quarta-feira, junho 29, 2005

CIDADE DO NATAL



Durante cinqüenta anos, Natal progrediu tão pouco que melhor seria dizer que não progrediu. De 1810 a 1860, raros melhoramentos. Em 1810, Koster descreve-a com 700 habitantes; a rua Grande1, larga praça vestida de camapu e mata-pasto, com orgulho administrativo da Câmara e cadeia acaçapada, o palácio rococó dos capitães-mores e as três igrejas: Matriz, Santo Antônio e Rosário.
Quatro ruas de poucas casas desembocavam na rua Grande. Anos depois é que se fechou o lado leste e a rua da Conceição abrigou o Governo e outros centros de poderio e papelório. Da Rosário, ao que depois de 1850 começou a ser rua do Comércio, se estendia o denso dos oitizeiros, sapotis e pitombas, o verde-claro imóvel das carrapateiras ramalhudas e das mangiriobas franzinas. Ao sul, margeando risco do “caminho de beber”, embastia-se a mataria de gameleiras, paus-d`arcos, aroeiras e pau-ferro.
Do Bardo ou Baldo ao monte, toda a elipsóide sul a leste, a vegetação irrompia vigorosa e alta, farfalhante e ampla. Casinhas rompiam a rua Nova², em largos espaços de faxinas, onde surgia, medroso, o ensaio das flores de casa, cravos brancos em panelas trepadas, maravilhas rasteiras, o rubro veludo dos amarantos, jasmins de cheiro suave, as perpétuas brancas, as saudades delicadas, os primeiros estefanotes, as bocas-de-leão, as cravinas simples, os rosedás insolentes de perfume. Perto dos galinheiros de reserva, as altas espirradeiras, as palmas dos tinhorões, sombreando as pequenas touceiras de nuvens do céu. Nas praçuelas, gameleiras, oitis, castanholas e mungubeiras estendiam sombras... No Bardo, lagadiço cercado de barro batido, fazia-se ponto de banho festivo e de peraltice ingênua. Depois de 1859 ou 60, a praça das laranjeiras reunia os pisa-flores chilreantes, de casacão de belbutina, colete rombudo, calças justinhas com fileiras de botões e o pescoço enrolado na gravata manta, com três voltas à Feijó, comendo o queixo e escondendo a testa nas abas do chapéu revirado, chititi como se dizia naquele tempo.
Depois da “ladeira” (muito tempo após, rua da Cruz) a Campina guardada, perene e seguro o grande pântano alimentado pelas marés. Havia uma pontezinha. Era um quadrado imenso, desolado, silencioso.
Corria, de sul a leste, o canavial cerrado; após, com bruscos trechos de areia lodosa, o coqueiral, espanando palmas até as encostas de Areal e Rocas. Cercadas, pelas dunas e pelos coqueiros, cinqüenta ou cem casas tímidas e espaçadas anunciavam a cidade. Gameleiras, tatajubeiras, mungubeiras davam o lugar das prosas. Era a Ribeira, pequena, triste, atufada em brejos, circundada de lagoas, de atoleiros, de pântanos. Era o alvo das rajadas do cholera e de bexigas. Lugar enfim onde moravam a pobreza, a indigência e a miséria – gritava, em 1850, Carlos Wanderley, no relatório da Assembléia.
O Potengi invadia, lambendo as pedras das calçadas, as rua enfileiradas. Vez por outra, terrenos alagados cediam e as construções vinham abaixo. Em 1869, é que o Dr. Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque mandou fazer um anteparo. Dez anos depois, o Dr. Rodrigo Lobato Marcondes Machado informava sobre o serviço do cais – importante melhoramento empreendido no intuito de repelir as marés que ameaçam avassalar os terrenos e as casas...
Com Manuel Ribeiro da Silva Lisboa a cidade do Natal não tinha aspecto pomposo. As ruas em miserável estado, sem calçamento e entulhadas de areia; sem água, sem iluminação, sem cadeia e sem nada, declarava Parrudo. Novas ruas iam aparecendo no Bairro Alto – Cidade – como era chamado. O primeiro médico, Dr. José Bento Pereira da Costa, é de 1842.
Em 1859, o presidente João José de Oliveira Junqueira inaugura a iluminação a querosene, alguns lampiões, sugeridos, nove anos antes, por João Carlos Wanderley. Luz a gás tivemos com o presidente Antônio dos Passos Miranda, em 1870. Pouco tempo antes, 1870, Natal possuía ruas calçadas, alguns chafarizes e o velho desejo – o piso de pedras na ladeira. A Ribeira estava sendo o bairro comercial, dinheiroso, materializado. A rua do Comércio³ já estadeava prédios e armazéns repletos de açúcar, algodão, sal, peles, embarcados pelas sumacas e barcaças bojudas para Pernambuco, o grande comprador.
A cidade se alastrava, lenta, dos dois núcleos. De um lado, paralelo ao rio, corriam as casinha e cochicholos de palha. Da rua Grande, destronada pela rua da Conceição, partiam lances de moradas vaidosas em sua brancura e no chiste das janelarias altas e telhados em cauda de andorinha. São ponto de gente graúda: rua Grande, rua da Conceição, rua da Cruz, rua do Fogo, rua das Laranjeiras, Rua Nova... Nos domingos existem os lugares de passeios e de caça. Caminho Novo, Barro Vermelho, Passagem, Quintas, Refoles. E, desde 1850, a praia da Redinha, pouso dos presidentes, local das peixadas e serenatas dominicais. Apesar disto, J.C. Fernandes Pinheiro escreve em dezembro de 1871 – Em verdade a cidade do Natal, mesmo vista de fora, parece justificar o trocadilho que lhe ouvi aplicar – cidade-não-há-tal. Para o Dr. Henrique Pereira de Lucena, Natal era uma vila insignificante e atrasadíssima do interior (1872). Com as eras de oitenta, a política subjuga a Província. Os presidentes tratam de eleições, intrigalhas, discurseiras.
Os partidos tomam a sério os programas e os lugar-tenentes se digladiam em artigalhões e passeatas. Assim, até a proclamação sonolenta da República. O fato interessante de 1889 é ter o Conde D´Eu mandado o navio esperar por Silva Jardim, galo de campina da propaganda, que tinha ido arengar em São José de Mipibu.
A cidade do Natal, fundada no século XVI, nasceu no século XX. Os intermediários são períodos de história guerreira, política ou dorminhoca. Faz de conta que não existiu.

A sociedade

A sociedade era patriarcal. O elemento estrangeiro era nulo ou nenhum. No interior das moradas, a sala de visitas era lugar de uso raro. Pouca mobília. Jacarandá para os ricos. Pau preto, amarelo, madeira nova para os medianos. Tosco e louvado engenho dos artesãos primitivos servia de aparelhador incipiente. A sala de jantar é que era o domínio da dona de casa. Aí reinava a palavra, provando o ponto nos doces, trocando bilros e espiando a tarefa das mucamas favoritas. Pouca convivência social. Amizade de vizinhos faziam-se as palestrinhas corridas através das varas de cerca divisória. Limitava-se à cambiagem de receitas e de meizinhas caseiras. Acocorada nas esteiras amarelas sobre o tijolo vermelho, a dona nucleava a vida íntima, recatada e simples dos antigos. De muito em muito é que ousava espreitar pelo rotulado um vulto estranho à terra. Lugar de reunião era a Igreja. A semana santa era tempo de festa de olhos. Aí se espanejava a casaca de baetão, as calças de duraque, o chapelão alto.
A senhora se orgulhava do roçante, vestido de seda, a mantilha negra ocultando o duplo bandó, ou o cocó, onde o trepa-moleque se fincava, o pescoço rodeado de colares e fios de luxo, santinhos, espíritos-santos, figas de guiné e medalhinhas e, nos dedos, grossas memórias de ouro de moeda do Reino. O ciúme à portuguesa circundava-a de pavor. O marido fechava-a, murava-a, distanciando-lhe a existência livre e respirável. E de sua parte vivia na rua, palrador, discurseiro, politicóide, discutindo nomes sob as gameleiras, incorporando aos séquitos oficiais, grudados aos salões do ser. Presidente, longe de casa sem noção de vida, de lar e de carinho continuado.
As distrações eram de fundo religioso. Os Santos Reis, antefestejados com serenatas e cantigas típicas à porta dos amigos – tirando os Reis. Carnaval de entrudo com empapanguzados gritadores e encamisados sensaborões. Santo Antônio, São João, São Pedro com fogueiras, comidas de milho, fogos do ar, bailarico e banho de madrugada, sob os dendezeiros e ingazeiros do Baldo. Chegada de presidente anunciada pelos canhões da fortaleza, procissão de penitência, assombradora e tétrica e, em novembro, festa da padroeira, com as novenas, fogos de vista, bailes do noiteiro na entrega do ramo e jogos florais, duelo lírico e satírico, na alegria dos palanques erguidos em outeiros – eis o ciclo das diversões sociais. Os presidentes, exilados por dois ou três anos em Natal, procuravam as praias, os sítios com água corrente, faziam calçadas, teciam pilhérias, enchendo o tempo de espera para melhor província ou deputado geral.
A cidade sem iluminação, sem calçamento, sem segurança afastava a vida noturna.
Quem saía em visita, previamente anunciada, fazia-se preceder de escravos com tochas resinosas ou lampiões. Toda gente andava armada. Pela noite velha, os ladrões eram caçados a tiros afugentadores. Da Cidade à Ribeira, o silêncio apavorante criou lendas, assombrações e malefícios na Ladeira. Os paredões de barro vermelho, escondidos sob as celsas, salsas bravas, ortigas e mata-pasto, intimidavam. E à distância, o viver próprio dos dois bairros, a nenhuma convivência entre famílias, criou inimizades e apelidos: xarias e canguleiros.
Ao ruflo da caixa das nove horas, o silêncio caía, tangível, sobre a cidade quieta. O casario fechado e mudo não escoava réstia de luz. Ao longe, o clarão oscilante e rubro da candeeiro público. Vagos rumores de passos. E, ao estribilho das corujas, noitibós e caborés respondia o canto coral da saparia boiando n`água negra das poças. Compreende-se o prestígio dos alegres, dos vivos porta-vozes da risada, da gargalhada lusitana, da gaitada brasileira, o riso largo, sacudido, dobrado, interminável. A estes uniam-se as tradições de valentões, porque andavam à noite, de inteligência pelos versos rabiscados e de insubstituíveis, se tocavam um instrumento musical.
Joaquim Eduvirges de Mello Açucena foi, durante sessenta anos, um deste homens, um insubstituível.

Canto do Potiguara
Lourival Açucena

(TORÉ)

Curupira se afugenta,
Manitó esquece a taba,
Mas minh´alma não esquece
O amor de Porangaba.

Cai a murta, o camboim
O murici, a mangaba,
Mas não cai dos meus sentidos
O amor de Porangaba.

Cambaleia o pau-d´arqueiro,
Que ao rijo tufão desaba:
Mas não se abate em meu peito
O amor de Porangaba.

Vai-se o torcaz que gemia
Ao pé da jabuticaba,
Mas não deixam os meus anelos
O amor de Porangaba.

Foge a abelha que zumbia
Sobre a flor da guabiraba,
Mas não foge aos meus afetos
O amor de Porangaba.

Despe a flor o ingazeiro,
A oiticica, a quixaba:
Mas não me escapa da mente
O amor de Porangaba.

Da cunhã remorde a face
Reimoso capiucaba;
Mas não remorde o ciúme
O amor de Porangaba.

De Moema o terno amor,
Não, não rende o imbuaba,
Mas a mim rende e cativa
O amor de Porangaba.

Da extremosa Margarida
O amor já não se gaba;
Mas eu decanto, Arãhi,
O amor de Porangaba.

O pajé canta a bravura
Do alto Morubixaba,
Mas eu só canto em toré
O amor de Porangaba.

Anhangá cede a Tupã
No poder que não se acaba,
Mas não cede a outro amor
O amor de Porangaba.

Explicação do Canto do Potiguara

Potiguara: “Comedor de camarão”, nome da tribo que habitava o Rio Grande do Norte.
Toré: Melopéia indígena. Canto tristonho, prolongando os últimos versos.
Curupira: Gênio do Mal.
Manitó: Gênio protetor da
Taba: Casa grande ou o ajuntamento das habitações indígenas.
Camboim: fruto silvestre do Brasil.
Muricy ou murici: Gênero de plantas malpighiáceas do Brasil.
Pau-d`arqueiro: Nome popular de pau-d`arco.
Torquaz, ou ainda concliz ou corrupião: Nome de ave do Brasil, famosa pelo canto e pelas cores.
Jabuticaba: Fruto da jabuticabeira, mirtácea do Brasil, que compreende várias espécies.
Guabiraba: Fruto da guabirabeira, gênero de borragináceas do Brasil.
Quixaba: Fruto silvestre do Brasil.
Cunhã: Donzela.
Capiucaba: Marimbondo.
Moema: Personagem histórica dos primeiros tempos da colonização no Brasil.
Imbuaba: Nome dado pelos indígenas ao europeu; do guarani – neboab, “pernas vestidas”.
Arãhy: Interjeição ou explosão de voz (em Tupi) traduzindo a saudade.
Pajé: Feiticeiro e cantor dos feitos guerreiros da tribo.
Morubixaba: Chefe dos índios. Maioral.
Anhangá: O Diabo dos índios.
Tupã: Deus

Luis da Câmara Cascudo
In Joaquim Eduvirges de Mello Açucena (Lourival Açucena) (Lorênio)
Versos reunidos por – Luís da Câmara Cascudo,
Coleção Resgate – Editora Universitária UFRN, 1986.

1. Defronte à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, onde hoje se situa a praça André de Albuquerque.
². Atual avenida Rio Branco, Cidade Alta.
³. Atual rua Chile, Ribeira.

Visite: www.cantoes.blogspot.com




segunda-feira, junho 27, 2005

LEMBRANÇAS

Dinah Worman


A distância que nos une
é praticamente o último sinal
que sobrevive, teima em luzir
Esse silêncio que cultivamos
é mais que nada
O resultado de um diálogo
Interrompido, censurado
Com gosto de porque

Alerta!

Fantasmas e bobos andam às soltas
Em ruas, praias, avenidas e becos

Deborah Milgram


POTI OR NOT TUPI


Índios, sim! A recente audiência pública realizada na Assembléia Legislativa do RN, sob o auspício do mandato do deputado Fernando Mineiro e a batuta do Grupo PARAUPABA de estudos da questão indígena, propicia uma pertinente reflexão na área de memória e patrimônio cultural, enfocando a identidade das populações indígenas remanescentes no estado.

Do paraíso à quase extinção. Em 1500, quando Pindorama foi invadida pelos lusitanos, estima-se que cá habitavam 5 milhões de indivíduos em harmonia com meio ambiente. Na égide e usura do capitalismo comercial, o colonizador empreendeu uma das maiores barbáries da humanidade, quando em 1978 restava apenas 210 mil pré-colombianos. As causas de cruel depopulação foram: no passado (genocídio consciente), guerras de extermínios, expedições para captura de escravos; no presente (genocídio por omissão), massacres, impunidade de crimes contra índios, deportação para lugares inadequados, doenças contagiosas, subnutrição, redução de territórios abaixo do mínimo necessário. Os índios sofreram colonialismos externo entre 1500 - 1822 (Português) e interno a partir de 1822, pelos brasileiros.

No decorrer do processo de produção do espaço geográfico, o estado brasileiro tem expropriado e expulsado os nativos de suas terras sempre alegando a cantilena da segurança e do desenvolvimento nacional ( exploração de minérios e madeiras; construção de rodovias, barragens e hidrelétricas; ou implementação de projetos agropecuários).

No RN, a realidade foi mais obscura. Os livros didáticos afirmam que apenas dois estados da federação não possuem população indígena, aqui e no Piauí – curiosamente onde o índio Poti/Puti é reverenciado como herói. A nossa proto-história é marcada pela presença de duas vertentes silvícolas: no litoral, os Tupis (Potiguares, Guaraíras, Paiguás, Jundiás), já os Tapuias/Carriris (Caicós, Pegas, Ícós, Janduís, Moxorós) nos sertões, cenário de um movimento nativista emblemático, a “guerra dos bárbaros”, o “levante do gentio Tapuia” perdurou por décadas . Na verdade, deveria ter se convencionado “guerra dos civilizados”, pois estes, movido na ganância por terra e mão-de-obra escrava (proibida desde 1537 pela Bula Veritas IPSA), deflagraram o processo de extinção através do subterfúgio da “guerra justa”, instigando os índios para o combate inglória. O colonizador utilizou-se inclusive das bandeiras (Terço dos Paulistas) de Domingos Jorge Velho e Navarro Moraes. Sanguinária e tenebrosa a história provincial. Sorobabé, Jaguarari, Camarão, Clara, Potiguaçu, Mar Grande, Pau Seco, Paraupaba, Pedro Poti, Janduí, são nomes tremulantes no espólio fantasma. Vae Victis (ai dos vencidos)!

No entanto, concomitante à política oficial de extermínio, mediante a ideologia da integração, há um reaparecimento sócio político dos povos indígenas. No nordeste, 50 comunidades com 110 mil indivíduos. O Censo de 2000, revela que no estado três mil pessoas se autoproclamaram índios, negando a generalização residual de pardo ou cabloco. Instigando um embate antropológico: povos emergentes ou ressurgentes? Muito além dos (pré)conceitos, são resistentes aos impiedosos processos de aculturação e etnocídio. Quatro comunidades almejam reconhecimento: os “Mendoças do Amarelão”, em João Câmara, com dois mil membros; os “Eleotérios do Catu”, em Canguaretama, com 600 pessoas; os “Bangüê”, da Lagoa do Piató/Assu, de 300 indivíduos; e, a comunidade dos “Caboclos do Riacho”, em Assu, com 200 membros. Arregimentando forças as comunidades reinvidicam a legitimação de suas identidades indígenas. Relutantes, celebram suas pertenças e memórias ancestrais pulverizadas na tradição, mas latente no orgulho, impregnado no código genético.

O problema comum à todas as comunidades é a carência social (não física) da terra. A estrutura fundiária brasileira, das Capitanias Hereditárias (Sesmarias e Datas) à Lei de Terras de 1850, é matriz de todos os males nacionais. No modelo cultural herdado de uma mentalidade euro-ocidental, o território é interpretado sempre pelo prisma pragmatista, como fonte de lucro e/ou medida do poder aristocrático-oligarca.

Chega de etnocentrismo ufano. Abominemos o narcisismo das ínfimas diferenças - “que acha feio o que não é espelho”. “Brancos, índios, pretos, mulatos não há nada de errado em nossa etnia/ o meu e o seu são iguais”. Comungar a certeza mitológica da imortalidade dos filhos no seio da própria terra. Inclusão e pertencimento cultural, fundamentam uma luta urgente e de toda sociedade – principalmente, quando esta se reconhece POTIGUAR!

Plínio Sanderson


ESSES

Menandro Ramos


Esse estigma, esse ranço, esse receio. essa cólera de ironia travestida. essa patrulha, essa partilha, esse guia, essa vontade dos caminhos da poesia. esse achismo, esse ismo, esse outro ismo, esse atavismo em vã guardismo: esse fascismo. esse apartheid, esse dedo indicador, essa receita, essa doença, esse doutor. essa palavra, essa não, essa palavra. esse escaninho, esse jeitinho bonitinho. essa postura, esse salto, essa impostura, essa rede de sim-sim, essa costura. essa estratégia, essa falácia, esse tribuno, esse quartel, essa polícia, esse coturno. essa salada, essa sopa, essa lavagem, essa ordem de beber goela abaixo. esse arauto apocalíptico e demiurgo, esse moicano derradeiro desse burgo. esse poema de outdoor e passarela. essa tramela, esse embuste, essa panela.


Antoniel Campos


CORAÇÃO DE POETA




Poema Matuto

Tudo o que se faiz na vida,
a gente tem uma meta.
E para que a minha obra,
um dia seja cumpreta,
sem quaiqué era uma vêiz,
quero amostrá prá vocêis,
o coração de um poeta.

O coração de um poeta,
é difíce sê domado.
Num se doma, se acustuma;
pois é munto istabanado.
Pru quaiqué coisinha apronta,
amando fora da conta,
qui nem muleque safado.

Daquele qui desce o morro,
numa fôia de bananêra,
dêxando rasto na areia,
alevantando puêra.
Chêíin de arranhão nuis braço,
juêi fartando pedaço,
mode ais suas brincadêra.

É qui nem minino rim,
nuis tempo de adolecença.
Quando o sangue, mais ligêro,
tira sua paciença.
Do qui fica o dia intêro,
trancado lá no banhêro,
fazendo ais sua indecença.

Êsse coração muleque,
minha fía, é tôdíin tezão.
Qui ama tudo nessa vida,
in cada uma pulsação.
É o centro de um universo,
qui eu amostro in cada verso,
qui decramo p’ro povão.

E o meu, todo remendado,
num faiz veigonha a quem vê.
Se êle ixprodí, num sai sangue,
sai verso e amô, pode crê.
E é êsse véi coração,
qui incoloco in sua mão,
e ofereço a você...

Bob Motta




domingo, junho 26, 2005

O PRIMEIRO BRASILEIRO 15



Enquanto um grupo de guerreiros retira ferido João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes da gaiola em que se encontrava, Itapietá socorre Jandira. Potiassu caminha em direção ao grupo que mantém Potimirim sob domínio e desfecha-lhe mortal golpe com o tacape que tem a mão.
Os feridos são levados à oca do chefe da tribo potiguar para receberem tratamento, enquanto o corpo de Potimirim, a mando de Potiassu, é levado para dunas distantes e deixado a céu aberto para ser devorado por animais e urubus.
- Vivemos momentos diferentes. Não conhecemos quem são nem o que querem os homens das canoas grandes. Precisamos estar unidos para enfrentar o que está por vir. Daqui por diante, qualquer insubordinação, por menor que seja, será cobrada com a vida de quem a cometer, disse Potiassu a seus guerreiros, depois de reuni-los e recomendar providências de vigilância redobrada em torno de todo litoral circunvizinho.
Enquanto o ferimento de Homem da Canoa Grande não apresentava gravidade, Jandira ardia em febre. Durante cinco dias, a guerreira potiguar delirou desacordada, tendo ao lado Itapietá e outras mulheres, que temiam pela perda da guerreira ou do filho que trazia na barriga.
Quando a febre da guerreira grávida finalmente abrandou, Itapietá descansou aliviada. Era grande a preocupação das mulheres índias com a saúde da índia que trazia consigo o filho de Igarassujara, aquele que seria especial, muito especial, diferente de todos e por isso a ser mantido vivo a todo custo.
Quando a guerreira, no sexto dia acordou do desfalecimento, Igarassujara, o Homem da Canoa Grande, foi chamado a sua presença. Potiassu queria mostrar a ambos que daquela investida de Potimirim eles haviam escapado, mas que outras poderiam acontecer, já que ainda havia oposição entre os seus, e um ou outro guerreiro poderia atentar contra suas vidas.
Após a visita, Potiassu recomendou que levassem Igarassujara à cabana que havia construído na margem esquerda do Potengi e que o deixassem viver nas cercanias do rio, sem poder aproximar-se da taba. Queria preservar Jandira durante a gravidez. Eles só poderiam voltar a se encontrar depois do nascimento do curumim.
Os dias seguintes foram difíceis para Jandira. Se viveria, era a indagação de todos. Estava magra e a febre e os delírios voltavam inesperadamente. Juraci, irmão de Itapietá, destacou-se em seus cuidados, recomendando ervas para o tratamento. Seria o novo pajé da tribo comandada por Potiassu.
Em sua solidão vigiada e protegida, Igarassujara explorava terras cada vez mais distantes. Como os potiguares, vivia da caça de pequenos animais e da pesca de camarões, siris, caranguejos e peixes, abundantes nos mangues a margear rio a dentro, até os igapós, onde uma comunidade mantinha pequena aldeia.
Em suas igaras, comandados de Potiassu cruzavam o rio levando material à outra margem do Potengi, onde preparavam acampamento com uma única morada. Fora ali o lugar determinado pelo chefe para a construção do lar que serviria a Jandira, se sobrevivesse, e sua nova família, um rio largo a separá-los, mas, ao mesmo tempo, próximos, ao alcance de seus guerreiros.
Recomposta depois de duas luas entre a vida e a morte, a grávida vítima da ira de Potimirim recebeu recomendações de não se afastar da tapa. Retomaria atividades amenas e só depois do nascimento de Igarassujararaí, o filho do homem da canoa grande, poderia voltar a encontrar-se com o estranho homem chegado do mar.

Eduardo Alexandre


DOR-DE-COTOVELO


Lupicínio Rodrigues

(ouvindo "Nervos de Aço")


Foi mesmo por estar tão magoado
ainda que refém do teu fascínio,
que ouvi por toda a noite Lupicínio,
falando ao meu peito machucado.

Sozinho... sem um amigo que me escute.
Apenas o silêncio da tristeza.
Dois dedos batucando sobre a mesa
e o gelo tilintando no vermute.

Calado o peito grita de dor tanta
e enquanto de ingrata eu te chamo,
ao mesmo tempo digo que te amo,
na voz que, rouca, trava na garganta.

O imenso desespero alonga a noite,
procuro evitar qualquer lembrança,
mas sinto a tua mão que me alcança
e o afago do passado hoje é açoite.

Soluço... não tem jeito... e desatino.
Vontade de abraçar-te neste instante,
viver de novo o beijo — tão distante...
contigo escrever um só destino.

Pedir perdão por tudo o que eu fiz,
e até do que não fiz pedir também.
Ouvir da tua boca "és meu bem!"
e ser pra sempre o homem mais feliz.
(...)
Preciso me deitar, já amanhece.
Sonhar tendo o teu corpo por regaço,
pois sei que até dormindo, se te abraço,
teu corpo, mesmo em sonho, me aquece.


Antoniel Campos


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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