas e se confraternizam numa grande festa.
Pode-se dizer que eles são alguns dos heróis da resistência de um carnaval fadado ao fracasso eterno, sem apoio, sem gente para brincar. Na última década, o carnaval de rua em Natal se restringiu ao desfile das Kengas, e a uma ou outra manifestação popular isolada, como este caso dos profissionais da saúde.
Natal nunca foi referência obrigatória de folia. Porém, já teve seus dias de ouro nos carnavais da vida. A principal diferença em relação aos grandes centros carnavalescos, é que a folia sempre foi muito voltada para a elite, isso desde os tempos dos corsos na Ribeira.
"No meu tempo era muito diferente. As pessoas da sociedade faziam bailes no Aéro Clube e no América", atesta Cinira Wanderley Raymond, 70 anos. Ela brincou carnaval nos primeiros anos da década de 40, e só não continuou porque se mudou da cidade.
Sobre essa época, Cinira conta como as marchinhas confundiam os americanos. "Quando a turma cantava ‘Ai, ai, Cecília’ eles pensavam que a gente estava chamando uma amiga da turma".
As músicas cantadas eram aquelas famosas Aurora, Jardineira, Sassaricando e muitas outras, puxadas por orquestras de metais.
Os desfiles dos blocos - organizados por Eutália Dantas, uma distinta senhora da sociedade - aconteciam à noite, inicialmente na avenida Rio Branco, e, posteriormente, na Deodoro da Fonseca.
O pesquisador Lenine Pinto também foi um folião dos mais atuantes em Natal. Ele testemunhou as manifestações do período que vai de meados da década de 30 até parte de 50: "Eu não sou do tempo dos carnavais antigos da rua da Palha, atual Vigário Bartolomeu, nem dos corsos da Tavares de Lyra. Comecei meus carnavais pelos bailes infantis do teatro Carlos Gomes".
Nessas ocasiões, ele sempre ia fantasiado de presidiário, vestindo uma camiseta que trazia o número 13 nas costas. "Minhas tias é que tratavam de fazer a roupa", recorda-se.
Lenine não poderia deixar de citar uma cena obrigatória desses carnavais, e que deixava toda a platéia enojada. "Quando eu era adolescente, assistia aos desfiles dos blocos na Rio Branco, e não esqueço de Ramalhinho, vestido de fraque e cartola, com um penico na mão".
O tal penico era cheio de cerveja e lingüiça, e o folião comia a mistura. "Aquilo deixava todo mundo horrorizado". A irreverência não parava por aí. O avô materno do pesquisador, conhecido por Ioiô Barros, era outro que deixava as mães de família em polvorosa por causa dos seus versos fesceninos.
"Ele, sozinho, era o bloco Cão Jaraguá, e entoava sempre a mesma cantiga, ‘olha a rolinha, sinhá, sinhá’ e outras de duplo sentido, acompanhado do reco-reco. Causava grande escândalo para as senhoras que moravam na Rio Branco."
Lá pela década de 50, os desfiles passaram a acontecer na avenida Deodoro da Fonseca. "Maria Boa desfilava com Antônio Farache em carros conversíveis, Newton Navarro pintava camisetas, a gente freqüentava as Noites de Ouro. Nessa época, a folia também acontecia nas feijoadas de Zé Herôncio, nas proximidades da praça Pe. João Maria. Eram festas memoráveis."
No início da década de 40, quem protagonizava a baiana de maior sucesso era um senhor chamado Raimundo Amaral. Segundo Lenine, ele fazia a personagem muito melhor do que Carmem Miranda. "Além dos balangandãs de praxe, Raimundo usava umas luzes movidas a pilhas."
Embora os blocos fossem de elite, havia um ou outro mais popular, como foi o caso do Pega no Arranco, que contava com ninguém menos do que Djalma Maranhão como folião, isso no final da década de 30, início de 40.
A juventude era mesmo incansável. O costume de brincar o carnaval em blocos continuou até meados de 70. Maria do Carmo Bezerra Milagres, 62 anos, estreou no carnaval em 1956, no bloco Diabo Rubro, do América.
"A gente brincava à noite no clube, e, durante o dia, a turma fazia o corso na Deodoro. O bloco tinha em torno de 30 a 35 pessoas, todas vestidas com fantasias muito bonitas", relata. Ela ressalta a diferença em relação aos blocos do Carnatal, por exemplo, que são compostos por milhares de pessoas.
Nos carnavais seguintes, Carminha e amigas, num total de 15 garotas, criaram o bloco Brotinhos Indomáveis. "Nós combinávamos de fazer os assaltos com os meninos dos Milionários. Era uma delícia."
O costume dos assaltos persistiu enquanto houve carnaval de bloco na cidade, desde os meados de 30 até 70, mais ou menos. Uma pessoa abastada da sociedade era " assaltada" durante um dia de folia. Tudo era previamente combinado: os foliões eram recebidos com muita comida e bebida.
Existiam os blocos rivais, como era o caso dos Brotinhos e As Garotas. "Para onde elas iam a gente nem pisava", relembra a foliã que marcou presença até o ano de 64, "depois disso, eu noivei e meu noivo não gostava de carnaval."
Na opinião de Carminha, um dos motivos que geraram o fim do carnaval de rua em Natal foi o fato da Banda do Cajueiro em Pirangi ter arregimentado foliões para aquela praia. "E também porque os prefeitos começaram a ser indicados, na época da ditadura, nos anos 70, e não tiveram interesse em manter a tradição popular."
A artista plástica Madé Weiner, 50, brincou seus primeiros carnavais na década de 60. "A gente saía no bloco Jardim de Infância e depois todo mundo ia para os bailes do América. Era maravilhoso, as pessoas vestiam altas fantasias."
Para ela, as melhores ocasiões dos carnavais também eram os assaltos e a alegria que reinava na praça Pedro Velho. "Naquela Natal pequena e provinciana ainda, aqueles carnavais eram a real comemoração das festas da carne, mas a gente era muito inocente", caracteriza.
O bairro de Petrópolis continuou sendo palco para animados blocos até início da década de 80, quando surgiram as bandas, das quais a mais famosa é a Bandagália. Os blocos todos passaram a ter seus próprios hinos, e o primeiro grande sucesso veio com o Frevo da Mundiça, de Carlos Santa Rosa e Leonardo Cavalcanti.
Dos mais antigos, continuava o Jardim de Infância e os novos eram Puxa-Saco, Meninões, Mundiça, Saca-Rolha, Ressaca, e muitos outros. As bandas, eram Negra, dos Artistas, Filhos da Pauta (de onde surgiu o bloco Burro Elétrico, do Carnatal), e Gália.
"O diferencial estético das bandas era principalmente a irreverência", aponta Santa Rosa. Uma prova, é que o embrião do Bloco das Kengas foi gerado nos desfiles da Gália. "Arruda Sales se vestia de drag queen para surpresa de todos".
Segundo o compositor, além do acidente fatídico ocorrido em 1984, que vitimou foliões e músicos na subida da ladeira do Baldo, numa prévia do bloco Puxa-Saco, a falta de segurança também foi outro fator que levou os natalenses aos carnavais praianos. "Culminou com o assassinato de um folião na Bandagália".
A tentativa de resgate do carnaval de rua em Natal pretende preencher a lacuna imposta à tradição desde a década de 80.
Simone Silva
Diário de Natal
27.10.2002
Por seis vezes, o estadista Juscelino Kubitschek pisou em terras norte-riograndenses. Sempre amparado pelos correligionários locais do Partido Social Democrático (PSD), visitou as principais cidades do Estado, além da capital. Era sempre recepcionado com todas as pompas e, antes mesmo de aqui estar, conhecia de ouvir falar as terras dos potiguares. O motivo é que teve a companhia do sergipano radicado em Natal, Aderbal de Figueiredo, quando especializou-se em urologia, em Paris. Pouco se sabe sobre sua primeira visita, em 1953. Na ocasião, era governador das Minas Gerais, onde desenvolvia um trabalho surpreendente, governando com a valorização do binômio "transporte e energia". Notícias da época davam conta de que veio com "outros chefes do executivo e altas autoridades".
Juscelino desembarcou pela segunda vez em Natal, no dia 7 de Janeiro de 1955. Sua visita, considerada de caráter particular, transformou-se no acontecimento do mês, assunto principal nos periódicos. Ficou 24 horas na cidade, período no qual fez contatos com partidários. Teve a companhia de Georgino Avelino, Diocleciano Duarte e Dix-Huit Rosado. Em cerimônia em frente ao Palácio 7 de setembro, passou em revista a Companhia de Infantaria da Polícia Militar, que trajava uniforme de gala. Junto com o governador Sylvio Pedroza, jantou no Grande Hotel e, a pé, seguiu para uma sessão pública do PSD no Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão.
"Juscelino Kubitschek pertence inegavelmente àquela admirável e tradicional linhagem de estadistas e patriotas que o grande estado montanhês tem dado ao Brasil", disse Pedroza, seu amigo pessoal, na ocasião.
Já em campanha rumo a presidência, foi à capital do Oeste, Mossoró, e à cidade de Areia Branca. "Compacta multidão aplaudiu o eminente candidato democrático, cuja palavra jamais deixou de ser ouvida com a maior atenção e simpatia", dizia o DIÁRIO DE NATAL da época. Conta-se que, no Seridó - esteve em Caicó em 29 de julho de 1955 -, os filhos de Sant’Ana ficaram surpreendidos com o debate que empreendeu com o povo, onde explanou suas idéias para governar o país.
Candidato pelo PSD, PR, PTB, PST e PTN, junto com seu vive, João Goulart, foi à Santa Cruz em 3 de agosto de 1955. Lá, promoveu-se uma vaquejada em sua homenagem. À noite, já em Natal, junto com os líderes de seu partido no Estado, Theodorico Bezerra, Martins e Silva e Claudionor de Andrade, atraiu multidões à praça Gentil Ferreira. Antes do início do comício, a equipe da RÁDIO POTI fez um show. Após este evento, visitou o bairro das Rocas e posteriormente jantou na casa do empresário João Francisco da Mota, localizada na avenida Rio Branco. Dizem que saiu de Natal com a certeza de que seria eleito.
Na última visita, Kubitschek - senador por Goiás - chegou a Natal em 1 de Setembro de 1962. Neste dia, participou da festa de caridade intitulada Uma Noite no Oriente, no Aéro Clube. Gentil, comentou com sua organizadora, a colunista de O POTI, Kathia Suely, que evento "de tal suntuosidade, montada em tão lindo painel, seria digna também de ser apresentada nos grandes centros do país." Na festa, damas da sociedade figuravam em apresentações como camponesas chinesas, tidas por JK como mais belas que as orientais originais.
No dia seguinte, JK cortava a fita simbólica de inauguração da Rádio Trairi, cujo diretor era Kléber Bezerra, filho do grande amigo Theodorico. Naquele ano, Juscelino Kubitschek percorria o Nordeste em pregação política favorável ao candidatos pessedistas ao Governo e Congresso Nacional, que, no Rio Grande do Norte, eram Walfredo Gurgel e Theodorico.
Após a inauguração, ele fez comício no Grande Ponto, onde discursou ao lado do então governador Aluízio Alves e "outros líderes da Cruzada da Esperança".
Jantou no Palácio do Governo, e partiu para a Paraíba.
Everaldo Lopes
Tribuna do Norte
25/03/01
Foi num domingo de novembro de 1941, exatamente dia 31, que os poucos natalenses que possuíam rádio puderam ouvir a primeira transmissão de uma partida de futebol direto do estádio "Juvenal Lamartine". A emissora pioneira foi a Rádio Educadora de Natal (REN), mais tarde transformada em Rádio Poti, ao ser adquirida pelo condomínio Associado. A Educadora era de propriedade do empresário Carlos Lamas, que convidou para narrar a partida o jornalista Manoel Fernandes de Oliveira, conhecido também como "Leléo", irmão de um locutor famoso, que era Marcelo Fernandes. Na época, Manoel Fernandes tinha apenas 23 anos de idade, e muito cedo revelou desejo de ser também narrador de futebol. No último dia 4, aos 82 anos, faleceu o pioneiro da transmissão esportiva no Rio Grande do Norte e, por uma dolorosa ironia, cego e surdo. A cegueira adveio de um glaucoma mal curado.
Para a transmissão, que se transformaria num marco da radiofonia potiguar, a emissora convidou alguns nomes do rádio local, que colaborariam nos comentários e reportagens, designando o veterano apresentador de programas de auditório (havia sido goleiro reserva do América), Genar Wanderley, com a missão de ler os comerciais durante a narração da partida. A cada bola que saía pela linha de fundo, Wanderley lia, com voz impostada, os comerciais dos patrocinadores. Como não ficou nenhuma gravação para a história, não se sabe como foi o desempenho de Manoel Fernandes. Afinal, quem já tentou sabe que não é fácil narrar uma partida de futebol. Como curiosidade, vale acrescentar, que a programação normal da Rádio Educadora começava às 10h e era suspensa às 13, recomeçava às 16 e ia até 17, retornava às 18 e encerrava suas atividades às 22h.
A estréia
O jogo escolhido para marcar a primeira transmissão não foi tão especial. Na ânsia de mostrar "serviço", a emissora tratou logo de programar a estréia, escolhendo o jogo ABC x Santa Cruz, valendo o campeonato oficial da cidade. Como não havia ainda a comodidade do rádio portátil, acabou acontecendo um fato curioso: muita gente deixou de ir ao estádio justamente para ouvir a inédita narração. Até então, o norte-rio-grandense só tinha ouvido transmissões feitas pelas rádios Clube de Pernambuco, Nacional, Tupy e Mayrink Veiga, estas três últimas do Rio de Janeiro. Os ídolos do rádio esportivo da época eram Ary Barroso, Oduvaldo Cozzi e Luiz Mendes, do "broadcast" (palavra muito em moda, na época) carioca. Quem possuía os potentes rádios Phillips ou Mullard estavam familiarizados com os grandes nomes do rádio esportivo brasileiro. O ex-repórter Mário Dourado, por exemplo, quando ingressou no rádio natalense, levou com ele uma gaitinha igual à usada por Ary Barroso.
Após o sucesso da primeira transmissão diretamente de um estádio de futebol, a Educadora tratou de ampliar sua equipe de esportes, contratando os serviços de Alcântara Barbosa, Júlio Geraldo e Pedro Machado. Posteriormente, outros nomes foram surgindo, como o do narrador Chico Lamas, que teve passagem rápida, logo dando lugar a Aluísio Menezes, que formaria dupla famosa com Amaury Dantas, na Rádio Nordeste.
Dez anos depois, surgiria a Associação de Cronistas Esportivos, sendo Manoel Fernandes um dos fundadores, ao lado de Luiz G.M. Bezerra, Eider Furtado de Mendonça, Waldemar Araújo, Aluísio Menezes e João Neto. Com o advento do rádio portátil, o narrador de futebol já não podia "chutar" nem cometer deslizes, porque o próprio torcedor estava ali, vendo e, de ouvido colado no radinho, acompanhando a transmissão.
Nota do repórter: colaborou, Luiz G.M. Bezerra.
Gutenberg Costa
O rei momo e a rainha são figuras peculiares na história do carnaval natalense. Sabe-se que a introdução do personagem carismático e gordo no carnaval brasileiro deu-se com o aparecimento de uma figura de um boneco de papelão obeso que percorria as ruas durante os dias de carnaval.
Depois o tal boneco foi substituído pela eleição de um folião gordo, alegre e dançante que recebia, simbolicamente, a chave da cidade das mãos dos prefeitos, com a ordem de comandar os festejos carnavalescos da cidade e espalhar a alegria no povo. No passado, como todo rei e rainha, ainda dispunham de uma corte para acompanhamento, constituída de seguranças e músicos corneteiros para anunciar a solene chegada aos clubes, além de motoristas particulares e quem mais o rei achasse no direito de fazer parte de sua corte.
Na época da Segunda Guerra, o nosso rei momo foi o popular folião Zé Areia. O escritor Augusto Severo Neto conta em suas memórias que o Zé Areia vendo a pompa de um rei momo nos anos setenta, teria feito o seguinte comentário: "Como rei momo não tive esta sorte!". Nos anos sessenta, tivemos o gordo Manoel Basílio, que saiu da gerência de uma casa comercial de tecidos para o reinado de carnaval.
O pernambucano Paulo Maux (1934-1984) foi um dos mais gordos do reinado momesco local e também foi o que teve o mais longo período como rei do carnaval. Foram 17 anos de reinado. Em 1984, quando entrevistei a viúva de Paulo, dona Elba, a mesma foi contando-me parte da história dos carnavais em que seu esposo era imbatível nas eleições. Ela estava emocionada, entre lagrimas e risos. Entre outras curiosidades, dona Elba, soltou esta: "Num carnaval do passado, no clube América, um grupo de rapazes da alta sociedade jogou Paulo de uma sacada para o chão. Ele tinha muita gordura para lhe aparar na queda e talvez por causa disto só sofreu uma fratura em um dos braços. Paulo não deu queixa na polícia e terminou o carnaval como se nada tivesse acontecido, perdoando os súditos adeptos de brincadeiras de mau gosto.
Outra vez soube de última hora que ia ser "seqüestrado" quando lhe fizeram um convite para ir a Natal. O "seqüestro" do rei era sempre arquitetado pela corte de outro rei não oficial de nome Severino Galvão. Se acaso o Paulo ficasse "preso" em alguma granja ou residência, era tempo livre para seu concorrente Severino comparecer aos clubes e reinar com a pompa que o carnaval naquela época oferecia ao rei e sua corte. Paulo, desconfiado, só atendia ao convite oficial da prefeitura e dos amigos mais chegados.
Dona Elba Maux contou que uma moça candidatando-se a eleição de rainha sem o devido conhecimento de seus pais, quando ganhou a escolha, para sair ao lado de Paulo, teve que levar consigo sua mãe, que a acompanhou nos bailes noturnos das dezenas de clubes de então.
Paulo quando enveredou pela política partidária ao lado da oposição ao regime militar perdeu a sua única eleição para a Câmara Municipal de Natal. Dizem que foi vítima da famigerada propaganda do "Já ganhou". Dona Elba gentilmente doou várias fotografias de seu acervo particular dos melhores momentos vividos por seu esposo, pai de sua filha e rei para sempre.
Mais tarde, outro gordo, o magarefe Sebastião, apelidado de Beré, brilhou no carnaval de Natal e, na história, foi o primeiro rei momo de cor escura, pois o segundo foi Givaldo Batista, que saiu do rádio e jornal para o reinado de momo. O rei Beré ficou decepcionado quando da primeira eleição direta: perdeu para o magro Severino Galvão no ano de 1985. Nesta eleição, Severino Galvão entrou para a história como o mais idoso deles, com 70 anos de idade.
Neste seu primeiro reinado oficial, o ex-rei momo Severino, de protesto, teve ao seu lado como rainha eleita, a prostituta Natividade de Souza, que morava nos prostíbulos da rua São Pedro do bairro das Rocas. A pobre senhora Natividade, chegou a ser rainha numa armação do carnavalesco Evaldo, que a inscreveu por sua escola de samba. Dou o testemunho do trabalho que a mesma deu para cabeleireiros e maquiadores...
A eleição direta para a escolha do rei e da rainha foi uma popular criação do então secretário municipal Geovani Rodrigues, no governo Marcos Formiga, que não contava em seus planos com a brejeira do carnavalesco Evaldo. A rainha Natividade brincou e reinou, com todo respeito, seu reinado e sem discriminação alguma quanto a sua velha profissão...
Nos anos 90, o rei momo Tomaz Neto, passou de comerciante de restaurante a rei, graças a varinha de condão do jornalista Adalberto Rodrigues que o apadrinhava. Neto, considerado magro, seguindo os conselhos de Adalberto, vestia uma folgada fantasia recheada de espuma, o que triplicava a sua massa muscular. E, assim, milagrosamente, ele tomou conta da chave da cidade por seguidos anos.
O primeiro rei momo intelectual que tivemos, foi o professor, escritor e historiador João Alfredo, que reinando por vários anos, ainda é o rei. Todos os anos, veste sua fantasia e, com a coroa na cabeça, vai ao lado de uma rainha andando a pé ao lado do povo e dos foliões da banda do Siri da praia da Redinha.
Outro que entrou para a história como o primeiro babalorixá a ganhar uma eleição para rei, foi Josué Santiago, que, com a ajuda do padrinho Adalberto, reinou mais de uma vez em nosso carnaval. Josué foi também o mais triste, de cara fechada, que, segundo os boatos, não mostrava os dentes nem para dentistas. Parecia mais um santo de altar, de tão duro que se apresentava no meio do povo, sem o gingado e a alegria dos gordos Paulo e Beré.
A respeito disto, um comentarista de um jornal local chegou a fazer o seguinte comentário: "O rei Josué parece que havia comido alguma coisa que não tinha gostado e não estava passando bem.”
Muita coisa deve ser acrescentada à história dos reis momos que promoveram a folia na cidade dos reis magos. Existem ainda entrevistas, velhos recortes de jornais e fotografias que podem, algum dia, compor um respeitoso acervo. Afinal, rei é rei, como diz o ditado popular.
Woden Madruga
Foi num mês de março como este de agora que entrei nesta casa pela primeira vez. Já fez um bocado de tempo. Naquele março distante a Tribuna do Norte festejava seis anos. Hoje são cincoenta, meio século. Isso quer dizer que estou aqui há 44 anos. Tirando uns quatro que andei por outros terreiros, vou moendo quatro décadas. Contei um pedaço dessa história que está saindo noutro canto desta edição especial comemorativa, não sei mesmo em qual dos tantos cadernos, um trabalho de equipe que mexeu com toda a casa e sacudiu muitas emoções.
Mas eu teria de dizer alguma outra coisa nesta coluna que assino há 36 anos. Em março de 1964 voltei à redação da Tribuna de onde tinha saído entre 1968/1969. O golpe militar nos pegou na avenida Tavares de Lyra, entre a Peixada Potengi e à nova redação da TN, prédio melhorado, ampliado, juntado-se ao primeiro casarão a vizinha Casa Olinda, loja de utilidades domésticas de Durval Paiva. Walter Gomes veio do JB para dirigir a redação e convidou-me para assinar uma coluna. Esta. O título foi sugerido por Ubirajara Macedo. Inspirado no Jornal de Antônio Maria, que saiu na Última Hora, do Rio de Janeiro.
A redação naquela época era uma festa. Por aqui andaram entre outros os poetas Luís Carlos Guimarães, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Newton Navarro, Sebastião Carvalho, Celso Silveira. A Ribeira era um bairro de muitos bares, botequins e algumas casas suspeitas. Ah, as casas suspeitas da Ribeira. As vezes a redação se esvaziava de repente e quase todos se esvaziava de repente e quase todos se espalhavam ou se escondiam por esses lugares essenciais. Mas o jornal saia todas as manhãs...
Aí veio o chumbo da ditadura. Foi um tempo de muitas dificuldades, de muita tristeza, mas de muita resistência. Já eram outros na redação e na Ribeira também já não era a mesma coisa. Fui ficando. Daqueles de março de 1956 e de março de 1964, sou dos poucos sobreviventes, talvez o único ainda batendo numa solitária e desprezada máquina de escrever. Dos que continuam na casa, que vieram dos primeiros tempos, vejo todos os dias, o companheiro Baltazar Pereira, capitão hereditário das oficinas. Há outros, lá embaixo. Com mais de trinta anos de casa. Já outros saíram do ofício ou escolheram outros caminhos, outras redações. Aqui e acolá, um encontro de surpresa nas esquinas da cidade. Outros se foram na grande viagem: Berilo Wanderley, Expedito Silva, Francisco Macedo, Sebastião Carvalho, José Alexandre Garcia, João Machado, Erivan França, Jota Epifânio que a memória consegue lembrar neste instante.
De todos eles muitas saudades. Mas a maior delas é de José Gobat. A grande ausência nesta festa.
A perpetuação de grupos familiares na política é danosa, principalmente por reforçar na população a idéia de que a política é uma atividade reservada a poucos e que os demais estão privados de se ocuparem de tudo o que diz respeito à coisa pública, ao bem comum.
Anos atrás, indagado sobre a política na primeira Republica, Dinarte Mariz afirmou: “no Rio Grande do Norte, durante a Primeira República, mudavam apenas os prenomes os sobrenomes continuavam os mesmos”. Naquele período, a trajetória política de maior êxito foi a de Café Filho.
Contudo, sua origem fora das famílias tradicionais e o fato de ter surgido na cena pública ancorado na ligação com os trabalhadores, lhe causaram muitos percalços. Embora por injuções políticas peculiares tenha sido eleito vice presidente e exercido a presidência do país, Café‚ Filho jamais gozou da confiança das elites políticas locais, o que dá bem a medida das dificuldades que teve de enfrentar na sua carreira política de final melancólico.
Passados mais de 70 anos, constata-se a permanência do esquema político familiar em nosso estado. Em cada eleição acrescentam-se às listas de candidatos novos nomes, de sobrenomes iguais. Veja o executivo estadual e municipal, veja a bancada federal, estadual e municipal, e liste os sobrenomes. Consulte as projeções para a disputa eleitoral de 2002, e liste os sobrenomes.
Como explicar tais sobrevivências do passado em plena era virtual? Esse quadro monótono é fruto da cultura política que caracteriza a sociedade brasileira e que tem na exclusão social e na dominação política os principais elementos constitutivos. As peculiaridades dessa cultura política concorrem para que a construção da cidadania e da democracia em nosso país, seja marcada por descontinuidades e rupturas.
A política não pode ser propriedade de famílias e dos seus interesses privados. A patrimonialização torna a política uma espécie de “reserva de mercado”, com graves conseqüências para a sociedade. Muitas das mazelas que corroem à sociedade brasileira, como a corrupção, têm origem na promiscuidade que caracteriza a intercessão dos espaços público e privado, a partir do que se confunde o que é meu por direito de propriedade, do que é da esfera do bem comum, porque é de todos, da coletividade.
É na disputa entre propostas políticas que se elabora o pacto social que rege a vida em sociedade. Todos os grupos têm direito de apresentar suas propostas e de debatê-las, com vistas à definição da sociedade que se deseja. Uma sociedade democrática não pode conviver com privatização do espaço público, pela predominância de grupos políticos familiares. A medida de democracia acaba por ser a pluralidade de grupos de representação que participam da cena pública.
O continuísmo de grupos familiares, de seus feudos políticos e de suas práticas clientelísticas e fisiológicas é uma forma de fazer política que tende a se extinguir. A história vem emitindo sinais do esgotamento dessa forma excludente de se fazer política em nosso país. No curto espaço de 20 anos, a política brasileira vem se modificando pela introdução de novos atores que questionam velhas praticas e poderes.
Para o bem ou para o mal, a política é a atividade mais importante que homens e mulheres podem exercer no mundo e deve estar aberta à participação de todos. A medida da democracia é essa pluralidade. E fora da política não há salvação.
Itamaracá
Luciano de Almeida
Seria um esforço inútil, um simples exercício de rotina (demasiadamente desgastado) se me detivesse apenas na descrição – isenta, imparcial, minuciosa – de um processo visceralmente complexo, denso, trágico, atormentado. Os fatos que aconteceram comigo na tortura, nos seus intervalos e nos dias, meses e anos subseqüentes, não podem ser compreendidos como “coisas físicas puras”. Eles não se sucederam sem que houvesse a intervenção do indivíduo concreto; plasmado sob determinadas condições histórico-sociais, indivíduo que age e reage quando posto à prova, não segundo a sua consciência formal, não raro mitificada, mas impulsionado inexoravelmente pelo que é a cada momento: seu caráter, seu tipo psicológico, sua perspectiva real de classe.
Para desvendar com rigor científico nosso comportamento em face às torturas, é necessário que nos coloquemos dentro daquela situação e a introduzamos em nós. Preliminarmente, é absolutamente preciso não temer o real, devemos correr o “risco” de defrontá-lo e apropriá-lo, mesmo que isso nos dilacere interiormente. Contudo, os danos que se nos possa causar tal confronto são inessenciais, fundamental é busca séria, obstinada, profunda, de conhecimento das origens e motivações da nossa conduta, de suas relações ocultas, íntimas, envergonhadas, cuja exteriorização depende tão somente de nós. É preciso também afastar todo o receio em se expor à avaliação seguramente crítica dos outros. É a partir da revelação de nossas fraquezas e debilidades que podemos adquirir uma consciência nítida do que somos realmente. E esta percepção crítica deve ser levada às últimas conseqüências, e se constituir numa base sólida de um longo processo de retificação.
A tortura, institucionalizada em nosso país, não se reduz a uma técnica terrivelmente refinada de extorquir informações de prisioneiros. A tortura é um legado histórico de séculos e séculos, de opressão e exploração do homem pelo homem, da ignorância e da deformação social e pessoal de seres humanos. A tortura sucessivamente tem servido aos antigos e novos dominantes: divertiu os Césares e escravocratas, “enrijeceu” os bárbaros, puniu heréticos e carbonários, foi aplicada nas “experiências científicas” dos nazistas, cultuada na “Batalha de Argel”, utilizada até à exaustão no Vietnam. No Brasil atual, a tortura é um dos aspectos da violência repressiva desencadeada sobre as massas populares e suas organizações, violência que consagra a dominação do grande capital monopolista e assegura as condições de sua constante reprodução. O sistema de tortura fortemente implantado em nossa sociedade de classe apoia-se num vasto aparato político, jurídico e organizativo. Toda uma máquina foi montada para fazê-lo funcionar otimamente, alimentada por vultosos recursos financeiros, propiciados pelas verbas secretas (obviamente não controladas), pelas contribuições particulares e pelo botim de suas operações clandestinas. Os órgãos de repressão instalaram-se nos porões dos quartéis. O aparelho de Estado concedeu-lhes um elevado grau de autonomia, sua atuação passa a desenvolver-se sem nenhuma limitação jurídica. Dispõem da vida e da morte de prisioneiros políticos. No curso da prática da tortura, formaram-se centenas e centenas de torturadores profissionais, os quais se encontram em permanente disponibilidade. A oficialização branca da tortura como política do Estado dá origem à uma rígida cadeia de mútua proteção envolvendo seus protagonistas e mentores: os torturadores zelam na última trincheira dos subterrâneos pela revivência do regime; o aparelho político e judicial os mantém intocáveis, acima de qualquer suspeita. O delegado Fleury, condestável da repressão e da tortura no Brasil, foi erigido à condição de herói das classes dominantes e do Estado burguês.
A tortura, do ponto de vista mais concreto, conduz à virtual animalização das relações entre os homens. Se intrinsecamente degrada o torturador, pode também degradar o torturado. Forçado violentamente a mover-se no estreito e abissal terreno dos instintos, o torturado muitas vezes é levado a assumir comportamentos que o negam política e ideologicamente. Preso à necessidade bruta, cega, de preservação da espécie, o torturado sente apagar-se o seu passado e perder-se o seu futuro. Para o torturado, nada mais existe, a não ser ele e o torturador e, entre os dois, implacável, a tortura. Sob o impacto da tortura descobrimos que ela encerra além da relação físico-pessoal de dois pólos demarcados de uma difusa relação de classe. No dramático combate que se trava na tortura, ressaltam em última instância: a tentativa do torturador de dobrar psíquica e ideologicamente o torturado, impondo-lhe uma relação de dominação idêntica à dominante na sociedade capitalista; do lado do torturado, a tentativa de afirmar – pela resistência à dor e ao desgaste físico e psicológico - a perspectiva política de classe de que é e/ou supõe ser portador. O desfecho desse combate é inequívoco: ou o vitorioso é o torturador (vitória suja, sangrenta, monstruosa) ou o vitorioso é o torturado (sua vitória em geral se funde à sua morte). Descobrimos também que a denúncia, a crítica mais contundente da tortura consiste na resistência inquebrantável do torturado, consiste em bater o torturador em seu próprio campo, com todas as armas que possui e usa, consiste na vitória de uma idéia partilhada por milhões sobre o pau-de-arara, o choque elétrico, o cassetete, vis instrumentos de poucos. Esta vitória é possível, assim o provaram Mário Alves, João Lucas Alves, Virgílio Gomes, Joaquim Câmara Ferreira, Carlos Marighela, Apolônio de Carvalho, Odijas de Carvalho, Ezequias Bezerra da Rocha e muitos outros companheiros.
É nesse contexto que situo minha experiência pessoal, diante da tortura. Fui preso no dia 31 de março de 1970, em frente ao cinema Recife, na cidade do Recife/Pernambuco. Imediatamente após, arrastaram-me para o interior do cinema onde sofri espancamentos generalizados. Depois, algemado, fui conduzido à Secretaria de Segurança Pública. Nesta, precisamente no gabinete do delegado de Segurança Social, submeteram-me à tortura. Consistia em “ciranda”, pau-de-arara, golpes de cassetete, chutes, “telefones”, palmatória, etc. Fui torturado, no sentido estrito do termo, apenas no primeiro dia da minha prisão, ao fim do qual arrancaram-me um primeiro depoimento. Nos dias seguintes, as torturas físicas cessaram, restando as ameaças e pressão psicológica. Nestas condições, prestei outro depoimento. Decorridos quase dois meses de prisão, voltei a ser agredido durante uma acareação com Alan Melo Marinho, preso àquele dia. Policiais torturadores: delegados Jonatan Marques da Cunha, José Silvestre, Moacir Sales, Carlos de Brito, Mário Tomás de Alencar; investigadores Luís Miranda, Evilásio e outros.
A prisão, contingência previsível na vida de um revolucionário, foi entretanto para mim um fato inesperado. Inesperado porque lá fora me condicionara a não cair vivo nas mãos do inimigo. Este reflexo punha entre parênteses a possibilidade real da prisão e da tortura. A prática, todavia, mais uma vez demonstrava de modo lapidar que não escolhemos as condições de nossa ação. A prisão produziu-me uma profunda sensação de atordoamento e desamparo face uma situação absolutamente nova para mim. Eu sabia qual deveria ser a atitude de um militante comunista na tortura: recusar-se a fornecer informações à repressão, sobrepor-se à dor e à morte lenta, agir, enfim, com a mais tranqüila dignidade. Mas entre o ser e o saber, não há uma relação de contigüidade, uma vinculação automática. Eu sabia, mas não era. O choque com a tortura expunha abertamente e dolorosamente o meu despreparo e as minhas fragilidades. O esforço que esbocei nos primeiros interrogatórios de nada revelar e tudo negar foi progressivamente se consumindo, cedendo lugar à alternativa da sobrevivência. Sobrevivência na derrota, obtida a um alto custo moral, vergonhosamente. A opção pelas concessões ao inimigo se fazia em meio à circunstância típica. É evidente que não se tratava de uma opção consciente, livre: era ditada sob os golpes do torturador e guiada pelos instintos. Mas eram concessões concretas, expressas em informações objetivas que causariam prejuízos e danos à organização a que eu pertencia e às pessoas que a compunham. Pessoas que, por ato de minha exclusiva responsabilidade, se veriam vítimas da tortura e para as quais também se colocaria a opção de resistir ou soçobrar, de interromper ou continuar esse ciclo trágico de destruição de forças vivas da revolução. Eu, porém, me sentia só, irremediavelmente só, e isto se ligava não somente às minhas carências ideológicas: configurava principalmente uma solidão social, um desligamento que a minha prática política havia estabelecido em relação ao povo e ao seu setor francamente conseqüente, a classe operária. E à medida em que o combate com os torturadores perdia a dimensão de um confronto de classes claramente rivalizadas e se traduzia num embate pessoal, sentia esmagadoramente quão desigual era para mim. Diante disso, minhas idéias se obscureciam, meu pensamento se encolhia timidamente (na minha cabeça havia apenas informações que o inimigo avidamente buscava dominar, e eu, desesperadamente, subtrai-las, esquecê-las). O medo passava a ocupar todos os espaços da minha consciência e a determinar minha ação e reação. Conduta que, se por uma lado correspondia ao impulso da sobrevivência, por outro lado provocava uma rutura interior, me tumultuava. Porque meu comportamento significava desfazer num só lance todo o meu passado, renunciar, na prática, à condição de militante de vanguarda. E isto me dilacerava.
Ao emergir do processo de tortura, vivo, senti-me destroçado. Na fase imediatamente seguinte, fui tomado por uma série de percepções extremamente negativas a respeito de mim mesmo, avaliação que em função de seus componentes emocionais, aguçava a crise ideológica que explodira na tortura e me afastava do conhecimento real de suas raízes histórico-concretas. Este posicionamento auto-destrutivo é sucedido por uma tendência não menos negativa: a racionalização superficial das responsabilidades, ou seja, a tentativa de atenuá-las assimilando-as mecanicamente ao fenômeno de massas em que se havia convertido o comportamento incorreto dos revolucionários presos no Brasil.
Hoje, transcorridos oito anos e superadas as formas de apreensão inadequada da minha experiência na tortura, tenho-me proposto a pensá-la sob a ótica essencialmente crítica, fixando corretamente minha responsabilidade pessoal e procurando conhecer o conjunto das condições históricas, políticas, ideológicas, morais e psicológicas que se imprimiram em mim e desembocaram na forma de comportamento de um indivíduo particular. É sobre esta base que se ergue um processo real de autocrítica – sentido da minha vida
Ilha de Itamaracá, março de 1978.
Potengi, Rio Lendário
Marcha
Potengi, rio lendário
Oh, que lindo entardecer
Veja a Pedra do Rosário
Onde a Santa foi bater!
Tem o Forte dos Reis Magos
Que a cidade viu nascer
À Redinha vou de bote
Nunca hei de esquecer!
Os veleiros a tornar
Tão bonito! Tão bonito!
Tardezinha, que manjar!
Tapioca e peixe frito!
A cidade é sem igual
Isso aí ninguém contesta
O seu nome é Natal
É Natal, Cidade Festa!
Natal, Cidade Festa
Samba (dó maior)
Cadê a cidade
Cujo nome é uma festa?
Cadê a cidade
Se você adivinhar – vai ter muito que sambar
Se você não bobear – vai ter muito que amar
É Natal, é Natal, é Natal!
Cinco letras, alegria
É Natal, é Natal, é Natal
Cada esquina, uma Maria
Pra sonhar, fique à vontade
Viva a vida de verdade!
É Natal, é Natal, é Natal
Juventude, emoção
É Natal, é Natal, é Natal
Folclore, tradição
Muito sol e muito mar
Você vindo, vai gostar!
Deus Descansou em Natal
Samba enredo
Deus fez o mundo em seis dias
Criou esta obra genial
Depois, descansou, bem merecia
Descansou... aqui em Natal!
Esculpiu Ponta Negra, Pirangi
Burilou Redinha, Jenipabu
Moldou este rio Potengi
E fez brotar o primeiro caju!
Pincelou este céu sensacional
Desenhou Circular e Cotovelo
Dosou este clima ideal
Prova maior de seu desvelo!
Juntou estas dunas do Tirol
Deixando os arredores em suspense
Pra encerrar, fez obra de escol
Plasmou a mulher natalense!
Carne Assada de Natal
Samba (sol maior)
“Seu” Lira, venha cá, meu delicado
Já sei – estou atrasado
Nem mandei lhe avisar
Sinto incomodar Vossa Excelência
Perdoe a insistência
Mas a carne mande assar!
Batata doce, feijão verde, macaxeira
A cebola cá da terra
Numa farofa sensação
Mas tome nota, eu não falo brincadeira
O sublime lhe espera
Com manteiga do sertão!
Marinho bote mais um bocadinho
Traga outro pedacinho!
Que esta carne é a tal
Fico de olho nesta capa de gordura
Gorda ou magra é uma gostosura
A carne assada de Natal!
Redinha, Praia do Feitiço
Baião (ré maior)
Mulher,
Bote os bruguelos lá para o carro
Se for preciso, diga que amarro
Que esta praia tem feitiço!
Marido,
Esta Redinha é praia minha
Nela me sinto menininha
Pra que tanto reboliço?
Fosse inventivo
Engarrafava esse ar
E com o tal do incentivo
Tava rico pra danar!
Marido,
Olhe os navios que estão passando
E os boteiros que vão chegando
Quero uma peixada bem bacana!
Mulher,
Deixa os meninos aí brincando
E o bom peixinho vá cozinhando
Enquanto tomo uma de cana!
Deus não me tire
Sem morar nesta Redinha
Pé no chão e de calção
E você, minha bichinha!
Natal, Idos 40
Marcha
Natal que dormitava sonolenta
Natal dos tempos idos de 40
Recordo os belos bailes do Aéro
Num banco da Pracinha, ainda lhe espero
No Rex, sessão das moças, quarta-feira
Natal, Cidade Alta e Ribeira
O bom, você não sabe, eu lhe conto
O footing, à tardinha, no Grande Ponto!
Um dia tudo se modificou
O burgo se internacionalizou
Nas ruas, o alegre do my friend
Moçada pela mímica se entende.
Natal entrou fardada na História
Pra ser o Trampolim da grande vitória
Valeu o sacrifício de seu povo
Na guerra, meu Natal nasceu de novo!
31 de janeiro de 1951. Getúlio Vargas e Café Filho aclamados à entrada do Palácio Tiradentes,
antes da solenidade da posse na sede do Congresso.Reprodução de foto do livro Do Sindicato ao Catete, 1966, Livraria José Olympio Editora
Paulo Victorino
Relutando a princípio, o vice-Presidente, por fim, acede ao convite, sendo escolhido um local neutro, o Hotel Serrador, onde se achava hospedado um comum amigo, recém vindo do Nordeste. Um e outro deveriam chegar separadamente, a fim de preservarem-se incógnitos, livrando-se de especulações.
Às 14h30, Café Filho chega ao Hotel Serrador. Uma hora depois, entra Carlos Lacerda, acompanhado do jornalista que agendou o encontro. Vinha em uma cadeira de rodas, em virtude do tiro que recebera no pé por ocasião do atentado da rua dos Toneleiros. Conversaram por duas horas e dez minutos e acertaram os detalhes para a transferência de governo, no momento em que isso devesse acontecer.
Dias depois, agravando-se a crise, o vice-Presidente procurou Vargas e lhe propôs a renúncia de ambos, hipótese em que a vaga seria preenchida pelo presidente da Câmara Federal, até que se convocassem novas eleições. Getúlio não aceitou e, de quebra, a proposta inusitada acabou gerando um atrito entre o ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa e o ministro da Marinha, almirante Renato de Almeida Guilhobel, ambos com opiniões antagônicas sobre o assunto (Guilhobel dava apoio irrestrito a Vargas e desconfiava que este estava sendo traído pelos outros dois ministros militares, o da Guerra e o da Aeronáutica).
Dez horas da noite de 22 de agosto. O brigadeiro Eduardo Gomes telefona ao general Juarez Távora (ambos no pico da conspiração) e informa-o de que Getúlio se recusara a aceitar a renúncia coletiva. Surge, então, o manifesto dos generais a que nos referimos no capítulo anterior, solidarizando-se com a Aeronáutica e a Marinha, que já haviam se manifestado contra a permanência do presidente da República no poder. Era a autoridade do Chefe Supremo das Forças Armadas que vinha sendo contestada por seus subordinados, invertendo-se a ordem constitucional.
Dia 23 de agosto, segunda-feira, à tarde. O vice-presidente da República, que pela Constituição de 1946 era também presidente do Congresso Nacional e do Senado, pronuncia um discurso nesta Casa, considerando já a hipótese de vir a assumir a presidência da República em substituição a Getúlio Vargas.
No mesmo 23 de agosto, à noite. O manifesto dos generais já contava com 27 assinaturas e estava apto para divulgação. Não foi preciso publicá-lo, pois, como já sabemos, horas depois, na madrugada de 24 de agosto, Getúlio Vargas pôs termo à própria vida, deixando vago o cargo para seu sucessor imediato, o vice-presidente, João Café Filho.
O gosto amargo da vitória
A morte do Presidente não trouxe a pacificação, pelo contrário, iniciou um novo período turbulento na vida do país, pois seu substituto tinha poderes constitucionais que não podia usar em sua plenitude, refém que era das mesmas forças que acuaram Getúlio Dorneles Vargas até além dos limites da própria vida.
Getúlio Vargas morrera entre duas e três horas da madrugada do dia 24. Nesse mesmo dia, entre dez e onze horas da manhã, João Café Filho toma posse, sentindo o gosto amargo da vitória, sem ministério, sem palácio, sem gabinete, sem povo.
O evoluir dos acontecimentos acabou trazendo uma cisão na cúpula militar, como conta Hélio Silva: "Também os chefes militares foram traumatizados, porque não pretendiam ir tão longe, nem haviam previsto as conseqüências de uma crise que se desencadeava além de seu controle. Os ministros militares não foram facilmente substituídos, porque as divisões nas Forças Armadas iam se acentuar, culminando com os acontecimentos de 64 [golpe militar]. O titular da Guerra, general Zenóbio da Costa, foi ultrapassado em suas previsões. Outro chefe militar de atuação destacada no episódio, o general Juarez Távora, tomou a deliberação, e a manteve, de ‘nunca mais se envolver em tentativas de corrigir, pela força, os erros ou omissões de nossos governantes.’
"O vice-presidente era conduzido pelas circunstâncias e seria dominado por elas. A autenticidade de seu mandato e a autoridade de sua investidura, por imperativo constitucional, nada mais valiam, depois da imposição feita a um presidente da República. A intangibilidade da Constituição desaparecera. Erigira-se uma ‘lei de necessidade pública’, de que eram legisladores e intérpretes os militares e os políticos."
O Palácio Guanabara ainda era residência da família Vargas. As massas populares, sofrendo a dor da perda, naquela hora, pelo correr do dia, pela noite adentro e pelo dia seguinte, se aglomeravam em frente ao Palácio do Catete, onde se deu a tragédia, chorando a morte do "pai dos pobres" e tentando chegar até a urna funerária, para vê-lo uma última vez.
Nas grandes cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, turbas avançavam pelas ruas e clamavam por justiça. Batalhões de soldados, usando balas de festim, aumentavam o tumulto, tentando acabar com as passeatas. E como nem todas balas eram realmente de festim, várias pessoas saíram machucadas. No dia seguinte, multidões acompanharam a urna funerária, numa homenagem póstuma, até o avião que levaria o chefe de volta a São Borja, sua primeira e última morada. Temendo pelo pior, as forças militares evitavam entrar em choque com aqueles aglomerados que, no jargão militar, costuma-se classificar de "baderneiros".
Café Filho surgia nesse cenário como um Presidente solitário, esquecido das massas que se voltavam para o presidente morto, e fiscalizado pela UDN e pelas Forças Armadas, que lhe encaminhavam os passos, donas que eram da situação.
Não restou ao novo Presidente senão acomodar-se como pôde no Palácio das Laranjeiras, o único disponível, para tomar, a partir dali, os primeiros atos do governo, em circunstâncias tão graves que não admitiam sequer um minuto de paralisação.
A propósito de João Café Filho, sabe-se hoje que ele não teve, por vontade própria, nenhuma participação na conspiração que levou à derrubada do presidente Getúlio Vargas. Seu encontro com Carlos Lacerda, proposto por este, aconteceu por um erro de avaliação de Café, pois ele acreditava estar ajudando a administrar a crise. Ao contrário, assumindo o compromisso de subir à Presidência assim que se desse a vacância, sua posição fez recrudescer a ação dos adversários de Vargas, apressando o fim do governo já cambaleante. Tentando depois se explicar com um discurso no Senado, na véspera do desfecho, complicou ainda mais sua delicada posição.
Tomava posse, pois, numa situação em que a hierarquia se achava perigosamente invertida. No Palácio das Laranjeiras, o Presidente constituído, Chefe Supremo das Forças Armadas, se tornara refém dessas mesmas forças, que lhe delineavam os caminhos, sem deixar campo de manobra para suas próprias decisões. Essa interferência se deu na preparação do Ministério e nos subseqüentes atos de governo, sempre em coordenação com Prado Kelly, presidente da União Democrática Nacional, que fazia os contatos e a intermediação. Café Filho, desde o início, tornara-se apenas um espectro de Presidente. E assim seria até o fim.
Quem era Café Filho
João Café Filho nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, em 3 de fevereiro de 1899, formando-se advogado e constituindo banca especializada em assuntos de natureza trabalhista. Dedicando-se a essa causa com ardor, fundou um jornal em que fazia ampla oposição ao governo e aos patrões.
Sua posição de defensor dos humildes lhe trouxe constantes problemas. Em 1934 elegeu-se deputado federal, mas já no ano seguinte, enfrentou perseguições por ter-se manifestado contra as restrições impostas à Constituição, após a Intentona de 1935, da qual não participou.
Em 1937, insurge-se contra o Estado Novo implantado por Getúlio Vargas, Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, tendo de fugir para a Argentina, onde ficou por mais de um ano, até que a situação no Brasil se acalmasse.
Reconquistadas as liberdades democráticas, em 1946, filiou-se ao Partido Social Progressista de Ademar Pereira de Barros, juntando-se aos populistas e integralistas que se aninhavam nessa legenda. Foi por ela que se candidatou a vice-presidente, na chapa de Getúlio Vargas, dentro da coligação PTB-PSP.
A partir daí, sua atuação política ganhou uma feição mais conservadora, que o colocou em oposição ao governo de Getúlio Vargas, na medida em que se manifestava contra o progresso da legislação trabalhista, contra a nacionalização da economia, etc. Seu novo posicionamento em face da administração colocava-o agora mais próximo da UDN que do trabalhismo.
Como vice-presidente da República, cabia-lhe, segundo a Constituição de 1946, presidir o Senado e o Congresso Nacional (Senado e Câmara Federal reunidos). Não freqüentava o Palácio do Catete nem tinha presença no governo, mas foi convidado, algumas vezes para participar de reuniões ministeriais. Não era íntimo do Palácio, mas também não se incluía entre os ferrenhos opositores de Vargas.
É este homem que encontramos no meio da crise que se desenvolveu em agosto de 1954 e que, ao final, assumiu a presidência da República.
Orientado e pressionado por forças externas, e necessitando formar uma base governista no Congresso, teve de ceder, e muito, formando um ministério conservador, com forte influência udenista. Salvou-o, pelo menos, a indicação de seu ministro da Guerra. Havendo uma forte cisão na cúpula militar, o resultado de consenso foi a nomeação de um militar apolítico, voltado exclusivamente para suas atividades profissionais, o general Teixeira Lott.
O Ministério ficou assim constituído: Relações Exteriores, Raul Fernandes; Justiça, Miguel Seabra Fagundes; Fazenda, Eugenio Gudin; Agricultura, José da Costa Porto; Educação e Cultura, Cândido Mota Filho; Saúde, Raimundo de Brito; Trabalho, Indústria e Comércio, Napoleão Alencastro Guimarães; Viação e Obras Públicas, Lucas Lopes; Guerra, general Henrique Batista Duffles Teixeira Lott; Marinha, almirante Saladino Coelho (interino), logo substituído pelo almirante Edmundo Jordão Amorim do Valle; Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes. Para chefe da Casa Militar foi nomeado o general Juarez Távora, que, com Eduardo Gomes e Carlos Lacerda, foi um dos pivôs da crise de agosto. Carlos Lacerda impôs um nome para a Prefeitura do Distrito Federal: Alim Pedro, que iria substituir Dulcídio Espírito Santo Cardoso.
In Brasil - Cem anos de República (1889-1989)
www.pechansky.com.br/ desenho.htm
Octavio Pinto
José Mariano Pinto, meu pai, casou-se e foi morar numa casa à rua Nova, depois avenida Rio Branco, que é hoje a principal da Cidade Alta, em Natal.
Como a família foi crescendo, ele comprou um sítio na Av. Deodoro e lá construiu uma bela e grandiosa residência, sem nada faltar em conforto.
No fundo da chácara, havia uma casa muito bem feita, de taipa coberta de telha, com vários cômodos, que tinha sido residência do dono do sítio. Anos depois, nessa casa foi morar o professor Tomazzo Babini, italiano e amigo de papai, exímio violoncelista. Ele era um homem admirável, inteligente, boa voz, bonitão, nos ensinando solfejo.
Todas as tardinhas, ele chegava das suas aulas. Tirava o paletó e ia preparar sua refeição, pois morava sozinho. Depois do jantar, mais tarde, ia estudar. Acendia a luz da sala; colocava a partitura na estante, e trazia o violoncelo que estava cuidadosamente guardado numa enorme caixa. Sentava-se diante da estante; enxugava as mãos numa toalha que colocava depois na perna; fitava a partitura, e o instrumento começava a emitir as notas mais harmoniosas de um trecho de música clássica italiana. Era uma delícia ouvir Babini. Eu e o meus três irmãos ficávamos na janela assistindo esse maravilhoso concerto, todos calados, silenciosos, porque ele não queria ser perturbado.
Certa noite, porém, tudo foi diferente, inacreditável, inexplicável. Babini, como sempre, chegou, e logo depois nós ficamos na janela para assistir o adorável concerto. Ele jantou, veio para a sala, colocou a partitura na estante, trouxe o violoncelo que tirou da caixa, sentou-se, enxugou as mãos numa toalha que deixou sobre a perna e, colocando o instrumento na posição adequada, tomou o arco para ferir as cordas. Nós, da janela atentos, calados, mas esperando algo de anormal, em expectativa de uma coisa que nunca poderia passar pela cabeça do nosso professor.
Babini fita a partitura e, segurando o arco, passa o mesmo pelas cordas que não emitem um único som. O violoncelo estava mudo. Ele levanta-se colérico, indignado, bufando de ódio e indignação. É que havíamos passado boa porção de sabão nas cordas do violoncelo.
No dia seguinte, Babini deixou de morar naquela casa da chácara, depois de ter conversado com papai, que não compreendeu porque havíamos feito aquilo com o seu amigo e nosso professor. Coisa da meninice.
In Reminiscências, Octavio Pinto
Gráfica Olímpica Editora Ltda. Rio de Janeiro, 1979.
Diógenes da Cunha Lima
Leio os originais do Clube dos Inocentes. À cada página, a memória bem me acode trazendo alegria intensa e quase lágrima. Peço licença a Melquíades, meu antigo professor de Inglês, para o verso inarredável nesta hora: “Nothing that we love over much/Is ponderable to our touch”, Yeats. Em verdade, nada do que amamos demais pode ser avaliável pelos sentidos comuns.
O Clube dos Inocentes era um ambiente mágico, privilégio de treze pessoas como que cercadas e aureoladas por um arco-íris reinventado por Câmara Cascudo. O Clube não tinha sede. A sede era a casa, ou o coração, dos reis-vassalos. A norma do Clube era não ter normas. E ainda esta norma era infringida. O galo, símbolo de inspiração nobre, tinha a vulgar origem do número treze do jogo-do-bicho. Tudo isso nos lembra Melquíades, neste seu livro.
O Clube foi um antecessor mais fantasioso que a cinematográfica Sociedade dos Poetas Mortos.
Na noite de iniciação, fui sagrado, ajoelhei-me em almofada vermelha, cabeça baixa sob espada empunhada por Cascudo que me mandou jurar a partir daquele momento ser apenas Rei de todos e vassalo de cada um. Recebi as insígnias e a Comenda que fora conferida pelo Papa ao ora sagrante, dono da casa. A Comenda da Ordem de São Gregório Magno pousou, por uma noite, sobre os meus ombros e tive a sensação alegre da responsabilidade religiosa e, ao mesmo tempo, de estar cometendo um pecado venial.
O acadêmico José Melquíades nos restitui esses encontros de emoção, com seu humor e o Latim de que é mestre.
Este livro tem a delícia da lembrança e marca (quem sabe?), sugestões a outros novos clubes inventados.
Todos os sócios eram perpétuos enquanto bem servissem; tudo seria perpétuo enquanto durasse. Este livro faz o Clube perpétuo.
In Clube dos Inocente, José Melquíades
Centro Senai de Artes Gráficas “Henrique D`Ávila Bertaso”
Porto Alegre/RS, 1992.
Após os bondes puxados a burro que circularam em Natal a partir de 1908 no trecho que ia da rua Dr. Barata até a praça Padre João Maria, na Cidade Alta, o próximo transporte coletivo de Natal foi o bonde elétrico. Enquanto o bonde puxado a burro durou pouco mais de dois anos, o bonde elétrico circulou nas ruas de Natal, um total de 50 anos.
Em 1910, foram iniciados os estudos para instalação dos bondes elétricos. A empresa de melhoramentos de Natal, Vale Miranda&Domingos Barros contratou com a municipalidade o empreendimento, mediante empréstimo externo da França. Um ano depois, no dia 2 de outubro de 1911, são inaugurados com as mesmas solenidades, os serviços de bondes elétricos na cidade de Natal.
O progresso foi notável e as linhas começaram a se estender: em novembro de 1911, inaugura-se a linha para o Alecrim 1; em agosto de 1912, os bondes chegam a Petrópolis. Em agosto de 1913 inaugura-se nova linha que, partindo da avenida Rio Branco chegava ao Tirol onde está o Aéro Clube e; em 1º de fevereiro de 1915, à praia de Areia Preta.
Decadência
Infelizmente, aí parou o progresso da Companhia com a desfeita da sociedade Vale Miranda & Barros. O serviço de viação urbana passou para a Empresa de Tração Força e Luz que, desinteressando-se pelo empreendimento, relegou o serviço de bondes a segundo plano, tornando-se deplorável.
Aos poucos, os bondes foram diminuindo, piorando, caindo a sua utilidade em meio a tantas reclamações. A Companhia não atendia às reclamações populares, chegando ao ponto de, em 1920, o governador mandar executar judicialmente a companhia concessionária, tendo o gerente alegado falta de recursos, abandonando a empresa que ficou paralisada por cerca de dois anos.
Houve intervenção, quando recomeçaram os trabalhos, precariamente, em 14 de setembro de 1923. Em agosto de 1927, a Prefeitura Municipal recebe e põe em tráfego novos bondes elétricos importados. Em outubro de 1930, o governo entregou esses serviços às empresas elétricas brasileiras, que os manteve até sua extinção em 1960.
Para aqueles oriundos dos anos inocentes em que a cidade era uma só festa de mansidão, não é crível tenha alguém testemunhado ao solitário e silente Forte, fora do pedestal de formoso monumento decorativo, virado em praça de guerra, as bocas de fogo acesas, a guarnição batendo espadas com o invasor holandês, porque, se assim tivesse sido, não cruzaria a barra o pirata Jacques "Rifoles" em busca do habitual refúgio na dobra do rio, farfalhando no mastro grande de sua galera o pavilhão da caveira, que dali saíra um dia para tremular à porta do consulado do Morte Futebol Clube na Ridinha, que abrigava a "turma errada" do 5º ano do Atheneu: Buró, Cego Lula, Maroca, Jadir Capão, Lourinho, Morel, João Santana, Fernando Cabral, Aldo Marinho, Homero Homem, Zé Guará, Zé Rêgo, Antônio Lins e tantos outros.
A Natal dos registros de Nestor de Lima mereceria, por certo, de Dom Manuel, o venturoso, fosse plantado em seu sítio o marco de posse de toda a Terra de Santa Cruz, com discurso laudatório do Dr. Deoclécio Duarte e baile comemorativo em Palácio, aberto, elegantemente, por Cecília de Oliveira e Lucílio Reis. Ela, alma e graça desabrochada nos saraus com que a casa do velho Henrique iluminava toda a Ribeira. Ele, cabelos na brilhantina e o aplomb de George Raft, lançando a figura do rapaz, justo numa época em que imperavam o colete e as polainas, e até os meninos usavam chapéus de palhinha, sendo distinto, mesmo para jogar bola, cobrir-se a cabeça, como o fazia Oto Guerra, que usava uma botina francesa.
É que, para a gente que transpôs as três primeiras décadas do século, a cidade já nasceu tão pronta e acabada como, para Paulo Lira, um ninho de passarinhos ou o furo de passar a linha numa agulha, coisas que não se pode fazer. Tudo como já estava quando o menino Fábio Zambrotti - ainda de calças curtas - corria atrás do burrinho do padre João Maria para tomar-lhe a santa bênção, enquanto singrava na direção de Macaíba a lancha de Mestre Antônio, resfolegavam as locomotivas da Great Western Brazilian Railways, a beleza de Guiomar Matos desfilava à direção de uma limousine, e Lucy Garcia cruzava o céu de teco-teco.
Natal teria surgido, na imaginação de seus mais antigos e melhores amantes, como a Vênus, inteira e nua, numa concha recolhida por Orlando Luz, que se antecipara a todos os banhistas no madrugar da Praia do Morcego. Cada coisa no seu lugar: o cemitério dos ingleses, a água furtada do casarão da esquina do cais Tavares de Lyra, a ponte de Warton & Pedroza, a fábrica de tecidos de Toselli, o curtume de Epaminondas Brandão, a Praticagem, o Melhoramento, o edifício do Saneamento, o Fernando Costa, já então fumaçando as chaminés de suas primeiras indústria: a de cigarros Vigilantes, a de sabão de Elviro Câmara, a de macarrão Ypiranga, a de doces Symilares. João-dos-bolos fazendo milagres com o fubá de milho. Zé Aguinaldo escrevendo à máquina como uma metralhadora e o povo aglomerado na calçada do Lloyd para apreciar aquela agilidade. Lulu Anão cuidando das salas de aula do Instituto de Música. Os aposentados, em torno de Luiz Taumaturgo Ferreira, fazendo hora na praça João Maria. Barôncio Guerra, que passa.
E Armando China que nunca mais saiu da porta da Sorveteria Cruzeiro.
Milton Siqueira vendendo, por antecipação, toda a casa do Teatro Carlos Gomes para seus recitais de poesia.
Antônio Zepellin mantendo, dias a fio, a roda dos curiosos junto à cigarreira, em busca de novidades a respeito da estória da onça que andava engolindo gente prás bandas do Baldo.
Sandoval Timoschenko, ex-fuzileiro e cabo eleitoral dos Nunes - a quem se atribuía o desaparecimento do recurso-bomba com que Djalma Marinho, advogado da Coligação Democrática, esperava salvar, à última hora, a eleição do desembargador Floriano Cavalcanti - surgindo, de repente, como diretor da Faculdade de Ciências Econômicas com registro, reconhecimento de utilidade pública e dotações no orçamento da união, para surpresa geral e em particular do professor Ulisses de Góis, que batalhava há séculos no mesmo sentido.
Carlos Augusto fazendo suspense de seus encontros na Sessão das Moças do Cine Rex.
A platéia que, da varanda do Natal Clube, apreciava as moças passarem, enquanto, sisudos e disfarçadamente, davam chamadas tremendas:
- Guerreiro! E o coronel, que não era homem para brincadeiras, estancou, virou o pescoço para todas as bandas e, não vendo quem o chamara, seguiu intrigado.
A chamada repetiu-se, rápida e bom som:
- Guerreiro! E o velho oficial, homem atilado, logo percebeu de onde provinha o trote e, num breve, mas conciso tonitroar dos mais nobres palavrões, fez com que aqueles desembargadores, médicos, comerciantes e altos funcionários, metessem a viola no saco e debandassem mortos de vergonha.
Na jeunesse dorée dos coroas de agora, cantava-se sob as janelas e nas noites de lua, a
"Praieira dos meus amores
Encanto do meu olhar!..."
do poeta Othoniel Menezes e as crianças do Grupo, compungidas, entoavam, a cada aniversário da morte de Augusto Severo:
"Foi a 12 de maio, lá na França,
Era puro e sereno o azul do céu!...
Aconteciam romarias cívicas ao salão da Força e Luz, onde chorava-se diante do retrato de João Pessoa. Os "perrepistas" comandados por José Augusto, reuniam-se no Café Cova da Onça: Monsenhor Mata, Silvino Bezerra, Alberto Roselli, Gentil Ferreira, José Mesquita, Major Peruse Pontes, João Câmara, Bruno Pereira, Cel. João Medeiros, e um jovem sertanejo que herdaria do primeiro a liderança: Dinarte Mariz.
Do outro lado, reunidos no escritório de Cícero Gadelha, os "pelabuxo": Café Filho, Kerginaldo Cavalcanti, Sandoval Wanderley, Eliseu Leite, Gatão Corrêa, Bilé Soares, Guimarães farmacêutico, Laércio do Saneamento, Amaro Magalhães.
O gosto pela política era amenizado pelo futebol nas rodas do Grande Ponto, onde o cônego Luiz Wanderley pontificava ao lado de João Machado, Túlio Fernandes, Antônio Pinto, Euclides, do Santa Cruz, e Humberto Pignataro, este último, o único torcedor do Bonsucesso de que se tem conhecimento.
O padre Eimar L´Ereiste recitando, no Ofício das Trevas, as Lamentações de Jeremias, com aquela entonação que embevecia José Gonçalves: "Jeeerusalém!"...
Eutiquiano Reis amando, como um cortesão barroco, a gentil Glorinha Sigaud.
A vitrola de King-Kong cantando solta no lombo dos adversários do interventor Mário Câmara, e o povo conversando sobre o trivial: escassez de chuvas, safra algodoeira, movimento do porto, desavenças no estrangeiro, pronunciamentos do general Góis Monteiro, filmes em cartaz, a viagem de Dr. Eloy de Souza ao Egito, o "raid" da esquadrilha de Del Prette, os tesouros enterrados pelos holandeses - a que se dava crédito porque Maninho Cavalcanti confidenciara a Mestre Cascudo, e este fez matéria de "Acta Diurna", que "seu" Pulga, de Pirangi, encontrara um pra lá de Búzios.
As revistas do sul - Noite Ilustrada, o Malho, e, principalmente Vida Doméstica (que, de quando em vez, publicava fotos de casamentos locais), eram os grandes veículos de comunicações, a que se juntavam os jornais do Recife: Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, que davam mangas para curtidos bate-papos.
In Natal, RN, Lenine Pinto - 1975.
Lucas da Costa
Em 1913 quando governava o Rio Grande do Norte o dr. Alberto Maranhão, ancorava no porto de Natal, no dia 31 de Janeiro, ás 6 horas da manhã, o paquete nacional do Lloyde Brasileiro, "Olinda", trazendo ao seu bordo, o capitão José da Penha Alves e Souza.
Ausente do Rio Grande do Norte há muitos annos, mas tendo ligações com o partido opposicionista, a sua vinda era esperada com anciedade pelos innumeros correligionarios, com os quaes tencionava iniciar uma intensa campanha de libertação politica.
Assim, transportando-se á terra o capitão Penha deu festivo desembarque no caes da Estrada de Ferro Central, seguindo para a casa do Coronel Cyrineu de Vasconcelos, á rua da Conceição, onde temporariamente se hospedára. Nessa mesma occasião, o capitão Penha com palavras cheias de ardor e gratidão, agradeceu aos conterraneos a recepção que lhe vinham de fazer, e, saudando-os, concitara-os para a lucta libertadora que se iniciava.
Assim comecára a campanha de salvação politica do Estado, da qual ligeiramente nos vamos occupar, commentando o refalsamento de alguns influentes collaboradores do situacionismo.
Como já dissemos era pelo começo do anno de 1913.
O capitão José da Penha, contando com valiosos elementos politicos, desenvolvia intensa propaganda em beneficio da sua causa; tanto que no mez de Abril já as cousas politicas no Estado se complicavam.
Á proporção que o tempo passava, a opposição ganhava novas adhesões, o que ia preoccupando immensamente o goveno.
O povo pela sua vez, sedento de cousas novas, aguardava com anciedade o epilogo do drama politico que começára.
Parece que não fica mal o qualificativo de drama, porque nunca as ruas de Natal foram theatro de maiores enscenações...
Se de um lado a opposição mandava distribuir boletins espalhafatosos pela cidade, fundava ligas femininas, organizava passeatas e fazia comicios aos estampidos de grandes foguetorios; do outro, o situacionismo creava jornaes, reforçava tropas, comprava munições e até barracas pelas praças armava como se a Capital estivesse ameaçada de alguma invasão extrangeira.
A gente do governo tinha absoluta confiança na victoria do seu candidato que era o dr. Joaquim Ferreira Chaves; no emtanto, depois que o capitão Penha intensificou a sua acção propagadora e conseguiu alistar um elevado numero de eleitores, bem notavel era o descontentamento dos proceres do situacionismo na Capital.
Entretanto, elles dispunham de outros recursos que os animavam. O Estado contava com um effectivo de cerca de quatrocentas praças para a defesa da sua autonomia, não incluindo crescido numero de officiaes ad hoc - dizemos em comissão - que se achavam bem instruidos e disciplinados...
Além disto, como constituindo uma segunda linha, havia ao lado da guarnição estadual diversos individuos chamados de lugares suspeitos de Pernambuco, que eram bem experimentados no serviço do policiamento secreto. Os rapazes filhos de empregados publicos e diversos amigos do goveno tambem organizaram um Batalhão Patriotico para auxiliar a policia no serviço de espionagem aos adversarios.
Todos esses elementos faziam com que os amigos da situação não perdessem a esperança da sua victoria.
Já que fallámos no Batalhão Patriotico, lembremos uma occasião em que estavamos detidos por um acto arbitrario do immortal chefe de policia, Oscar Brandão e vimos entrar um grupo de seis patriotas no quartel da policia conduzindo um homem do povo, aos solavancos, porque ás nove horas da noite havia dado imprudentemente um viva ao capitão Penha!
Assim eram tambem as medidas tomadas pela policia para garantia da ordem e do socêgo das familias...
Desta maneira, emquanto o partido dominante tomava as sua precauções para garantia do regimen, a opposição cheia de confiança na sua causa tambem empregava os mais acertados meios para vencer.
In Disfarçados..., Lucas da Costa. Fortunato Aranha (Editor)
7. Travessa Quintino Bocayuva Nº 7. Natal, 1924
Berilo Wanderley
Além da janela, os ramos verdes
e um resto de tarde se apagando.
Mulheres de branco, os rostos parados e frios,
passam.
Algumas colhem flores friamente,
como se não colhessem flores,
Homens tristes e abandonados descem do alto da rua.
Vêm do trabalho que ficou lá no fim da cidade,
e trazem para suas mulheres suor, pão quente e amor.
Sempre há amor nos homens quando as tardes findam.
E sempre haverá mulheres de branco apanhando flores,
quando as tardes findam.
Há amor também no homem só
que está por trás da janela
e se embala numa rede azul.
Um azul que vai e vem e que arranca do homem
uma canção que se apaga com a tarde
e que vai enchendo de noite
o entardecer do quarto.
Exposição de inauguração do espaço Cultural Luiz Carlos Guimarães
Câmara Municipal do Natal
1.
Para escrever grande, comece assim: "em tese".
E lá pras tantas um rotundo "em princípio"
(nem tanto lá pras tantas, pode ser no início).
No final: "ou seja". Mas, veja, não se apresse...
A turma gosta dessa coisa tipo ascese.
Então, aproveite: meta o malho no vício
(no de linguagem, não, irmão. No mais difícil
de encarar: o seu. Mas, e daí? tergiverse!).
Importa é o seu discurso altivo e escorreito,
como faz (copia!) o neófito em Direito
(neófito! e eu quase me esquecia dessa).
Olhe a coisa feita. Se orgulhe do seu texto!
Você é o cara inserido no contexto!
Um Machado temporão —oh!—quiçá um Eça!.
2.
Para escrever um poema bem cabeça,
desses que o leitor faz que entende e não entende
pê ene (aliás, nem você compreende),
escreva com desdém e muito tédio e desça
o verbo (vê lá: com desdém) em quem pareça
só saber escrever com start, middle & end.
Você, não. Você é do tal que não se rende
nunca a qualquer inspiraçãozinha besta.
Cite um poeta esquecido (é mão na roda!).
O leitor vai dizer: rapaz, o cara é foda!
"Eu sou a última Coca-Cola do deserto!",
(você vai se achar). Depois (sempre com desdém),
diga ao leitor: que é isso, meu brother!, nem vem!
Ah! concisão é a palavra. Fique esperto.
3.
Para escrever sobre o que não se conhece,
nada como uma busca básica no Cadê
ou no Google (todo mundo faz!). E você
estará apto pra dizer o que acontece
quando a pressão sobe e a temperatura desce
e o que isso implica no fato de chover
ou fazer sol no seu quintal. E perceber
que, se você não é o tal, tal se parece.
Vale até (vá por mim) pesquisar o latim
e, como quem não quer nada, dizer assim
uma frase ou outra, citando sempre o autor.
O seu conceito vai subir que benzadeus!
O tema é verso grego? busca-se "troqueu".
E dirão (juro!) de você: puta escritor!
Antoniel Campos
Tribuna do Norte
24/02/05
Ponto tradicional de encontros calorosos onde a troca de idéias é a melhor pedida do cardápio, o Beco da Lama está ameaçado de ser, irreversivelmente, desfigurado em nome do ‘progresso’. Segundo informações do poeta, professor e agitador cultural Eduardo Alexandre, o principal reduto intelectual e boêmio da cidade pode dar lugar a um “sem graça e congelante” estacionamento. O novo prédio funcionaria com frente para rua Vigário Bartolomeu e fundos para a Rua Doutor José Ivo (Beco da Lama). Plantado bem no centro de Natal, o Beco da Lama há anos é um centro de efervecência cultural e movimentos alternativos da cidade. Além de manter uma associação — a SAMBA (Sociedade dos Amigos do Beco da Lama) — o local possui bares conhecidos como o bar do Nasi e programação cultural regular, como as prévias carnavalescas e shows musicais.
“Se providências urgentes não forem tomadas, prédios como o que serviu de morada e onde morreu o poeta Jorge Fernandes (à venda, na Vigário Bartolomeu), podem vir a baixo, modificando irreversivelmente a paisagem que deu origem à cidade do Natal”, diz Eduardo Alexandre, em email enviado à imprensa. O Beco da Lama já é considerado um espaço cultural dos mais tradicionais da Cidade Alta e, de acordo com Eduardo Alexandre, o IPHAM deveria ser acionado para tomar providências.