quarta-feira, abril 13, 2005

A MACONHA E O PADRE CÍCERO



Os jornais, vez por outra, noticiam a descoberta de plantações de maconha em terras potiguares, no Seridó e no Alto-Oeste. Essas lavouras teriam surgido, dizem os entendidos (epa!), por conta do assédio da Polícia Federal aos latifúndios do chamado Polígono - ou Triângulo - da Maconha, nos cafundós de Pernambuco, ribeiras do São Francisco.
A atividade, o plantio, o canhameiral, pode ser até novidade para os nossos sertanejos. O uso da droga – pernicioso ou não – é secular. A “erva maldita”, veladamente, por baixo do pano, sempre esteve presente nos sertões nordestinos.
Graciliano Ramos, escrevendo o “Linhas Tortas”, em Palmeira dos Índios, no sertão das Alagoas, afirmava que “nas cidades os viciados elegantes absorvem o ópio, a cocaína, a morfina; por aqui há pessoas que ainda usam a liamba”. “Liamba” é uma das denominações seculares da maconha no Nordeste e tem origem africana. Ly-amba, em Angola, São Tomé e Príncipe. Já “dirígio” (ou “dirijo”) é vocábulo indígena, amazonense, nosso, brasileiro – embora Nei Lopes, pesquisador carioca, tenha acenado ser, “provavelmente”, de origem banta. Ambos, sem dúvida, relativos à cachimbagem dos africanos e à pajelança dos silvícolas, nos seus ricos rituais de invocações às divindades representativas das forças da Natureza.
Nunca misteriosa, sempre perigosa e deletéria, a maconha, noutra modalidade de uso, recebeu na Arábia o nome de “haxixe”. É a resina, a cera extraída das flores e dos frutos (“belotas”). Homero, falando da embriaguês a que se entregavam os citas, faz alusão à inalação dos vapores do cânhamo. Os orientais servem-se do haxixe pitando o narguilé – cachimbo composto de um fornilho, um tubo e um vaso cheio de água perfumada, por onde atravessa a fumaça antes de chegar à boca do usuário. Mil anos a.C., os hindus já consideravam o cânhamo como “planta sagrada”, havendo, no Rig-Veda, alusão a respeito. “Charas”, na Índia, é, também, sinônimo de “costume”. Notável, curioso, é que, no Brasil – aqui mesmo em Natal, nas comunidades periféricas ou nos condomínios de luxo - , qualquer dependente da maconha, com ou sem leitura, sabe que “chara” equivale a um longo, grosso, “substancial” “canela-de-anjo”, um “cheio” !
A sinonímia é extensa: maconha, aliamba, atchí, bagulho, bengue, birra, bosta-de-burro, cabeça-de-nego, coisa, diamba, dirígio, dirijo, dorme-dorme, elba-ramalho, erva, erva-do-diabo, erva-do-sonho, erva-maldita, erva-do-cão, erva-do-capeta, fuminho, fumo, fumo-de-angola, fumo-do-mato, fumo-da-Índia, fumo-selvagem, jererê, liamba, manga-rosa, maria-joana, massa, mato, muamba, mutuca, pacau, palha, pango, preto, rabo-de-raposa, ralfe, riamba, tabana-gira, sariema, soruma e (ufa!) suruma.
Voltando à nossa interlândia, Otoniel Menezes, no seu “Sertão de Espinho e de Flor”, de 1952 (reedição à vista agora, em 2005 ), anotando a palavra “liamba”, citando fontes raras, fidedignas, descobriu que no tempo do Padre Cícero, em Juazeiro, a Meca nordestina, dos muitos “endemoniados e possessos” levados, às vezes até amarrados, à presença do patriarca para a benção curadora , boa parcela estava de “cabeça feita”, patota muito “doidona”. O “Padim”, sabedor da mutreta, do fumacê aloprado, queimou ruim, ruim mesmo...

Laélio Fereira de Melo


TRÊS POETAS DO BECO

nota breve

se a vida é longa o bastante
se o medo é que a faz breve
por que não seguir adiante
sempre que o querer se eleve
a pedir o que se inscreve
por trás de cada semblante
(calmo, sombrio, radiante?):
que importa? viver é leve!
mas "ir pra frente é tão distante
quanto o ir pra trás descreve."


Márcia Maia



SER SEM SER

Ser sem ser é ser não sendo sim
e no não sendo sim parecer.
É sentir ser início — e ser fim,
é saber-se que é — mas não ser.

é ser sempre e em talvez se saber,
sem saber que se foi sempre assim.
Ser sem ser é dar sim e o não ter,
é dizer tudo em nós e ouvir mim.

Sou sem ser e apetece-me assim.
Tenho a mim se eu de mim não me ser
e, se início, prefiro-me fim.

Se não sou, basta a mim parecer,
sou metade do não e do sim
e ter tudo é ter isso: não ter.

Antoniel Campos


BEIJA-FLOR

Na manhã,
o beija-flor,
suga o néctar
pra viver.
O orvalho,
escorre,
como uma lágrima
pela vida.

Chagas Lourenço


PEQUENA HISTÓRIA


Alexandro Gurgel

Pequena estória de um cavaleiro gaúcho em terras potiguares

“O tempo é sempre o mesmo, mas sua resposta é diferente em cada folha. Somente a árvore seca fica imóvel entre borboletas e pássaros!” (Cecília Meireles)

Numa dessas noites chuvosas de abril, quando a insônia resolveu chegar sem avisar, meu coração esbravejou de saudades de vários bons amigos que tive ao longo da vida. Gente que o impiedoso tempo se encarregou de nos separar pelas mais diversas razões. Rememorei algumas histórias de um velho amigo, cujo jeito de fidalgo lembrava um cavaleiro andante em busca de aventuras. Uma figura alegre, sempre de bom humor, que gostava de receber os amigos em sua casa para saraus e noites de tertúlias. Tudo regado com um bom vinho seco do Rio Grande e carne assada no ponto certo.
Seus cabelos brancos denunciavam sua longa sabedoria de vida. Os óculos de grau escondiam um par de olhos azuis, que fitavam as pessoas buscando a compreensão da conversa e a cumplicidade da amizade. Magro, alto, bem falante, tinha no nome algo um tanto quanto quixotesco: Dom Veleda de Los Pampas. Apesar dos rumores afirmando que o amigo não tinha o juízo no lugar, escolhera por profissão estudar embriões dos mais variados bichos da terra. Dizem a boca miúda, que o cavaleiro Dom Veleda, profundo conhecedor da alquimia e medicina moderna, já fez inseminação artificial, com a maior naturalidade, em formigas saúvas e tanajuras pretas.
Quando o conheci, através de amigos comuns, o nobre gaúcho já era protagonista de diversos roteiros aventureiros em terras cascudianas e, ao longo do tempo, suas estórias têm sido contadas até no Beco da Lama e adjacências. Como bom notívago, ao som do mais puro forró pé-de-serra, ficava horas escutando o relato das suas pelejas, que pareciam ter saído das páginas de um romance empenado de um escritor nordestino, cheios de maledicências, capaz de criar auroras multicores e plantar feijão no pó.
Apreciando uma aguardente de cana Papary com tira-gosto de churrasco à moda gaúcha na varanda da sua casa, no Alto do Tirol, vendo os ipês-roxos florirem entre a imensa vegetação de Mata Atlântica, ouvi sobre a primeira viagem que Dom Veleda fez ao país de São Saruê, terra louvada em prosa pelo romancista Nei Leandro de Castro e cantada em versos pelo poeta norte-riograndense, Luis Carlos Guimarães. Entre goles de cachaça e conversas sem fim, os detalhes de algumas façanhas do cavaleiro viajante vão sendo contados para os presentes, extasiados com as proezas do aventureiro, ávidos pelas suas estórias maravilhosas.
Ao chegar a São Saruê, acompanhado pelo valente caboco Ojuara, o cavaleiro gaúcho de Los Pampas viu grandes paredes de cor estranha e cheiro adocicado. Lambeu a rocha. Era rapadura japecanga da melhor qualidade. Ojuara deu uma colher para que o fidalgo gaúcho tirasse da rocha um pedaço grande. Comeram de enjoar, eram doidos por rapadura. Meia légua adiante, quando a rapadura começou a dar sede, foram em direção de um barulho d’água. Esbarraram na beira de um riacho que corria e se perdia numa curva entre rochas de rapadura. Só depois de acostumar as vistas, perceberam que o riacho era do mais puro mel de engenho.
No sertão encantado do Seridó, participou de um festival gastronômico de fazer inveja aos mais sofisticados restaurantes do mundo. Em menos de uma semana em Caicó, se empanturrou das diversas iguarias que a cozinha nordestina pode oferecer: carne de sol assada, mel de abelha, coalhada, macaxeira com manteiga de garrafa, queijo de coalho, panelada, buchada, rabada, galinha à cabidela, guiné torrado, sarapatel, lingüiça do sertão, paçoca, coxão de porco, tripa assada, farofa de bolão, baião-de-dois, cabeça de bode, costela de carneiro, sopa de traíra, ova de curimatã, agulha frita, ginga no dendê, titela de nambu, arribaçã na brasa, cuscuz, tapioca, bolo preto, bolo-da-moça, doce de jerimum com leite, arroz-doce, doce de mamão verde, ostra no coco, pamonha, canjica, elém de licores de jenipapo, de pitanga e de jabuticaba.
Grande apreciador de livros, o nobre cavaleiro costumava visitar os sebos do Grande Ponto procurando obras raras e edições esgotadas que contasse suas andanças pelo mundo. Leitor assíduo da literatura nordestina, Dom Veleda fez intercâmbios culturais, por dias a fio, com Ariano Suassuna, um dos maiores mestres literários de Pernambuco, quando discorreu sobre as tradições gaúchas e lhe foi mostrada toda a beleza poética do Movimento Armorial.
Em Natal, teve enorme afinidade com o alfarrabista e editor do Sebo Vermelho, Abimael Silva, que lhe presenteou a obra do Mestre Câmara Cascudo, “História do Rio Grande do Norte”. Conheceu de perto o poema em processo do poeta semiótico Falves Silva, além de ter adquirido várias obras de arte de alguns artistas plásticos natalenses. Sua vida intelectual era recheada de metáforas nas confrarias boêmias natalenses.
Nosso herói gaúcho começou a se sentir cansado de tantas desventuras no sertão e litoral potiguar. Achava injusto ter que voltar à sua tranqüilidade nos pampas gaúchos sem levar consigo a formosa esposa nordestina Ariane de Toboso para se dedicar somente a libertar os oprimidos, salvar princesas em torres de castelos e derrubar gigantes para a honra e glória de sua nobre dama. E embora lhe fosse difícil resistir às lágrimas e pedidos de todos os amigos para que ficasse em Natal, Dom Veleda de Los Pampas resolveu partir, numa tarde de um sábado tristonho, para se aquietar na sua aldeia e no seio da família no sul do país.

Alexandro Gurgel


MARIZA LOURENÇO*


http://marizalourenco.blogspot.com/

eu...

olho para o homem que me olha, enquanto minha vontade anda perdida em outras mãos (que, sequer, me tocam).

você não me molha mais, eu penso. e perco a vez (mais uma) de dizer a ele que meu ponto 'g' nunca foi lá.

meu homem me olha. meu homem. antes eu gostava de chamá-lo assim. antes. quando ele me chupava e me lambia. antes. quando resfolegava de paixão sobre meu corpo.

antes meu homem me fodia.

agora outro homem não me toca. mais um.

ando precisada daquelas mãos. das mãos do meu outro homem. e de seus olhos. de sua língua. e de seus dentes (eles rangem quando meu outro homem me come).

ando desesperada de desejo. por ele. (os lençóis guardam o segredo da minha umidade).

meu homem, esse que me olha, ainda me quer. eu sei.

mas é outro homem que aprisiona minhas vontades.

meu outro homem. aquele que, sequer, me toca

: agora.


mariza lourenço
*É responsável pelo layout do almadobeco.


JANGO EM SANTA CRUZ



1962. João Goulart (Jango) era o presidente do Brasil. Aluísio Alves governador do Rio Grande do Norte e José Ferreira Sobrinho, meu tio, irmão do meu pai, prefeito de Santa Cruz.
O Major Theodorico Bezerra, deputado federal, era o líder político da região do Trairi e havia conseguido junto ao presidente Juscelino, seu companheiro de PSD, o asfaltamento da estrada que liga Natal à Santa Cruz, concluída no governo de João Goulart. O governador Aluísio Alves, por sua vez, estava trazendo para o Rio Grande do Norte a energia de Paulo Afonso e a primeira cidade a ser beneficiada era Santa Cruz, no Trairi.
Com as obras concluídas, marcou-se a inauguração.
Palanque armado na praça, todos os preparativos prontos, aguardava-se o governador que viria com todo o seu secretariado, deputados estaduais e federais, além da comitiva do presidente da República.
A cidade inteira se agitava aguardando a visita de personagens ilustres do Estado e do país. A estrada asfaltada traria para Santa Cruz uma quantidade de automóveis, ônibus, mixtos e caminhões nunca vista na região. Todos os municípios próximos e até de regiões mais distantes mandaram seus representantes para receber João Goulart.
Início da noite, a praça já apinhada de gente esperando ouvir o discurso das autoridades, o governador Aluísio Alves, grande orador, fez um empolgante discurso, resgatando uma promessa de campanha: trazer a energia de Paulo Afonso para o Rio Grande do Norte. O presidente ressaltou o apoio dado, através da CHESF, para a concretização do sonho dos norte-riograndenses, e o esforço do Ministério dos Transportes na melhoria da rodovia ligando a região à capital do Estado.
Terminada a festa de inauguração, todas as autoridades presentes se dirigiram para o Trairi Club, para o coquetel de comemoração.
O clube estava lotado. Lá fora, o povo cercava a entrada principal querendo ver o presidente. O Exército guarnecia toda a entrada e as laterais com o auxílio da segurança da presidência.
Quando terminou o coquetel, Jango, ladeado de autoridades e seguranças, aproximou-se da porta de saída. Caminhando na frente, firmemente, deixava perceber o defeito da perna direita, cujo joelho não dobrava, vítima que fora de uma doença na adolescência.
Quando pôs os pés na calçada, eu, muito pequeno, corri em sua direção. Um soldado do Exército tentou me impedir, colocando a mão sobre meu ombro, segurando-me pela camisa, quando ouviu a voz do presidente:
- Deixa!
Aproximei-me meio atônito, estirei a mão de menino para cumprimentá-lo e ele apertou minha mão falando com voz grave:
- Como vai, guri?
Continuou seus passos firmes e eu fiquei me perguntando:
- Que diabo é guri?
Estava, porém, feliz da vida por ter apertado a mão do presidente.


Chagas Lourenço




terça-feira, abril 12, 2005

UMA SERENATA NATALENSE


Otoniel Menezes, autor da conhecida Praieira

Se 2002 foi rico em datas comemorativas, uma em especial passou batida pelos natalenses. Em outubro do ano passado, a canção Praieira, composição de Eduardo Medeiros sobre poema de Otoniel Menezes, tida por muitos como ‘‘hino’’ da cidade, completou 80 anos de sua criação.

A história sobre a origem da canção, de acordo com o pesquisador Cláudio Galvão, começou com as comemorações, em 1922, do centenário da Independência do Brasil. Naquele ano, um grupo de pescadores natalenses resolveu partir a remo para o Rio de Janeiro - então capital do país -,
para celebrar a data. Após o sucesso da empreitada, uma grande recepção foi preparada em Natal para o retorno do grupo.

Era comum, nessas festas, a presença de fogos de artifício, bandas de música e discursos exaltados, além de saudações feitas pelos poetas da cidade. Otoniel Menezes preparara, na véspera da chegada dos pescadores, durante uma noitada de boemia no Paço da Pátria, do dia 18 para 19 de outubro, os versos da Serenata do Pescador, nome original da canção. Porém,
após a ressaca, não teria gostado do resultado, uma vez que considerara os versos, por demaisromânticos, inadequados para a situação. Findou por declamar um poema conhecido como Cântico da Vitória.

Um amigo de Menezes, o também poeta Bezerra Júnior, entretanto, interessou-se pelos versos e convenceu o colega de que o poema daria uma boa canção. Por indicação de Bezerra Júnior, procuraram o músico Eduardo Medeiros, conhecido na cidade pelo seu talento. Como Medeiros não se encontrava em casa, deixaram o poema com o recado para que ele o musicasse.

Os dias se passaram e nem sinal de Medeiros. Cerca de um mês depois, Otoniel comentou com Bezerra Jr. sobre a demora. Chegaram à conclusão que, por ser profissional, Medeiros deveria ser pago pelo serviço. Como na época Menezes trabalhava no Governo do Estado, ocupando um cargo semelhante ao de Chefe da Casa Civil, mandou um contínuo do Palácio do Governo à casa de Medeiros, levando um envelope com 20 mil réis. No outro dia, lá estava o músico, na casa de Otoniel, bem cedinho, tocando a canção no seu violão.

A música rapidamente ganhou as ruas e era repetida à exaustão nas serenatas pela cidade. O lançamento oficial da Serenata do Pescador, como afirma Cláudio Galvão, teria sido no Teatro Carlos Gomes (atual Teatro Alberto Maranhão), em 16 de dezembro de 1922, na voz de Deolindo Lima. De lá para cá, a canção se tornou um símbolo da cidade. Teve sua primeira gravação em 1956, feita por Valdira Medeiros, filha de Eduardo Medeiros. A pesquisadora Leide
Câmara, no seu Dicionário da Música do Rio Grande do Norte, registra ainda outras dez gravações ao longo das décadas.

Em 1971, um decreto municipal a elevou à categoria de ‘‘Canção Tradicional da Cidade’’. ‘‘Foi a primeira canção tornada tradicional por decreto’’, brinca Cláudio Galvão. Laélio Ferreira, filho de Otoniel e responsável pela memória do poeta, conta que um tio seu, lutando na Segunda Guerra Mundial, teria cantado a Praieira a plenos pulmões no alto do Monte Castelo, após a vitória dos brasileiros.

Um detalhe curioso é que nenhuma das gravações feitas contempla todas as estrofes da canção. Na cidade, corre a história que a família não permitiria novas gravações por causa dos cortes na letra. Ferreira desmente o boato. ‘‘Nunca neguei a ninguém que me pediu para gravar a música, nem criei caso. Agora, me reservo o direito de escolher junto com a pessoa as estrofes a serem gravadas, para evitar distorções na obra de meu pai’’, explica.

Para Cláudio Galvão, o ocaso da canção nos dias atuais deve-se aos meios de comunicação. ‘‘O rádio hoje briga por audiência e como o grande público não tem um gosto musical apurado, não há um compromisso com a boa música’’, avalia.

Ao poder público ainda resta uma esperança de recuperar o tempo perdido e fazer a devida reparação pela passagem da data. Há uma divergência entre os pesquisadores, uma vez que Leide Câmara, em seu Dicionário, e Gumercindo Saraiva, no Trovadores Potiguares, registram a canção como sendo lançada em 1923, e não 1922, como defende Cláudio Galvão.

Otoniel morreu em pleno auto-exílio

Alexandro Gurgel

Laélio Ferreira, filho do poeta, prepara relançamento de
Sertão de Espinho e de Flor (1952), ainda para este ano

A vida de Otoniel Menezes (1895-1969) ficou marcada a partir de 1935. Naquele ano, Natal sofreu uma tentativa de golpe de Estado organizada pelo Partido Comunista, que ficou conhecida como a Insurreição (ou Intentona) Comunista. Menezes participou do levante ao ajudar os comunistas com o jornal A Liberdade. ‘‘Na verdade, papai escreveu o jornal de cabo a rabo, mas o advogado de defesa dele o orientou a negar tudo’’, explica Laélio Ferreira.
Isso não impediu que o poeta fosse condenado a três anos de cadeia. Os amigos de Menezes conseguiram que ele pagasse a pena em Natal, em vez de ser levado à Ilha Grande com os demais revolucionários. ‘‘O interessante é que depois correu na cidade o boato de que os integralistas iriam matar os comunistas que estavam presos em Natal. Como o Chefe de Polícia era amigo de papai, ele dormia na cadeia com uma pistola dentro da camisa, para se defender’’, revela Laélio.

Após a prisão, o estigma de ‘comunista’ perseguiu Menezes pelo resto da vida. Isso, aliado à fama de boêmio, levou o poeta a enfrentar dificuldades financeiras e a exercer diversas profissões.

Em 1962, Natal abrigou um congresso de escritores. Alguns deles resolvem visitar o poeta e ficam chocados com sua situação. Otoniel Menezes já apresentava os primeiros sintomas do Mal de Parkinson. Procuraram o governo e conseguiram que o Estado financiasse os medicamentos do poeta. Menezes retiraria os remédios por alguns meses numa farmácia de um amigo, mas depois descobriu que o governo nunca havia pago uma pílula sequer. Revoltado, resolveu auto-exilar-se no Rio. Sete anos depois, morreria, meses depois da esposa, Maria da Conceição Ferreira. ‘‘Ele não agüentou a perda de mamãe’’, explica Laélio.

Autodidata, Menezes era fluente em francês, inglês e italiano. Foi eleito pelos intelectuais natalenses o ‘‘príncipe dos poetas do Rio Grande do Norte’’. É nome de rua em Santos Reis, mas não há nenhuma escola Otoniel Menezes. Parnasiano, tinha um domínio ímpar da técnica e da forma poética. ‘‘Seus versos eram irretocáveis, tanto na métrica, como na rima’’, avalia seu filho.

No fim da vida, após abandonar a boemia, tornou-se arredio e recluso. Eleito por aclamação para a cadeira 23 da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, nunca foi tomar posse. Publicou em vida os livros Gérmen (1918), Jardim Tropical (1923), Sertão de Espinho e de Flor (1952) e A Canção da Montanha (1955). Este último, é seu único livro de aspirações modernistas, com predominância dos versos livres. Não lucrou uma prata com seus livros. ‘‘Todas as edições foram doadas para instituições beneficentes. Papai não achava digno lucrar com sua poesia’’, diz Ferreira.

Graças aos esforços do pesquisador Cláudio Galvão, que prepara um biografia do poeta para o fim do ano, e de seu filho, Laélio Ferreira, os livros A Cidade Perdida, Desenho Animado e Ara de Fogo-Abysmos-Esparsos foram publicados postumamente. Ferreira ainda prepara novidades para este ano. ‘‘Pretendo lançar em julho um reedição de Sertão de Espinho e de Flor e um
ensaio inédito que papai escreveu quando estava preso, em parceria com o Sebo Vermelho’’, revela. Com o nome de Hugo et Les Pretes, o ensaio, em francês, estava guardado na biblioteca de Esmeraldo Siqueira e deverá ser publicado em agosto, numa edição fac-similar, com tradução de Juliano Siqueira e Vitória de Oliveira Costa.

Músico ficou magoado com atitude do poeta


Canguleiro, Eduardo Medeiros morava nas Rocas

Eduardo Medeiros (1877-1961) foi um dos grandes compositores populares da Natal da primeira metade do século passado. Natural de Touros, fixou residência no bairro das Rocas num período fértil da música potiguar.

Respirava-se música na Natal daquela época. Enquanto as famílias de posse sempre tinham em casa um piano, os menos abastados procuravam adquirir um violão logo que sobrava algum trocado. Na década de 20, a modinha alcançou o apogeu como estilo musical preferido da cidade. Nesse cenário, Eduardo Medeiros, que tocava violão e clarinete, fez inúmeras parcerias com poetas locais, como Lourival Açucena e Otoniel Menezes.

O nome do músico entraria para a posteridade com a composição da música Serenata do Pescador, mais conhecida como Praieira. O músico, porém, guardou uma mágoa de Menezes. Ao revelar as circunstâncias em que recebera a música das mãos de Eduardo, mediante pagamento pela canção, o poeta feriu os sentimentos do músico, que achou-se diminuído após a revelação. ‘‘No entanto, não vejo problema nenhum, que ele, como profissional, tivesse recebido pela música. É até natural’’, argumenta Cláudio Galvão.

Sem formação acadêmica, Medeiros sabia ler e escrever partituras, mas muitas de suas canções hoje se encontram perdidas, pois o músico nunca se preocupou em registrá-las em papel. Só não se perderam por completo devido ao trabalho do pesquisador Cláudio Galvão, que em seu livro A Modinha Norte-Rio-Grandense conseguiu resgatar várias canções. No fim da vida, Medeiros chamava atenção nas ruas das Rocas, com seu jeito calmo e os longos cabelos brancos. Teve um vida tranqüila, vivendo de seus rendimentos como músico e do aluguel de casas que possuía no bairro. Hoje, é nome de rua em Barro Vermelho.


Alex de Souza
Especial para o Muito
O POTI, 16.03.03



SERENATA DO PESCADOR
(PRAIEIRA)


Praieira dos meus amores,
Encanto do meu olhar!
Quero contar-te os rigores
Sofridos a pensar
Em ti sobre o alto mar...
Ai! Não sabes que saudade
Padece o nauta ao partir,
Sentindo na imensidade,
O seu batel fugir,
Incerto do porvir!

Os perigos da tormenta
Não se comparam querida!
Às dores que experimenta
A alma na dor perdida,
Nas ânsias da partida
Adeus à luz que desmaia,
Nos coqueirais ao sol-pôr...
E, bem pertinho da praia,
O albergue, o ninho, o amor
Do humilde pescador!

Quem vê, ao longe, passando
Uma vela, panda, ao vento,
Não sabe quanto lamento
Vai nela soluçando,
A pátria procurando!
Praieira, meu pensamento,
Linda flor, vem me escutar
A história do sofrimento
De um nauta, a recordar
Amores, sobre o mar!

Praieira, linda entre as flores
Deste jardim potiguar!
Não há mais fundos horrores,
Iguais a este do mar,
Passados a lembrar!
A mais cruel noite escura,
Nortadas e cerração
Não trazem tanta amargura
Como a recordação,
Que aperte o coração!

Se, às vezes, seguindo a frota,
Pairava uma gaivota,
Logo eu pensava bem triste:
O amor que lá deixei,
Quem sabe se inda existe?!
Ela, então, gritava triste:
Não chores! Não sei! Não sei...
E eu, sempre e sempre mais triste,
Rezava a murmurar:
“Meu deus quero voltar!”

Praieira do meu pecado,
Morena flor, não te escondas,
Quero, ao sussurro das ondas
Do Potengi amado,
Dormir sempre ao teu lado...
Depois de haver dominado
O mar profundo e bravio,
À margem verde do rio
Serei teu pescador,
Ó pérola do amor!


OTONIEL MENEZES





segunda-feira, abril 11, 2005

MARTELOS


Rosa de Pedra

Não costumo tomar conhecimento
do instante futuro ou que passou,
meu momento é o lugar aonde vou
a reboque do próprio pensamento.
Sou o zero do eixo espaço-tempo,
uma idéia finita, pouca e parca,
o produto final da anasarca
numa soma de muitos em ninguém.
Tudo isso e o contrário, se convém
ser alguém que de mim não deixa a marca.

O instante que sou é o que me resta
do intervalo entre o escuro e a claridade.
Todo verso que escrevo é falsidade,
menos esse, o terceiro, que me atesta.
À mentira, saúdo e faço festa.
A verdade não passa por meu crivo.
Se encarar-me de frente não cultivo,
é porque de soslaio mais me enxergo.
Em verdade, à verdade não me envergo,
se me nego, ao menos, sobrevivo.

Minha sina é de ser o meu contrário:
anti-próton, anti-elétron, anti-matéria.
Preferir-me na forma deletéria
de um alguém totalmente refratário.
Olho a mim e me digo: esse otário!
um bufão para o riso da canalha,
que, há muito, perdeu-se na batalha
intentada na busca de si mesmo.
viva assim: essa face, à toa, a esmo.
morra assim: essa face, tua mortalha.


Antoniel Campos


SABE QUEM ESTÁ FALANDO?

Alexandro Gurgel

Léo e Mércia no Lorota's


Tem coisa mais chata do que atender ao telefone e, do outro lado, alguém dizer: sabe quem está falando? Saia justa! Se você conseguir reconhecer logo de cara, tudo bem. Se não, as velhas colocações:

— Ah! Quer dizer que não se lembra mais de mim, que eu não tenho importância para você? É assim, né? Passa um tempo sem falar comigo e já não me reconhece...

Outro dia, um velho amigo me ligou num sábado de ressaca, cedo. Ainda quase adormecido, atendi sem colocar os óculos para ver, no celular, quem estava do outro lado.

— Alô... – voz de sono.

— Amigo velho, como vai você?

— Eu vou bem. Quem está falando?

— Quer dizer que já não me conhece mais? Puxa vida, cara, nós estivemos sempre em contato, durante anos, quando trabalhamos juntos, e agora você não reconhece a minha voz? Que decepção!

Juro que intimei todos os meus neurônios em busca da identidade do meu amigo ofendido, mas não consegui descobrir. Terminei por optar por uma mentira:

— Não leve a mal. Acontece que depois que fiz 50 anos estou começando a ficar surdo e não consegui encontrar os óculos para ver a ligação, porque também estou começando a ver muito pouco... Desculpe-me.

— É fulano!

— Puxa! Eu bem que desconfiei, mas também achei sua voz parecida com aquele inimigo seu, e aí ficava chato correr o risco de errar. Você compreende, tenho certeza.

Daí por diante, o papo rolou normal, mas perdi momentos de constrangimentos. Logo eu, que quando ligo, digo logo que sou eu e vou direto ao assunto, porque tenho horror a telefone.

Depois que o papo terminou, eu resolvi contabilizar mais alguns minutos de sono a meu favor. Mas era o dia! Não demorou e o telefone toca novamente. Irritado, atendi, certo de que não me deixariam dormir mais naquela manhã:

— Alô?

— Como vai você, meu irmão?

— Eu vou bem, e você?

— Você não se lembra daquele meu problema?

— Posso até me lembrar se você me disser quem é.

— Não está reconhecendo a minha voz?

— Não!

— Mas homem, eu falo tanto com você! É Sicrano!

— Oh! Meu irmão, me desculpe — a essa altura, Charles Bronson perdia de mim no “Desejo de Matar”— é que sua voz está tão diferente, tão falseada, que eu não consegui reconhecer. Você está tomando algum remédio para a garganta?

— Por quê?

— A voz está fina, parece um travesti falando...

Ele desligou o telefone. Pelo barulho, deve ter quebrado o bicho.

Fui dormir de novo, vingado. Feliz. Mas acordei minutos depois com outra ligação. Dessa vez, de uma voz feminina, uma amiga que havia combinado uma programação para aquele dia:

— Alô?

— E aí?

— E aí, o quê?

Ela bateu o telefone na minha cara. A minha grossura havia ultrapassado os limites geográficos da ligação.


Leonardo Sodré


SERIA O PICO DO CABUGI O MONTE PASCOAL?


Marco de Touros, hoje no Forte dos Reis Magos, Natal


A outra história


O Monte Pascoal seria o pico do Cabugi. O Brasil foi descoberto em Touros e não em Porto Seguro. A tese é defendida pelo professor e pesquisador Lenine Pinto

O Monte Pascoal na verdade é o Pico Cabugi, o Brasil foi descoberto em Touros e não em Porto Seguro e o marco de Touros na verdade foi chantado no dia 30 de abril de 1500, durante a segunda missa na Terra de Vera Cruz. A tese de que o Brasil nasceu aqui, no Rio Grande do Norte, defendida pelo pesquisador Lenine Pinto, 70 anos, demonstra uma série de dados a serem contestados na história oficial.

Quando estava pesquisando para seu livro Natal USA, lançado em 1965, descobriu um dado interessante: o comandante americano da força tarefa no Recife, na década de 40, Jonas Inghram, deixou escrito que escolheu Recife como base em função da proximidade com o Cabo de São Roque, que é o ponto mais estratégico no Atlântico Sul. Com relação a Salvador, ele diz que teria uma melhor base, mas a distância de 400 milhas a mais fazia uma grande diferença.

"Como é que estas 400 milhas não iam fazer diferença para naviozinhos a vela, cheios de gente e dependendo de vento?", indaga Lenine.

A partir de várias pistas levantadas numa pesquisa de quatro anos, já na década de 90, ele escreveu "Reinvenção do Descobrimento", publicado em 1998. Com a proximidade da data comemorativa dos 500 anos, o pesquisador foi muito procurado pela imprensa nacional. Sua tese vem ganhando adeptos pelo País. Hoje, ele já não se emociona quando descobre mais um dado que esclarece sua tese.

A última informação deste tipo foi a da caravela Boa Esperança que saiu de Portugal e está se dirigindo ao Brasil, refazendo o caminho de Cabral nas comemorações dos 500 anos. A embarcação teve de ligar os motores na travessia do Equador por falta de vento.

Segundo Lenine, Cabral também teve este problema. O navio estava praticamente parado. O tempo estimado da travessia de Cabo Verde ao porto seguro, onde ancorou Cabral, são 30 dias. Ele deve ter ficado um ou dois dias no mar, parado em função do desaparecimento da nau de Vasco de Ataíde. "Na realidade, ele fez a travessia em 28 ou 29 dias. Como é que ele poderia ter ido até o sul da Bahia?", adianta.

No ano seguinte, em 1501, João da Nova fez a travessia do Atlântico e levou 30 dias do Cabo Verde ao Cabo de São Roque, o que Lenine entende como mais um respaldo para o tempo da viagem feita por Cabral. "D. Manuel, numa carta enviada ao Rei da Espanha, explica que ele mandou João da Nova para procurar Cabral e eles já sabiam da rota. João da Nova não foi para o sul da Bahia e sim para as imediações do Cabo de São Roque", explica o pesquisador.

Lenine defende que os portugueses já haviam passado pela terra de Vera Cruz. Uma das provas é que a carta do rei D. Afonso V, datada de 1470, proíbe os comerciantes portugueses que negociavam na Guiné de explorar o pau-brasil. "Porque o pau-brasil? Não tinha o pau-brasil lá", questiona o pesquisador.

AGUADA — Em 1498, havia peste na ilha de Cabo Verde. O arquipélago estava seco e já se presenciava a seca provocadora do esgotamento de suas reservas hídricas. Este era o local para reabastecimento de água das embarcações. Vasco da Gama, lembra Lenine, passou por lá e também fez estas observações, depois de Cristovão Colombo. Nas instruções a Cabral, diziam que se ele tivesse água para mais quatro meses não era preciso parar em Cabo Verde.

A aguada - que era o sistema de abastecimento das naus, incluindo caça, a reposição de lenha dos navios e o descanso para os portugueses - aconteceu em Vera Cruz e não em Cabo Verde. "O ponto fundamental da carta de Caminha são as notícias das águas. Ele diz que as águas são muitas, encontraram lagoa de água doce e fala muito nos rios", menciona Lenine.

O pesquisador afirma que a água era tão importante que a naveta de mantimentos foi mandada de volta para Portugal com as notícias sobre este verdadeiro tesouro para a navegação portuguesa: a água. As coincidências históricas apontam mais uma questão que leva o descobrimento ao Rio Grande do Norte. O mapa de Cantino, em 1502, mostra que a ponta litoral do Estado era chamada de São Jorge, exatamente o santo do dia 22 de abril. Era praxe entre os navegantes batizar os achados como o nome do santo do dia.

MARCO DE TOUROS — Era normal chantar um marco no ponto onde chegavam e ao alcançarem o mar chantavam o segundo marco. "O Brasil tinha dois padrões (marcos): um em Touros e outro em Cananéia, em São Paulo", ressalta Lenine. Em documentos, há relatos de que Cabral percorreu duas mil milhas na costa brasileira. "Duas mil milhas é exatamente a distância entre a ponta do calcanhar (RN) e Cananéia", afirma.

Ele lembra que o marco de Touros foi chantado por Cabral, na segunda missa no Brasil, no dia 30 de abril, junto à cruz onde foi celebrado o rito católico e tomada a posse oficialmente da terra. Só o marco não foi suficiente para calçar a cruz e outras pedras semelhantes a ele foram colocadas junto. As pessoas imaginavam que todas as pedras eram marcos e chamaram uma das praias de Touros de praia dos Marcos.


Verbete 1 - Chantar, conforme o dicionário Aurélio, é fincar no chão, plantar de estaca. Significa também estabelecer-se, fixar-se.

Verbete 2 - A dispensa da tomada de água na ilha de Cabo Verde também contrariava a prática dos grandes navegadores como Bartolomeu Dias.



Tribuna do Norte, Cadernos Especiais


PAJARACA


Jornal de Hoje, 9/10.04.2005


Já dizia o saudoso José Cavalcante, Seu Zé, escritor da Serra das Espinharas, na Paraíba velha de guerra, que o matuto só está dentro dos conformes quando é enxerido, metido a sabido, tirador de onda e conversador. E se, por ventura, junto a todos esses "atributos", for biriteiro e sem um grama de juízo, aí é que se dana tudo, pois mistura a cachaça com o enxerimento e os remédios controlados... Pois bem, todos esses adjetivos e pré-requisitos caem como uma luva no nosso personagem de hoje, Pajaraca, que vive nesse mundo de meu Deus a bater perna, beber cachaça, conversar aritica, tirar onda e "azedá" onde quer que esteja.
Em dezembro passado, quando estive em Boa Vista, tive notícias que "o troço" estava "encangando grilo" pras bandas do brejo paraibano... E, nessa dita ocasião, foi que me contaram esse causo, no Bar de Sebastião Lagoa, envolvendo também o então vice-prefeito de Boa Vista, Dr. Rosandro Aranha, meu amigo de fé, que é um daqueles caras que levam ao pé da letra o "Juramento de Hipócrates e o amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo".
Pois bem, estava o Dr. Rosando, certa ocasião, no posto médico, numa monotonia mais enfeliz do mundo, quando chega Pajaraca, se abanca e começa a desencavar defunto, contando estórias de mil novecentos e cacete, umas verídicas e outras tão fantasiosas quanto a criatividade da sua mente lhe permitisse. O Dr. Rosandro, bendizendo aquela visita inesperada e salvadora por quebrar a mesmice da atividade do Posto Médico naquela tarde, era todo atenção ao "mais que ilustre visitante".
E eis que, de repente, chega uma mulher com um garoto de seus quatorze anos mais ou menos, o jovem com o pênis "quage disgolado", como diz o matuto, por um corte causado por uma pedra na mineração de extração de betonita. Enquanto a mulher só faltava arrancar os cabelos da cabeça e de outros lugares mais, de tanto aperreio, em que pesasse a gravidade da situação, o Dr. Rosandro, para desanuviar o ambiente, falou para Pajaraca:
— Pajaraca, você agora vai me ajudar! Pra começar, faça logo uma limpeza bem feita com álcool e água oxigenada no corte desse rapaz...
E Pajaraca, dando um pinote do tamanho do mundo, respondeu:
— Vôte, dotô. O sinhô arruma tudo cum eu! Mais dessa vêiz, pode dá a promoção pra ôto! É da vêiz qui esse sujeito se réia tôdiin; mais eu mermo num vô pegá nessa nojenta, de jeito e qualidade!
O Dr., tentando conter o riso, procedeu o atendimento ao jovem e depois de suturar daqui e dali, se dando por satisfeito, concluiu o serviço após uns quarenta minutos. E como é de seu feitio e do seu coração maior que seu corpo, deu umas amostras grátis para a mulher tratar o filho doente; pelo que ela lhe agradeceu emocionada. E o engraçado é que enquanto o Dr. fazia seu trabalho, Pajaraca, calado, prestava a maior atenção ao procedimento. Parecia um acadêmico de medicina (guardadas as devidas proporções). E Dr. Rosandro, se despedindo, instruiu a mulher de como tratar do filho.
A mulher, imensamente agradecida, já ia saindo da sala, quando parou de repente para perguntar:
— Sim, dotô, e inquanto ele tivé duente, tá improibido de cumê aiguma coisa?
Aí, Pajaraca, sem se aguentar, respondeu no lugar de Dr. Rosandro:
— Só ais cabra, ais uvêia, ais póica, ais besta e ais jumenta!...Isso, puro umas duas sumana, qui é mode num torá uis ponto!...


BOB MOTTA




domingo, abril 10, 2005

É DOMINGO E CHOVE


Recife, Rua do Bom Jesus


versos de circunstância


é domingo e chove.

na casa o silêncio se desdobra
nas notas de um piano na vitrola.

em mim é só uma manhã a mais
de desmantelo e solidão

(não direi de saudade
não hei de a ti me parecer piegas).

nada é extraordinário.

afinal que pode haver de especial
num domingo chuvoso de abril?


Márcia Maia


ENCOSTO ZOMBETEIRO



Um fã do Alma, metido a macumbeiro
e gozador, me deu o mote. Embioquei:

Sou uma alma do Beco
sou encosto zombeteiro

Mandinga de sapo seco
despacho na encruzilhada,
faço ebó pela calçada
— sou uma alma do Beco...
Bebo marrafo e proseco,
já fui preto no Alabama.
na Bahia deixei fama,
fui mestre de Jorge Amado
— sou pelintroso, cuidado,
sou encosto zombeteiro !


Antítese:

Te “desconjuro”, pé-seco,
vade retro, capiroto !
— Nunca diga, bicho escroto,
“sou uma alma do Beco” ...
Pegue o beco, cabra-seco,
siga só, escopeteiro,
vá baixar noutro terreiro,
procurar sua calunga
— nem diga, perto de Dunga:
“sou encosto zombeteiro” !


Laélio
2005


DIRETORIA DA SAMBA


Fotógrafo?

Carlança, do Conselho Consultivo


Composição da atual diretoria da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências - SAMBA.


Diretoria Executiva

Diretor Executivo: Eduardo Alexandre
Diretora Executiva Adjunta: Ceiça Lima
Diretor Cultural: Plínio Sanderson
Tesoureiro: Carlos Albérico
Secretário: Paulo Augusto

Conselho Fiscal

Pedro Abech
Ubiratan Lemos
Franklin Serrão

Suplentes do Conselho Fiscal

Leninha Costa
Venâncio Pinheiro
Dorian Lima

Conselho Consultivo

Pedro Pereira
Haroldo Maranhão
Dário Barbosa
Marcos Dionísio
Mery Medeiros
Zizinho
Afonso Martins
Gutemberg Costa
Padre Agustin
Guaraci Gabriel
João da Rua
Lenilton Lima
Leonardo Sodré
Aroldo Martins
Carlos de Souza
Moisés de Lima
Carlinhos Bem
Carlança
Ramos (Balalaika)
Romildo Soares
Luciano de Almeida
Nalva Melo
Júlio César Pimenta
Fernando Kalon
Tertuliano Aires
Soraya Godeiro
Geraldinho Carvalho
Cristina Tinôco
Maria do Socorro (Help)
Fernando Paiva
Eridan França
Cornélio Neto
Átila


PONTO

Alexandro Gurgel

Karl Leite e Chagas Lourenço


Um ponto negro
no espaço branco
— projeta —
meu ego
no vazio.


Chagas Lourenço


À BOCA DA NOITE


Pôr-do-sol no Potengi


Um dia desses precisei marcar um encontro com alguém. Marcamos um local e quando surgiu a pergunta "A que horas?" respondi: "À boquinha da noite." O meu amigo riu, perguntou se a noite ia comer alguém, uma vez que tinha boca.

Mas não é isso, minha gente. Isso é coisa da nossa cultura, da nossa história, da nossa formação. Hoje, depois da invenção do relógio digital, toda pessoa que tiver dez reais compra um desses em qualquer esquina, mas quando eu era criança relógio era luxo e o horário mesmo do dia-a-dia era determinado pela posição do sol durante o dia e pelo cantar do galo na madrugada.

As denominações das horas eram assim mesmo, poéticas e saborosas, e se o meu amigo fosse um pouco mais velho ou tivesse sido criado no interior saberia que "à boquinha da noite" é assim que escurece de todo, seis e meia, sete da noite, uma vez que a "boca da noite", sem diminutivo, é a noite já firmada, já estabelecida, oito horas da noite. Era a hora das visitas. "Que horas eu passo lá, Comadre?" "Passa na boca da noite", a outra respondia. Isso numa época em que, não existindo ainda a televisão com suas novelas, a gente sempre recebia gente em casa para conversar. Mamãe sempre se levantava no "quebrar da barra", que era às cinco horas da manhã. E meio-dia nunca era meio-dia simplesmente: era "pingo-do-meio-dia". Uma hora da madrugada o galo cantava a primeira vez, e em "Macbeth", de W. Shakespeare, o porteiro do castelo informa: "Estivemos bebendo até o primeiro cantar do galo."

Outra hora cheia de mistérios era no "pender-do-sol", ou seja, depois do almoço, passado o "pingo-do-meio-dia", quando o Sol começa a "cair", uma hora da tarde. No pender-do-sol o mundo fica parado, sem movimento, nada se move. Mamãe dizia: "Parem com esse barulho, que agora até o mundo está parado". A louça lavada, Papai já havia saído para o trabalho e ela queria cochilar um pouco: então saía-se com essa, de dizer que o mundo havia parado, para que a gente parasse também de fazer barulho. Até hoje, quando leio o magnífico poema de Carlos Drummond de Andrade "A Máquina do Mundo" é como se estivesse nessa hora, no pender-do-sol, no mundo parado, imóvel, sem nenhuma agitação.

Esse negócio de horário é uma coisa engraçada. Quando estive em Apodi, no extremo Oeste do Rio Grande do Norte, acordava às oito horas e quando saía para tomar café da manhã na pousada em que me hospedava dava de cara com uma mesa lotada de homens comendo pratos descomunais de buchada. Buchada, sim, às oito da manhã. Para essas pessoas, que haviam acordado às quatro para trabalhar na lida com o gado, já era hora do almoço. E para mim, o apetite do café da manhã se acabava ali mesmo, varrido para longe pelo cheiro enjoativo da buchada, que gosto de comer, mas nunca às oito da manhã.

Nesta cidade Natal, há uma hora mágica: no finalzinho da tarde, o Sol fica em uma certa posição que, por alguns minutos, torna o mundo todo cor-de-rosa. Dura pouco. Dez minutos, às vezes nem isso, e deve ser um fenômeno óptico, de refração, ou coisa parecida. Mas não existe hora mais linda nesta cidade. Vale a pena largar tudo o que você estiver fazendo para se aprofundar naquele tom rosa-dourado, deixar que aquela cor lhe banhe, lhe ilumine, lhe enfeitice, lhe mesmerize, em um fenômeno que não é marcado pelos exatos e frios ponteiros do relógio mas que por isso são ainda mais encantadores. Aproveite.

E para concluir todas essas recordações de horas e de relógios, na década de 1960 Papai comprou para Mamãe um relógio como presente do Dia dos Namorados. Era um relógio para colocar na sala, e tocava um carrilhão a cada hora e a cada meia-hora. Em estilo "funcional", todo colorido, ficava na sala-de-jantar e passávamos a noite inteira ouvindo suas batidas. Papai, poeta, entregou o relógio a Mamãe com esta quadrinha: "Estes ponteiros, querida/ Marcarão, harmonizados/ As horas da nossa vida/ No Dia dos Namorados." Lindo, não?


Clotilde Tavares


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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