sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Tempestade e calmaria



Possuiu-a de pé, sem preliminares. Sem sequer tirar-lhe a roupa. Apenas afastou um pouco a calcinha. Encostada à porta da sala de jantar, com a maçaneta doendo, primeiro, em suas costas, depois à altura do umbigo quando, virando-a de costas, insaciável, possuiu-a por trás. Sem dizer palavra. Todo desejo, fome, posse, gozo.Ela, a princípio, pensou em resistir, mas logo desistiu. E deixou-se guiar pelos labirintos desse kama-sutra súbita e inesperadamente reinventado. Numa sala de jantar. Num tempo dado por findo. Ao som de Good-bye yellow brick road.Depois, permaneceram sentados, lado a lado, no carpete. Sem uma palavra. Sem se tocarem. Apenas se olhavam. Em silêncio. Ele completamente nu. Ela, dos pés à cabeça, vestida. Quando Elton finalmente se calou, foi como se despertassem de um transe infinito. Quase sem sentir, riram.Está com fome? ela perguntou. Um bocado. Sobrou alguma coisa do jantar? ele respondeu. Acho que sim. Sempre posso ajeitar.Ele se vestiu e abriu a garrafa de vinho esquecida, há séculos, no armário. Ela esquentou o resto do risoto. E antes que terminassem de jantar, ele perguntou: ainda quer o divórcio?
Talvez. Pouca coisa mudou. Mas nos dou a chance de tentar nos reinventarmos, respondeu.Alguma exigência em particular? ele arriscou.Sim. Uma essencial e definitiva, ela murmurou, entre um gole e outro de vinho. Um pleito.Pleito? Ele riu. Diga-me qual.Este:

quero:

quero:

sentir a tua boca
em minha boca
a tua língua percorrendo
meus recantos mais secretos
o roçar da tua barba
arranhado o meu pescoço
a aspereza das tuas mãos
por toda a pele do meu corpo.

ser-te meu
ter-me tua

em entre sob sobre

até que mais uma vez
desamanheça

até que uma vez mais
se ponha a lua.

Amém, ele disse. E como a selar o compromisso, serviu um pouco mais de vinho e, após tomá-lo, jogou o copo de cristal por sobre o ombro esquerdo. E no silêncio que cercava casa e madrugada, o eco do cristal espatifado no ladrilho repetiu uma única palavra: amor.




Márcia Maia

por Alma do Beco | 7:13 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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