sábado, março 05, 2005

Uma província à luz do sol

Reeditado a partir do
http://geocities.yahoo.com.br/natalnareia/

Ponta do Morcego
Não editada no documento original

O tempo passava e o mar se tornava cada vez mais próximo, mais presente. Nos anos trinta a quarenta, ele era pouso obrigatório das famílias de classe alta, que durante o verão migravam para a areia, mudando-se completamente para as suas residências praieiras. Eles levavam mobília, pertences, empregados e, por até três meses, fixavam-se ali. Não havia visitas esporádicas à cidade. O reabastecimento dos mantimentos ficava por conta de algum criado, que ia e voltava da cidade à pé, trazendo os pacotes nos braços.

Muitas de nossas praias urbanas encontravam-se ainda selvagens, seu grande atrativo era a tranquilidade, o repouso. Natal já possuia muitos dos traços urbanos da época e as pessoas buscavam modos alternativos de vida durante as férias, fugindo da cidade.Os veraneios de antes eram bem semelhantes aos de hoje, as diferenças ficavam por conta da relação entre as pessoas, todos ali eram amigos, parentes, conhecidos ou filhos de conhecidos. Havia segurança e confiança nos nativos do lugar. Os pescadores da área ajudavam a vigiar as casas e tinham livre acesso às suas portas. Claro, o mar era um prazer para um público seleto. Contavam-se poucas casas de veraneio, mas estas congregavam bastante gente, grandes famílias com muitos filhos, primos e sobrinhos.

Capela do Forte dos Reis Magos em ruínas
Não editada no documento original

Os novos exploradores do mar tinham liberdade para conhecer a área e descobrir os brinquedos do litoral. O território do Forte dos Reis Magos era aberto, sem vigilância, o que o tornava cenário favorito dos pique-niques organizados na época, uma diversão que durava um dia inteiro. A rotina dos dias resumia-se a passeios, brincadeiras na areia e banhos de mar, este último, o mais apreciado. As noites ficavam por conta dos violões dos seresteiros, que reuniam toda a gente das vizinhanças nos alpendres, embalando flertes e conversas com suas canções, que fluiam ao sabor da maresia.

O médico Jahyr Navarro, antigo veranista da praia de Areia Preta, - a primeira a abrigar esse tipo de casas - acompanhou o desenrolar de três décadas naquelas areias. Ele recorda que quando menino seu passatempo favorito era escorregar nas dunas sentado numa prancha de madeira, lubrificada com um pouco de cera de vela. Isso, em 1935, muito antes de alguém associar essa prática ao esporte de neve e apelidá-la de "skibunda". Navarro lembra de detalhes do cotidiano nas praias, como o ônibus amarelo da Força e Luz, única alternativa de transporte além do bonde. "Era um ônibus amarelo da companhia de luz elétrica, que quando chovia era obrigado a ultrapassar o barro acumulado na ladeira do sol de marcha ré, as crianças o usavam como meio de chegar até a escola".

Areia Preta - Anos 50

Saudoso daquele tempo, Jahyr recorda ainda a atmosfera das praias na década de cinquenta, quando se reunia com seus companheiros no bar "É Nosso", para ensaiar as marchinhas de carnaval que seriam cantadas nos bailes do Aero Clube - sucessor do Natal Clube na preferência do high society. Vem dessa época também, o surgimento da Praia dos Artistas, mais reservada que as demais. A origem do apelido deve-se a fama de ter hospedado os grandes artistas do rádio, como Cauby Peixoto, Francisco Alves e Maria Creuza, que a escolhiam por estar mais distante da concentração de pessoas. Lá eles podiam tomar banho isolados na prainha. Algum tempo depois a fama de esconder artistas começou a atrair mais gente para a praia, afastando os frequentadores ilustres, mas, deixando o rótulo.

Começava a se espalhar a moda da paquera na areia, "Conhecíamos o ‘ponto’ onde cada moça tomava sol. Elas sempre escolhiam o mesmo lugar, para facilitar o acesso dos pretendentes", afirma o médico. Claro, todo o envolvimento transcorria com muita discrição, não se sonhava ainda com as ousadias de hoje em dia.

Na década de cinquenta, as praias de Natal tiveram a exibição do que seria um traje de banho moderno. A primeira mulher a pisar vestida de maiô numa praia de Natal foi uma aeromoça espanhola, trazida por um rapaz chamado Faruk. A visão das suas curvas ajustadas na peça, que se estendia até os joelhos, desencadeou um tumulto imprevisto nos rapazes, que ameaçaram reduzir bem mais o tamanho do traje, arrancado-o aos pedaços. Felizmente, a moça foi protegida e seu maiô escapou ileso. Era a modernidade começando a arranhar nosso provincianismo.

Música, arte e psicodelismo na areia

Mas, cedo ou tarde as mudanças chegariam. Nos anos sessenta a concentração de banhistas se deslocaria de Areia Preta até a Praia do Forte, com suas piscininhas naturais e a imponência do Forte dos Reis Magos guardando o lugar. Para lá se dirigiam as famílias, crianças com pás e brinquedos de areia, casais de namorados que caminhavam de mãos dadas sob o olhar de todos.

Areia Preta – Anos 60

A Praia do Meio, na sua condição de ser do meio, deixava que viessem a ela as classes mais baixas: quem descia das Rocas ou tomava o ônibus no Alecrim ou Cidade da Esperança. O pessoal de uma praia não invadia as areias da outra, cada um consciente de seu espaço.
Com os anos setenta, novos ventos sopraram naquele pedaço de praia. A revolução mundial dos costumes refletia por aqui. Contracultura, movimento hippie, baseados, tudo isso vinha aportar também em nossas praias. Filmes como Easy Rider e Woodstock eram exibidos na Sessão de Arte do cinema Rio Grande, discos dos Beatles e dos Rolling Stones evaporavam das prateleiras. O comportamento jovem passava a ter outro relevo. Tudo era determinante, as roupas que se usava, aquilo que se comia e, claro, a praia a qual se frequentava. Segundo o músico Luiz Lima, que viveu ativamente essa época, " no início da década de setenta, começou a acontecer uma transformação nos ares e nos lugares da cidade, em toda parte a moçada começava a se dividir. De um lado ficavam os ‘caretas’, de outro, nós, os ‘malucos’ ".


Para os caretas, tudo continuaria igual, já os outros precisariam de mais espaço para estravazar sua arte e inconformismo, distante da área militar e família da Praia do Forte. Foi aí que se descobriu a Praia dos Artistas.

Praia dos Artistas – Anos 70

A praia deixava de ser um lugar destinado apenas a caminhadas ou banhos de sol e mar, tornando-se porto para o deleite do corpo e da mente, aproveitado ao longo de todo o dia e também durante a noite. Logo começaram a surgir bares, barracas, quiosques, boates, espaços culturais, que se estendiam da Praia dos Artistas até a Praia do Meio, que se tornaram cartão de visita de Natal e grande opção de quem quisesse conhecer a noite da cidade.

As areias ganhavam o colorido das batas indianas, camisetas explodindo em motivos psicodélicos, e o brilho dos corpos ao sol rivalizava com o brilho das lantejoulas ao luar. Arte e cor eram trazidas por uma grande leva de estudantes universitários, pretensos artistas locais, que tinham na Praia dos Artistas seu ancoradouro. O país atravessava uma fase de ditadura e opressão, talvez por isso, o ato de criar se fizesse tão necessário.

Poeta Carlos Gurgel

Bares como o Tirraguso, o Artmanhas, a Casa Velha se enchiam de rostos jovens. Eram atores, dançarinos, artistas plásticos, poetas ensaiando o que ia ser a época de ouro da cultura da cidade. Todos fazendo uso daquele espaço para mostrar o que sabiam. E não parava por aí...o tinham as barracas toscas da Praia do Meio, ainda na areia, como a famosa "Barraca da Marlene" para quem queria sentir o mar perto. "Era nas barracas que nos reuníamos para compor as melodias da banda Gato Lúdico, eu, Jaime Figueiredo, Carlos Lima e Claudio Damasceno. Lá vivíamos noitadas acompanhados do violão, dos mixes de cachaça com cerveja e tiragosto", lembra o arquiteto e artista plástico Vicente Vitoriano.


Galeria do Povo – Praia dos Artistas
Não editada no documento original


Na época, a praia possuia dois espaços culturais: a Galeria do Povo e o Artelier. Também abrigando o primeiro restaurante macrobiótico de Natal, onde o pessoal ia se liberar das toxinas consequentes dos excessos noturnos com os pratos do proprietário Véscio Lisboa. Na segunda metade dos anos setenta, surgiu o Festival do Forte, idealizado pelo músico Luiz Lima, o artista plástico Sandoval Fagundes e o escritor Carlos Gurgel.


Artistas natalenses ocupando o Forte dos Reis Magos para o I Festival de Artes do Natal

"O festival acontecia na terceira lua de cada mês e era um momento de muita música, muita poesia e muita loucura, depois disso, nunca houve nada em Natal tão contundente para nossa cultura como o Festival do Forte", recorda hoje Gurgel, com os olhos cheios de nostalgia. Yuno Silva, estudante de Comunicação, era criança nesse período, mas lembra de quando era levado pelos pais junto com o irmão para curtir o festival, "Os moleques ficavam pulando naquela casa de armar no meio do Forte. Era incrível, sendo criança, ver de perto artistas como Raul Seixas, Gil, Jorge Mautner, Jards Macalé...são tempos que não voltam mais."


Galeria do Povo Foto: Marcus Ottoni

Dunga e Volontê na Galeria do Povo, 1977

Durante os anos setenta e oitenta, a praia dos artistas era um lugar concorrido durante toda semana. A jornalista Cione Cruz diz que " a partir das quintas feiras, íamos à praia de dia para tomar sol e à noite exibíamos nosso bronzeado nos bares e boates de lá". Havia ainda uma turma que fazia da praia dos artistas a sua casa, gente que chegava de manhã, depois da aula, de mochila nas costas, trocava o calção de banho e ia jogar frescobol nas areias ou surfar naquelas ondas. Um bom exemplo desse tipo de frequentador era o jornalista Flávio Rezende, assíduo jogador de frescobol, "chegava por volta da 11, 12 horas, depois das aulas do curso de Comunicação da UFRN e ficava até às 18 horas". Nos anos oitenta se intensificou também a prática do surf, daí vieram o campeonatos ao bar caravela, transmitidos nos alto falantes. "Sinto saudade do rock muito alto que tocava durante os torneios, dos amigos sem hora pra ir embora, as paqueras na beira da praia e os beijos na boca apaixonadíssimos, que até deixava a gente meio fraco..."


Com a ida dessas décadas, foram-se também a grande maioria dos frequentadores do lugar. A maturidade e as ocupações iam distanciando pouco a pouco os antigos. E a falta de segurança inibia a formação de uma nova geração de praieiros. A reurbanização e construção dos quiosques de cimento, ao invés das barracas, não foram suficiente para assegurar a reestruturação da área.

Natal acontecia agora bem longe dali. As diversões eram outras, as praias também. A burguesia ia de carro até os distantes litorais norte e sul, procurando aquilo que já não se via mais no urbano: segurança, tranquilidade. O desfile de beleza nas praias urbanas, as paqueras no calçadão, davam lugar a um outro tipo de oferta. O "quem me quer" adquiria outra feição com a explosão do turismo e a procura dos estrangeiros pelas mulheres locais.


Somente o mar continua o mesmo


O mar urbano traz nas suas espumas as lembranças... a bruma e o seu cheiro são os mesmos, mas a ambientação mudou.
Espigões enormes dividem mar e cidade, no alto da ladeira do sol.

Arredores menos disputados, deslocados e diferenciados. A praia dos artistas concentra alguns bares, duas boites e um restaurante badalados, dividindo espaço com lojas e feirinhas de artesanato. Dividindo seu público com as feirinhas de artesanto. Da praia do meio em diante, é visível o abandono.

Um outro hotel e algumas pousadas, o centro de artesanato e os quiosques esquecidos, num lugar antes abrilhantado pelo público mais exigente da cidade.


Tenda do Cigano

A Tenda do Cigano, com seu caldo de feijão a

cavalo, era o fim de noite para muitos

"Quando a barraca era na areia, o movimento era muito bom. Hoje a época é outra", fala a saudosista Marlene Dias da famosa "Barraca da Marlene", descrente de dias melhores, nos seus 22 anos de praia. Para os frequentadores antigos das praias não restam dúvidas: as barracas à beira-mar deixaram saudades.

Simbolicamente os atuais quiosques chegaram para assistir ao fim áureo. A segurança, agora fragilizada, um dia já garantiu que as pessoas pudessem frequentar e visitar os locais praieiros com tranquilidade.

Enquanto foram redutos de muitos turistas que ficavam hospedados no Hotel Reis Magos, as Praias dos Artistas e a do Meio, viviam sua época de agitação. Hoje, o turismo é uma questão abordada com delicadeza por inferir imediatamente a exploração sexual das redondezas. Os turistas que procuram se instalar nas pousadas dessas praias, muitas vezes estão ali por economia. Como é o caso da jornalista sueca Agatha, 34 anos e o seu marido Chrytian, de 37. Eles dizem preferir fazer de conta que não vêem o que acontece de feio nas proximidades da pousada e ir conhecer outras praias do Estado.

Centro de Artesanato foi construído onde se fazia a Galeria do Povo


Os demandos socioeconômicos encontrados pelas areias urbanas da cidade do Natal deixa evidente o processo de decadência que está sendo vivido. "Encontramos nas praias crianças com fome, envolvidas com drogas e prostituição. A sociedade e os governos não podem permitir isso de modo algum, principalmente de maneira tão visível como aqui", comenta Andréia Barros, que trabalha no comércio de artesanato na praia do Meio.

As praias já foram redutos de grupos que passavam horas agradáveis curtindo todos os prazeres possíveis, e produzindo arte e cultura na cidade num dos painéis mais bonitos. Agora, os poucos resquícios da invasão das artes dos anos anteriores são guardados. Somente as feiras de artesanato e os vendedores de artefatos hippie permanecem. Como o artesão Henrique Eduardo, 32, formado em Engenharia Textil, que hoje sobrevive da venda de suas bijouterias e tem os turistas como clientes."Gosto de trabalhar nas ruas, quando não estou aqui vou para Ponta Negra".

As perspectivas para o futuro do comércio e dos moradores das praias ainda não são muito calorosas... projetos de revitalização abrangentes devem ser providenciados, sendo a revitalização humana talvez a mais urgente... para um pedaço da cidade que tem estimulado a deploração.


GUIA DA CIDADE DO NATAL

Manuel Onofre Junior
3ª edição, 1998

Praia do Meio – Entre o Forte e Areia Preta estende-se a popular Praia do Meio (antiga do Morcego) cujo nome já quiseram mudar – por causa dos festejos umbandistas, que ali se realizam, na passagem do ano – para Praia de Iemanjá. Podemos dividi-la em duas: uma, logo depois da Ladeira do Sol, a Praia dos Artistas chamada – paraíso da jeunesse dorée papa-jerimum, domínio de cocotas e surfistas; outra, em frente ao Hotel dos Reis Magos - a preferida pela gente mais humilde. Aqui, muito cuidado com as ondas. É onde se verifica o maior número de acidentes e afogamentos.

CENA URBANA
Vicente Serejo 1982


Ontem, enquanto exercia a condição mágica de navio para as minhas filhas e com elas empreendia viagens ao redor de nossa própria felicidade, fiquei olhando a Fortaleza dos Reis Magos e sua beleza silenciosa, aceitando pacificamente a invasão de suas áreas de servidão, próximas ao rio.
Descobri que cada dia gosto mais de minha Fortaleza, ela que tem forma de estrela. As suas canhoneiras estão mortas, os baluartes silenciados, mas nos seus calabouços estão presos os mistérios de um tempo de lutas.
Fico a imaginar quantos desejos sonhados na sua praça de armas, quantos mistérios as suas muralhas guardam diante de nós. O que mais pode existir na Fortaleza, além dos planos de defesa e os segredos de ataque? Que vozes encheram seu espaço, percorreram seus longos corredores de chão de pedra?
Vejo que a minha Fortaleza, que foi Castelo de Mascarenhas Homem, mantém a beleza secular das construções militares do Brasil Colônia. Olho as suas guaritas e imagino quantas naus de lá foram avistadas e os gritos acordando seus moradores para os acenos da chegada ou as explosões dos seus moradores para os acenos da chegada ou as explosões dos seus canhões em sinal de resistência.
Que mais uma cidade pode desejar, além de uma Fortaleza, guardando a Boca da Barra e marcando o encontro das águas doces e salgadas? Que mais uma cidade pode exigir, além de uma Fortaleza para guiar com sua estrela de pedra e cal a contagem dos seus séculos, das suas derrotas e conquistas?
Que importa a dúvida dos seus senhores de hoje, entre as passarelas de concretos e as estradas de pedra, se a Fortaleza sobreviveu ao desastre de Alcacerquibir, foi além do Tratado de Tordesilhas, resistiu aos franceses e aos holandeses, foi palco de batalhas e cenário de amores?
Gosto de olhar a minha Fortaleza, contemplar as suas guaritas, seus grandes sinais de vigilância. Gosto de olhar suas seteiras, acompanhar as suas linhas, andar mentalmente pelas suas alas e escadarias. A quem pertencer a Fortaleza, senão a mim, eu que olho para ela quase todos os dias?
Fiquei olhando a minha Fortaleza e desejei ser um ditador de longo curso para livrá-la de todos os documentos de propriedades e domínios. Desejei ser dono de verdade da minha Fortaleza e com ela iniciar a grande resistência em defesa da minha cidade invadida por todos os lados.


ANOS DOURADOS

Clotilde Tavares

Na semana que passou vi uma matéria no RN-TV sobre a decadência que tomou conta da praia dos Artistas. Mostrava a insegurança daquele pedaço, entregue a assaltantes, e a visão triste das meninas prostitutas a desfilar sua tragédia pelas calçadas. A matéria também falava de uma época em que aquele pedacinho de praia era o point mais descolado de Natal. Sei disso, porque vivi essa época.
Os anos dourados da Praia dos Artistas começam mais ou menos em 1975, quando a grande frequência da galera que fazia teatro, artes plásticas e música começou a frequentar aquele pequeno trecho de areia. Por causa exatamente desses frequentadores é que o local terminou ficando conhecido como Praia dos Artistas. A patir das onze horas da manhã, o pedaço começava a se encher de gente. Da Faculdade de Medicina desciam Zizinho, Vac-Hone, Carlos Piru, André de Mello Lima, Napoleão Veras... Mirabô morava ali onde hoje é o Novotel, e na casa dele sempre havia um artista hospedado: numa semana era Alceu, na outra Gonzaguinha, Fagner... Os mais assediados, mais famosos, como Rita Lee, ficavam na granja de Chico Miséria, que também era um dos frequentadores da praia.
Sérgio Dieb fazia artesanato em couro e Kátia Meirelles e Claudinho comandavam uma boutique louquíssima cheia de roupas divinas. Chico Kurroutek, cearense, desfilava seus cachos e bermudões coloridos pelas areias. No barzinho que ficava embaixo do Salva-Vidas, o Caravela, ficavam os surfistas e era uma beleza ver Brás entrar no mar, com seus louros cabelos de viking. Os campeonatos de surf também eram famosos, apresentados ao microfone com muita gíria e loucura por Big Terto (hoje transformado no publicitário Tertuliano Pinheiro), que tinha também um programa na rádio – não lembro qual – em que tocava muito rock.
À noite, nos dividíamos entre o Castanhola e o Asfarn, bares onde comíamos isca de peixe com molho rosé e sempre havia confusão na hora de pagar a conta. No Asfarn, havia uma cadelinha chamada Nuvem, adotada como mascote pela turma: Jácio Fiúza, Tião e Beto Madruga, Reinaldo Cabeçote, Petit das Virgens, Chico Guedes, Renê, Ícaro, Sapinho, Juliano Siqueira, Cacá de Lima, Xêxo, Mororó, Gurgel, e nós, as garotas: Gleide Selma, Cecília e Graça Pinto, Gracinha Ferreira, as irmãs Branca e Kalica, Verinha, Cristina (as duas: a de Piru e a outra, irmã de Carmen), Malu, Graça e Fafinha Arruda... Na eleição de 1976 – se não me engano – nos juntamos todos num mutirão para eleger Sérgio Dieb nosso vereador, o que fizemos, e era uma graça ver Serginho usando paletó e gravata, dizendo "Vossa Excelência podes crer..."
Eram dias e noites de muita criação. Poesia, literatura, teatro, música, cada um naquilo que sabia fazer. Tudo isso ao som de Belchior ("Eu sou apenas um rapaz..."), Fagner ("Ave noturna"), Ellis Regina ("Como nossos pais"), João Bosco ("Transversal do tempo"), Gonzaguinha ("Doidivanas"), Milton Nascimento ("Paula e Bebeto") e Chico Buarque ("Meus caros amigos"). Bebíamos qualquer coisa que contivesse álcool e os nossos vestidos eram bordados de lantejoulas. Os rapazes (com exceção dos que faziam política) usavam camisas floridas e cabelos enormes e passávamos a noite de bar em bar. Às vezes, a violência da ditadura descia o seu punho selvagem sobre nós, e os tiras entravam nos bares, ameaçavam todo mundo, derramavam no chão o conteúdo de nossas bolsas. Mas na maioria das noites tudo era curtição na República Independente da Praia dos Artistas onde amanhecíamos o dia e muitas vezes subíamos direto para a Faculdade, onde tentávamos assistir às aulas, mortinhos de sono.
Em noite memorável, arrastamos o poeta e escritor pernambucano Jomard Muniz de Britto numa dessas maratonas e ele, encantado com as nossas loucuras, pronunciou a frase que ficou famosa: "Natal é a Londres nordestina!" Naquela época, poeta, era mesmo. Vinte e cinco anos atrás, numa Natal muito menor do que hoje, fazíamos moda e estabelecíamos atitudes. Daquele núcleo de gente maluca surgiu a Banda Gália, que revolucionou o Carnaval de rua na cidade e que também fez história, em época posterior.
Mas o movimento da vida é esse mesmo, e como diz João Bosco na música memorável não podemos ficar "parados dentro dum táxi, numa transversal do tempo". Mudamos, evoluímos, crescemos, ficamos mais velhos e hoje somos empresários, profissionais liberais, políticos e, é claro, artistas. Alguns já se foram: Sergio Dieb, Chico Miséria, André de Mello Lima, Malu Aguiar...
Não podemos mais viver aquela época, que pertence ao passado. O que dá tristeza é ver aquele belo pedaço de praia, que foi palco de um momento de intensa efervescência cultural para a cidade entregue ao abandono e ao descaso. No nome da praia – Artistas – está a sua vocação e seu destino. Talvez com um centro de Artes e um pequeno espaço para shows e espetáculos de teatro – um teatro de bolso, com uns 100 lugares – a Praia dos Artistas poderia ser conduzida de volta ao seu clima original. Fica o recado para os donos do poder e do dinheiro que, quando querem, podem e pagam.


Direitos reservados
daiany_d@yahoo.com
Reeditado a partir do http://geocities.yahoo.com.br/natalnareia/


Esgoto Sanitário - Instalação

Instalação: Esgoto Sanitário

Areia Preta / Natal

Quando: Início da instalação - 4 da manhã

Onde: quebra-mares de Areia Preta
Técnica: graveto e pano / carvão para letreiro

Método: fincamento de bandeirolas pretas por toda a extensão dos quebra-mares de Areia Preta / Inscrição: Esgoto Sanitário, a ser vista do alto.

Objetivo:
chamar a atenção da cidade para a grande quantidade de esgotos clandestinos oriundos de edifícios, hotéis, residências e estabelecimentos comerciais em toda a orla urbana natalense.
chamar a atenção da cidade para a desfiguração paisagística de Natal causada pela voraz indústria da construção civil
chamar a atenção da cidade para os retornos naturais causados por interferência do homem no meio em que vive

Areia preta / Natal

Aberta à participação coletiva
Vestir preto
Disponibilizações: túnicas pretas - narizes vermelhos de palhaço


Antoniel, bardo do Dia da Poesia

VERMELHO, STRECH

Na noite das esferas,
há fendas laterais,
rasgos na frente.

há um decote
que me faz urgente
em autógrafos gerais.

Há um blues e há risos e conversas,
há performances de loucos em sarau.
Há mãos ávidas pintando cinco telas
na temática das esferas
e um verso que eu deixo em teu vestido
sem nexo, sem sentido,
só pra pintar de azul o teu vermelho
e assinar o meu nome em teu joelho
desenhando pelas fendas laterais
uma esfera
com nossas iniciais.

Antoniel Campos

LANÇAMENTO:
DIA 10 DE MARÇO - QUINTA-FEIRA
LOROTA'S BAR - CENTER ONZE - PETRÓPOLIS

Capa: Beth Almeida
Beth Almeida / Óleo sobre tela / 1,40 X 1,50

No impressionismo de uma esfera

em finos grãos de aniz
me chega tão doce o amor
que eu te permito
me transformar têmpera
e amanhecer-me azul-feliz

..

quando me aquarelas em azul-feliz
até monet inveja a imagem
sabendo que todo impressionismo
(que só se preocupa com luz e cor)
provoca a especialização do olhar


Dedicado ao grande poeta Antoniel Campos, que tão bem sabe falar do amor, por ter me dado a honra e a alegria de participar com a ilustração da capa do seu novo lançamento literário: A Esfera. Que Deus lhe ilumine sempre, poeta, e que a grande gala seja uma noite de grandes alegrias. Todo meu carinho.


Beth Almeida

Técnica: óleo sobre tela/textura
Catalogado sob o n° 9934
Medidas: 1,40 x 1,50


E Se... Ping-Pong Márcia/Dunga

e se...


Sandrinha e Serrão

e se com os dedos me tocasses
como em mim tocam
teus olhos
e com a língua cada centímetro
de pele me explorasses
inteira a ti eu me daria
despida de vergonha e vestes
e crê
a ti de tudo também eu despiria
e te faria em mim
suor e gozo
até que da tarde restasse só
o eco dos gemidos de nós dois.

Márcia Maia


E se...


Fosse eu escrevendo
esses lindos versos
de Márcia Campos
Não diria
eco dos gemidos de nós dois
Diria Beco

Porque de entregas
de acolhimento
Não sendo sóbrio
nem lúcido
Leito
à espera do amor

Dunga




sexta-feira, março 04, 2005

O Beco

Neste 14 de Março, Dia da Poesia, estaremos,
no Beco da Lama e adjacências, a partir das 08:00h,
lançando e distribuindo o jornal O Beco:

O Beco Nº 1


O beco Nº 1





terça-feira, março 01, 2005

Becodalamense Marinho Chagas


Marinho pisou nos gramados mais
importantes do mundo

Freire Neto
Tribuna do Norte
10/02/02


É tempo de carnaval. E dia de saudarmos o segundo maior lateral-esquerda do século XX. O potiguar Marinho Chagas festeja seus 50 anos (8/02) de gols, dribles, fama, sucesso, mulheres e alguns problemas extra-campo. Polêmico, mas autêntico. Marinho, quem nos anos 70, arriscava-se no ataque e fazia gols, foi diferente e conquistou o seu espaço perante a mídia nacional, internacional e disputou uma Copa – a de 1974. Do Paço da Pátria para o mundo.
É um aquariano nato! Sonhador, cheio de idéias e projetos, conquistou torcidas e amigos nos quatro cantos da terra, jogando ou dirigindo clubes. "Sou internacional", gosta de brincar. Em 1999, conheci a Bruxa – apelido dos tempos do Botafogo/RJ. Como jornalista, estava ao lado de uma fonte, uma estrela, um protagonista de notícias – em sua excelência. Um dos maiores astros do esporte norte-rio-grandense. Conhecido por todos, brincalhão, humilde, mas ídolo. Fiz uma matéria especial e adquiri o respeito de Marinho.
Em casa, analisei o momento. Aquele foi e ainda é ídolo de centenas e até milhões de torcedores – que o digam torcedores do Náutico ou botafoguenses. Esteve numa Copa do Mundo, fez grandes gols, é amigo de outros "Monstros Sagrados" da bola, como Rivelino, Jairzinho, Zico, Zagallo e Nílton Santos e, por instantes, esteve ao meu lado – o que já se repetiu várias vezes.
"Tenho um grande prazer de dizer que depois do Nílton Santos, Marinho foi o segundo maior lateral do mundo. Como pessoa, é um grande amigo, e tenho uma grande admiração por ele", declarou Jairzinho - o furacão da copa de 1970, ex-atacante do Botafogo e seleção brasileira.
O Marinho se aposentou, voltou para Natal, deu aulas, palestras, dirigiu clubes por vários países. Mas sempre retorna a sua cidade, e, aqui, quase nunca é lembrado e muito pouco ovacionado. Pisou na bola várias vezes, mas quando esteve nas quatro linhas do gramado, fez história e muitos carnavais.
Grande Marinho Chagas. Pessoa fácil, mente misteriosa, vivendo uma luta diária pela vida e realização de seus sonhos. O maior de todos, é a criação de um Centro de Treinamento para formar craques e, quem sabe, novos Marinhos, Souzas, Nonatos, Dequinhas e tantos outros.
Viveu muitas alegrias e frustrações, mas se diz feliz. Mas nunca realizado. Some, aparece, viaja e sempre que se lembra, entra em contato. É um ídolo que vive acima de nós mortais. É um gênio e, como todos os gênios, polemizou, modificou a história e fez o futebol mudar. Mas a lição desse ídolo deve ser aprendida pelos jovens e por todos que vivem e fazem o futebol.
Porém, hoje é dia de festa, alegria, ovacionamentos e palmas para a "Bruxa". Feliz aniversário Marinho, e luz na sua vida, ainda mais do que você já teve. "Eu não me arrependo de nada do que fiz. Pelo contrário, faria tudo outra vez, mas faria diferente, com mais precaução e mais segurança. Não jogaria dinheiro fora, como joguei antes. Mas eu vivi muito. Tem muita gente que não viveu um terço do que eu. Eu tenho 50 anos, mas já vivi por 200."


Vai começar a conquista



João Gualberto Aguiar

Caminha traga papel
e lápis de pau-brasil
um dia livre de abril
do nosso avô Manuel
do reino que faz o mel
dos mares de Portugal
com seu poder colossal
navegou a lua e o sol
do samba e do futebol
em nossa tribo natal

Vai começar a conquista
em se plantando dá pé
quinhentos anos de fé
o grito de terra à vista
uma terra alquimista
das coisas da natureza
honestidade e vileza
o índio só tem preguiça
Anchieta reza a missa
com a língua portuguesa

O navegante Cabral
das caravelas perfil
caravelou o Brasil
uma selva tropical
do reino de Portugal
o seu futuro profundo
Pedro primeiro segundo
nos tempos de realeza
um tesouro de beleza
na descoberta do mundo

Ouro puro, mata virgem
da história a infância
sofre o olhar da ganância
um Brasil em sua origem
do novo mundo vertigem
dança de índio inocente
um espelho de presente
para a nação festejada
sua cultura dizimada
pelo velho Continente


Os tupis e guaranis
canibais sem ladainha
comem o bispo Sardinha
a história é que diz
de um guerreiro feliz
um fidalgo de brasão
aprendemos a lição
do valente aguerrido
Índio Poti apelido
de Felipe Camarão

A África enche o porão
a história tem um travo
o braço do negro bravo
no reino da escravidão
havia a Constituição
dos senhores a bengala
exposta em cada sala
no terreiro pelourinho
em Apipucos tem vinho
Casa Grande & Senzala

Arte, cultura, ciência
nosso peito varonil
na formação do Brasil
o grito de Independência
a mineira Inconfidência
o sonho dos Bandeirantes
esmeraldas, diamantes
Isabel foi proclamada
a pátria concretizada
no sonho do rei infante

Até findar isso tudo
a história deu um salto
houve muito sobressalto
de poesia é meu estudo
sem ela vou ficar mudo
escondido sob a cama
a minha musa me chama
vamos logo ao pós-guerra
um verso de pé na terra
a realidade reclama


Maria Boa



Deífilo Gurgel


Maria Oliveira de Barros (Campina Grande, PB, 24.06.1920 – Natal, 22.07.1997), proprietária da mais famosa casa noturna de Natal.

Maria Boa veio para Natal na década de 40, em plena juventude, na fase áurea dos americanos. Segundo se informa, teria se exilado de Campina Grande por conta de um desentendimento amoroso com influente político paraibano.

Pessoa de pouco estudo em sua infância, mas bastante inteligente, a nossa biografada, que descendia de família humilde, trabalhou em sua adolescência numa tipografia, o que lhe teria despertado o gosto pela leitura.

Possuía uma biblioteca razoável e arquivava reportagens publicadas nas revistas sobre pessoas famosas. Além disso, gostava de música e cinema. Aquilo que o destino lhe negou – a possibilidade de concluir seus estudos – ela procurou oferecer aos filhos aos seus familiares, permitindo-lhes acesso à Universidade.

Proprietária do mais famoso cabaré da cidade, que não tinha um nome específico, sendo conhecido no Brasil e até internacionalmente pelo nome de Casa de Maria Boa, no qual pontificava outra figura famosa das noites natalenses, o pianista Paulo Lira, Maria Boa marcou profundamente uma fase da vida da cidade.

De temperamento reservado, deu apenas uma entrevista em toda a sua vida, à professora da UFRN, Maria Emília Wanderley, para um filme que se pretendia rodar em Natal, não permitindo, no entanto, que a conversa fosse gravada.

Vivendo uma época de repressão absoluta ao sexo, a casa de Dona Maria Barros funcionou, igual a tantas outras, como uma válvula de escape aos anseios amorosos da juventude masculina e, até mesmo, de maduros cidadãos da vida natalense.

Entretanto, a Casa de Maria Boa não era apenas isto. Sua fama corria mundo e, muitos visitantes ilustres que aportavam em nossa cidade, eram convidados pelos amigos para uma noitada em Maria Boa, não apenas um simples cabaré, mas uma referência turística da cidade.

A aura em que procurou envolver sua vida e as atividades de sua casa, transformaram-na num mito. Após sua morte, os jornais de Natal dedicaram-lhe páginas inteiras, ressaltando declarações de amigos seus, externando admiração pelo comportamento de Maria Boa.

Como registrou o jornalista Cassiano Arruda Câmara, "A morte de Maria Oliveira de Barros, certamente não vai matar a fama de Maria Boa, cuja lenda estará nas telas do cinema. No filme "For All – O Tampolim da Vitória", a personagem central, muito à propósito, é chamada de Maria Buena."


In 400 Nomes de Natal. Coleção Natal 400 anos


Andanças




Denise Wingerter

Eu estive grávida. Ainda lembro bem dos incômodos da gravidez. A
acidez, o peso, o desconforto físico aliado ao conforto psicológico de
ter aquele serzinho pulando dentro de mim. Os humores e temores, as
oscilações de tristeza e felicidade que a gravidez nos traz. O medo,
medo de errar, de fazer errado, do errado. E a certeza que tudo vai
ficar bem.

Então ela nasceu. E nasceu linda, como a mais linda de todos os bebês
da face da terra, embora as outras mães que mães são não cheguem a
concordar comigo, mas a certeza era minha: a mais perfeita, a mais
linda, a mais bebê de todos os bebês. E eu a achei parecida com
Letícia, que nunca vi nem conheci, mas Letícia. E esse foi seu nome.

E ela chorou. E riu, e teve cólicas, e sorveu o leite que lhe deu
vida, força e alimento. E ela brincou, e recebeu carinho e broncas,
amor e limites, e, de repente, cresceu. Não cresceu assim devagar, de
repente ela cresceu! Já não queria mais só colo. Precisava descobrir o
resto do mundo, as texturas, gostos, cheiros, o desafio do andar, de
correr, de ir à escola, de ter amiguinhos...

E agora, eu olho para ela, pulando - voando - feito seu espírito, num
brinquedo que instalaram no shopping. Imensa, enorme, já não cabe mais
no meu colo, já não pede mais meu beijo, já não precisa mais de mim
como eu agora - pasma e aterrorizada - descubro que gostaria que ela
continuasse precisando.

Vejo-a voar e dar cambalhotas no ar, e me vejo no chão, olhando para o
vôo dela: voa, minha princesa, o mais alto que puder! Estou aqui para
amparar se você cair, e aplaudir a cada cambalhota, a cada salto e a
cada vitória e nova conquista, embora feliz, morro por dentro, de
olhar para trás e achar - sempre achar - que eu deveria ter
aproveitado mais, brincado mais, brigado menos.

Mas depois, eu olho de novo, saio de mim e olho, por cima do ombro, o
horizonte passado. Meus carinhos não foram integrais, todo o tempo,
mas fizeram você se sentir amada e segura. Minhas broncas não foram
tão poucas, mas fizeram de você uma menina educada, atenciosa,
consciente do seu espaço e do espaço alheio.

E olho de novo, agora para o futuro. Ainda tenho muito de minha missão
a cumprir. Ainda tenho muito amor e muita bronca para dar, ainda temos
muito o que aprender uma com a outra, ainda temos uma vida inteira
pela frente, embora eu tenha a falsa impressão que perdi, ainda tenho
muito a ganhar, com novas experiências, novos carinhos, novos
caminhos. Com tantas flores e espinhos de outrora, só que outras
flores e outros espinhos. E vamos juntas, no improviso que é educar e
amar, seguir em frente, sempre em frente.

E chegará um dia que você será mãe, como eu sou mãe. E eu vou poder,
nos meus netos, reviver toda a parte que eu achei que tinha perdido, e
descobrir, feliz e realizada, que não perdi nada, que nós ganhamos
tudo.


A desesperança que catapultou Mossoró

O Jornal de Hoje
02/10/2004

RN Econômico
Eduardo Alexandre de Amorim Garcia
Jornalista

Susane Sodré
Do alto do podium do Beco da Lama, Miguel Mossoró procura visualizar a ponte
que trouxe motivação à disputa eleitoral para prefeito de Natal na campanha de 2004

A insatisfação de um povo com seus governantes gera resultados imprevisíveis. A história da humanidade está cheia de exemplos. Foi assim na revolução francesa; foi assim no Fora Collor; pode ser aqui no 3 de outubro, com a chegada de Miguel Mossoró ao segundo turno.
O fenômeno Miguel Mossoró não aconteceu pelo simples fato de suas aparições na TV, no horário de propaganda eleitoral.
O desbotamento da bandeira vermelha do PT, hoje alçada à presidência da República, é fato notório, com a evasão de muitos dos seus quadros. Homens e mulheres que construíram a história do primeiro grande partido brasileiro nascido das classes trabalhadoras desiludidos com a falta de pulso do presidente diante do Fundo Monetário Internacional, que continua comandando a política econômica brasileira, tal qual comandou nos governos anteriores.
O voto da grande maioria dos petistas nacionalistas na eleição do atual presidente foi uma manifestação clara e direta contra o chamado neoliberalismo, prática que procura enfraquecer o poder do Estado, abrindo flanco maior para o desenvolvimento do capitalismo concentrador de renda, responsável pela fome e miséria espalhadas pelo mundo.
Lutar contra o neoliberalismo foi a grande bandeira de anos de luta do PT e de seu braço sindical organizado, concentrado na Central Única dos Trabalhadores, a CUT, convergência dos maiores e mais importantes organismos dos trabalhadores brasileiros.
Tinha-se a expectativa de que Lula, saído de uma consagradora vitória nas urnas, pudesse, com a esperança ressurgida nos corações brasileiros e populações socialistas espalhadas pelo mundo, fazer frente à política de desmonte do Estado, orquestrada pelo "Big Brother" nipo/euro/americano, esse ente abstrato que existe e governa o planeta.
Antes da posse, a decepção já era evidente. A capitulação de Lula e do PT diante do grande irmão já se tornara visível em sua primeira visita ao presidente Bush.
De lá para cá, um sucessivo jogo de cartas marcadas foi sendo imposto pelo FMI, Lula vendo-se obrigado a inclusive taxar pensionistas e aposentados, a mando do capitalismo internacional.
A decepção foi roxa.
No plano local, municipal, o prefeito que hoje governa não foi eleito pelo povo. É um vice no exercício do mandato, longe de obter a simpatia e o arrojo eleitoral que sempre caracterizaram sua madrinha na Prefeitura, a governadora Wilma de Farias.
Carlos Eduardo, jovem prefeito de Natal, não é homem que atraia para si tanta antipatia. Mas é o candidato do governo e contra candidato do governo sempre surge uma candidatura de oposição.
Aberta a campanha eleitoral, Luís Almir disparou como adversário de Carlos Eduardo, deixando para trás nas pesquisas a candidata que, antes oposição, hoje representa o situacionismo do governo federal, sem conseguir atrair para si a simpatia do eleitorado desejoso de mudança.
Natal, em sua história, tem dado demonstrações de muita maturidade em suas lutas. Aqui, nasceu André de Albuquerque, Padre Miguelinho; instalou-se um governo comunista; um líder trabalhista fez-se presidente; um governo revolucionário de grande gosto popular foi empreendido com Djalma Maranhão.
Sem que Fátima conseguisse imprimir a sua campanha a característica de enfrentamento que levasse a resultados, a oposição da cidade que nunca assemelhou-se ideologicamente à uma política tipo Luís Almir, viu-se, de cara, fora da disputa, sem chances de brigar pelo Palácio Felipe Camarão.
Uma campanha que parecia sem atrativos e que já se conhecia seu vencedor.
Até que surge Miguel Mossoró falando mal do turismo predatório, hoje uma realidade na nossa capital, que não deixa mais suas jovens filhas passear pelas praias urbanas, e começa a ganhar o apoio da classe cara-pintada estudantil por tiradas de hilaridade e confrontação com a política tradicional que, no governo, pouco faz e; nas campanhas, tudo promete.
Miguel Mossoró surge desse hiato de possibilidade de uma contraposição ao governo de Carlos Eduardo e da insatisfação do povo com o governo federal, que prometeu dar emprego ao povo e que só mais tributo criou para mais penalizá-lo.
Com seu jeito simples, brincalhão, humilde mas cheio de criatividade e carisma, Miguel Mossoró, com sua fina ironia, fez o povo de Natal voltar a sonhar.
E suas idéias mirabolantes ganharam as ruas e o seu carisma chegou ao povo, que passou a vê-lo como possibilidade de dar um troco real à insatisfação reinante.
Hoje, Miguel cresce e deverá chegar ao segundo turno, desbancando grandes lideranças políticas do Estado.
Se o segundo turno para Miguel se concretizar, saiam da frente, porque Mossoró vai governar Natal.


lula e o neoliberalismo

RN Econômico

Eduardo Alexandre de Amorim Garcia*

A grande maioria dos que tomaram a Esplanada dos Ministérios naquele 1º de janeiro, quando Lula tomou posse da presidência da República, com certeza era de militantes sindicais, sem teto, sem terra, egressos dos movimentos sociais e militantes de PT, PCdoB. Sem dúvida, foi uma bela festa de civilização e civismo.
Agora, quase um mês após a posse, é bom lembrar: aquela imensa maioria ali presente era gente que pregou a reação ao neoliberalismo e todos os males sociais que advêm de sua prática. Uma gente que organizou manifestações, levou borrachada da polícia, empenhou corpo e espírito numa luta que levou anos.
Todos sabemos que, no governo, Lula não vai fazer revolução nem implantar o socialismo no Brasil. Mas, nós, que votamos nele, que fizemos as lutas da então oposição brasileira, não podemos deixar de cobrar do presidente e de seu partido uma linha de ação que combata as injustiças sociais e a fome que o presidente diz querer ver eliminada.
Para eliminar a fome, não bastam o prato de comida, a cesta básica, o tíquete alimentação. Isso, os partidos que elegeram o novo governo já haviam diagnosticado. Para eliminar a fome, é preciso eliminar as causas que provocam a miséria, a sangria econômica, o fosso entre os miseráveis e os que têm em excesso.
A esperança do povo brasileiro venceu não o medo de Regina, mas toda uma política velha em prática no Brasil e no mundo. As causas da pobreza, o PT conhece bem, e sabe que a principal delas é a dependência a uma dívida não contraída pelos que sofrem.
Em Davos, Lula deve dizer ao mundo que o Brasil clama por uma nova ordem. Que o mundo não pode ficar esperando por desastres maiores, como o da Argentina, se políticas de ordem econômica não forem alteradas. Foi para deixar esse recado que a grande maioria dos ali presentes, na posse, deixaram evidente para outros povos: a partir daquele momento, o mundo teria um novo líder a clamar contra as injustiças do mundo e fazer-se ao lado dos menos favorecidos.
Que Lula não nos decepcione e jogue contra os poderosos com toda a força que o povo lhe conferiu.
Aquelas cenas, decerto, não ficaram só na retina e alma dos brasileiros, mas extrapolaram fronteiras, enchendo de orgulho e esperança a todos os que, um dia, sonharam, em qualquer país, ser possível um mundo melhor, sem vassalos e senhores, como impõe a ordem atual.
Que o nosso Lula comece a mostrar a que veio.
*Jornalista
Natal/RN
23 de Janeiro de 2003


Dunga candidato a deputado federal em 98

RN Econômico
RÁDIO E TV



NUNCA, A

HUMANIDADE

PRODUZIU TANTA

RIQUEZA

QUANTO HOJE.

VIVEMOS NUM

MUNDO RICO,

CERCADO DE

POBREZA

POR TODOS OS

LADOS.

SÃO OS FRUTOS

DO CAPITALISMO

SELVAGEM,

CONCENTRADOR

DE RENDA,

DISSIMINADOR

DA FOME E DA

MISÉRIA.

VOCÊ, ELEITOR

PODE AJUDAR A

FAZER

NOVA HISTÓRIA,

MOSTRANDO AO

MUNDO

EXEMPLO DE FRATERNIDADE

E COMPROMISSO

COM JUSTIÇA

SOCIAL.

SÓ O GOVERNO

DOS

TRABALHADORES

SERÁ CAPAZ DE

DIVIDIR

O PÃO ENTRE

TODOS.



QUEM VOTA LULA

VOTA 13

VOTA DUNGA 1311

EDUARDO ALEXANDRE

DEPUTADO FEDERAL




RN Econômico
RÁDIO E TV


DURANTE A

DITADURA,

ARTISTAS E

INTELECTUAIS

UNIRAM-SE AO

POVO,

COMANDARAM A

REAÇÃO

E ALIMENTARAM O

SONHO

DE UM NOVO BRASIL.

NOSSA VITÓRIA

CHEGOU,

MAS COMO NÃO

ESTÁVAMOS

PREPARADOS PARA

ELEIÇÕES,

VENCERAM-NAS OS

POLÍTICOS

INESCRUPULOSOS DE

SEMPRE.

FERNANDO HENRIQUE

ERA DOS NOSSOS

MAS NOS TRAIU.

ESTÁ PARA A

HISTÓRIA

COMO UM JOAQUIM

SILVÉRIO DOS REIS,

AQUELE QUE

ENTREGOU TIRADENTES

E TORNOU-SE

SÍMBOLO ANTI-

BRASIL.

LULA JAMAIS NOS

TRAIU.


ABELA

Lenilton Lima

ABELA - ACADEMIA FERNANDO KALON DO BECO DA LAMA
7 DE SETEMBRO DE 2002
Largo Nasi Canaan
15 HORAS
POSSE DOS POBRES MORTAIS
ENTREGA DAS MORTALHAS
HOMENAGENS PÓSTUMAS
NEWTON NAVARRO, BERILO WANDERLEY, MAINHA, NASI CANAAN, EDGAR BORGES
BLACKOUT, BOSCO LOPES, TAROLISTA FELIX
MEMBROS
1. HELMUT CÂNDIDO
2. ÂNGELO DESMOLINS JOTTOH TAVARES
3. GUARACI GABRIEL
4. PLÍNIO SANDERSON
5. EDUARDO ALEXANDRE
6. ASSIS MARINHO
7. GERALDINHO CARVALHO
8. MARCELUS BOB
9. LENILTON PAPARAZZI DE LIMA
10. CARLOS DE SOUZA
11. CRISTINA TINOCO
(1ª SECRETÁRIA)
12. PEDRO PEREIRA
13. LÉO SODRÉ
14. TEREZINHA DE JESUS
15. LUCIANO DE ALMEIDA
16. JOÃO GUALBERTO AGUIAR (VICE-PRESIDENTE)
17. JOÃO GOTARDO EMERENCIANO
18. JOÃO DA RUA BATISTA DE MORAIS
19. RACINE SANTOS
20. CIVONE TOENIG
21. OSÓRIO ALMEIDA (ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO)
22. GUTEMBERG COSTA
23. CABRITO (PRESIDENTE)
24. PAULO AUGUSTO
25. DOUTOR ZIZINHO (DIRETOR CULTURAL)
26. MARCELO FERNANDES
27. CARLANÇA
28. ROBÉRIO ARAÚJO
29. MOISÉS DE LIMA
30. JOÂO COCÓ
31. PROFESSOR BIRA
32. VICENTE JANUÁRIO (GUARDA LIVROS)
33. FALVES SILVA
34. ANTÔNIO RAMOS (TESOUREIRO)
35. RAUL DA ALCATÉIA
36. CEIÇA DE LIMA
(2ª Secretária)
37. CARLINHOS BEM
38. NAGÉRIO
39. PAULO JORGE DUMARESQ
40. GRACO LEGIÃO
41. GEORGE CÂMARA (ORADOR)
42. IVONE CACHINA
43. PEDRO ABECH
44. MARIA DO SOCORRO HELP
45. GORETH DO ALEGRIA
46.ADONIRAN CANAAN
47. DORIAN LIMA.
48. HAROLDO MARANHÃO
49. AROLDO MARTINS
50. JÚLIO PIMENTA
51. DISRAELI HERONILDES
52. CARLOS ALBÉRICO
53.BELANTONIO
54. ALBERON
55.DONIZETE LIMA
56. SUELI FANTUCCI
57. CARLOS ASTRAL
58.DÁRIO BARBOSA
59.ZACARIAS ANSELMO
60. CARDÊNIA LÚCIA
61. CORNÉLIO NETO
62.LULA AUGUSTO
63. JOÂO BARRA
64. PROFESOR DICKSON
65. BARBA
66. TIAGO VICENTE
67. PROFESSOR HÉLIO
68. MARINHO CHAGAS
69. JOSÉ DE ARAÚJO FREIRE DEDÉ
70. ALUÍZIO GONZAGA
71.FRANKLIN SERRÃO
72. FÁBIO DE LIMA.
73. BARBOSA
74. SAYÃO (falecido ano passado)
75. JAILTON TORRES
76. JORGE NEGÃO
77. CARLOS ZEN
78.ANTÔNIO AMÂNCIO
79.MERI MEDEIROS
80.CRISTIAN VASCONCELOS
81. JÁCIO TORRES
82. VERA TORRES
83. WADIA MASSUD
84. MIRANDA SÁ
85. ELIADE PIMENTEL
86. ALEXANDRO GURGEL
87. MARCELO VENI
88. JACKSON GARRIDO
90 MEÇONS
91 EMANUEL PEREGRINO
92. LULA BELMONT
93. ZÉ MARTINS
94. CÍNTIA PAPARAZZI
95. NALVA CABELEIREIRA
96. MANOEL AZEVEDO
97. AFRÂNIO MEDEIROS
98.WLAMIR
99. IAPONAM CAMAFEU
100. MÔNICA CÂNDIDO
101.FÁBIO DE OJUARA
102. MARCELO RANDEMARK
103. JOSEMAR MOSSORÓ
104. CONDE GILBERTO
105. ARTEMILSON LIMA
106. KRYSTAL
107.ÁTILA LAMARTINE
108.BETO DE JAPI
109. HARRISON GURGEL
110. ALUÍZIO MATIAS
111.VENÂNCIO PINHEIRO

O MEMBRO QUE POSTULAR CADEIRA NA ACADEMIA DE DIÓGENES SERÁ SUMARIAMENTE
DESTITUIDO DE SEU TAMBORETE




segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Capitalismo e barbárie



Diário de Natal / 26 de setembro de 2001


O tombo das torres gêmeas do World Trade Center de Nova Iorque representa para a humanidade também um início de estado de alerta contra a barbárie imposta ao mundo pelo imperialismo globalizado. Antes de ser um ato terrorista, a ação contra o simbolismo do império americano foi um ato de barbárie contra a barbárie.

Barbárie imposta ao mundo pela grande concentração de capital nas mãos de poucos, enquanto as grandes massas humanas passam por necessidades de toda ordem. Ao acúmulo dos poucos, resulta a subtração a milhões de miseráveis sem direito a vida, espalhados pelos quatro cantos da Terra.

A barbárie está na falta de comida e na desassistência à saúde, à educação, à moradia de bilhões de indivíduos. O fundamental hoje é o reconhecimento de que esta não é uma guerra religiosa; não é uma guerra de nações contra nações.

Há 150 anos, Marx alertava: a concentração do capital irá gerar a barbárie. E a barbárie está há muito presente ao planeta, enquanto a grande águia americana ostenta a opulência de um povo que não olha em sua volta.

Contra a barbárie da miséria latino-americana, o capitalismo americano impôs o muro da fronteira mexicana. Contra a barbárie do genocídio palestino, os grandes investidores ianques endossam a barbárie do megamilionário mercado de armas.

As mortes diárias dos grandes centros, corpos tombados diante da violenta reação humana contra a pobreza, somam-se em números maiores que as conseqüentes do ato da guerra não declarada contra o império americano. A barbárie do cotidiano humano está nas páginas de qualquer jornal do mundo. O tio rico do norte, no entanto, nunca fez questao de lê-los. Sam nunca se preocupou com nada que não fosse o aumento de sua própria riqueza. Como o tio milionário da ficção dos comic books, o Patinhas, ele amealha e não acena com qualquer gesto de humanidade, dando ao mundo uma chance de paz e vida digna para todos.

Subtrai; explora; escraviza.

Os necessitados do mundo não querem nem lutam por caridade. Exigem justiça e uma ordem mundial que busque o equilíbrio econômico e dê a todos o direito de viver.


O xerife do mundo tem diante de si uma guerra diferente; guerra que exige prudência e táticas também primárias como os estiletes responsáveis pelo desastre de Manhattan. Não será a guerra nuclear que resolverá a questão. Nada de explosões ou recorrência à força bruta: o trabalho da inteligência, muito mais, será o fator determinante de uma resposta racional ao ato que humilhou e expôs ao mundo a fragilidade do gigante.


A paz que reinava em terras da América já não mais existe. As populações das grandes, médias e pequenas cidades dos estados americanos vivem hoje sob o domínio do medo, sem a consciência de como e onde será a reação sem rosto do inimigo.


Da mesma forma que Bush ameaça países que abriguem terroristas anti-imperialistas, pessoas de bom senso de todo o mundo se unem contra o requisitado direito de assassinato de qualquer cidadão do mundo sem julgamento.

A barbárie americana chega para ameaçar o Direito Universal. E já não serão mais os poucos países islâmicos que se insurgirão contra o xerife do mundo, mas populações esclarecidas de países ocidentais e até cidadãos americanos.

Contra a barbárie imposta pela política internacional americana, o mundo viu ao vivo a barbárie de uma resposta irracional e cruel. Ou a nova ordem é estabelecida em bases humanitárias sólidas, ou o capitalismo globalizado, por responsabilidade, implodirá o mundo em ações primárias de grandes resultados.

A reflexão fica para que não se encubra com manto religioso uma questão eminentemente política: o barbarismo político americano, mais que os suicidas do novo terrorismo mundial, ameaça a humanidade de uma forma concreta e cotidiana, merecendo dos seus mentores uma revisão que traga ao mundo a paz por todos desejada.

Eduardo Alexandre de Amorim Garcia




domingo, fevereiro 27, 2005

O GRANDE PONTO




Era uma casa comercial, de duas portas para a Rio Branco e três para a Pedro Soares, que depois de 30 tomou o nome de João Pessoa.
Luís da Câmara Cascudo


Antigamente, essas reuniões em Natal, como nos diz o historiador General Pessoa de Melo em seu livro "Natal de Ontem", tinha o nome de - Cantões - cerca de cem anos atrás.
Lauro Pinto


O Grande Ponto é o território encantado onde vive a alma errante, boêmia e lírica, curiosa e loquaz, da gente natalense.
Joanilo de Paula Rêgo


As cidades antigas tinham seu lugar sagrado, no centro, na Ágora em Esparta, na Acrópole em Atenas, no Capitólio em Roma. Ali, os cidadãos se reuniam e faziam discussões sobre os assuntos mais importantes, divertidos e esportivos da cidade.
Marcos Maranhão


Ali, a democracia participativa criava raízes pois a discussão era permanente sobre as grandes questões nacionais e da cidade.
Moacyr de Góes


O Grande Ponto era um mundo de beleza e de calor humano. Ali aprendi as primeiras lições de vida.
Ticiano Duarte


Era um ponto xaria, habitado por todos os canguleiros da velha Ribeira, que começava a perder encantos e comércio, prostíbulos, bares e almas que subiam a ladeira para a conversa diária e amena de fim de tarde com mortais que surgiam do Tirol, Petrópolis, Alecrim, Quintas, de onde mais?
Eduardo Alexandre


Nesta "Universidade" popular, reuniam-se intelectuais, esportistas, políticos, jornalistas, estudantes e um sem número de prisiacas. Era uma fonte inesgotável de comentários, boatos e muita conversa-fiada que invadiam a nossa pequena Natal.
Manoel Procópio Jr.


Assumindo o Grande Ponto e sua genial humanidade, percebi coisas que os olhos curiosos do menino chegado de Mossoró e Alexandria, nunca tinham visto.
Casciano VIdal


Era naquele local onde os expoentes daquela geração resolviam os problemas do mundo.
Falves Silva



Não havia mais um lugar para sentar, conversar, beber ou comentar a vida alheia. É quando aparecem os irmãos Rossini, Múcio e Aldemar Miranda, inaugurando a Confeitaria Cisne.
Protásio Melo


Sala-de-visitas, centro de convivência, ágora, universidade popular – o Grande Ponto é tudo isto e algo mais.
Manoel Onofre Jr.


Eu não devia mencionar nomes, por acabar esquecendo algum. Mas como esquecer...
Inácio Magalhães de Sena


O Grande Ponto, não somente situa uma espécie de centro geográfico da capital, como assume o centro afetivo de encontro e relacionamento de um permanente potencial de sua população.
Raimundo Nunes


Lembra-me o Montmartre de Paris, de minha juventude de padre estudante.
Pe. Agustin Juan Calatayud y Salom


Hoje, o Grande Ponto cresceu e o Cinema Rex é só memória.
Raquel Alves de Sousa


A história da construção deste nosso espaço geográfico afetivo se confunde com tradição e todos os elementos sociais que produzem modificações através do tempo.
Franklin Serrão


Centro referencial
de política e cultura,
de oposição e governo;
a palavra ali falada
no palanque dos comícios
ganharam tal ressonância
que nos seus cantos ecoam
Celso da Silveira


Eu, por mim mesmo

Lenilton Lima


Fernando Kallon

Sempre achei que toda confissão
não transfigurada pela arte
é indecente.
Minha vida está nos poemas.
Meus poemas são eu mesmo,
nunca escrevi uma vírgula
que não fosse uma confissão.
(Mário Quintana)

Infância e juventude no Tirol. Antiga rua Revisão, hoje Nelson Fernandes, próximo à praça Augusto Leite. Naquele tempo ainda havia mangueira, campo de pelada e terrenos baldios: o paraíso dos meninos vadios.
Amizade com a família Rebouças. Todos músicos: Marcos (falecido), Marcelo, Marcílio e Marcone. Os acordes do violão em serenatas, bordando o silêncio nublado das noites suburbanas. A infância embalsamada eternamente na pirâmide da saudade. Os primeiros versos vaga-lumes bailados na sombra.
O sangue fervendo nas veias em ebulição das aventuras.
Sonhando com os olhos vendados.
Quebrar o “gato no pote” da rotina.
“Caminho com todos que caminham. Não poderia permanecer imóvel, assistindo a procissão passar” (Gibran).
Primeira carona, de navio, aos 16 anos para a Bahia via Recife e Maceió. Chegada noturna em Salvador. Navio atracando ao largo: meu primeiro “Descobrimento do Brasil”. Batuque de atabaques do candomblé e toques de berimbau. A magia e o mistério da malícia e da ginga do bailado da beleza negra enluarada no jogo de capoeira de Angola. “Salve o mestre Pastinha, salve os filhos de Zumbi, capoeira de Angola se pratica por aqui” como diria meu camarada e amigo do peito Iaponan Camafeu de Ogum.
Na madrugada, saveiros silenciosos que partem, navegando com suas velas brancas beijadas pela banda refrega do vento sudoeste. Proas apontadas para esverdeada tocha da estrela da manhã. Pendurada na cumiera do céu, como uma aranha luminosa, tecendo com seus raios sua teia na sombra, a estrela Aldebarã. No jardim nublado do tempo, a neblina aguando a rosa dos ventos. Navegar é preciso. Viver “nunca” foi preciso.
Calça o leme, finca o mastro, abre o pano, amarra os “tais”, aperta a mura, puxa a escota, que o vento é em popa, não precisa bordejar. Joga água no pano proeiro, que nos vamos marear pras águas lá de fora, das ondas de alto mar, do reino encantado da Rainha Iemanjá, Janaína, Inaê, Marbô, Dandalunda, Mãe Sereia, Princesa de Aiocá. Quantos nomes ela terá? Só o devoto saberá!
As canções praieiras de Dorival Caymmi: o guru musical do mar.
Bahia: o deslumbramento!
O amor à primeira vista. O sonho realizado deixa o poeta maltrapilho de alma coroada.
Bahia: o encantamento!
Bahia, que depois eu voltaria, como alguém que volta para a amada.
Bahia: “Jorge” para sempre “Amado” . Vida “noves fora”: poesia...
Meu coração, cigarra vadia cantando de noite, cantando de dia.
“Não vadeia Clementina! Fui feita para vadiar...”
Volta para Natal. Tirol. A avenida Alexandrino de Alencar, era a fronteira para o bairro de Lagoa Seca. Do outro lado, a turma da “barra”. Raul, Garcia, Bianor e Paulinho Marinheiro.
Turma da Barra com sua discoteca universal, que abriu ainda mais o leque musical. Naquele tempo não era bom se aventurar para os lados da avenida 4 sem um cabo de aço como cinturão e um canivete no bolso. Pare! Olhe! Escute! Como em sinalização de cruzamento de via férrea, é prudente você seguir as instruções do aviso ao transpor os limites do gueto potiguar, para evitar acidentes fora do trabalho. No morro e na favela, o “perigo” é uma máscara de espantar otários. Se você tem passaporte de malandragem, dirija-se à plataforma de embarque e boa viagem. Noel Rosa só pode nascer no jardim da boemia. Que fiquem quietos os espinhos comportados. “Purifiquem-se pelo pecado”, como já dizia Rasputin. “Poetas do mundo todo, uni-vos”.
Década de 60: Natal em efervescência cultural. A turma do poema processo, Dailor Varela, Falves Silva e sua extraordinária exposição no “Francesinha”. Zizinho me empresta Neruda que eu nunca devolvi, me esqueci. Amnésia alcoólica. Ainda bem. Francisco Borges “França” da avenida 7, que me apresentou a maravilha da literatura russa, Dostoiévski, Gorki, Gogol, Tolstoi, Turqueiev, Maiakóvski, Pusckin, Lermontov. O músico João de Deus me apresenta a Walter Varela, “Berbe”, que me levaria pela primeira vez a Maracajaú. Formação do conjunto musical “os Berbes”, do qual, juntamente com meu amigo ariano, Graco Legião, seria compositor e participaria de um Festival de Música do SESC.
Ida para o Rio de Janeiro.
Intercâmbio poético com poetas anônimos que circulam pelos jardins do M. A. M. Morada no bairro do Estácio. “Se alguém quer me matar de amor, que me mate no Estácio” (Luís Melodia).
Viagem do Rio de Janeiro para São Paulo de trem com Dieter Bischoff, um pintor andarilho de Bremen, Alemanha. Viajamos grande parte do interior de São Paulo. Estadia em Ilha Bela, na casa do pintor basco Fernando Odriozola. Volta para o Rio de Janeiro.
Festival de Música de Pedra Azul, em Minas Gerais. Novamente Salvador, ilha de Itaparica.
Aracaju, Maceió, Recife, onde me fixei um tempo na praia da Barra de Jangada, quando ainda era ainda uma pacata aldeia de pescadores. Olinda.
O movimento hippie assanhando a cidade como uma caixa de marimbondo. Amizade com a tribo pernambucana. Grupo Ave Sangria, de Marco Polo. Dom Tronxo, Marconi Notaro, Lula Côrtes. Conjunto Semente Proibida, do baterista Israel. Julinho do IPSEP em dueto de violão e flauta com Graco Legião. Morada um tempo na praia de Candeias, que a lua cheia na noite incendeia.
De volta a Natal. Depois de um tempo na praia da Redinha, fazendo dieta de cachaça com peixe frito e tapioca, novamente a estrada da “Canção da
Estrada Aberta”, como o poema de Walt Whitman, “On the Road” do beatnik Jack Kerouac.
Fortaleza, Canoa Quebrada. Teresina, São Luis, uma cidade encantada como Salvador e Natal. Belém do carimbó, do pato no tucupi, da maniçoba e do tacacá. Mercado Ver o Peso. Ilha do Marajó. Brasília, São Paulo. Santos. São Vicente. Novamente Natal. Praia do Meio. Molecagem na beira-mar. Rua do Motor. Morro de Mãe Luiza, Areal, Canto do Mangue. Rocas de todos os Canguleiros do mestre Itajubá.
Praia dos Artistas, Galeria do Povo, Partido do Povo Brasileiro, King Eduardo Alexandre, meu rei de “...e nem assim saberei”.
Maracajaú. O poeta hipnotizado por serpentes marinhas. Cantar as canções que Maracajaú canta dentro de mim. A continuação das canções “berbeanas” de Walter Varela, acalentando o silêncio noturno da aldeia adormecida. De manhã cedo, o grito de aboio de Dom Miguel Paiva chamando o gado. Pastoril Coco de Roda. Violões acompanhando modas praieiras. Pescaria de tresmalho. Caçoeira. Paquetes que trazem o caíco, jangada que vem de longe trazendo peixe graúdo. Pescaria de dormida das “cavalas”.
O “escaldaréu” debaixo dos coqueiros acompanhado de pimenta e cachaça. Confraternizações de amizade do povo do mar, meus amigos pescadores de Maracajaú, todos eles atracados no porto do meu coração. No reino da humildade, disfarçados palácios de palha.
Novamente gira a roda do destino me levando pra viajar. Areia Branca. Praia de Upanema. Lugar do meu amigo pescador “Budé” e de Francisco das Chagas, “o Raul de Upanema”, com a magia colorida de seus pincéis. Entrada, Praia Grande. Redonda, Morro Pintado, Cristovam, Ponta do Mel. Rosado, Macau, Diogo Lopes, Zumbi.
Perambulando pelo interior do estado com um parque de diversões, depois com a companhia do “Espanhol Circo”, do nobre Nelito.
Viajando com os ciganos, o povo Calon, “o povo do vento”, a magia, o mistério e o encantamento da raça cigana: peregrinação milenar da liberdade. Os acampamentos ao redor das cidades, na beira das lagoas, dos rios. A alma cigana não cabe dentro de uma casa. Eu já fui “juron”. Hoje, sou “kalon” de força absoluta nos versos do violeiro Ivanildo Villanova, exilado no quilombo de Sibaúma. Pipa, Tibau do Sul. Barra de Cunhaú, Baia Formosa, Redinha. Pirangi do Sul, Pirangi do Norte. Praia de Santa Rita.
Agora, no verde vale do Pium. Parceria com Edinho na música “Natal de João”, gravada por Cida Lobo. Compositor fundador do grupo Alcatéia Maldita, com diversas composições, entre elas, “O Pescador”, “Vela de Barco”, “Alçapão”, “Gavião de Penacho”, “Cio de Cobra”, “Ribeirando a Ribeira”, “Formigas Transando”, “Funeral Cigano”, “Campos de Algodão”, “Cavaleiros do Sabá”.
Parcerias com Raul Andrade, Graco Legião, João de Deus, Edinho e Jorge Macedo.
Recentemente fazendo trabalho com uma letra “Viola Feiticeira” com uma parceria musical de Tertuliano e Nagério. Autor de mais letras: “Tenda dos Orixás” com composição musical de Maurício Zaratustra Queirós. Poeta. Sem profissão definida nem indefinida. “Aquele que não vive seus dias no reino dos sonhos, será sempre escravo das horas” (Gibran).


O dia em que Jottoh bancou a festa

Lenilton Lima"
Angelo Desmoulins Tavares

Edgar Allan Pôla

Aírton estava preocupado. Jottoh, o Ângelo Desmolin Tavares, já chegara pra lá de melado e logo se dirigiu para o fundo do bar. Foi juntando mesas numa fila interminável e chamando pessoas.

- Hoje é tudo por minha conta. Não é, capitão?

O capitão Dennis Touran não perdeu tempo:

- Mas é lógico! E quem está duvidando? Bigode, desce outra ampola super gelada!!!! De 600ml, faz favor!

Da churrasqueira completamente tomada da mais suculenta e legítima picanha argentina, vinha o cheiro convidativo da carne na grelha:

- Toque fogo!

Era Cornélio Neto, animado diante dos proclamos do velho Jottoh, cabelo tinindo de preto, obra de tintura carinhosamente providenciada pela secretária recém-contratada, Sandra Shirley, que primava no trato do misterioso e taciturno Corcunda de Casa Amarela.

- O velho é vaidoso. Imagine que tive de trazer dez camisas para ele escolher uma...

Francinha chega e vai logo interrompendo a conversa:

- Ângelo, tem cigarro, aí?

- Deixei no carro... Capitão, resolva aqui a parada da senhora Aguiar.

Cigarro providenciado, afundado em sua cadeira de diretor de cinema, com direito a nome pintado e tudo, o velho, sem ter dispensado as antigas havaianas, continua a conversa.

- Francinha, telefone para o João e diga para ele vir aqui no Meia Meia Quatro que tem cem pratas para ele. Não é porque a Prefeitura não paga que ele vai ficar sem dinheiro. É só cantar a Praieira...

Escorado no balcão, Bigode assistia incrédulo a tudo aquilo.

- Só quero ver quem é mesmo que vai pagar essa conta...

E você ainda não soube, Bigode? O Jottoh ganhou na Mega Sena. Sozinho. Tá montado na nota e veio comemorar...

- Não tá vendo que isso é mentira, Clarindo? O Jottoh nunca comprou bilhete de loteria...

- E não comprou mesmo. Achou, ali, na Praça Padre João Maria, num banco, defronte a Nazareno. O velho pegou o bilhete, viu que estava na validade e botou no bolso. Depois, acendeu ao santo uma vela ali encontrada, e fez a promessa:

- Se ganhar, eu fecho aquele bar e dou a maior festa! E de portões abertos...

- Está aqui, hoje, para pagar a promessa.

A FESTA

Quem chegava era logo informado da novidade: cerveja na canela para todo mundo, cachaça, uísque, o Macieira para Luciano, e churrasco das melhores carnes: maminha, cupim, filé, contrafilé, alcatra, bisteca, porco, frango a vontade e para todos os gostos, lingüiça de Caicó encomendada por Berg e até o ressuscitado caldo da casa, antes, famosa iguaria única do vasto cardápio.

Contratados para cantar, Géo Ventania, vinda especialmente da Paraíba, fazia duo com Carlinhos Bem. O coro, também devidamente remunerado, estava composto de cinco vozes: Help, Mossoró, Volontê, Sylvia e Leninha, a Maria José. Tudo numa produção contratada, à vista, ao babilônia, também responsável pela documentação em foto e vídeo.

Radiante, Jottoh distribuía gentilezas:

- Aírton, um copo de cristal aqui pro meu amigo Alexandre. Da Tchecoslováquia, faz favor. Esse careca merece...

Convidados especiais, Zizinho, da Central Única, e a deputada Fátima Bezerra. Sondado para fazer a crônica da festa, Valério Mesquita foi dispensado de última hora. Jottoh não iria cometer uma injustiça assim tão grande com o Edgar, reconheceu o crítico João de Moraes.

Já com a recém-nascida no colo, o casal Paulinho e Clésia ocupavam o lado direito do anfitrião e não prestavam serviços. Cinco garçons devidamente paramentados, com direito a gravata borboleta, impecáveis camisas brancas de mangas longas, abotoaduras e calça preta, obedeciam aos comandos de Aírton, ainda surpreso com aquela invasão de profissionais em sua seara.

- Doutor Ângelo, tem alguém aí fora procurando por você. Traz um bolo que parece até de casamento de noiva socialite, anuncia Pedro Pereira.

- Mande entrar! A conta já está paga. Por favor, verifique se beijos e brigadeiros, salgadinhos, estão devidamente acondicionados e longe das formigas...

Mal o imenso bolo adentra o recinto, chega um emissário dos Correios.

- Telegrama para o doutor Ângelo Desmolin.

- Pode abrir, doutor Aírton! Diz de seu trono o anfitrião. E pode lê-lo pra gente, solicita.

Aírton abre o telegrama e, mais uma vez surpreso, diz ser da Casa Civil do Governo do Estado.

- É do Garibaldi. Pergunta se pode vir para a festa...

- Ô, Sandra! Pegue aí meu celular e ligue pro gabinete e diga lá pro Luís Eduardo que não estamos convidando autoridades para hoje. Quem sabe, na próxima semana...

Num canto meio isolado, Marcelo Fernandes e Marcelus Bob sonham possibilidades para o Ateliê Unir:

- Com o velho montado na grana, podemos pensar em até comprar um daqueles prédios da rua Chile... Ou alugar uma lojinha no Via Direta outlet... Comprar aquele terreno baldio do mirante Chico Miséria...

- E já imaginou a quantidade de coisas que chegará para o velho? Tudo da melhor qualidade, direto de nova Iorque, Londres, Paris, Juazeiro e Petrolina?

Luciano Almeida que estava do lado de fora num grupo integrado de Liége, Jácio, Verinha, Ramos e Falves Silva fazendo o quê não se sabe, chega com a notícia:

- O peru encomendado à Nick Buffet chegou. Coisa, no mínimo, para uns doze ou quinze quilos. Imenso...

Em baixela de prata, trazido por uma morena em trajes sumários, o bumbum boa parte de fora, arrepiando a galera, o peru chega à cena da ceia.

- Esse é só para a diretoria, avisa Desmolin, anunciando em seguida que outros dois exemplares já estão encomendados.

Duas da tarde, os rojões espoucam invadindo ouvidos de gente desprevenida da Gonçalves Ledo. Anões segurando balões voadores coloridos invadem o pedaço. A seguir, palhaços fazendo firulas, dando cambalhotas, anunciam o show de Dimas Carlos, do Zás Trás: Brasil in Concert.

Tudo é festa e o anfitrião está satisfeito. Dispensa a cerveja e os uísques de 32 anos devidamente providenciados para as comemorações, e toma duas doses de cana: Ipioca legítima, da primeira safra. Pega no sono e ninguém ousa perturbar sua paz celestial.

Fim de festa, Aírton numa trabalheira imensa de recolhimento de mesas, cadeiras, et coetera e tal, percebe que alguém ainda permanece no ambiente, em sono ferrado, atrás de um carro de venda de churros.

Acorda, Jottoh! A festa acabou.
- Acabou, eu sei. Todos ficaram satisfeitos... Gastei, mas gostei.

- Como gastou? Você ainda está devendo as pingas que tomou...

- Devendo, como? Eu não tinha pago tudo com antecedência? Os perus, as picanhas, o coro, os músicos, os espetáculos, o foguetório? Cadê Sandra Shirley, minha secretária? E o meu motorista? Será que também levaram meu celular?

Meio atrapalhado, sem bem entender o que estava se passando na cabeça do velho bêbado, ali, ainda estendido, dizendo besteira, Aírton dá a sentença:

- Ou paga ou não entra mais aqui! Tá pensando que está rico, é velho? Que ganhou na loteria? Eu bem que avisei pro Dennis que não lhe desse aquela almofada. Que deixasse você dormindo no chão duro. Almofada faz mal a sonho de bêbado. Amolece, faz o cara acordar pensando que está no paraíso... Sai dessa, Mané! E pague logo as canas que você tomou!

Sem um níquel no bolso, Jottoh se levanta, triste, desolado, certo de que tudo não passara de um bom sonho, generoso sonho, e caminha para o portão.

- Bote na conta do doutor Eduardo...

- Mas Eduardo não bebe cachaça...

- Então chame a polícia. Mande logo prender esse velho que lhe ama e só lucros traz para essa bodega...


A Viagem do cigano

Maracajaú

Edgar Allan Pôla

Houve época em que a juventude crazy natalense torcia por uma chuvinha no interior.
Na Praia dos Artistas, ninguém entendia a tendência pelas chuvas.
- A galera aqui do surf gosta, dizia o Boy da Praia.
É que, com chuva, explicava, as ondas atlânticas vêm maiores.
- Chuva, pra quê? Eu quero é sol, reclamava a oposição representada pelo paulista Oswaldo, representante de revistas sulistas estabelecido na Ponta do Morcego.
Quando, em março, a chuva bendita, porém pouca, caiu, uma turma dirigiu-se para São José de Mipibu.
Cercas de arame farpado, o visual era uma beleza do lado de dentro!
Gado zebu no pasto verdinho, macho pra lá e pra cá, em tentação, e a turma de olho, pra ter certeza de que o cogumelo que buscava brotava mesmo da bosta do reprodutor.
Tinha um andarilho cigano de nome Kallon, senhor de todas as orlas potis e tabajaras, pai de prolíferas proles em todas as praias por onde andara, que gostava de viagens e que cobrou quota da meninada quando esta chegou com o produto do brejo.
Panela escaldante, os cogumelos quase chiaram quando nela foram jogados.
Primeiro copo para o cigano, Kallon não se fez de rogado: emborcou o conteúdo ainda quente para o estômago, e sentou-se na mesa do bar.
Duas horas depois, Kallon é encontrado prostrado na calçada do imaculado Colégio da Imaculada Conceição, na Cidade Alta.
Levado para as Clínicas, o médico surpreende-se com aquele corpo inerte, maltratado, mas sem sinais de coisa grave.
Balança o paciente pelos ombros, até que ele abre um olho, disposto ao enfrentamento.
- Você está bem? Pergunta-lhe o médico.
- Doutor, a matéria está um bagaço, mas o espírito está que é uma beleza! Se for medicar, medique só a matéria, doutor, porque o espírito está nas alturas...


MADAMA BATICUM



AROLDO MARTINS



Tontas iaiás balouçam os corpos revoltosos num rendilhado de saias alvoroçadas, multicoloridas, num ritmo de tantãs atordoando os enfeitiçados. Os atabaques percutem em estonteante pulsação, mesmerizando as iaôs dançarinas - algumas, manifestadas, desatando a rir em achaques e tremeliques - ululando ao léu, noivas de uma lua em sombrio e tenebroso minguante.

Um mão-de-faca acende bugias. O terreiro reluz na penumbra num bruxuleio misterioso de flamas dispersas, entre sombras escondidas.

Longe, doce e harmoniosa corimba é entoada, enquanto atravessas com mavioso canto o espesso negrume dos incensos, os olhos estranhamente luzidios fulgurando na meia escuridão.

Albina, gema do Areal, dona de perfumadas noites de macumba, rainha dos encantados hotentotes, maga da indiara cabocla, é bem-vinda mãe.

Senhora dos seres dos mares, conselheira da mãe-d’água, tu que abafas o silvo da pérfida caninana, livra-nos da besta-fera, afasta-nos dos hodiernos miasmas da Ribeira.

Se, num teu pesadelo, ao vislumbrares, em soturna noite de trovoadas no Refoles, um vulto chagado cavalgando uma mula-sem-cabeça e que, em disparada, uiva, paralisando as ostras, gorando as ninhadas dos pequeninos maçaricos, manda-o de volta para a aldeia, mãe: aquele é o calunga de Zé Pretinho, nosso primeiro enforcado oficial.

Mas, se em tua mansuetude dormitas entre nuvens e em lindos sonhos avistares um caboclo velho soprar volutas de um boró, provocando o panapaná das borboletas; colher a dália e; espantar a osga cantarolando a música do primitivo gentio, traze-o, mãe, faz ogã de mim, cambone teu, e desce, Albina, baixa nesse povo que te ama aquele que mexeu com catimbó; aquele que tudo sabe, faz e acontece, esse buliçoso e serelepe Zé Pilintra de marca maior: o encosto de Cascudo.


Geraldo Doido

Hugo Macedo

Nesse período de "Deus pra cá, Deus prá lá", lembrei de um fato ocorrido em Parelhas, minha terra natal.

Um maluco, de avoá pedra na lua, chamado Geraldo Doido, tava liso feito bunda de anjo, quando teve uma idéia de pedir dinheiro a Deus. Então, escreveu uma carta e foi deixar nos Correios da cidade.
O atendente, que já conhecia Geraldo Doido, recebeu a carta estranha, lendo, de rabo de olho, os dizeres do remetente:

"PARA DEUS"

Sabedor da doideira, o carteiro decidiu abrir a carta, que continha o seguinte pedido:

"DEUS, estou desesperado e preciso da sua ajuda. Mande cem reais para eu pagar as minhas contas, pelo amor de Deus."

O carteiro, sensibilizado, juntou os funcionário da agência e mostrou para todos o desespero do doidim. Decidiram, então, fazer uma vaquinha e conseguiram juntar noventa reais e enviaram, dentro de uma carta, para Geraldo.

Depois de um mês, o doido chega aos Correios e entrega uma outra carta.
Todos, curiosos, reunidos entre si, abrem a carta que assim dizia:

"DEUS, primeiro gostaria de agradecer o dinheiro que você me mandou, mas, da próxima vez, vê se não manda pelos Correios, pois os ladrões de lá me roubaram dez reais.

Hugo Macedo


Suspeitos e insuspeitos

Oficina de Pintura no Bar de Nazaré

Professor Bira

Esse negócio de deltinhas no banheiro é coisa de artista de plástico, como diria Volonté. Então temos uma lista de suspeitos e insuspeitos como veremos:
Helmut Cândido: Insuspeito, é um intelectual acima de qualquer suspeita, não se prestaria a tão pouco.
Marcelus Bob: Suspeito, é obcecado pela dita e tem motivos para fazer mal-criação no bar, mas creio que as suas seriam encapuzadas como os humanóides.
Marcelo Fernandes: Suspeito, o cara é completamente seco, mas as ditas não foram feitas com giz de cera.
Franklin Serrão: Insuspeito, anda numa fase de estudos profundos. Se fosse ele os deltas teriam um estilo Portinari.
Plínio Sanderson: Suspeitíssimo. Separado recentemente, está sempre com a brocha na mão. É enfermo do caráter e adora uma performance.
Valderedo: Suspeito. Esses caladinhos são danados. Pode ter disfarçado o traço.
Alex Gurgel: Insuspeito. Se fosse ele, seria um texto falando do cheiro almiscarado que exala daquela gruta úmida e intumescida.
Hugo Macedo: Insuspeito. Fossem fotos de deltas bucólicas e pitorescas...
Jotoh: Suspeitíssimo. O véinho é um danado. Está de volta à ativa e, afinal de contas, são miniaturas.
Lulaugusto: Suspeitíssimo. Dar barraco em Narareth é com ele mesmo, apesar de um filme nem que fosse pornô ser mais de seu feitio.
Léo Sodré: Suspeito de dar cobertura ao principal suspeito. Mas se fosse ele, teríamos um texto de apresentação relevando as qualidades da dita, tipo: as deltinhas são cordiais, criaturas maravilhosas dignas de toda nossa devoção...
Dunga: Principal suspeito. Pesa contra ele os seus portais. É o único que pinta porta, janela, embalagem de pizza, gavetas... Por que não banheiros? Além do mais, não seria a primeira vez que o poeta manipularia uma deltinha no Beco. Outro agravante: todos sabemos da sua intenção em fazer sua exposição da Vigário Bartolomeu até o Palácio da Cultura, passando por Nazaré. Ou seja, preenchendo todos os espaços, sem excluir nenhum.


Milacrias & bucetinhas


Expo na parede do Mercadinho São Cristóvão, Rua Cel Cascudo

Plínio Sanderson

Sobrevivente dos tempos de chumbo,

tínhamos nos muros espaços livres de manifestações

contra a corja militarista escrota que assolava o país.

A ditadura era onipresente nas mídias

impossibilitava exacerbação contrária ao regime.

Nesse contexto o grafite eclodiu

como praxis de uma militância desarticulada e pueril.



Saíamos em farra com sprays,

dubles de poetas, filósofos e revolucionários,

travestidos de shaksprey.

Alguns até hoje povoa o imaginário dos remanescentes:

"Lombrax, Mandrix, Mandrake, Cadê Hendrix?";

"Reta Arte, Lama Alma";

"Não Vote, Revolte: Arrote!";

"Sensibilis Brother, Inconsciência Não Doí!";

"O ódio Madruga na Afundação Cultural";

"Eu Dou o Tiro, Quem Mata é Deus";

"Turistas: Go Home...".



Nos tempos atuais, com o advento da demo(n)cracia na ética imperante,

a pichação é considerada politicamente incorreta e até poluidora visual.

Os frequentadores anódinos de Nazaré (leia-se: Bar Fecha às Dez)

iniciaram um processo de vandalismo estético que repercute nos meios e e-mails becolamenses,

o desenho do manjado ícone bucetista deixado despretensiosamente

entre um gole e uma visita ao W.C do supraboteco,

tornando a caneta um assessório indispensável na incursão.

Nazaré, com seu humor característico,

está criando um rumor de caça ao diletante pichador,

excomungando o pobre artista e prometendo exilá-lo caso descubra sua identidade.



Facções defensoras dos melhores preceitos da TFP e dos Clubes da Luluzinha & Afins,

também soltaram o verbo ao esconjurado meliante,

proferindo jargões feministas em prol da moralidade decadensexista.



Nós que edificamos barricadas contra quaisquer formas veladas (ou não) de censura,

exercitamos a libido e a arte em todas as nuances,

desenvolvemos alguns estratagemas para manter a invasão das priquitinhas

no recinto criativo e manter anônimo o inspirado panfletário.



A primeira, consiste em engarrafar a fila na ida ao banheiro

onde vários freqüentadores ao mesmo tempo agora utilizarem o mijador,

saindo todos no mesmo instante, impossibilitando a identificação do afortunado.


A Segunda é começar a desenhá-las em lugares de pouca visibilidade,

perto de locais onde a pintura/parede esteja deteriorada,

escondendo as ditosas pererecas até que o banheiro esteja repleto numa revolta de bucetinhas

já se constituindo uma instalação insofismável.



Enfim, liberdade para as pererecas, tabacos, bucetinhas, priquitinhas, xoxotinhas e vulvas sacrossantas

Abaixo as hipocrisias dissimuladas,

o Beco é dadaísta, é território de livre manifestações,

o resto são bobagens de mentes tacanhas e preconceituosas...


Fazer um bom poema

Márcia Maia
Márcia Maia

Quero, nesse 13 de junho, aniversário de Márcia Maia, a nossa correspondente no país de Recife, que tem por capital Pernambuco, presentear-lhe com o mesmo presente que recebi hoje de Quintana: esse sonho.

A amiga, hoje, é, sem dúvida, um dos expoentes da literatura nacional. O porquê de —ainda—não figurar no cenário literário brasileiro, como merece, são outros quinhentos; todavia, felizes somos nós de conhecer a sua escrita e partilhar do sonho quintanar que vem fazendo no seu dia a dia: escrever um bom poema.

Que continue, sempre, a nos brindar com o seu sonho, escrevendo os seus bons poemas, suas circunstâncias, seu modo de ver a vida, com o seu empenho de sempre oferecer o que de melhor tem de si: a palavra trabalhada no verso.

Um abraço grande,
Um beijo,
Toda a felicidade,
Muitos sonhos e poemas,

Antoniel


Esquinazinha do mundo

Marcus Ottoni

Pablo Capistrano
Escritor, professor de filosofia.
pcapistrano@hotmail.com

Na época em que o dólar estava um para um, em 1995, no auge do plano real,
eu e um grupo de amigos resolvemos juntar uma grana e ir ao Peru. Queríamos
ver a tal festa do Sol em Cuzco. Viajamos de avião até Lima e depois pegamos
um ônibus pela panamericana até Arequipa. De lá, outro até Cuzco cruzando os
Andes numa noite gelada e seca. Nesta época eu achava uma espécie de
maldição ter nascido em Natal. Cidade pequena, metida a besta, com uma elite
provinciana, sem opções culturais, sem perspectivas para um aspirante a
escritor como eu.
Cuzco era linda. Exalava história. Transpirava anos e anos de tradição
cultural Inca. Além do mais era um pólo de atração de malucos de todo o
mundo. Do Hawai até Nova Zelândia o mundo baixava por Cuzco na época da
festa do Sol. Gente em busca de tradição, história, diversão, natureza e
revelações espirituais no teto das Américas. Se tivesse coragem tinha ficado
por lá. Conheci um peruano que morava no Brasil e que, para meu espanto,
odiava Cuzco. Dizia que era uma cidade metida a besta, provinciana, que só
tinha a oferecer aos turistas cocaína, prostituição e uma cultura
inautentica, falsificada e embalada para o consumo. Reclamava da falta de
opções culturais realmente instigantes e da ausência de perspectivas para um
aspirante a fotografo de arte como ele era. Fiquei confuso. Como ele podia
dizer aquilo de um lugar tão legal?
Quando voltei a Natal ouvi a música de Pedrinho Mendes (Linda Baby) no
rádio. Naquele dia eu fiz as pazes com Natal. Comecei a relativizar essa
coisa de se endeusar lugares. Essa coisa de “lá fora tudo é mais legal”.
Percebi que, na maioria das vezes, nossa insatisfação vem de dentro e que,
algumas pessoas nunca gostam do lugar aonde estão. Natal, como Paris, Cuzco
e Mossoró tem seus defeitos e suas qualidades. Tem sua elite metida a besta,
sua falta de opções culturais (será mesmo?), seu provincianismo, mas também
têm seus lugares, suas esquinas, suas pessoas, seu espírito. A música de
Pedrinho Mendes se tornou, para mim ao menos, o verdadeiro hino de Natal.
Junto com a Praieira é a música que mais perto chega da alma litorânea dessa
esquinazinha do mundo em que, por acaso, eu nasci. Pedrinho sorveu, com sua
sensibilidade estética apurada, algo que não se vê. Alguma coisa que se
esconde nessa cidade. Seu canto de amor à Natal vai vai ecoar na memória de
muitas pessoas que, como eu, já ansiaram pela avenida São João e pelo mesmo
padrão que se tem por aí, mas que, de um modo misterioso e inefável,
aprenderam a sentir nas nuvens daquilo que não se vê, no espaço natural
daquilo que não se mostra fácil, as pérolas que essa cidade pode oferecer
(se não são muitas, são, ao menos sedutoras).
Hoje eu aprendi que o inferno e o paraíso são espaços da alma e não
fronteiras geográficas. Pacificar-se com o lugar que você vive pode ser um
bom começo para transformá-lo. Mas se esse estado de espírito é algo difícil
de se encontrar então o melhor mesmo é ir para rodoviária ou o aeroporto. Na
terra, existem uma infinitude de lugares para se viver. Alguns tem oceanos,
outros montanhas, muitas esquinas, vastas avenidas, rios poluídos, grandes
arranha-céus. Alguns tem museus, outros só dunas. Alguns tem clima ameno e
outros vivem sob a influência de ciclones e furacões. Viver num lugar não
pode ser uma sina medonha. Tem de ser uma opção. Pedrinho Mendes me ajudou a
formar minha opção. Se foi a melhor ou a pior eu não sei (também não vou
culpá-lo por isso). O fato é que, mesmo mantendo o sendo crítico, ainda
gosto de viver na minha esquinazinha do mundo.


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

.. .. ..

Contatos Imediatos

.. .. ..

Recentes


.. .. ..

Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

.. .. ..

A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

.. .. ..

Powered by Blogger

eXTReMe Tracker