sábado, agosto 13, 2005

PARIR UM NOVO BRASIL

Deborah Milgram
“Vossa Excelência demitiu Henrique Meirelles do Banco Central?”
Senador Pedro Simon

Os fatos estão aí escancarados para que todos vejamos: um governo sem sustentabilidade, afogado em denúncias da mais alta gravidade; um parlamento que se sabe em parte vendido, outra eleita se sabe como, escondendo-se nas sombras de si mesmo e; um sentimento de frustração nacional diante de uma solução que ninguém sabe qual em razão do caldo de uma astronômica irresponsabilidade cívica.
Poucos se salvam.
Jogaram nosso país num fosso sem fundo. E ainda nos dizem que temos de engolir dia a dia a farsa do que já não é.
Virão as tensões mais fortes, o desgoverno, confrontações e paralisia.
É como se o Brasil houvesse morrido e precisasse renascer sem pecados para tentar refazer sua história e continuar a ser visto como Nação.
A permanência do como estamos é uma tortura pesada contra o cidadão traído, abandonado e mutilado em seus sonhos. Desculpas não bastam.
É grande o perigo que nos ronda. A catástrofe só tende a se agravar e não mais existem caminhos republicanos a nos orientar: o Brasil morreu.
Precisamos parir um novo Brasil.

Eduardo Alexandre


E AGORA?


Alexandro Gurgel, Nei Leandro de Castro e Volontê, no Bar do Nasi

O Beco da Lama existe,
Ninguém consegue acabá

Qualquer dia eu passo lá
Pois, nunca compareci
Mas, uma coisa eu aprendi
Deve ser um bom lugar

Tem feijão verde com maxixe???
Pra tirar gosto com cachaça???
Encher a cara e "achar graça"???
Eita! coisa boa... vixe...!!!
Vou aparecer por lá...
O Beco da Lama existe
Ninguém consegue acabá

Manoel Bomfim


pra que esse dedo em riste?
deixe logo de nhem-nhem-nhem...
porque para o nosso bem,
o beco da lama existe!
pra tu que nunca me viste,
posso até sê virtuá,
mas o beco, esse é reá,
nem cum bomba de explosão,
nem bin laden, bush ô cão,
ninguém consegue acabá...

Bruxinha Meméia

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Mote
Vou fumando o cigarro da saudade
E a fumaça escrevendo o nome dela...

Glosa

Levo a vida cantando a natureza,
escrevendo feliz, os versos meus.
Entregando minh'alma para Deus,
adorando-o também sem sutileza.
E no amor, você pode ter certeza,
faço versos prá moça da janela.
Vou pintando seu rosto em aquarela,
pico fumo de rolo e com vontade,
Vou fumando o cigarro da saudade.
E a fumaça escrevendo o nome dela...


O MOTE me foi dado para glosar, em 2003, no curso de capacitação de professores da rede pública estadual, no Natal Praia Mar Hotel...

Bob Motta



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O BUGARI

Morreu o bugari,
porque seu cheiro acabou.

A pétala branca
esmaeceu
perdeu a cor
ficou marrom
pálida
quase preta,
o bugari murchou.

Sobre a estante
com cheiro ardente
o caule mergulhado
na água fria
sobre as pedrinhas,
de "alagamar".

A luz ofuscou
e respirou fumaça,
viu os dramas
presenciou felicidade
fez-se forte
e cheirou ardente,
com pétalas brancas
alvejadas pela brisa
que já não existe,
aguentou quanto pôde
sem respirar.

A água fria
estava podre,
as pedrinhas
feriam seu caule,
o bugari sucumbiu
só pra fazer alguém feliz,
a natureza fugiu
e a flor feneceu.

Chagas Lourenço

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de insônia

madrugada de distâncias infinitas
que escorrem liquefeitas à janela
e cintilam no asfalto rua afora
entre cães adormecidos e mendigos.
liquefazem-se as distâncias não o tempo
que este escorre indiferente à madrugada
e branqueia o cabelo enruga a face
num rosário de alegrias e desditas
onde a vida embora vida não é bela
e se bela é de ontem não de agora
que ora alterna-se entre leitos e jazigos
e onde amor é sempre tédio ou contratempo
corpo aqui corpo acolá numa enxurrada
de vazio e solidão por desenlace.

Márcia Maia


rcia:

de insônia não é apenas um poema. É algo divinal. É um sopro de Deus descrevendo, por entre desencontros, a vida que não é bela, sendo, numa perpetuação de um "moto" contínuo, fazendo do nada a grandeza do ser e do ser a sublimação do nada, escorrendo com o tempo no perpassar das madrugadas. Uma beleza. Não pude esconder comigo o entusiasmo interior, daí torná-lo público, com as naturais escusas. Não a conheço nem voce a mim. O fato não impede externar admiração. Quero parabenizar quem disse a blasfêmia (paradoxo?) de fechar o beco. Pois isso proporcionou belíssimos textos poéticos, cada qual o melhor. Inclusive o seu. Sou, integralmente, contra quaisquer tentativas de se violentar o Beco da Lama, que disse uma vez e repito: é um estado de espírito. Inviolável e intocável.

Elder Heronildes

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A SERVENTIA DA PORTA

Ele chegou, digamos, de soslaio. Devagarinho. Carregava um saco de supermercado com alguns livros. Rondou as mesas, quereria vendê-los. Mas, talvez também encontrar algum amigo. Quem sabe, conversar, beber. No palco improvisado, porque palco de verdade tem que ser mais alto do que o chão, Pedrinho Mendes cantava emocionado "Linda Baby". Ele continuava a andar, meio cabisbaixo, livros de poemas nas mãos. Alguns olhavam para ele, outros, nem viam os seus cabelos brancos. Olhar cansado. Queria vender livros. Afinal, era o poeta do coração do autor das "Pelejas de Ojuara". Tinha o seu valor. Não estava sendo chato. Queria vender poesia, coisa que todo mundo devia comprar. Não perturbou ninguém. De longe pude ver. Mas foi obrigado a ir embora por dois seguranças. Saiu cabisbaixo do Shock bar. Triste, como tem que ser os poetas, pois sem a tristeza deles não haveriam poesias. De longe, roguei a Deus por Volontê, que
sumia na escuridão de Petrópolis, lentamente.

Léo Sodré

Gosto quando escreve assim, bem do seu jeito, com muita emoção. Pude mesmo fundir o que lia com o que via no cenário que armou minha imaginação.
Vi o poeta, vi o músico, vi você e eram todos um. Vi o público do Shock, ouvi suas falas altas e exaltadas, vi a burguesia, a nossa burguesia, limpinha, cumprindo seu ritual do fim de semana como se estivessem "fugindo da rotina".
Ora, mais uma rotina. Nem sabem. Nem querem saber!
Lá, o poeta seguia a sua genuína falta de rotina _uma rotina_ percebendo pelo movimento das pessoas que aquele, para elas, era um dia diferente_ o dia da diversão, o dia de "fazer o que gosta".
E é tão distante dele a distinção desses dias...
Sua paz e humildade não deliberadas agridem os que sentam e esperam pra sentir o que ele, o poeta, é.
Beijo,

Simone
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E agora, meu Deus?

Instado pelo editor do jornal Voz de Natal, Alex Gurgel, o fotógrafo Hugo Macedo foi obrigado a trabalhar no domingo (17/07), para cobrir a VI Parada Gay de Natal. Alex queria fazer uma ampla reportagem sobre o evento, já que uma grande polêmica tinha surgido diante de declarações do deputado evangélico Joacy Pascoal, que se colocou contra a ajuda financeira do governo municipal.
Hugo já estava de viagem marcada para Parelhas, sua cidade natal, onde iria terminar os últimos capítulos do seu livro sobre alguns personagens do município seridoense e ficou contrariado. Mas, imaginou que seria um experiência inusitada, interessante. Afinal, como Alex tinha dito, seria uma ótima oportunidade para apoiar uma minoria, colaborando com os direitos humanos. No domingo, logo cedo, o editor ligou:
- Vamos? Estou com tudo preparado.
- Agora? - retrucou Hugo, que havia acabado de acordar - Está muito cedo e para enfrentar o evento preciso de um “esquente”, aliás, de uma superesquentada alcoólica!
Quando Alex Gurgel fica contrariado sua voz, que normalmente tem um som similar a de um trator atolado, fica com uma rouquidão estranha que lembra um pato e até mesmo um papagaio fodido. Mas, de índole conciliadora, tossiu para afastar a raiva e ponderou:
-Tudo bem. Nesse caso vou lhe esperar na casa de Leozito, o relojoeiro, tomando umas. Falava e pensava economicamente: “lá é mais barato”.
Depois que Hugo Macedo lhe apanhou, muitos bares foram visitados e somente conseguiram chegar na Parada Gay no início da noite, encharcados de cervejas. O editor de caderneta na mão e o fotógrafo de máquina nova, ultramoderna a tira-colo, partiram em busca de entrevistas e fotos. Alex anotava tudo e Hugo fotografava beijos, peitos, agarramentos e bundas. Muitas bundas.
Vez por outra paravam e tomavam umas cervejas, até que o bloco do editor se esgotou e todo o equipamento do fotógrafo foi furtado por alguém fantasiado de arco-íris, conforme uma testemunha.
Aborrecido, Alex tomou o rumo de casa e Hugo, sem ter mais o que fazer, resolveu descobrir se no meio daquele meio mundo de gente havia alguma mulher que gostasse do bicho homem. Pensou: “Alex é um sacana, como é que ele diz que essa multidão é uma minoria?”.
As cervejas se sucediam e nada de aparecer ninguém. Até que de repente seus olhos se cruzam com dois pares em corpos diferentes. Uma loura e uma morena. Deu seu grito de guerra:
- O quê?
E partiu para o “ataque”. Já havia perdido alguns milhares de reais com o furto do equipamento fotográfico e tudo o que viesse dali para frente seria lucro. Com uma de cada lado, acompanhando um dos trios elétricos da festa, muitas outras cervejas foram tomadas, até que chegaram no seu apartamento.
Ele havia escolhido uma delas para namorar, noivar e até casar, diante da cumplicidade das dezenas de latinhas de cerveja. No apartamento continuaram a beber até, que trôpego, foi ao banheiro. Quando voltou, paredes se movendo, chão que lembrava sua canoa do açude Gargalheiras, apoiou-se na mesa de jantar e olhando para as duas, que estavam sentadas no sofá, disse:
- Qual é a minha? E agora, meu Deus?

Léo Sodré




quinta-feira, agosto 11, 2005

BANANAS?


Bahamas


QUEM VISITA QUER VOLTAR

Eduardo Alexandre

Márcia, Padre Agostinho e professor Bira



O Beco da Lama existe
ninguém consegue acabar


1-

Existe desde o passado,
feliz que eu guardo na mente,
Nazir sorrindo prá gente,
mexendo seu "pau melado".
De cultura abarrotado,
na capital potiguar.
E o poeta popular,
não tem porque ficar triste,
O Beco da Lama existe
ninguém consegue acabar...


Bob Motta

2-

Passarinho come alpiste,
buchudo come feijão,
cachaceiro é meu irmão
— o Beco da Lama existe!
O tempo e a história persiste,
maraca tem de lascar...
Cachaça tem de matar,
tem bebo enchendo o saco
— mas é bom o tal buraco,
ninguém consegue acabar!

Laélio Ferreira

3-

Nem toda gente é modesta
Nem toda crítica é azú
Nem é só o Bar do KU
Qué eleito lugar de festa
O tempo e a história atesta
Que o lugar de lascá
Pros matutos e os da capitá
E quem não quiser que se lixe
O Beco da Lama existe
Ninguém consegue acabá

Tadeu Néri

4-

só pode ser alguém triste
quem diz que o Beco acabou
(ou por lá nunca passou)
— o Beco da Lama existe!
pois dele não se desiste
quem visita quer voltar
quem mora ali quer ficar
lá todo mundo é amigo
por isso o Beco eu lhe digo:
ninguém consegue acabar!


Márcia Maia

5-

Há quase 2 anos estou
Na capital potiguar
Feliz por aqui morar
E no coração muito amor

Sou aquele que não desiste
Pois, quis no beco entrar
E com vocês cordelizar
Porque a poesia persiste...
O Beco da Lama existe
Ninguém consegue acabar

Manoel Bomfim


Beleza de prosas e versos! Se o Beco não existe, nem eu mesmo existo. Agostinho


NINGUÉM CONSEGUE ACABAR

Hugo Macedo

Romildo Soares no Carnabeco


CLOTILDE, MÁRIO, ANTONIEL

Minha gente,



Como todo mundo sabe, ando viajando desde o dia 2 de agosto.

Já passei por Campina Grande, Patos, atravesssei a serra do Teixeira,entrei em Itapetim, desci para São José do Egito e Tuparetama, e daí passei dois dias em Afogados da Ingazeira.

Seria muita pretensão minha querer descrever em um e-mail o que venho vendo nesse meio de mundo, principalmente depois que que penetrei no sertão do Pajeú, uma região tão linda e tão poética que não dá nempra imaginar.

Mas quero dar aqui uns toques, para vocês terem uma idéia.

Em Patos pisei o solo sagrado do beco do mercado onde, há muito mais de cem anos, ocorreu o lendário desafio entre Inácio da Catingueira e Romano do Teixeira.

Atravessei a Serra do Teixeira, pensando que ia ter medo, mas é pequena em comparação com a serra de Portalegre, no RN, essa sim, geradora de fortes emoções.

Em Teixeira recordei a figura de Franklin Dantas, que junto com meu tio-bisavô Augusto Santa Cruz colocou o sertão em polvorosa em1912.

Em Tuparetama, hospedada na fazenda Pacaúba, desfrutei a principesca hospitalidade de Francisco e Ivone Perazzo; e vi ovelhas e borregos, patos, marrecos, gatos e cachorros, entrei no curral para ver os bezerrinhos mamando, vi os ninhos de joão-de-barro e o grito
das araras, e as vaquinhas me olharam com seus olhos doces. Não vi as onças, que dizem que existem naqueles ermos, mas se tivesse tido uma oportunidade teria ido aos grotões ver uma, pois gosto de gatos e uma onça é somente um gato crescido. Com o fazendeiro, poetei por horas: ele contava uma, eu contava outra, a ponto da fazendeira ameaçar botar uma canga em nós dois e atrelar num carro, porque disse que eu e ele era como Tomé e Bebé.

Em Itapetim, fotografei a casa onde nasceram os Batista: Dimas, Otacílio e Lourival. São Jose do Egito leva a fama mas eles nasceram mesmo em Itapetim, cidade onde todo mundo é poeta.

Em Afogados da Ingazeira, onde o Rio Pajeú faz uma curva, penetrei mesmo na poesia. Aqui ninguém fala: verseja. Em todo muro tem um verso pintado.

Além disso, além das terras, paisagens, ares, plantas e bichos, há o povo, a gente hospitaleira do sertão.

As próximas cidades deste trajeto são Sertânia, Arcoverde e Belo Jardim.

Darei notícias.

Clotilde


A VIDA É BÉLICA


Quando eu era bem pequeno chegava a acreditar que a lua era tão perto que eu poderia até chegar lá com uma escada. Mas, quando fui à escola e aprendi a geografia, descobri a distância que entre nós existia. Isso foi só o começo, foi a minha primeira descoberta, onde eu aprendi a sonhar e ficar dono das estrelas. Tempos depois conheci uma coisa chamada de Mapa.
Ele era colorido e estava em um livro chamado Atlas. Nele, tinham os continentes, os países e as cidades. Cada pedaço disforme tinha uma cor e um nome, e, eram divididos por linhas e oceanos. Em cada pedaço de desenho daqueles mapas, ensinaram-me, que havia habitantes, pessoas diferentes de mim. Foi difícil entender que aquelas mesmas estrelas que eu pensava serem apenas minhas, também eram vistas por toda gente que morava dentro
daqueles desenhos. Até chegar a conclusão do que significava ser América do Sul, Brasil e Rio grande do Norte, tive que estudar e decorar muitas guerras. Era já a história complementando a geografia. Eu não concebia, não gostava de aprender nome de gente que matava índios e escravizava negros. Não queria saber daquelas histórias de pessoas que vinham de outro mapa invadir o mapa dos outros. Eu só pensava em meus sonhos, não queria saber daquele passado mórbido, e nem tampouco do futuro. Queria apenas ser
aquele momento de vida, mas, eu tinha que aprender aquelas guerras, decorar aqueles nomes e aquelas datas para poder ser aprovado no ano letivo.
Hoje, acho absurdamente terrível terem me avisado de que existiu um Hitler, uma devassidão chamada de holocausto, e uma fogueira chamada de inquisição. Acho agressivo terem apresentado-me falsos heróis, falsos mártires, sem antes terem me avisado que também existiram, Chopin, Mozart, Bach, Beethoven e Ghandi. Qual o motivo de terem ensinado-me guerras antes da arte?
Meu pai foi combatente da Segunda Guerra Mundial. Ele tinha um isqueiro Zippo, óculos Ray-Ban, e muito medo de uma doença chamada sífilis. Ele me contava histórias assombrosas da guerra, e falava também do progresso que a guerra trouxe para a cidade do Natal. Eu achava esquisito. Guerra e progresso não combinam. Meu pai também me contou que um piloto escritor que escreveu o famoso livro chamado “O Pequeno Príncipe”, na guerra, sobrevoou o nosso Rio Potengi e registrou em um de seus livros o magnífico pôr-do-sol de Natal. Nunca nenhum professor meu, me falou sobre isso. Só falavam das guerras!
Enquanto eu acreditava que o mundo era igual, fui crescendo e entendendo que para se ir de um mapa para o outro, eu teria que ter um passaporte. Se tentasse botar meu pé após aquela linha que dividia um lugar do outro, eu poderia ser preso. Se, eu não tivesse aprendido a acreditar nessas linhas divisórias, consequentemente, também não teria aprendido a criar
territórios dentro da minha própria vida, da minha própria casa. De tanto ensinarem guerra, a gente termina virando estrategista, passa a procurar inimigos invisíveis, e, a criar, impulsivamente, uma xenofobia nacionalista, bairrista e imbecil. Penso que é por isso que hoje tenho tanto repulsa as potências mundiais. Luto comigo mesmo para não generalizar, pois nada tenho a ver com a guerra deles. Eu sou cidadão do mundo, não pertenço a um mapa só. Já tive a experiência de visitar outros lugares, outros povos, outras civilizações, e, mesmo com a dificuldade da comunicação devido à língua, fui capaz de sentir afeto, carinho, amor e amizade das pessoas que conheci, independente do mapa onde elas moravam.
Meu coração é cosmopolita simplesmente pelo fato de ser humano e filho de Deus. Então, não matemos em nome da raça, em nome de um território, em nome de um lugar.
É muito complexo absorver como um cidadão pode atirar em outro que ele nunca viu antes, não sabe quem é, apenas por ser de um país inimigo.
Queria não fosse verdade, mas foi na escola onde aprendi que pessoas matavam pessoas. Eu pensava que pessoas só morriam de doenças e acidentes.
Foi na escola onde me ensinaram que a vida é bélica. Foi na escola que destruíram o meu mundo de sonhos e paz, que me ensinaram a desconfiar da humanidade. Ainda bem que eu sou poeta, desde aquela época em que peguei aquelas estrelas para mim, lembram? Ainda bem que hoje, apesar de tudo isso, eu consigo dividi-las com quem quiser tê-las. Ainda bem que consegui transformar guerras em poesia, e vivo mais aliviado, menos tenso para poder orar pela sobrevivência, pela criação, pela vida. Talvez, se escondessem essas guerras da história, a geografia poderia ter um só mapa.
Todas as guerras da história foram por causa da geografia.
Esta é a minha pequena história crônica. Se vocês gostaram contem aos seus filhos, eles merecem sonhar como eu. Nunca digam a eles que existe um Saddam e um Bush, digam apenas que existem os poetas, os soldados da palavra. A palavra é a única arma que todos têm o direito de usar.

Mário Henrique Araújo



Palabras


menos calo
pouco fico
muito digo
nada falo

tudo parto
menos perto
pouco longe
nada falo

falo calo
digo perto
longe fico
muito parto

menos pouco
muito nada
longe perto
digo falo

perto muito
fico tudo
longe nada
pouco parto

tudo tudo
perto perto
longe menos
menos, nada.

Antoniel Campos


O BECO DA LAMA EXISTE

Alexandro Gurgel

Paulo Jorge Dumaresq, Blecaute e Pedro Pereira no Bar de Pedrinho


Prosas e Pensamentos

No dia 17 de agosto a Livraria Sparta promoverá um ciclo de palestras “Prosas e Pensamentos” que reunirá escritores, artistas e pesquisadores da cultura regional. A proposta da livraria é apresentar aos estudantes universitários e do ensino médio, pesquisadores e ao público em geral o que se tem de mais expressivo no estado do Rio Grande do Norte.

No projeto “Prosas e Pensamentos”, que permanecerá até o mês de novembro de 2005, serão abordados assuntos sobre cangaço, poesia, urbanização da Cidade do Natal, história, artes, entre outros. A segunda palestra será do escritor Sérgio Augusto de Souza Dantas que abordará o tema ‘A Evolução da Estética do Cangaço e sua influência na Cultura Nordestina’.

A palestra se concentrará nos seguintes itens:

Apresentação de imagens em power-point de fotografias, exibição de instrumentos usados no cangaço, vestimentas, o "modus vivendi" dos cangaceiros e o reflexo dessa "sub-cultura" no panorama da cultura popular do Nordeste.

Sobre o Autor

Sérgio Augusto de Souza Dantas é Juiz de Direito na Cidade do Natal e também atuou nas comarcas de Martins, Umarizal, Cruzeta, Apodi e Caicó.

Estudioso do elemento humano e das raízes nordestinas, lançou neste ano o livro “Lampião e o Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada” e atualmente prepara os trabalhos “Antônio Silvino – Notas para uma Biografia” e “Aspectos Criminológicos do Cangaço e do banditismo Rural”.

Sobre o livro

O livro ‘Lampião e o Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada’ apresenta o resultado de uma pesquisa de campo orientado em referências bibliográficas, entrevistas, documentação antiga, processos judiciais e jornais; buscando sempre separar, como o próprio autor apresenta na parte introdutória de sua obra, a “verdade histórica” do “mitológico endêmico”.

As informações colhidas pelo escritor apresentaram evidentes e preciosas descobertas sobre o cangaceirismo no estado do Rio Grande do Norte. Seus apontamentos evidenciaram os rastros de Lampião e de seus seguidores ora já confirmado em bibliografias, ora contraria ao que já fora escrito e mostrando a verdadeira história.

Em ‘Lampião e o Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada’ o leitor encontrará elementos e informações indispensáveis para o estudo do cangaço no Rio Grande do Norte; tornando-a uma das mais fieis obras já escritas sobre o assunto.


Informações Gerais

Evento: Ciclo de palestras “Prosas e Pensamentos”
Local: Livraria Sparta
Data: 17/08/2005
Horário: 18:00h
Entrada gratuita
Palestrante: Sérgio Augusto de Souza Dantas – Juiz de Direito
Tema: “A Evolução da Estética do Cangaço e sua influência na Cultura Nordestina”


José Torres Neto


ecos de agosto

: e o medo.

foi quando tomando da tesoura
um a um
vazou os olhos
para que nunca mais tornassem
a ver
o gigante cogumelo
que como num terrível pesadelo
ressurgia no horizonte
(estranho: em total silêncio)
prenúncio de dor e destruição.

soube depois que fora apenas a
visão do sol encoberto
(um eclipse? tamanha tolice!)
mas não acreditou.

Márcia Maia



O uivar das palavras

Era final de tarde quando F (o filho) trouxe para casa a moto que vinha escondendo do pai. Cumprimentou-o ainda na entrada do jardim, empurrou a moto até a garagem, e sorriu. “Que dia bonito, pai. A brisa ‘tá perfeita. O verão chegou pra ficar.”

“Hei...” P (o pai) chamou á atenção, “onde você pensa que vai com essa motocicleta? Não quero isso aqui em casa!” Continuou P, deslocando-se até a garagem. “De quem é?”

“O preço foi bom, pai...” disse F, “venha dá uma olhada.”

“Trate de devolver! Agora, F!” P ajustou os óculos. As veias, agora bem mais visíveis, destacavam-se nas laterais da testa. “Pode tira isto da garagem!”

“Mamãe está?” pisou no descanso, recuou três passos e admirou a enorme Kawasaki. Olhou para P , esperando uma resposta.

“Não quero acidentado nenhum por aqui, F! Entendeu?” P marchava de braços cruzados de um lado para outro da garagem. “E outra coisa......”

“A turma toda comprou motos para o verão, pai.” Informou F. “E não vai ter nenhum acidente.”

“Não vou cuidar de nenhum paralítico. Se tiver um acidente, é melhor que morra logo...tô lhe dizendo!!!” O tom da voz aumentava, enquanto P discursava. “Leve esta merda daqui, F!”

Sem muito poder de barganha, F decidiu sair na moto. “Diga á mamãe que volto para o jantar...fique tranqüilo, pai. Um beijo.”

“Lembre do que eu disse, F!” Falou P antes de F fechar o visor do capacete.

Horas mais tarde. Começo da madrugada...

O telefone toca. Toca diferente desta vez. Toca triste. Uma ligação da policia estadual de Nova York, pedindo que o sr. P e a sra. P comparecessem ao instituto médico legal da cidade.

P, enquanto viver, escutará o uivar das palavras que falou para seu filho. Todos dias serão infinitos. Os invernos mais frios. O verão, sombrio. Redimir-se? Quem sabe, um dia. Mas não nesta vida. Porque agora ecoará mais forte o último beijo de F.

Charles M. Phelan




quarta-feira, agosto 10, 2005

QUERIDA DÁLIA

Do blog do Ku

Eleitor Marcos Sá manifestando apoio irrestrito à candidatura de Clotilde Santa Cruz Tavares a Santa da Igreja Étilica dos Santos de Todos os Dias


O Bar do Ku é aqui representado pelo amigo Karl Leite. Ele pode dar a referência exata. Mandar umas fotografias.
Segundo a lenda, ninguém ali sabia explicar onde estava. Dizia que era legal, um sábado debaixo de uma mangueira, tomando uma gelada e conversando as besteiras do governo.
O pior é que têm os dissidentes becodalamenses que, logo aos sábados, dão umas escapadinhas com conversas de mais tarde.
Dizem-nos Loroteiros. Dizem-nos Resenheiros.
Aparece agora esse Bar do Ku.
Os kueiros são Leonardo, Orf, Cid, Alex, Hugo, melhor eles mesmos se apresentarem.
É Leonardo querendo queimar a campanha de Alex no Beco.
Aliás, Plínio se diz não candidato, mas não apóia nem Alex nem Bira porque estes são incompetentes.
Diz que o candidato deve ser Hugo, até porque é o financiador da campanha.
Leonardo sempre acusou que Alex não paga cerveja. Sempre fica pra Hugo. E Hugo diz que vai fretar ônibus de todas as linhas da Zona Norte pra vir votar na Samba.
Há quem diga que João da Rua é candidato. Quando indagado, desconversa.
As candocas do Beco juram por santa Gardênia que Ceiça do olinho chinês é forte candidata e não vai, segundo a própria, permitir a ascenção de grupos que não tenham compromisso com o Beco e suas adjacências.
Vai ser uma luta feroz.
A turma tá doida querendo que o Marcos Valério venha descansar uns dias por aqui.
Clotilde, que já anda pelo Ku fazendo campanha, diz que o carequinha é o maior Bredipite.

Dunga




terça-feira, agosto 09, 2005

POUSOU


A ARTE MULTICOR DE MARCELO FERNANDES

Ivanízio Ramos


Para comemorar 25 anos fazendo artes plásticas, o artista Marcelo Fernandes prepara o lançamento do livro “Imagens Lúdicas do Infinito”, título provisório, onde o artista conta sua trajetória através de relatos de amigos, depoimentos de artistas consagrados, fotos e prêmios. Marcelo Fernandes teve seu primeiro contato com as artes através da amizade com o artista Assis Marinho e utilizava as sobras do material de Assis para fazer rascunhos experimentais com giz de cera, surgindo os primeiros quadros.

Com um emprego fixo no Governo Federal, fazendo parte dos quadros da TV Universitária, produzindo cenários para os programas, Marcelo abandonou tudo para se dedicar às artes, preferindo viver da produção de seus quadros. Com seus conhecimentos em cenografia, Marcelo Fernandes fez parte do antológico filme “Boi de Prata”, do cineasta Augusto Ribeiro Junior, em Caicó.

A insistência de experimentar materiais diversos fez com que Marcelo começasse a criar coisas inéditas, culminando na descoberta do “Giz de Cera Multicor”. “Nessa época, descobri o Ovo de Colombo. Uma invenção própria. Era uma novidade fantástica e não havia Giz Multicor no mundo. Uma coisa única”, disse entusiasmado.

Com seu giz de cera multicor em mãos, o artista começou a desenvolver uma técnica própria, utilizando o abstracionismo como expressão dos seus sentimentos. Conforme o artista, o resultado das abstrações nos seus quadros são frutos de estudos e observações dos contrates das nuvens, as cores fortes das texturas nos telhados antigos, as sombras, os reflexos de luzes no mar e a multiplicidade de cores durante o pôr-do-sol. A observação da natureza foi sua principal inspiração.

Com o tempo, Marcelo Fernandes foi se firmando como artista e tendo reconhecimento, realizando importante participação durante o Festival de Arte do Forte do Reis Magos e na Galeria do Povo. Para mostrar seus trabalhos feitos com a recente descoberta da nova técnica, Fernandes resolveu fazer sua primeira exposição individual chamada “Cristais e Rochas”, na Galeria da Biblioteca Câmara Cascudo, promovido pela Fundação José Augusto.

“Cores, mais cores, sempre cores. Talvez fosse essas palavras o bastante para definir o trabalho do pintor Marcelo Fernandes. A cor a dar vida à pura abstração de formas indecifráveis”, disse o saudoso poeta Luiz Carlos Guimarães sobre o estilo de o artista expandir o lápis multicolorido de cera na concepção de sua obra. De acordo com o poeta, há um geometrismo nos quadros de Marcelo Fernandes que sempre procura expressar um resultado de reflexão.

Segundo o artista plástico Dorian Gray Caldas, que sempre acompanhou Marcelo Fernandes de perto, qualquer pessoa sensível fica perplexa pela beleza que os quadros de Fernandes transmite. “Ele tem o sortilégio que anima os verdadeiros vocacionados. Usando materiais inusitados à base de ceras concentradas em bastão, Marcelo Fernandes reanima texturas, compatibiliza manchas, faz nascer formas nunca antes experimentadas, pelo uso arbitrário, provocador e decisivo da própria dinâmica do fazer”, escreveu Dorian Gray.

A Arte Ganhou o Mundo

Depois de ganhar a capa da Listel, lista telefônica patrocinada pela antiga Telern, em 1992, sentiu a necessidade de mostrar seus trabalhos fora dos limites potiguares, viajando pelo Brasil, participando de exposições coletivas e mostras individuais em cidades como Olinda, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Ouro Preto, entre outras.

O convite de uma curadora, que tinha familiares na França, levou Marcelo Fernandes a passar uma temporada na Europa, expondo sua obra em praças pública – tradição secular européia – em cidades como Paris, Lisboa, Genebra, Madri, Amisterdan e Londres. “Quando vendia algumas obras, eu ia conhecer museus, galeria de arte, pontos turísticos, como qualquer brasileiro deslumbrado com a beleza européia faz”, acrescenta.

Na volta à Natal, a cabeça cheia de novidades e idéia, fez oficinas de artes, exposições coletivas, participação em concursos de artes e exposições individuais. Segundo o próprio artista, um dos prêmios mais importantes foi o 1º lugar no concurso “I Salão de Artes Plásticas da Cidade do Natal”, promovido pela Prefeitura Municipal do Natal, através da Fundação Capitania das Artes. Logo em seguida, foi selecionado entre os 20 melhores artistas do Nordeste para fazer parte de uma exposição coletiva chamada “Concurso Pireli Pintura Jovem”, no Hotel Miramar, Recife.

A Arte é um Show

Logo no início da sua carreira, Marcelo não queria vender seus trabalhos de tão belos que achava, os admirando, não querendo se desfazer das obras. Sentia um amor muito grande pelo que fazia e, segundo o artista, somente começou a comercializar tempos depois como uma forma de sobrevivência e expansão do próprio trabalho do artista.

Atualmente, ministra oficinas de artes para adolescente e para a terceira idade, onde desenvolve um trabalho educativo e terapêutico através da sua arte. Marcelo Fernandes tem participado de festivais e feira de cultura. Hoje, trabalha na construção do seu próprio atelier, um lugar onde poderá receber as escolas públicas, pessoas interessadas em artes e para aqueles que quiserem conhecer todas as fases do artista.

Marcelo confessa que planeja fazer algumas performances artísticas, misturando a forma de fazer arte com poesia e música, criando um espetáculo de cor e alegria. “A idéia é fazer arte-show durante as futuras exposições, criando arte na hora e de improviso”, finalizou.

Alex Gurgel


BANHO DE LUA-CHEIA

Ilustração: Léo Sodré, Foto: Karl Leite
Foto Karl Leite


COM A PINIMBA DE FORA

Ói aqui, macacada.

Num adianta desarná na ''grafitagem'' e nem soletrá na tabuada do politicamente correto, apois isso é frescuragem de gente ''xananinha demais da conta'' e cheia de ora pru nóbis.

Qualé o pó, hem povim amostrado?

Ficaram todos de bico calado e com o galho dentro quando o patrão - por motivos econômicos e não de "segurança" - tirou a catraca da traseira e meteu na dianteira da lotação. Agora, tão tudim butando queixo e criando causo por quinze centavos a mais?

Sostô essa fubana véia do pós-guerra... foi uma das premeiras qui butou o povo pra andá de revestrés dentro dos õimbus e ninguém deu uma bufa de protesto. Quano é agora, vão tudo barrê rua e alevantá poeira nos "Cantões'' do Grande Ponto pra mode dá na vista do povo.

Se vocês são assim, tudo atirado a furico de satanás, entonces arranquem novamente a cabeça de Kennedy da praça em frente ao Ducal e mandem de presente pra moleca de recado do Jorge Bucho, junto com um cacho de mangará e uma penca de pacova.

E aí...vão aliviá e livrá a cara da negona americana, hem?

Quero vê só quem me empata de apelidá de Condoleza uma soim danisca lá do horto Dois Irmãos, no Recife véio guerra. Se a gloriosa Associação Atlética Ponte Preta é chamada carinhosamente de ''macaca campineira'', porque cargas d'água essa afilhada do Tio Sam num pode sê chamada de ''macaca de Uóxiton?''

Quem diabos vai conseguir calar um estádio entupigaitado de argentinos, todos gritando ''macaquitos...hu- hu-hu-hu!!!"

Derna de pixototim qui meu pai me dizia: "se ligá pra apelido, reiou-se!"

Agora, vão me cabuetá pra Lucifé, pro polidoro da esquina, pra mãe de Saprico, pra bexiga taboca, pros marines americanos, pros escoteiros do Alecrim, pra Migué Cabrobó, pro bispo de Taipu, pro Padre Eimá, pra dona Noilde da Doméstica e inté pra ''fia da guvernadora'', qui agora só véve fazendo poema no beco e tomando chamada com tira-gosto de farinha e percoço de frango lá no boteco do Majó!

Taí a continuação da ''pinimba de canguleiros e xarias'', seja no inferno, no céu, no purgatório ou no Sanatório da Imprensa.

Ou será qui pra escrevê minhas cantilenas e loas ou mermo fazê quadrinha, sextilha e dez pés de martelo, eu tenha qui pagá patente e pedir pinico pro povo da Paraíba?

Como já dixe o filósofo alemão bigodudo e dos zóios abuticados:

Moro em minha própria casa,
nada imitei de ninguém
e ainda ri de todo louco

Rocas Quintas



Eu era feliz...



Existem frases que marcam uma época, mas que depois, pelo seu alcance,
tomam o rumo da eternidade. Uma dessas é a do compositor e cantor Ataulfo
Alves, que um dia disparou no meio de uma melodia: “Eu era feliz e não
sabia”. É claro que, para alguns, essa frase não teve e não terá o efeito
por ele imaginado. Muitos nasceram na mais completa miséria, não tiveram
família mas, mesmo assim, conseguiram superar os obstáculos e, hoje,
ocupam um lugar ao sol. Estudaram, casaram, tiveram filhos, melhoraram de
vida e o passado, para estes, é algo para esquecer. Seus filhos não
passarão o que eles passaram.

Quando Ataulfo eternizou aquele lamento, ele se referia apenas à inocência
que ainda habitava nossos corações, quando uma simples bola de futebol ou
uma boneca eram motivos para noites em claro de tanta felicidade. Nossa
lembrança daquela época é pontilhada de momentos felizes, puros, mal
distinguidos entre a realidade e a fantasia - tão comum na nossa infantil
e fértil imaginação. Inesquecíveis. Como não lembrar da família unida em
torno de uma mesa comemorando o Natal, com direito a peru assado e
ervilhas, além de presentes como sobremesa? E os afagos dos pais e irmãos
mais velhos que nos deixavam a certeza de que tudo aquilo seria para
sempre? O desconhecimento da dor dentro da alma, da solidão, da tristeza,
fazia de nós os próprios heróis das revistas em quadrinhos que povoavam
nossas cabeças. Isso era felicidade! Tranqüilizantes e antidepressivos não
constavam nos nossos vocabulários. Eles estavam contidos no ar que
respirávamos.

Hoje, alternando momentos de amargura e de felicidade, paramos para
refletir sobre a vida. Olhamos nossas cicatrizes interiores, provocadas
pelos desencantos da vida, feridas curadas à base de amor e luta, e
voltamo-nos ao passado. Pouquíssimos de nós, creio eu, não sentem saudades
quando o fazem. Não é para menos. Hoje, as famílias nas noites de Natal já
não se reúnem mais. Afinal, há lugares vazios, pois muitos já partiram.
Uns com precocidade. A bola de futebol e a boneca se transformaram em
compromissos – quase sempre inadiáveis e criados por nós nesse insano
cotidiano. E os afagos, ah! Os afagos! Esses não passam de vagas
lembranças que nos apertam o coração, já que algumas daquelas mãos não
mais existem. A dor dentro da alma, a solidão e a tristeza agora andam ao
nosso lado. Vingativas! Como se nos estivessem cobrando por aquele período
em que nós simplesmente não lhes dávamos a menor das atenções. Na verdade,
nós as ignorávamos.

Particularmente, a vontade que toma o peito neste exato momento é de,
literalmente, me embriagar e tentar, envolto pela névoa da embriaguês,
voltar ao passado. Ao colo de Emilio Salem, meu pai, ao convívio com
Emilinho, meu irmão, e a desfrutar da doçura de Bebete, minha irmã.

Gosto de beber whisky, mas amargo como estou, só entra Campari.

Minervino Wanderley



Desenterrando Marx



Lembra daquele livro velho de Marx que seu pai, avô ou algum conhecido enterrou no quintal de casa na época da ditadura? Pois é. Está na hora de desenterrá-lo e dar uma boa lida nele. Não falo do Marx agitador político do Manifesto Comunista, nem do hermético pensador econômico que escreveu O Capital. Falo do Marx filósofo. O sujeito que doutorou-se em filosofia com uma tese sobre o cruzamento teórico de dois filósofos clássicos, Demócrito e Epicuro. Esse é o Marx que pretendeu reformular a metafísica da história que Hegel empurrou goela abaixo do ocidente no começo do século XIX.

Mas por que desenterrá-lo agora? Porque só repensando Marx é que vamos entender a sinuca de bico na qual o PT se meteu. Nascido sob a confluência de três vertentes políticas significativas (a Igreja, os Sindicatos e a intelectualidade universitária paulista) o PT começou sua história como um bom e velho partido marxista e acabou assumindo de modo descuidado a metafísica de Hegel. Entender como isso aconteceu é fundamental para a esquerda brasileira retomar seu caminho. O PT apareceu como um partido que se arrogava à tarefa de ser o porta-voz de um sem número de movimentos sociais. Do movimento sindical aos sem-terra. Das pastorais operárias aos grupos da sociedade civil que lutavam pela defesa dos direitos das minorias políticas. Ele deveria ser o braço político de uma reforma social que caminharia pela base da infra-estrutura econômica e social do país. A tal revolução deveria acontecer independente da vitória nas urnas, porque Marx, colocando pés em Hegel e virando-o de ponta à cabeça, entendia que não é atuando no corpo do Estado que se modifica uma sociedade, mas sim agindo, como as formigas fazem, pela base. Sabotando a lógica econômica que institui a dissolução do homem no altar da máquina de reproduzir ilusões do capital. O PT começou a perder o fio da meada da sua história quando começou a ficar maior do que os movimentos que lhe geraram. Quando trocou o projeto de reforma social pelo projeto de apropriação do Estado.

Então o PT caiu na armadilha de Hegel e vendeu a idéia a seus militantes e a sociedade civil que, ganhando a presidência da República, poderia implementar as reformas sociais que pretendia fazer. Mas não se muda uma sociedade de cima para baixo. Não é materializando o espírito absoluto no corpo Estatal que vai se quebrar o truque da alienação do trabalho e da produção de riquezas do capitalismo. O PT acabou usando os movimentos sociais que lhe legitimavam para chegar ao poder e acabou enfraquecendo a proposta de reforma social que lhe deu origem.

Não foi o PT que contaminou o Estado nacional com seu ideário político. Foi o Estado nacional brasileiro, com seus vícios históricos, que arrastou o PT para longe de suas próprias utopias. Graças à filosofia nunca fui petista. Hoje é fácil escrever esse artigo porque é bem mais simples entender a história depois que ela acontece. Mas refletir sobre os deslizes conceituais que montaram a tragédia que o Brasil vive hoje é uma tarefa da qual não posso me furtar. Se há uma saída para a crise da esquerda brasileira ela está na releitura de suas bases filosóficas. Hoje eu percebo... Deveria ter votado em Serra. Não porque acho o PSDB grande coisa. Meu tio, Antônio Capistrano (ex-Vice Prefeito de Mossoró), já alertava na época da eleição de 2002, que a pior coisa que se faria com o PT era deixar que ele governasse o país. Porque o Estado, não é um animal doméstico. É uma fera selvagem, que tritura e devora, na mesma vala comum de miséria moral, aqueles que ousam se aproximar de suas garras. Mas toda crise é uma benção, porque nos indica que temos que abandonar o cadáver de nossas crenças já velhas e trocá-lo pela inquietante lufada de ar do imponderável. Viva o futuro! Nunca é tarde para recomeçar e, como diz Gabriel, O Pensador, nenhuma rua é sem saída quando se sabe olhar para trás.

Pablo Capistrano



CASA DE DETENÇÃO



A brisa bate no ferro
da tua grade,
na grade
da tua cela
onde por lei
trocastes
a liberdade
pela vida
que tirastes.

O barulho
longínquo e surdo
da onda
que se espraia
na areia
como se o mar
viesse a ti
indiferente
à lua
que o prateia.

E a bruma
e a brisa
e a lua
e o mar
companheiros de cela,
e do ferro
que a maresia
não come,
que a água
não molha,
mas que,
o visual
diz tristeza
diz dor
e te mostra
solidão.

Chagas Lourenço



Ovos de ferro



Depois de um longo período como bancário do Banco do Brasil, finalmente Minervino iria realizar o sonho de sua vida, tornando-se um empresário. Resolveu montar uma granja de galinhas de raça puríssima, e depois de pesquisar na internet e consultar muitos especialistas, optou pela raça “Plymouth Rock Barrado”, que tinha a característica de ser totalmente xadrez e robusta.

Sonhava com os prêmios que iria ganhar nas exposições do setor em todo o país e começou a procurar uma área para montar sua granja, que teria que ser numa região tranqüila para que as galinhas pudessem crescer em paz. Um lugar onde não houvesse grandes variações climáticas. E, depois de percorrer praticamente todo o Rio Grande do Norte, optou pela região de Touros, depois que descobriu ser um dos locais, no mundo, onde ocorria uma das menores variações de temperatura, que segundo seus estudos oscilavam anualmente menos de um grau centígrado.

Comprou uma pequena fazenda, fez as obras necessárias para adaptar as galinhas que estavam vindo da Inglaterra - cerca de quinhentas matrizes - , construiu uma casa, escritórios e passou a esperar o aviso do importador, para ir buscar as “bichinhas” no aeroporto.

Sem ter o que fazer, enquanto esperava a chegada das habitantes da “Fazenda Beatles Rock Barrado”, passava os dias tomando uísque e fazendo as contas de quantos pintos iria vender anualmente. Chegou a conclusão que se não houvesse nenhum inconveniente, como doenças, ficaria rico em poucos anos. Mas, estava contrariado com a demora. Amaldiçoou os entraves burocráticos de importações e quase se arrependeu de ter mandado busca-las na Europa. Poderia ter comprado suas matrizes no Brasil, mas como era excessivamente desconfiado, queria ter certeza de ter adquirido um lote de sangue absolutamente puro.

Num domingo chegou o aviso do importador: as galinhas estavam no aeroporto aguardando que ele fosse buscar o quanto antes. Sem perda de tempo e tomando todos os cuidados necessários, trouxe-as para a fazenda, instalando-as, conforme tinha estudado, da melhor forma possível. “Pronto, – pensou – agora estou estabelecido. Tenho minha fazenda e minha criação.”

Passaram-se alguns meses e nada das galinhas colocarem um único ovo. Apesar do árduo trabalho que os felizes poucos galos estavam tendo, nada. Ele somente gastava com ração e a explicação dos técnicos que contratou era de que isso ocorria devido ao estresse da viagem, que durou muitas horas.

Minervino, nervoso, pesquisava profundamente sobre o assunto na internet. Tentou de tudo. Até colocou caixas de som nos galinheiros com músicas dos Beatles, mas nada deu resultado. “Um fracasso – pensava. O que vão dizer de mim, depois de toda essa trabalheira? Bem que disseram que eu fosse criar bode no Seridó”.

Um dia, quando ele menos esperava, todas começaram a colocar ovos. Centenas. Ele quase não acreditou. Ligou para os amigos, comemorou, fez festa e dormiu bem pela primeira vez em muitos meses.

Na manhã seguinte, ao raiar do dia, contente, saiu para apreciar sua criação. Quase morre, depois de verificar em todos os galinheiros, que todos os ovos haviam sido bicados pelas galinhas. Todos! Desolado voltou cabisbaixo para consultar novamente os técnicos no assunto. Depois de muitos telefonemas, descobriu que algumas galinhas, não se sabe porque, têm esse hábito. Mas logo as suas! E todas!

Como não tinha mais o que fazer, resolveu tomar “todas” num bar próximo. E, depois de alguns uísques e de comentar o seu infortúnio para alguns amigos, alguém sugeriu que as penosas fossem submetidas a um treinamento para pararem de bicar os ovos. O esperto sugeriu que ele conseguisse alguns ovos de ferro, pintasse de branco e colocasse no galinheiro. Garantia que depois de umas bicadas no ferro duro, as galinhas fatalmente deixariam de quebrar suas posturas. Minervino concordou:

-Tem sentido. Vou providenciar imediatamente alguns ovos de ferro. Elas vão aprender.

No outro dia, vai a Natal, diretamente para o bairro da Ribeira, onde existiam muitas lojas de ferragem. Entrando numa, de um velho conhecido comerciante, é cumprimentado por ele, que vem atendê-lo encurvado, apoiando-se numa bengala.

Minervino estava eufórico e sem dar muitas explicações ao seu velho conhecido, foi logo perguntando:

-O senhor tem ovos de ferro?

O velho coça o seu longo bigode, já acostumado com muitas perguntas e histórias impertinentes da velha Ribeira e responde com tranqüilidade.

-De jeito nenhum, meu filho. Eu ando encurvado assim devido a um velho problema de coluna...

Leonardo Sodré





versos de circunstância

escuto piazzola manhãzinha
já que há muito partiram
os bem-te-vis

e a ausência em ondas se
desdobra e à varanda
que náufraga

espelha todo o quanto de
mim quase sem sentir
eu me perdi.

haverá barco que à guisa de
varanda a mim resgate
se um dia

ao pinheiro e às manhãs por
mero acaso retornarem
os bem-te-vis?

Márcia Maia



Esta é uma Pátria! O Brasil é uma Pátria!



É mais do que uma Nação! Mais do que um Território! Mais do que um Povo!

Todos estes elementos são necessários, mas não são suficientes para formar uma Pátria. É preciso mais! Uma Pátria é como uma família, uma grande família. E para formar uma boa família, é preciso Amor: amor pela Terra, amor pelo Povo e amor pela História. O amor pela Terra se traduz pela defesa da mesma. O amor pelo Povo, pela responsabilidade com as pessoas que o formam. O amor pela História, pelo reconhecimento de todos os que nos precederam.

Pátria é mais do que a classe política! É mais do que as eleições! É mais do que o voto! Estes elementos, para formá-la, são necessários, mas não são suficientes. É preciso mais! Uma Pátria é formada de pessoas com diferentes condições, mas com o mesmo objetivo: viver melhor. Como uma grande família em que uns, eventualmente, possuem mais do que outros, mas todos se ajudam. É preciso, portanto, que os políticos representem os partidos, as classes, os interesses, e que alguém represente, física e pessoalmente, o Povo. Alguém cuja representação e importância ultrapasse o período eleitoral, e cuja responsabilidade com o Povo seja diuturna, perene e natural. Alguém que não seja de nenhum partido, mas que os observe a todos, visto que é o Povo. Alguém que não possa ser prejudicado pela incerteza do voto. Voto que, tanto vale para eleger o bom quanto para eleger o mau. Por si mesmo o voto não tem qualidade nenhuma, mas tem o poder de manietar uma Nação, pois pode servir para os maus, os incompetentes, e penalizar o povo por um longo tempo.

Uma Pátria é bem mais do que a Economia! Mais do que o Agro-negócio! Mais do que o PIB! Tudo isto é necessário, mas não é suficiente. Para formar uma Pátria é preciso mais! É preciso confiança na pessoa que está ao nosso lado. É preciso saber que os fatores acima são resultado do sucesso do trabalho conjunto, e que o este é uma questão de vontade coletiva. Da vontade de vencer. Da vontade de ser grandioso como Povo. Vontade de ser uma grande família. Para existir sucesso é preciso a confiança que existia entre si nas grandes e antigas famílias extensas. É preciso saber que alguém, permanentemente, zela pelo Povo, pela família e pelas virtudes das gentes. Alguém que, mais do que os outros precisa dele, do Povo!

Uma Pátria é mais do que o Presidencialismo! Este, não é suficiente para formar uma! E muito menos é necessário! Em um mundo onde o dinamismo da multiculturalização e da interdependência econômica força adaptações rápidas e prementes; onde não há lugar para que os erros sejam consertados pela inércia e pela pasmaceira; onde não existe uma segunda chance de recomeçar; nesse mundo, é preciso capacidade de mudança de rumo sempre que necessário. E cada vez mais será necessário. O sucesso estará com o mais ágil em acompanhar os tempos. E acompanhar os tempos é saber que se devem tomar as medidas antes que aconteçam os fatos. É colocar a tranca antes que arrombem as portas!

Esta é uma Pátria! O Brasil é uma Pátria!

Ver o Brasil voltar a ser uma Pátria é mais do que um sonho, está mais perto do que nunca, pois existe uma chance para que isto aconteça. Fazer do Brasil uma Pátria é mais do que uma Promessa, pois há um enorme cabedal de sucesso, no passado, a garantir que sejam retomadas a grandeza e a dignidade nacional que já teve um dia. E o Brasil voltará a ser uma Pátria novamente, após 115 anos de desastrosa experiência republicana. E, diga-se, a experiência começou mal! Começou por um golpe militar. Como poderia ter dado certo! Aquele dia - 15 de Novembro de 1889 – foi fatídico para o Brasil. Nele, com a deposição de D. Pedro II, o Povo deixou de governar! E instalou-se o caos, a insegurança, o desamor pela Pátria.

Por quê ficou esquecida essa nossa Pátria? Porque a História foi modificada, e os heróis conspurcados, pois a única maneira de esconder a verdade do fracasso da república foi desqualificar aqueles a quem ela tinha derrubado pela força bruta, militar, autoritária. Assim, hoje, para se garantirem, ensinam aos jovens o desrespeito aos antepassados. Fazem com que se sintam envergonhados de uma Pátria que emocionava o Povo. Ora, e por que fazem isto? Porque morrem de medo do retorno daqueles que verdadeiramente amam esta Pátria. Esta verdadeira Pátria, esta grande família que ainda persiste na mente, no coração, e na saudade subliminar, dos brasileiros.

Walner Barros Spencer



A CADÊNCIA FINAL



"Nasci ás dezenove horas. Portanto, quero que tudo acabe no mesmo horário."

O Liebestraum número 3, em Lá bemol, de Liszt toca suave na vitrola do quarto.

"Fiz quase tudo que quis na vida", disse o rapaz para o médico, que sentava próximo ao seu leito, em um hospital em Calcutá, na Índia, "...me arrependi algumas vezes, outras não. Não irei me arrepender desta decisão. Ah, não! Desta eu não irei!" Fechou os olhos e respirou fundo, como se fosse esforço demais deixa-los abertos. "Além disso, estou pagando!"

"O problema, meu rapaz, não é quantas rúpias terá de me pagar. O problema é outro..."

"Qual?"

"...o arrependimento."

"Bobagem."

"È típico do egoísta....", retrucou o médico, ajustando os óculos. "O arrependimento nem sempre atinge aquele que o provoca, rapaz."

"Quando eu era criança, por volta dos meus nove ou dez anos, fugi escondido no vagão de um trem, daqui até Bombaim. Atravessei toda a Índia. Sozinho. Tive muito medo, mas fiz assim mesmo. Passaram-se vinte anos, e ainda lembro da jornada."

Uma nova música começa a tocar, Debussy , Clair de Lune.

"Aprendi muito, doutor. Com o passar dos anos, aprendi bem mais sobre aquela viagem. Afinal, eu era muito jovem para entender meu povo, sua diversidade, as religiões. Conheci budistas, hindus, protestantes, islâmicos e até católicos. Conheci o desconhecido porque tive coragem. Coragem, doutor. Essa é a palavra."

"È bom poder ouvir o relato de uma experiência, direto da boca daquele que vivenciou o momento, mas o que você deseja fazer, não lhe dará essa oportunidade, entende?"

Os dois se entreolhavam com atenção.

"Mas trata-se de coragem, doutor. Coragem, entende!?"

"LOUCURA!!! Como posso apreciar sua coragem, sua experiência, se não ouvirei diretamente de você, o relato da jornada que deseja fazer?"

O jovem pausou pensante. O espírito aguou-lhe os olhos. O singular efeito de uma fraca gota de lágrima revelou sua emoção. A sua direita, a maquina improvisada de soro. Sobre a mesa, a solução a ser usada, as bandejas de aço inoxidável com algodões e agulhas.

"Será mais uma experiência doutor. Mais uma decisão que posso fazer, enquanto tenho a plena e sã consciência dos meus desejos. Tenho pouco tempo. Mas tenho o poder de decidir por mim", falou firme. Em seguida, respirou fundo, repondo o ar aos pulmões.

O doutor levantou e andou em círculos pelo quarto por algum tempo. Mãos para trás, fitava o chão com profunda contemplação. Dirigiu-se até o equipamento, e sem preâmbulo, sentou e iniciou todos os ajustes e dosagens.

A penumbra da noite chegou rápido.

O relógio de parede lia dezoito e cinqüenta.

"Coragem, doutor!", incentivava o rapaz.

Por alguns minutos, ouvia-se apenas as melodias vindas da vitrola.

"Segure esse controle. Quando você estiver pronto...", tossiu repetidamente procurando procrastinar o inevitável, "...aperte o botão preto para liberar a solução", Falou o doutor instruindo o rapaz. Cruzou os braços, e recuou três passos.

As primeiras gotas escorreram pela cânula virgem com rapidez, entraram na agulha e seguiram de veia adentro. O jovem olhou apático para o doutor, até que veio o primeiro espasmo e os olhos se arregalaram. Enquanto uma das mãos agarrava firme a lateral do colchão a outra se entendia trêmula buscando consolo.

Na vitrola a melodia triste do Impromptu número 1, em Dó menor, de Schubert, trazia em sua cadência, ritmo análogo ao da frágil vida que se exauria em gradativa lentidão, sobre a cama do hospital.

"Desejo apenas uma resposta", o doutor se apressou na pergunta sacudindo-lhe os ombros "o que sente agora, coragem, ou arrependimento???"

Silencio.

Charles M. Phelan



O MATUTO MUTILADO



Um sujeito era noivo,
munto bem apessoado,
pobre mais bem educado,
bom papo, bom cumpanhêro.
Fugindo da sêca braba,
do interiô nordestino,
êsse cabra, seu menino;
foi p'ro Rio de Janêro.

Lá no Ríi, já empregado,
certo dia, dispricente,
sofreu um grave acidente,
no quá ficô mutilado.
Foi uma grave fratura,
num vortaria ao normá.
Teve êle, lá no hospitá,
a perna e o pé amputado.

Foi um trabáio danado,
p'ro cumpetente dotô.
A amputação, meu sinhô;
foi arriba do juêio.
Um choque fela da gaita,
para o nosso personage,
quando viu a sua image,
rifritida no ispêio.

Mais forte qui nem um tôro,
matuto, cabra da peste,
ao seu povo, no nordeste,
nunca mandô avisá.
Pensô: Eu só vô contá,
a minha situação,
quando vortá p'ro sertão,
no dia qui eu fô casá.

Cunvaliceu totaimente,
butô prótese muderna,
adonde num tinha a perna,
no lugá da amputação.
Nosso querido matuto,
in grande contentamento,
no dia do casamento,
viajô inté de aivião.

Dispôi da recepção,
fôro prá lua de mé.
A noiva, lá no hoté,
foi logo a rôpa trocá.
Êle intonce, tirô a perna,
butô debaixo da cama:
Meu amô, seu bem lhe chama,
venha logo se deitá.

Butô no iscuro, a mão dela,
onde só tinha o catôco.
Falô prá ela, já rôco:
Diga, minha fía; qui tá ?
Ela dixe: É de lascá!
Coisa grossa é minha sina,
mais cum jeito e vaselina,
pode inté dá prá entrá!...

Bob Motta


INSTINTOS PRIMITIVOS



O olhar de Roberto Jefferson irradiava um brilho de esfinge no momento em que, dirigindo-se a José Dirceu, saiu-se com a célebre frase: "Vossa Excelência provoca em mim os instintos mais primitivos". Sem palavras, Dirceu retribuiu o afago com um sorriso monalísico pintado com todo cuidado para evitar rugas. A tradução do sorriso, segundo as cassandras tucanas, foi dada em Pernambuco por Luiz Zagalula da Silva: "Com ódio ou sem ódio, eles vão ter que me engolir".

As emoções do espetáculo Jefferson versus Dirceu lembram a época romântica do parlamento brasileiro, quando os deputados Carlos Lacerda, jornalista proprietário do "Tribuna da Imprensa", e Ivete Vargas, sobrinha do presidente Getúlio Vargas, trocavam afagos no plenário da Câmara. "Vossa Excelência é um purgante", exclamou Ivete certa vez, em aparte a Lacerda, que, de chofre, como diria o poeta Marcos Ferreira, devolveu a carícia: "E Vossa Excelência é o efeito".

Noutra oportunidade, conforme relato do publicitário Carlos Brickmann, no livro "A vida é um palanque", a doce Ivete adentrou o plenário "aos gritos de filho da puta". Faltou com o decoro, pois deveria ter respeitado o Regimento Interno e pedido autorização ao orador a fim de aparteá-lo. Outra coisa, na Câmara ninguém chama o colega assim, na lata, de filho disso ou daquilo. O correto é seguir a etiqueta e declarar com todo respeito: "Vossa Excelência é um filho da puta".

Por coincidência, era Carlos Lacerda quem estava com a palavra, cumprindo o dever cotidiano de massagear a lombada presidencial de Getúlio Vargas, com um repertório invejável de adjetivos, na hora em que Ivete resolveu entrar em cena. Lacerda, também chamado de "O Corvo" pelos adversários e de "A Ave" pelos correligionários, lamentou a impossibilidade de ser o filho de tão simpática senhora: "Vossa Excelência é muito jovem, não tem idade para ser minha mãe".

No caso Jefferson/Dirceu, o decoro e a etiqueta foram preservados, mesmo durante o instante de maior tensão, quando a redundância dos instintos primitivos cruzou-se com o sorriso lascivo do lagarto. Tenho a impressão de que todo instinto é primitivo, mas deixo essa análise para meu amigo Capitão Caverna, filólogo-mor das terras potiguares. Talvez tenha sido um mero artifício retórico inspirado em Sade, para disfarçar o profundo e simultâneo sentimento de gozo e dor.

Do ponto de vista aristotélico, esses instintos significam receber propina de forma automática, sem auxílio da razão. Darwin defenderia a tese de que os fatores inatos determinantes da conduta do sujeito associado ao esquema do mensalão recebem estímulo do meio e a ele se adaptam. José Simão, por sua vez, jura que "Instinto primitivo ou é sexo ou é sangue!" e registra em letras garrafais: "Eu repilo os instintos primitivos de Vossa Excelência!". Vote, diabo, e eu também!

Cid Augusto



POR QUÊ?



... o “Alma do Beco” só fala agora de política sebosa, petista, saudosa...?

... onde, e aonde, “Seu” Dunga, Presidente da SAMBA, não faz mais versos, nem fala mais em história e estória da Cidade dos Reis – só publica queixas e os versos de Márcia Maia (a que disse que tinha ido embora) ?

... Márcia sumiu – e voltou ?

... o Beco está cheio de virtuais – gente que se esconde, arranjando – com os moderadores – apelidos fajutos?

...não mais se viu, nervosíssima, cheia de cannabis sativa (estragada), uma bichona malcriada, jeitosa toda, aparentada, nuns coqueiros e redes de praia, com a poetisa(sic) mais egocêntrica do RN – importada da Borburema ?

... Fernando Bezerra continua líder do PTB, depois daquela da indicação de Ezequiel Ferreira para os Correios - e que ninguém, no Beco, responde - nem os de Santa Cruz do Inharé ?

...Diógenes da Cunha Lima continua presidente da Academia?

... Nei Leandro de Castro voltou para Natal?

...Paulo Macedo é imortal?

...Sônia Ferreira tomou posse?

...Zé Agripino não está mais na mídia, Nélio Dias, Aluísio (o sátrapa), o Dias do Caicó, Garibadi Cosern – e toda a corja potiguarina ?

...o Beco da Lama mudou-se para o Lorota’s e para o Bar do Ku?

... muita gente usa o “Beco” para divulgar (ganhando dinheiro) ambientes “estranhos” – distantes do centro da cidade: shows, lançamentos, reuniões – tudo na base da “boca livre”, jabaculê como os diabos?

... tanta amizade com os “papangus” de Mossoró?

...tem tanto maracatu do Café São Luiz, gentalha que não tem o que fazer?

...querem mudar o nome do Largo Zé Alexandre?

... niguém fala (e conhece) o Valério da Governadora?

... a Ribeira canguleira não vale mais nada, cheia de marginais – uns pobres e outros ricos, puxando fumo e cheirando adoidados na Rua Chile?

...os poetas do Beco produzem tanto: iguais a sabiás no fundo das gaiolas?

... Vicente Serejo não foi mais publicado – o Rei do Jabá ?

... não se publica mais o Pablo Capistrano, filósofo, mestre, professor, metafísico, escritor editado pela Rocco?

... porque, enfim, morreu o Beco, morreu o “Alma” ?

POR QUE?


Laélio Ferreira




segunda-feira, agosto 08, 2005

A HISTÓRIA É NOSSA


Clara claridade
claríssima
clarente.
Clara lente a perscrutar
os corpos brancos de inverno.
E as almas.

Claro vento
ventania
canta claro cata-vento
canta vento a despertar
frutos e cores
cheiros e flores
sabores.
Amores?
A gosto:
Agosto.

Márcia Maia


Nos agostos dos dias, noites de chumbo, a democracia era o sonho. Eleger nossos presidentes era um sonho. Sonhamos com uma Anistia e uma Constituinte. Plebiscitamos o presidencialismo.
Conquistamos a Independência, a libertação, a República. Conquistamos sonhos em curso. Cabe-nos enquanto povo brasileiro refletir sempre sobre os dias.
Pensar no Brasil para preservar o construído. Daí, a Ordem. A Lei. E buscar soluções. Para xeques e vivência. Pensar soluções futuras. Há um pouco tempo. Também o tempo todo.
Livre Formação Partidária, Livre Candidatura.
Se eleições são alvíssaras a novos tempos, tempos de rádio e TV iguais para candidatos iguais. Sem clipes. Só palavras e olhos na telinha. Coligação Zero. Cada partido defende sua identidade. Sem listas preordenadas. Sem cláusulas de barreira. Cotas de Fundo Partidário iguais para partidos iguais e candidatos iguais. Gastos de campanha limitados, dinheiro contabilizado. Voto facultativo. Governabilidade compartilhada. Fidelidade partidária.
E o curso dos sonhos construídos. Preservados. Levados adiante.
O Brasil sobrevive. Tem arte. Tem gente.
Nosso povo faz nossa luta. Nossa História.


Eduardo Alexandre




domingo, agosto 07, 2005

FALTA UM SONHO AOS NOSSOS TEMPOS



À minha amiga poetisa Márcia SL Maia, com carinho.

Era Agosto de 1978. Tempos de angústia. De dúvida. Ainda de repressão e medo.
Fazíamos a Galeria do Povo, na Praia dos Artistas, Natal. Exposição aberta à participação a céu aberto.

Poetas, jornalistas, pintores, fotógrafos, músicos. Muita gente jovem. Estudantes.

Ali as peças chegavam e íamos formando o mosaico daquele nosso tempo. E as peças iam sendo afixadas a prego ao muro de terreno baldio da praia. Para dizer que havia uma luta contra a angústia daquele tempo.

Naquelas manhãs de Agosto, preparei um poema para o final de semana na praia.

Vem primavera brilhante
Vem com raios de luz
Quero rever-te em meus versos
Quero reverte-se feliz.

Naquele Agosto, havia um sonho e muitos lutavam por ele.

Neste Agosto, me pergunto: haverá sonhos na primavera que virá?

Eduardo Alexandre


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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