Manoel Rodrigues de Melo
Manoel Virgílio Ferreira Itajubá nasceu no penúltimo período de reação contra o romantismo, início da fase parnasiana no Brasil.
Era a fase de Segunda Escola Paulista, citada por Sílvio Romero, no seu livro "Evolução da Literatura Brasileira", que tinha por epígonos Teófilo Dias, Raimundo Correia, Olavo Bilac, Alberto Oliveira, Afonso Celso, aos quais se ligavam Artur Azevedo, João Ribeiro, Adelino Fontoura, Guimarães Passos, Rodrigo Otávio, Magalhães de Azevedo, Mário de Alencar, Luiz Guimarães Filho, Paulo de Arruda, Osório Duque Estrada, além de outros.
Em Natal, os poetas desse período chamavam-se Lourival Açucena, José Teófilo, Joaquim Fagundes, Moreira Brandão, Manoel Gomes da Silva, Antônio de Amorim Garcia, Francisco Otílio Álvares da Silva, padre Antônio Arêas, Urbano Hermilo de Melo, Luz Carlos Lins Wanderley, Isabel Gondim e alguns outros.
Em 1876, Natal não passava de uma cidade triste, bisonha, escura, sem higiene, sem transporte, sem escolas, sem indústria, abrigando 20.000 habitantes, em números redondos. Os meios de transporte para o interior da Província eram parcos e morosos: o carro de boi, os animais de carga e de sela, as pequenas embarcações de cabotagem movimentavam a riqueza da terra. A estrada de ferro só existia em projeto. Não havia serviço d`água nem de esgoto. A população da Cidade Alta abastecia-se no Baldo. Os moradores da Ribeira apanhavam água nas cacimbas. Os estabelecimentos de ensino público resumiam-se num só: o Atheneu Norte-Riograndense, fundado em 1834. Colégios particulares, não existiam. As primeiras letras eram ensinadas em aulas particulares: um José Gotardo, um Francisco Otílio e alguns poucos. Os transportes para fora da Província eram feitos em vapores da Companhia Pernambucana, auxiliada por barcos de pequeno curso. Os maiores jornais da cidade eram O Conservador e O Liberal, divisores de águas da política provincial. À margem destes, circulavam O Íris, de Joaquim Fagundes e O Potengi, do tenente Hércules Pindaíra de Carvalho. A política era o supremo ideal dos homens: dois partidos, Liberal e Conservador, revezando-se no poder, com uma quase única finalidade: derrubar os adversários.
Foi nesse ano e nesse meio que nasceu o menino Manoel Virgílio Ferreira. Filho de Joaquim José Ferreira e Francisca Ferreira de Oliveira, veio à luz no dia 21 de agosto de 1876. Esta data não é pacífica. Luís da Câmara Cascudo, Gotardo Neto, Galdino Lima, José Bezerra Gomes, Ezequiel Wanderley defendem-na como exata. Clementino Câmara, em discurso de posse, na Academia Norte-Riograndense de Letras, advoga a data de 1875, enquanto o poeta, em documento assinado do próprio punho, declarou haver nascido em 1877. A placa de mármore afixada no local de seu nascimento, na rua Chile, nº 63, assinala a data de 21 de agosto de 1875. É possível que futuras pesquisas deitem luz sobre o assunto. Os pais de Manoel Virgílio Ferreira eram norte-riograndenses, sendo sua mãe natural de Morrinhos, município de Touros, e o pai de lugar ainda não identificado. Aos seis anos de idade perdeu o pai, que morreu de varíola, em 1882. Aí, começa o drama da família. E o menino, inteligente e esperto, já aos seis anos aprendia as primeiras letras com o professor Terto, Tertuliano Pinheiro, e, mais tarde, com o professor Panqueca, Joaquim Lourival Soares da Câmara. Aos doze anos, já era empregado na loja de fazendas do português Antônio Sátiro, situada à rua Tarquínio de Souza, atual rua Chile, em casa contígua ao antigo palácio do Governo, no bairro da Ribeira. Após quatro anos de experiência no balcão de Antônio Sátiro, foi convidado para servir em idênticas funções em Macau, na casa de Antônio Deodato, onde logo adoeceu de varíola, regressando a Natal. Ali chegando, foi logo procurado pelo antigo patrão, que lhe ofereceu melhor ordenado e permissão para estudar no Atheneu. São desta fase os exames de português e Aritmética, os únicos que conseguiu fazer, na opinião de Clementino Câmara. Essa informação deita por terra a lenda de um Itajubá analfabeto, que ainda hoje corre nos meios intelectuais de Natal.
Clementino Câmara, o biógrafo mais autorizado do poeta, prossegue: " Logo após a morte de Antônio Sátiro, ficando desempregado, concebeu Itajubá uma genial idéia: funda um circo, que foi levantando no quintal de sua própria casa." O biógrafo não menciona a data deste acontecimento. Sabe-se, no entanto, que o poeta foi posteriormente escrevente da Associação da Praticagem, em Natal, servindo, na mesma função, em Macau e Areia Branca, conforme informação do seu filho Nazareno Ferreira Itajubá. Exerceu ainda o cargo de bedel, no Atheneu Norte-riograndense.
Tendo noções práticas de pintura, aproveitava as horas vagas para abrir letreiros em casas comerciais. Em 1896, com vinte anos, funda O Eco, pequeno jornal literário, na informação de Luís Fernandes. Clementino Câmara acrescenta tratar-se de um hebdomadário joco-sério, circulando aos domingos, fundado por Ferreira Itajubá, e polemicando com Chicó Araújo, que respondia pelas colunas de O Fantoche. Em 1897, funda a revista A Manhã, de parceria com Henrique J. de Oliveira, que circula a 2 de abril do mesmo ano. Essa revista, por incrível que pareça, não foi registrada por Luís Fernandes, no seu trabalho A Imprensa Periódica no Rio Grande do Norte, onde arrolou as atividades jornalísticas da Província-Estado de 1832 a 1908. Encontrei-a na revista Oásis, de 15 de abril de 1897, Ano IV, Nº 54, p. 2. Gotardo Neto, em artigo inserto n´O Potiguar, de 21 de agosto de 1908, comemorando o aniversário do poeta, dizia: "Publicou também a revista A Manhã, de colaboração com prático da barra José Pereira, um moço que apesar da humildade em que vivia, era dotado de um espírito progressista e de uma extraordinária força de vontade."
Em um trabalho que publiquei na Revista do Instituto Histórico, em 1966, destaquei o esforço dos rapazes de O Potiguar, órgão do Grêmio Doze de Outubro, cuja circulação compreende o período de 1904 a 1908. Deste jornal, faziam parte Cirilino Pimenta, Francisco Ivo, Manoel Januário, Gomes da Silva, Angione Costa, Alves Mipibu, Ponciano Barbosa, Jorge Fernandes, Clementino Câmara, Antônio Emerenciano, Antônio Glicério, Ferreira Itajubá e Gotardo Neto, "Dois inspirados cultores da lira potiguar", na expressão de Luís Fernandes.
No mesmo trabalho, registrei a presença de O Potengi, que viveu de 1906 a 1908, fundado por Júlio Pinheiro, Manoel e Pedro Pimenta, tipógrafos profissionais, e ainda por João Pimenta. A tipografia deste jornal ficava na rua da Campina, depois Sachet, hoje Duque de Caxias. O Potengi circulava aos domingos e seus colaboradores, além dos fundadores eram Gotardo Neto, Manoel Virgílio Ferreira Itajubá, Antônio Glicério e o normalista Gonzaga Galvão.
Não haverá temeridade em dizer-se que Itajubá colaborou em quase todos os jornais do seu tempo, ora com o próprio nome, ora com pseudônimos. Além dos jornais fundados por ele e de parceria com outros, colaborou ainda n´A República, de Pedro Velho, no Diário de Natal, de Elias Souto, na Gazeta do Comércio, de Pedro Avelino, n´A Capital, de Galdino Lima, n´O Trabalho, de Pedro Alexandrino, n´O Arurau, de Francisco Pereira da Silva, n´A Tampa, n`A Rua, no Pax, n´O Torpedo, disputando sempre o primeiro lugar na beleza dos versos, na inspiração, na imaginação ardente, na espontaneidade, na originalidade, no amor à terra, na feição regionalista da sua poesia.
In Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Edição comemorativa do 80º aniversário de fundação
Volumes LXXII - LXXIV, 1981/1982.