sábado, janeiro 29, 2005

Centro Cultural da Ribeira – 50 anos de arte

Centro Cultural da Ribeira
50 anos de arte Por Alex Gurgel Bisneto*
Tribuna do Norte em 25 de novembro de 2055

Neste final de semana inicia-se a comemoração dos 50 anos da inauguração do Centro Cultural da Ribeira e os artistas e intelectuais da cidade se reúnem para festejar a data durante todo esse mês de dezembro. Os preparativos são muitos. No memorial do “Beco da Lama” será aberta, na primeira semana, a amostra de pintura de desenho em homenagem aos artistas “Eduardo Alexandre Garcia” e “Leonardo Sodré”.
A exposição mostrará as pinturas abstratas de Garcia, conhecido na sua juventude como "Dunga" e as famosas caricaturas de Sodré.No ‘Museu da Fotografia de Natal’ será inaugurada a sala “Interiores” onde serão expostos os trabalhos de fotógrafos ilustres como “Hugo Macedo” e “Lenilton Lima”. O museu ganhará mais 150 fotografias de Natal completando um acervo de 1200 registros fotográficos da cidade.
Na Casa da Ribeira, tombada como patrimônio histórico e cultural da cidade, serão apresentadas diariamente peças que concorrerão ao Prêmio “Henrique Fontes” de dramaturgia e aos fins-de-semana serão exibidos 50 filmes entre curtas e longas metragens realizados durante esse ano no estado.Nas Travessas Argentina e Venezuela serão montadas oficinas de pintura e artesanato objetivando o público infanto-juvenil da cidade que serão orientados pelos professores de artes da rede pública de educação.
Como registro histórico serão reeditadas as obras das escritoras “Clotilde Tavares” e “Cristina Tinoco” e o lançamento está programado para a segunda quinzena do mês no histórico “Café Salão Nalva Mello”. As obras reúnem crônicas e poesias das duas imortais.Será montado um palco no “Largo José Alexandre Garcia” onde se apresentarão o “Coral de Jovens de Felipe Camarão” e o “Grupo de Cordas das Rocas” interpretando as obras do maestro “Camilo Lemos”.Segundo os organizadores, as festividades de comemoração dos 10 anos do Centro Cultural não param por aí. Em paralelo acontecerá o “IV Festival Gastronômico Potiguar” que premiará os 10 primeiro colocados (Chefes e cozinheiros) com uma viagem por todas as capitais do País divulgando a culinária potiguar e participando de cursos de aperfeiçoamento.
No pátio do Museu Rodoviário do estado (antiga Rodoviária Velha) será instalada a 15a Bienal do Livro de Natal. Lançamentos de livros e saraus poéticos serão realizados todos os dias. Dentre os lançamentos está o polemico livro do escritor Mário Henrique Dantas Araújo. Na década de 20 o autor reuniu e publicou crônicas e estórias de sua autoria que abordava temas como sexo, pudor, erotismo e tudo aquilo que constrange alguns segmentos de nossa sociedade. Foi criticado e chamado de ‘ O Nelson Rodrigues pós-moderno’. O seu livro foi recusado por muitos livreiros da cidade e só agora, após ser traduzido em três línguas e comercializado em 25 paises, estará disponível aos leitores potiguares.
Todas as manifestações artísticas estarão presentes a comemoração do CCR (Centro Cultural da Ribeira). No Núcleo de Danças Populares Mestre Cornélio, antiga Estação Ferroviária, serão apresentadas danças antigas e quase desaparecidas como o Pastoril, o Boi Calemba, Coco de Roda, Lapinha, Congada, Chegança e outras.
No último dia será lançada a coleção ‘Câmara Cascudo - Um Provinciano Incurável’ pela ONG Beco da Lama. Serão 160 livros do mestre Cascudo reunidos em uma coleção que será distribuída para cada escola pública, além das bibliotecas do estado.A organização do evento espera a presença de 1.500 pessoas por dia participando da comemoração.

Crônica escrita por José Correia Torres Neto, prevendo (ou desejando) o futuro *


Eu tenho celulite

Eu tenho celulite
Meire Gomes

Hoje resolvi abrir o livro para falar sobre um tabu feminino. O nome de quatro sílabas sai azedo da boca da grande maioria das mulheres e é tratado como algo contagioso, pestilento, repugnante.

Poucas tem coragem de admitir que albergam em seus corpos as execráveis bolinhas de celulite. Eu tenho celulite, apesar de ser magra e ter uma dieta saudabilíssima. A celulite faz parte do corpo da
mulher desde que paramos de correr léguas pelas pradarias selvagens, de cruzar os desertos em busca de terras férteis, e foi evoluindo paulatinamente até se fixar no nosso DNA após o advento da Coca-Cola e do Big Mac. Portanto, queridas, as mulheres evoluídas do ponto de vista
biológico possuem celulites e, da nossa geração para frente, todas as mulheres as terão.

Minha avó quase não tinha, minha mãe tem e eu tenho mais que ela. Não sei se vocês lembram, mas até a Gisele Bündchen ou a Fernanda Tavares?, que são extraterrestres, têm.

Sem desespero, por favor ... Não vim só para trazer a péssima notícia, trago o consolo. Se vocês forem atentas, perceberão que a celulite incomoda quase que somente as mulheres, serve para uma despeitada falar mal da outra, serve para uma "descelulitada" se julgar superior a uma mulher
normal e serve para produzir anorexia nervosa nas modelos mais sensíveis.

Fora isso, serve para dar milhões de dólares às empresas de cosméticos que prometem curas mirabolantes, para nutrir as pseudociências que rolam soltas em salões de beleza e para baixar a auto-estima de mulheres recém-separadas, fazendo-as acreditar que precisam passar 4 horas por dia na academia para voltarem a despertar o interesse masculino.

O poder da celulite está sendo superestimado pela mulher moderna. Ouçam-me, entre os defeitos existentes no cérebro dos homens que não nasceram com a vocação para cirurgião plástico,
está o fato comprovado de que eles não conseguem visualizar a celulite. Faça o teste com o seu companheiro: pegue a porção mais gorduchinha (para ele é a mais gostosa) da sua perna, aperte para que as celulites saltem e lance a
pergunta: "o que é isso?"

Pelo menos 85% vai responder com a forma objetiva do cérebro testosterônico: "é a sua perna"; 10% vai perguntar se você está louca e os outros 5%, que fazem parte de uma estirpe masculina mais sensível, vão dizer: "parecem celulites, mas é tão pouquinho, eu nunca tinha
percebido, só dá pra ver quando você aperta".

Assuma sua celulite. É inexorável. Você pode tentar fugir dela, mas um dia ela te alcança.


Meus sais

Meus sais
Nelson Silveira Caldas

Cravo branco na lapela
Na capela vou casar

Maria é muito bonita
Anita é muito mais

Prefiro Júlia, a louca
De boca linda demais

Júlia é céu, é sereno
Tem sede que nunca acaba
No mar me deixa babaca
Anita, Maria, meus sais!



Quadrinhas em duo
Nelson Silveira Caldas

Vem comigo, vem amor
Vou contigo pra onde for

Junto pedrinhas
Coleciono sabores

Canto quadrinhas
Dos meus amores





Metrossexual

METROSSEXUAL
Clotilde Tavares

Na lista do Beco da Lama, que eu assino, surgiu uma discussão sobre esses homens maravilhosos que se vestem bem, se cuidam, são sensíveis e educados e além de tudo gostam de mulher, benditos sejam. O termo para essa excelente fatia da nação masculina é metrossexual.
Segundo a Wikipedia, “metrossexual é um termo originado nos finais dos anos 90, pela junção das palavras metropolitano e heterossexual, sendo uma designação fashion para um homem urbano que gasta mais de 30% do seu ordenado em cosméticos, acessórios e roupas de marca.”
Na verdade, a maioria das mulheres, - pelo menos as que eu conheço – são loucas por um tipo assim, e abominam o tipo tradicional “machão”, que fala aos berros sobre futebol, arrota alto e acha que andar barbeado, cheiroso e bem vestido o transforma em gay.
A Wikipedia fala mais: “Os metrossexuais são conhecidos por não viverem sem a sua marca predilecta de hidratante para a pele, apreciarem um bom vinho, sonharem com o último modelo de carro desportivo e gostarem de comprar peças de design. São simpatizantes da cultura gay mas são heterossexuais. Estes seres vaidosos estão geralmente bem colocados profissionalmente.”


A cal que me guardas

A cal que me guardas
Neuza Margarida Nunes

Meus pensamentos já não cabem nas teias da razão. Antoniel Campos

Armarei ciladas na noite de hoje. É pré-carnaval e na Ribeira uma banda toca. Ensaia, como se fora para aprisionar almas; como se fora para propor infernos.
Preparo meu corpo para uma noite suja de intenções.
Não me comparo a nada: despi de qualquer razão os meus atos. Já não sou afeto: sou carne.
Ardem em mim, consentimentos de ontem, quando fui menina e muitas vezes presa; alimento de luxúrias que não ficaram em mim. Nem em quem de mim fez pasto.
Hoje sou quem tarrafeio. Conheço os cardumes em busca de alimento; faço pescarias com anzóis de encantos mágicos perfumados.
Se hão de censurar-me, censuro-os eu na liberdade que proponho.
Lagos não me satisfazem. Apesar da imensidade, oceanos também repousam em limites: quero a ousadia da água que corre; a ousadia do obstáculo proposto.
Vencê-lo-ei sempre, sou rio: barragens não aplacam a minha fúria. Por isso previnem-se em comportas.
Estou ladeira abaixo e trilhos não sigo: tenho o peso dos comboios de minha idade. Nada me freia nem me conduz. Nem mais sou condutora de mim: sou deriva; Titanic a buscar icebergs.
Se estou louca, não sei. Não me importa a razão.
Não me quero fardo nem arrumo trouxas para viagens frugais: a roupa que visto basta-me como mortalha.
Não quero fantasia. Só me proponho ser coveira num carnaval de entregas: enquanto.
Do pó da cal que me guardas, quero apenas o sal que uso de tua carne.

Barro Vermelho, Natal/RN, 25 de Janeiro de 2005
Com medo de mim mesma


Cinderela pós-moderna

CINDERELA PÓS-MODERNA
Cristina Tinoco

2 HORAS DA MANHÃ
TELEFONE TOCA INSISTENTE
AGULHAS EM SUA MENTE
DÁ UM PULO ASSUSTADADO OUTRO LADO
ELE, DESESPERADO
PROPÕE UM AMOR APRESSADO
SAÍ DE CASA DESSARUMADA
DESCABELADA, QUASE REMELADA
O ENCONTRA NO PONTO MARCADO
E SEM ABRAÇO, SEM BEIJO ESTALADO
RODAM PELA CIDADE
COMENDO ASFALTO
CORRENDO DE ASSALTO
FUMANDO UM BASEADO
NADA ROMÃNTICO
ESSE AMOR QUÂNTICO
E DEPOIS DE DESNORTEADOS
ENCONTRAM-SE DE FATO
NO ATO, NO QUARTO CRESCENTE
DESSE AMOR INDECENTEDEMENTE, INDOLENTE
DE POUCOS PRESENTES
QUASE SEMPRE AUSENTE
NADA CONCRETO ESSE AMOR MODERNO !
MAS, AMOR NÃO É ABSTRATO ?
E DEPOIS DE TUDO CONSUMADO
CADA QUAL PRO SEU LADO
CADA QUAL PRO SEU QUARTO
CINDERELA PÓS-MODERNA
PODE ATÉ CHEGAR ATRASADA
JÁ NÃO TEM MEDO DA BRUXA MALVADA
NEM PERDEU OS SAPATOS
APENAS TIROU-OS DOS PÉS
PARA NÃO ACORDAR OS QUE DORMEM
MESMO APRESSADA
CUIDOU PRA NÃO PERDER OS CALÇADOS
NÃO FAZ MAISCASO DE NAMORADO
JÁ NÃO ACREDITA EM PRÍNCIPE ENCANTADO
LIBERDADE CONDICIONAL
TE DEIXO LIVRE PRA PARTIR
MESMO QUERENDO
SEMPRE AO MEU LADO TE VER SORRIR
TE DEIXO LIVRE PRA DIZER NÃO
MESMO QUERENDO
SEMPRE OUVIR SIM
TE DEIXO LIVRE PRA VIVER
MESMO QUE PARA ISSO
EU POSSA ATÉ MORRER
TE DEIXO LIVRE PRA PROVAR
SABORES DE UM NOVO AMOR
MAS NÃO ME PEÇAS PRA ESPERAR
LOGO IREI ME CANSAR
TE DEIXO LIVRE PRA AMAR
MAS NÃO ME PEÇAS PRA VOLTAR
TE DEIXO LIVRE PRA VIVER
E NEM POR ISSO IREI MORRER
TE DEIXO LIVRE PRA CHORAR
AS DORES DE UM OUTRO AMOR
E RUMINO SOZINHA ESSE DISSABOR
TE AMO TANTO
QUE MEU DESENCANTO
É BEBER TUAS LÁGRIMAS
PRA ENXUGAR TEU PRANTO
TE AMO TANTO
E SEI QUE NOSSO AMOR
NUNCA IRÁ MORRER
POIS SEMPRE TE DEIXAREI LIVRE
PARA VIVER
PARA NÃO DIZER ADEUS


Quero sair da tua vida
Lentamente. Sutilmente.
Com a calma de quem
Não tem pressa de chegar
Com a determinação de quem não vai voltar
Quero sair da tua vida
Calmamente. Suavemente.
Como a chuva que acaba
De passar
Como o Sol que começa a raiar
Quero sair da tua vida
Decididamente. Definitivamente!
Como elo que foi partido
Como um lacre rompido
Como um ponto, no horizonte, perdido.
Quero sair da tua vida
Como quem sobe uma escada
Passo a passo, degrau por degrau.
Do alto, mergulharei para o infinito.
E sumirei, sem nenhum ruído.


Noite

NOITE

Nos sons da noite
Me transformo.
Nos cheiros da noite
Me devoro.
Não sou anjo.
Não sou demônio,
Mas tenho um tridente na mão
e asas na imaginação.
A noite é perigosa.
A noite tudo conduz.
O vilão se aproveita
Da sua ausência de luz.
Se mostrar no escuro
É fácil e bem seguro.
Sem máscaras, caras e bocas,
Podemos ser totalmente loucas.
No outro dia,
Que monotonia!
A luz nos traz
Mostrando que o sonho jaz.

Ana Cristina Cavalcanti Tinôco


Três poemas de Cristina Tinôco

DESEJO

O que é o desejo
senão na possibilidade do beijo
sentir o gosto da minha boca
através da tua.

Que é o desejo
senão descobrir-me através de ti
sentir em tuas mãos o contorno do meu corpo
coxas, ventre e seios
em carícias sem rodeios.

Que é o desejo
Senão querer ser querida
E como brasa numa grande fogueira
Deixar-me consumir
Deixar-me possuir
Alimentado o algoz
Queimando em fogo feroz
Até não mais existir

Que é o desejo
Senão uma grande ansiedade
Mola que impulsiona meu viver
Que me faz procurar-te por toda cidade
Que me deixa louca de saudade
Sempre querendo te ter?

Pois se te tenho
Encontro-me
Em ti me descubro

Teu prazer é o meu prazer
Meu viver só tem sentido
Por você

Somos duas metades que se procuram
Que se completam
Que se atraem
Que precisam estar unidas
Por toda a eternidade
Desejo e saciedade.


EU

Já fui
E às vezes ainda sou
Menina encabulada
por tudo fico emburrada
Criança alvoroçada
Nas brincadeiras de calçada
Adolescente impertinente
Maçante, renitente.
Hippie alucinada
à toa, sem ligar pra nada
Curtidora de som
Garganta pouco afiada
de difícil tom
Destemida no amor
E nos mistérios do sexo
Dando cabeçadas
Fazendo coisas sem nexo
Jardineira, costureira.
Cozinheira, arrumadeira.
Faltou ser enfermeira e engenheira
E dificilmente serei
Doenças e matemática
Não fazem parte da minha tática
Amante, amiga, apaixonada.
Que se magoa por nada
Tristonha, deprê, desiludida.
Nos teus braços pedindo acolhida
Já fui, e às vezes ainda sou
Essa coisa meio perdida
Sedenta de amor e de vida.



FOME DE VOCÊ

Ah, se você chegasse agora
Certamente eu não iria olhar
Qual a hora
E iria te abraçar
Te cheirar, te acarinhar
Te morder e te ninar
Até me saciar.

Ah, se você viesse logo
Certamente eu nada iria dizer
apenas te morder
E querer te comer
Com a fúria de uma antropófaga

Primeiro a tua orelha.
O lóbulo tenro, molinho
Iria desfibrá-lo todinho
qual pássaro fazendo ninho.

Depois teu pescoço
longo, durinho
Tão cheio de osso.

Depois teu peitinho
pequenino, bonitinho.
Ia ficar só o furinho

Ah, e tua barriga
macia, comprida
Viraria uma grande ferida.

Descendo mais um pouquinho
Ao céu, ia encontrar o caminho
Mas não te comeria.
Aí a coisa se inverteria
A caça viraria caçador.

Ah! Meu amor!
Tudo não passa de devaneio
Por não te ver há tanto tempo
Que já ando assim
Doidinha e a fim
de te comer e de te querer
Pertinho de mim numa noite sem fim.

Dentrinho de mim
Você sendo eu, eu sendo você.
A gente se fundindo até se perder
Neste paraíso, que sem aviso
Nos leva pra terra do além
Da dormência, da indecência
Do amor, do não pudor.
Ah, se você chegasse agora meu amor!




Azul da cor da saudade

AZUL DA COR DA SAUDADE
Yasmine Lemos

Esquina da rua Apodi com Afonso Pena. Domingo desses entrei num bar, onde não costumava freqüentar, mas cresci passando pela sua calçada todos os dias e seus freqüentadores testemunharam minhas modificações físicas, meus passos rápidos e acenos leves. Muitos já "viajaram"...
Entrei sem muita pretensão de ficar. Ali havia muitos vestígios que particularmente não gostaria de lembrar. Mas fui. O ambiente está mudado (pintura, espaço), mas a nostalgia e o clima de conversa é o mesmo.
Não estou me traindo ao falar de um ambiente em que apenas passava na calçada. Mas carregamos (falo agora especialmente de mim) traços físicos e emocionais genéticos e eles me condenam ou me abrem as portas e todas as resenhas contadas naquele espaço, ouvia em casa, talvez 20%, porque a fidelidade dos boêmios é de causar inveja a qualquer casal apaixonado.
Sentei e os olhares pesaram ao meu redor. Rostos antigos, olhares sorrindo ...
O violão começou a tocar e as conversas foram se calando. Já estava mais perto do que imaginava e começaram as perguntas e fui até eles:
- Eu conheço esse rosto...
- Você parece com...
- Você mora aqui perto eu sei...
Quem me acompanhava havia entregado o "ouro" quando disse meu nome.
- Já sei! Você é filha de...
- Menina! Seja bem vinda. Seu pai deixou saudade! E começou, e começou... Já não podia voltar, nem sair. Senti-me mais à vontade. E aceitei, como nunca, minha condição de inimiga da saudade.
Prometi escrever um poema para colocarem na parede. O dono concordou feliz, uma oportunidade para mim, afinal. Onde numa cidade que a maioria fecham as portas.
Fiz o que tinha que ser feito: bebi, cantei, conversei, me emocionei e fiquei de voltar qualquer dia. Não sei. Sonolenta e triste me despedi. Fazia tempo que não sentia apertos de mãos fortes, olhares que não fogem, nem do lugar nem do bar de um azulão que não tem tinta nova que modifique sua cor original deixada nas histórias e lembranças.


Nordestinês

Nordestinês

essa língua que fala e escreve a gente
quando diz réca, ruma e acocora,
diz ainda quartinha e vamimbora,
aperreio, biliro e se apoquente.
diz charque, macaxeira, vixe, oxente,
meiota, caritó de gaiamum,
alguidá, urupema e jerimum,
munguzá, samburá, pé-de-moleque,
papagaio, barreiro, angú e jegue,
e acabou-se o martelo, quem faz um?

Márcia Maia


A mulher da louça

A MULHER DA LOUÇA
Mário Henrique Dantas de Araújo

Dia das Mães. Família que não mais almoça junto todo dia se reúne numa festa matriarcal.
O marido da minha mãe senta na cabeceira, eu fico do lado. Nunca pensei que o marido da minha mãe pudesse não ser o meu pai. Mas isso é tão normal!!! Talvez não seja normal eu ficar sem coragem de decobrir a imagem renascentista daquela mulher seminua pintada na louça do prato, com arroz, filé, camarão e salada. Louça desenhada a ouro que a minha mãe guarda desde o seu primeiro casamento. Uma porcelana com quase50 anos. É realmente uma obra de arte. Eu já tinha me apaixonado outras vezes por essa mulher, até porque no período da minha existência só estive com ela em ocasiões assim, natal, reveillon, aniversários, dia das mães, dia dos pais... Acho que é por isso que ela sobrevive e nunca morre na minha lembrança, e a minha paixão também. É uma bela mulher coberta apenas por um pano vermelho entre as pernas. Uma perfeição de semblante, cor, luz e estética física. Ela parece chamar para os mistérios da sedução e do amor, apenas com sua expressão calada, criada pelo artista que infelizmente não sei quem é. Pensava que esta paixão era coisa de viagens insólitas minhas, mas não. Depois de tanto tempo sem vê-la, senti a mesma coisa que senti no natal de 75, quando eu me apaixonei pela primeira vez. Acho que é o meu amor a arte, ou uma transferência saudosista de desejos perdidos, sei lá. O que importa é que neste momento consegui sentir prazer no belo que se revela numa pintura assim.
Encantado, fiquei minutos a apreciar tamanha criação. Lógico que todos notaram que era mais uma "loucura" minha. Até riram da minha "besteira". Não sabiam que apenas estava celebrando a história da família relacionadaà arte. Porque aquela louça, mesmo sendo de porcelana, sobreviveu intacta por quase 50 anos, e nós, que somos de carne e osso, já nos quebramos tanto? Enfim, tive que cobri-la de alimento. Um fomento de adesão ao almoço familiar. Fui pelas beiras. Cobri a paisagem em volta do seu corpo com salada. Botei uma tira de filé em suas pernas, um camarão em seu umbigo (um piercing ecológico), arroz em seus cabelos, e, por fim, com o dedo indicador, derramei uma gota de vinho em sua boca de Eva. Foi um brinde.
Peguei os talheres pesados e afastei o que cobria o seu rosto (gosto decomer com talher pesado, a comida fica mais leve). Degustei tudo brincando de despi-la aos poucos. Com garfo e faca fui tirando suas vestes gastronômicas. Primeiro as pernas, depois o abdômen, até chegar nos seios da divina ceia. Ouço um irmão dizer: esta porcelana ainda existe, é "Porcelana Real".
É claro que ela existe e sempre existirá. Mas real mesmo é entender que o amor é como ela, só sobrevive se o guardarmos a sete chaves, e, para que continue vivo e resistente, tem que fazer como minha mãe faz: ela mesma é quem lava a sua louça, com muito cuidado para não arranhar a imagem. O melhor de tudo foi que antes de despedir-me dela, levaram o meu prato, sem que eu pudesse lamber tudo primitivamente, para que não sobrasse nenhum resquício sequer de biodegradação. Aí veio a sobremesa. Lá estava ela na taça, na jarra, na xícara e no pires. Então, depois de tê-la bebido, depois de tê-la comido, percebi que ela não se animou. Continuou desenho inanimado, mas muito mais viva do que tudo que já pude ter, simplesmente porque em seu silêncio estático me envolveu, e eu descobri com ela, que talvez este seja meu único amor eterno, apesar de todos os outros terem sido os verdadeiros.
Esta imagem apareceu tão forte em mim neste dia, que instintivamente pedi a minha mãe aquele prato de presente para botar na minha estante. Depois desisti, não levei o prato. É melhor não tê-la na estante cotidianamente para que possa desfrutá-la nestes raros instantes familiares.
Penso que só assim será para sempre.

12 de maio de 2002


Resenha do Cloe

Banda e undas
Gennnnnnnnte!
A Banda da Ribeira tava era boa! Tinha poeta namorando, noivo sendo pastorado, jornalista beijando muiiiiiiito, fotógrafo sem saber quem agarrasse, mediador quieto, Lêndea de cabeça em cabeça, com todo uidado e muitas undas, belas, de enlouquecer um Barba erótico. O clima de festa era tão interessante que alguém jurou que Alex Gurgel estava pagando cervejas para algumas pessoas. Só não vi Mário Boga Tadeuzinho Spam...
Aliás, Tadeuzinho depois da deletada está quieto de fazer dó. Passa os dias na janela do seu apartamento observando uns calangos gigantes que ele acha parecido com camaleões, sem entender porque Hugo Macedo ainda não foi lá fotografar. O dito ujo jura que doravante somente irá escrever textos onde aquela palavra foloboscoitiana não apareça.
Camilo Lemos, todo enfaixado (até aquele negócio, que não sou doido de dizer o nome) para não machucar seus membros com o tambor e vestido tal qual um cangaceiro, chegou somente o bocal na Rua Chile.
Chagas não foi. Estava preparando um cavalo para seguir na cavalgada de hoje no litoral norte. Disse que depois ia comer um uzido lá em Muriú, junto com Paulinho a Cores, maior leitor de Tadeuzinho.
Clotilde não foi. Petit das Virgens, também.
Simmmmmmmmm! Tão dizendo que Eugênio Libertino 1/2 foi o responsável pela volta de Dani ao Beco, que aliás estava lá com Mazé, tomando todassssssssss! Ela estava uriosa para saber como ia ser o Aratu no Facho. Mazé disse que ia de qualquer maneiraaaaaaaa!
Meire não foi. José, vi de longe. Leila nem deu notícias. Neuza estava fantasiada de unzinheira baiana, completamente embriagada, agarrando todos os homens e beijando muito.
Karl, como sempre, disse que ia, mas não foi.
Orf estava pesquisando as reações dos elefantes asiáticos que burlaram a Tsunami.
EU, muito macho!
CLOe

Gennnnte!
Está rolando uma aposta no Resenha: Karl vai aparecer um dia, ou é um ser virtual?
Orf jura que ele existe, que o conhece, mas virtualmente. Dunga, que não acredita nem em Deus, duvida. Eugênio Libertino 1/2 acha que ele é um personagem criado por Lêndea Urbana. Silêndia, não está nem aí, só pensa em Lulu do Lual, amor novo achado lá nas cercanias de Cotovelo. Alex não acha adjetivos. Hugo disse que fotografa até fantasmas. Bill Clítores, o garçom, que ultimamente anda com a cabeça nas nuvens, garante servir uma Selecta de graça, acompanhada por uma codorna. Júlio Imperador Manicaca acha que ele é do seu time e não vai porque a mulher não deixa. Chagas, na dúvida, promete um `pé quebrado´. Mazé não acha nada e Dani garante mandar em pvt, se ele existir, todos os seus arquivos de ursinhos.
CLOe, na dúvida...


Em defesa própria

Em Defesa Própria
Rubens Lemos


A poesia está no bico
do pássaro
(faminto e calmo)
que passa sobre o homem


Apenas o poeta
inconcluso
momento
instrumento
Inacabado artesão
que se permite
vitimar a palavra
com honradez

- A honradez do pássaro
que voa em legítima defesa


Cidade berço

Cidade Berço
Eduardo Alexandre*

Anunciação, festa. Predestinação. Estrela-guia encravada forte à sombra do marco de posse da terra Brasil, sonho da era esperada, sinal. Cidade que cresceu lenta no tropicopontal Atlântico, contemporâneo do primitivo chegar náutico e do cibernético/dígito/espacial tempo também de favelas e orelhões, antenas ao mundo, claro, universal: leste.
Primeiras luzes da Sulamérica. Conversa tradicional das personagens do Grande Ponto, becos da velha Ribeira, esquinas e cais; agitos do Baixo, palco oficial de chegada, início, confirmação: indicação de magos entre coqueiros. Micro-universo mágico, figura poética de vidas e almas: cidade bruxa – o ego não ousa desvendar os seus mistérios.
Filhos simples de cidade simples, cativa dos seus amores folclóricos e lúdicos, de fandangos e bumbas de etnia remota, múltipla. Sentinela atenta. Salto. Trampolim de vitórias no além-mar. Pedra guardiã, fortaleza. Sangue cívico de várias jornadas. Luta.
Burgo de História e estórias, casos e causos, transmitidos pelos que fazem o seu cotidiano sério, boêmio e descompromissado, colorido pelo sol permanente: Nordeste. Nova Amsterdã imposta. Londres Nordestina na visão do poeta.
Galo madrugador, fé: Rosário de imagens e lendas do Rio Grande, o Potengi. Tapioca gostosa. Peixe frito no dendê.
Canto do Mangue, Ponta Negra, Mercado da Redinha, veraneio com cachaça, tira-gosto com caju. Ginga. Cidade manhosa, erguida entre dunas, bela em arrecifes e explosões de ondas, é brisa afável; é verde nas praias e morros da mata Atlântica.
Habitat natural encantado da tribo dos índios comedores de camarão, os Potiguares. Papa-jerimum de verdade, cidade guardada pela natalidade/infância, formação e dengo de reis e duendes, cidade circo de palhaços-guerreiros, antevisores da nova aurora: facho, farol, alegria do parto.
Misto de encanto e descobertas. Martelo à luz da manhã. Magia. Cidade viva, eterna na memória dos seus mortos. Cidade nua. Cidade crua. Cidade Santa, segredo: cidade berço.

*Eduardo Alexandre é artista plástico, poeta e criador da Galeria do Povo


Batman & Robin

BATMAN & ROBIN (fragmento)
Eduardo Alexandre / Carlos Gurgel

UM POEMA CONCRETO DA ABSTRAÇÃO VIVENCIAL

O entretenimento entretem> a moçada> que nada tem> (de grana)> na calçada do bar>> Depois vem o sonho> sono do real feitio> diversão> Dormir no além> ao relento dos medos> dos ventos e dos tempos> tempo presente> indicativo do real> feito espanto> feitiço marshmellow> e no final> a paixão de estar incontida> (e bem no fundo escondida)>>>> A dádiva de ser> (sendo)> O que não se é> No horizonte do acaso> das incessantes ilusões> da briga do bem e do mal> das estórias do Batman e do Robin> dos magazines das gavetas> infestadas da naftalina troipical>> Amanheceu chuvoso> Em cima da minha cabeça> nas montanhas de Gothan City> nas calçadas encharcadas de vômitos> E cômicos de Gothan City>> Corri apressaqdo pro correio> coloquei correspondência sideral:> o fanatismo dos saltos da dupla infernal> por cima dos espigões> inquieta a mim> e a todos pelo sonho transposto para o real>> SALVAI-NOS CIBERNÉTICA SEM PRUMO E SEM DEDAL !!!>> Pedal da transamérica ocidental> russa e meridional> visigoda bárbara pasta dental> alcalina e coloidal> ameda do subdesenvolvimento animal>> Sonhei na astúcia de Babel> Desde pequeno> no quintal lá de casa> havia mangueiras coloridas> e hoje me transporto> para os arranha-céus de Gothan City>> Nas mangueiras ficava a tarde inteira> Às vezes mangas verdes> Às vezes mangas maduras>> Os uniformes dos dois são muito resistentes> (como os tempos d'agora)> e d'além-mar onde Cabral> enfeitava o cantagiante carnaval> das mulatas fagueiras e danceiras> das noites despudoradas do Bangu !>> VIVA A GOTHAN CITY TROPICAL !> Dos heróis e anti-heróis da noite saxã> hegeliana e fenomenal> romanceira e tradicional> como o escovar dentes e o banho matinal>> Do olho da minha janela> vislumbro os extemporâneos Batman & Robin> contemporâneos das favelas> e dos ghetos das nossas cidades> despudoradas>> Alcanço no meio do visual> a necessidade primitiva dos dois:> dobrar as mangas> e ir ao infinito desejo> do apoio e do congraçamento>> Me identifico muito com suas proezas metafísicas> elas representam a última tentativa da Tribo Aquário> pelo inverso do sonho> sonhado na determinaão do crepúsculo> amiudado na vontade da noite bizantina> do dinheiro ou a vida !>> Isso é um assalto> Assalto insólito> dos supermercados e butiques> da bomba de gasolina> que não abastece o Bat-car>> A determinaão juvenil emanada pelas fortes forças> saídas dos motores Bat-morcegos> não mais o grito> primal dos Aiô !> Dos Krig ! Há! Bandolo !> Mas os canos de escape> cerrando os ares e desencadeando> a jornada dos apelos oriundos> das gargantas do povo oprimido>> PEGA 1> Pega que o homem é herói> Herói das multinacionais e patrões> da riqueza comandadora da inflaão> do superavit nos balanços> da Cia. de eletricidade estatal>>>> Aiô ! Krig ! Há ! Bandolo !> Dói na barriga do povo> a subnutrião> E a falta de leito nos hospitais> que a Mulher-Morcego não visita em fim-de-ano


Ribeira


RIBEIRA
A RIBEIRA NÃO ERA SÓ BAIRRO, ERA VIDA E TIPOS QUE MOVIAM A CIDADE, FAZIAM-NA HUMANA E INTELIGENTE, CONHECEDORA DO MUNDO, VIA BOCA DA BARRA DO POTENGI.
EDUARDO ALEXANDRE

A Ribeira que eu conheci na infância não é a Ribeira de hoje, esquecida da população e dos governantes. Era uma Ribeira ativa onde o cais da Tavares de Lyra tinha vida e albergava misteriosas caravelas vindas de não sei onde e que faziam povoar de piratas e aventuras minha imaginação de menino.
Era a Ribeira do porto movimentado, quando as estradas ainda não tinham rasgado os interiores e todo o transporte era feito por mar, necessitando dos trabalhos do despachante aduaneiro, com seus escritórios movimentados e gente a conversar sobre tipos e acontecências quase que só da cidade, já que o resto do mundo era distante e, portanto, de pouco interesse.
Era a Ribeira do casarão do maestro Alcides Cicco a abrigar araras de coloridos especiais e um sem número de passarinhos, que o atraiam a uma conversa com o meu avô despachante, José Alexandre, também ele um amante de canários belgas, pintassilgos, galos-de-campina e curiós, com seus cantos dobrados e de sonoridade sem igual.
Ribeira do Teatro Alberto Maranhão onde reinava, vitaliciamente, o circunspecto senhor teatrólogo Meira Pires, a contar vantagens sobre suas peças que nunca vi encenadas, mas que enchiam de curiosidade a minha imaginação.
Do casarão de Cascudo, que nunca ousei adentrar, devido ao respeito à figura que costumava ver às tardinhas em conversas amenas na velha Confeitaria Delícia do português Olívio Domingues da Silva, com sua perna dura e a sua alma imensa a distribuir sonhos de valsa e torrones que, claro, iam para a conta do meu pai, Zé Alexandre Garcia, a tomar umas no reservado com Newton Navarro, Dozinho, Mozart Silva e tantos outros boêmios que povoavam com humor e sabedoria o centenário bairro.
Como esquecer um Zé Areia, aquela figura que chegava e que atraía a atenção de todos com os seus repentes geniais a responder provocações propositais? Impossível. A Ribeira não era só bairro, era vida e tipos que moviam a cidade, faziam-na humana e inteligente, conhecedora do mundo, via boca da barra do Potengi, cenário de memoráveis regatas bravamente disputadas entre remadores dos clubes náuticos da rua Chile. Ribeira das companhias de pesca e da Estação Ferroviária, lenta, barulhenta e misteriosa.
Ribeira de jornalistas e de jornais, de prostitutas e prostíbulos famosos, que nunca adentrei mas que atraiam a minha curiosidade em suas janelas nem sempre escancaradas. Ribeira do nojo do Beco da Quarentena. Do mundo fantástico das publicações da Agência Pernambucana. Dos bares invadindo calçadas. Das peixadas. Dos salões de barbearia onde de tudo se conversava. Dos salões de jogos. Dos engraxates e sapateiros a céu aberto, em suas cadeiras imensas para mim, garoto.
Ribeira nostálgica do quiosque e da pontezinha do jardim chinês que quase a memória esqueceu, destruído que foi pela construção da nova rodoviária que parece, levou-o para nunca mais voltar.
Ribeira do Grande Hotel e do major Theodorico, homem lendário a pastorar diariamente a praça da igreja do Bom Jesus das Dores, a abrigar ossos dos Amorim Garcia, lacrados em urnas em suas paredes já centenárias. Ribeira inesquecível de “A República”, da Capitania dos Portos e da vacina contra a febre amarela, terror dos viajantes. Ribeira de Luís Tavares e de suas estórias de brigas com gringos e policiais dos idos da guerra.
Ribeira sem dúvida inesquecível. Poeticamente mágica e deliciosa, professora de gerações.
Ribeira bancária, alfandegária, comerciária, gráfica.
Ribeira cartorial.


4 poemas de Marize Castro

VINHO

Se queres seco
para molhar a garganta
eu o quero suave
para reiventar
essa chama
se o queres branco
para velar a virgem
eu o quero
vermelho
do porto
para aportar
as paixões
que me dividem.

Sou
mais ave do que aço
Dias varo
perpetuando vôos
colhendo as ostras
que se escondem
sob
o lodo.


QUERELA

Minha farsa
é sábia
sóbria
com ela vivo
enfrentando as feras
misturo as tintas
para em seguida
abandonar a tela.
A loucura está a alguns
passos de mim
(não me confunde)
e me observa
com o olhar de prata
que só habita
os cúmplices.


CERTOS AMORES

a André Gide

Conheço amores
que sobem patamares
percorrem mares
e navegam em bares
e são mais fortes
que o sono
a decência
e a noite.


Realidade noturna

REALIDADE NOTURNA
Eduardo Alexandre


É noite. Não chove. Não faz frio.
Não existe o silêncio.
Sons existem.
A realidade noturna
Só os sentidos podem captar.
Como qualquer outra realidade existente.
A não existente,
A mente.


É dia. Chove. Faz frio.
Não existe o silêncio.


Batem os pingos;
Latem os cães;
Os automóveis trafegam.


É tarde,
Vou dormir...


Entrelinha AC

houve um tempo em que tudo era tão bom.
quando todos tudo ao mesmo tempo descobrimos,
e nós, que já não éramos adolescentes,
deixávamos que os corações desembestassem.
éramos muitos, de vários bairros da cidade,
mas sabíamos do endereço de cada um,
dos horários de todos nós.
e nos preocupávamos uns com os outros.
era tudo novo para nós e sabíamos disso.
a cada descoberta, a partilha.
quantas vezes não trocamos nossas lágrimas...
e tantas, o sorriso...
em meio à turma, elegíamos nossas preferências,
mas éramos unos, um em todos, todos em um.
dos mais experientes, bebíamos os conselhos,
ouvíamos o caminho a ser seguido.
aos que chegavam, dispúnhamos o que já aprendêramos.
tudo era alegria.
as desavenças só vinham confirmar a regra, mas passavam.
se um se afastava, todos iam à sua busca.
e hoje, passado décadas em poucos anos, não somos mais assim.
endurecemos e, pior, envelhecemos.
envelhecemos não na idade.
essa, indefectível.
mas na vontade, no gesto, no cuidado com o outro.
nos distanciamos e fomos esquecendo cada um de cada um.
hoje, quando nos encontramos, ainda trazemos o sorriso no rosto,
mas não sorrimos mais lá dentro.
nem das coisas típicas do começo.
é tudo distância e é tudo bom do jeito que está.
parece que não éramos o que éramos.
e é difícil sermos assim,
não é bom do jeito que está coisa nenhuma.
mas é assim que estamos e é assim que é.
o duro é sabermos isso: nada será como antes.
e disso todos nós sabemos.


Antoniel Campos


Entrelinha

entrelinha


houve um tempo em que desamanhecia e a noite se estendia para além da madrugada, enquanto perdurassem as palavras que se travestiam da palavra amor. houve um tempo em que todas as palavras — casa, gato, faca, mão — queriam dizer desejo: te quero. e as estrelas preguiçosas retardavam a caminhada, ofuscando o sol. passou esse tempo. partiram as estrelas. mas as palavras, imbuídas do sentimento do eterno, permanecem. e ainda brincam sob a pele quando se faz longa a madrugada. quem pensou serem efêmeras as palavras?



Márcia Maia


O bobo da corte

O bobo da corte

Eu, o bobo da corte
Menino vadio
Perambulador
Sorrio da vida
Me afogo na dor
Divirto a platéia
Zombo do governador
Sou rico e sou pobre
Amado
Chutado
Amante eu sou.
Eduardo Alexandre


Canto do Potiguara


Canto do Potiguara
Lourival Açucena
(TORÉ)

Curupira se afugenta,
Manitó esquece a taba,
Mas minh´alma não esquece
O amor de Porangaba.

Cai a murta, o camboim
O murici, a mangaba,
Mas não cai dos meus sentidos
O amor de Porangaba.

Cambaleia o pau-d´arqueiro,
Que ao rijo tufão desaba:
Mas não se abate em meu peito
O amor de Porangaba.

Vai-se o torcaz que gemia
Ao pé da jabuticaba,
Mas não deixam os meus anelos
O amor de Porangaba.

Foge a abelha que zumbia
Sobre a flor da guabiraba,
Mas não foge aos meus afetos
O amor de Porangaba.

Despe a flor o ingazeiro,
A oiticica, a quixaba:
Mas não me escapa da mente
O amor de Porangaba.

Da cunhã remorde a face
Reimoso capiucaba;
Mas não remorde o ciúme
O amor de Porangaba.

De Moema o terno amor,
Não, não rende o imbuaba,
Mas a mim rende e cativa
O amor de Porangaba.

Da extremosa Margarida
O amor já não se gaba;
Mas eu decanto, Arãhi,
O amor de Porangaba.

O pajé canta a bravura
Do alto Morubixaba,
Mas eu só canto em toré
O amor de Porangaba.

Anhangá cede a Tupã
No poder que não se acaba,
Mas não cede a outro amor
O amor de Porangaba.

Explicação do Canto do Potiguara
Potiguara: "Comedor de camarão", nome da tribo que habitava o Rio Grande do Norte.
Toré: Melopéia indígena. Canto tristonho, prolongando os últimos versos.
Curupira: Gênio do Mal.
Manitó: Gênio protetor da
Taba: Casa grande ou o ajuntamento das habitações indígenas.
Camboim: fruto silvestre do Brasil.
Muricy ou murici: Gênero de plantas malpighiáceas do Brasil.
Pau-d`arqueiro: Nome popular de pau-d`arco.
Torquaz, ou ainda concliz ou corrupião: Nome de ave do Brasil, famosa pelo canto e pelas cores.
Jabuticaba: Fruto da jabuticabeira, mirtácea do Brasil, que compreende várias espécies.
Guabiraba: Fruto da guabirabeira, gênero de borragináceas do Brasil.
Quixaba: Fruto silvestre do Brasil.
Cunhã: Donzela.
Capiucaba: Marimbondo.
Moema: Personagem histórica dos primeiros tempos da colonização no Brasil.
Imbuaba: Nome dado pelos indígenas ao europeu; do guarani – neboab, "pernas vestidas".
Arãhy: Interjeição ou explosão de voz (em Tupi) traduzindo a saudade.
Pajé: Feiticeiro e cantor dos feitos guerreiros da tribo.
Morubixaba: Chefe dos índios. Maioral.
Anhangá: O Diabo dos índios.
Tupã: Deus
In Joaquim Eduvirges de Mello Açucena (Lourival Açucena) (Lorênio)
Versos reunidos por – Luís da Câmara Cascudo,
Coleção Resgate – Editora Universitária UFRN, 1986.


Serenata do Pescador

SERENATA DO PESCADOR
(PRAIEIRA)

PRAIEIRA DOS MEUS AMORES,
ENCANTO DO MEU OLHAR!
QUERO CONTAR-TE OS RIGORES
SOFRIDOS A PENSAR
EM TI SOBRE O ALTO MAR...
AI! NÃO SABES QUE SAUDADE
PADECE O NAUTA AO PARTIR,
SENTINDO NA IMENSIDADE,
O SEU BATEL FUGIR,
INCERTO DO PORVIR!

OS PERIGOS DA TORMENTA
NÃO SE COMPARAM QUERIDA!
ÀS DORES QUE EXPERIMENTA
A ALMA NA DOR PERDIDA,
NAS ÂNSIAS DA PARTIDA
ADEUS À LUZ QUE DESMAIA,
NOS COQUEIRAIS AO SOL-PÔR...
E, BEM PERTINHO DA PRAIA,
O ALBERGUE, O NINHO, O AMOR
DO HUMILDE PESCADOR!

QUEM VÊ, AO LONGE, PASSANDO
UMA VELA, PANDA, AO VENTO,
NÃO SABE QUANTO LAMENTO
VAI NELA SOLUÇANDO,
A PÁTRIA PROCURANDO!
PRAIEIRA, MEU PENSAMENTO,
LINDA FLOR, VEM ME ESCUTAR
A HISTÓRIA DO SOFRIMENTO
DE UM NAUTA, A RECORDAR
AMORES, SOBRE O MAR!

PRAIEIRA, LINDA ENTRE AS FLORES
DESTE JARDIM POTIGUAR!
NÃO HÁ MAIS FUNDOS HORRORES,
IGUAIS A ESTE DO MAR,
PASSADOS A LEMBRAR!
A MAIS CRUEL NOITE ESCURA,
NORTADAS E CERRAÇÃO
NÃO TRAZEM TANTA AMARGURA
COMO A RECORDAÇÃO,
QUE APERTE O CORAÇÃO!

SE, ÀS VEZES, SEGUINDO A FROTA,
PAIRAVA UMA GAIVOTA,
LOGO EU PENSAVA BEM TRISTE:
O AMOR QUE LÁ DEIXEI,
QUEM SABE SE INDA EXISTE?!
ELA, ENTÃO, GRITAVA TRISTE:
NÃO CHORES! NÃO SEI! NÃO SEI...
E EU, SEMPRE E SEMPRE MAIS TRISTE,
REZAVA A MURMURAR:
“MEU DEUS QUERO VOLTAR!”

PRAIEIRA DO MEU PECADO,
MORENA FLOR, NÃO TE ESCONDAS,
QUERO, AO SUSSURRO DAS ONDAS
DO POTENGI AMADO,
DORMIR SEMPRE AO TEU LADO...
DEPOIS DE HAVER DOMINADO
O MAR PROFUNDO E BRAVIO,
À MARGEM VERDE DO RIO
SEREI TEU PESCADOR,
Ó PÉROLA DO AMOR!

OTHONIEL MENESES


La luna, de Márcia Maia

la luna

enquanto
no céu, a chuva afogava
a lua cheia

umoutra
desdobrava-se sacrílega
italiana

e antiga
torpe, infiel e belíssima
qual origami

na tela da tevê.


Márcia Maia


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

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