Galeria do Espaço Cultural da Câmara, Natal, 28/04/2005
pois é do sonho dos homens
que uma cidade se inventa.
Carlos Pena Filho
Um espaço de contrastes, pensei, no dia anterior, enquanto, sentada na balaustrada da varanda, observava a árvore imensa e com todas as folhas secas, repleta de passarinhos. Não os via na mangueira, belíssima e secular mangueira, que com ares de dona ou mãe, dominava aquele espaço. O Espaço Cultural da Câmara de Natal.
Um espaço de contrastes, pensei também, no outro dia, ao chegar para o evento. De um lado, o muro, a Galeria repleta de quadros belíssimos. Tão diversos entre si e ali dispostos, lado a lado, numa serena e perfeita harmonia. Um pouco além, o palco, já iluminado, a mesa de multimídia. As duas árvores. E o pátio entre elas empoeirado, imundo. E deserto. Os bancos, ao seu redor, sujos de leite de manga e cocô de passarinho, abrigavam os membros da banda e uns poucos amigos. Três gatos pingados, como diria a minha avó. E, sobre tudo, a noite quente de uma Natal sem lua.
Vez por outra, a equipe da tv aparecia. Flashes ao vivo para o Jornal daquela hora. Foco bem fechado, ou se aberto, apenas sobre a Galeria. A mim, poeta do Recife, gentilmente e ao vivo , entrevistaram, não esquecendo de ao fim, convidar as pessoas para ali comparecerem. Com certeza, um tanto tarde.
E foi assim, nesse espaço de contrastes, semi-escuro, que o evento começou. Um debate sobre os blogues e o papel que vêm tendo na difusão da poesia, antes deles, tão esquecida, como uma arte menor. Confesso que ao subir naquele palco, me sentia um tanto embaraçada, constrangida, tendo, à frente, por platéia a noite e o vazio.
Diz-se que o poeta é um sonhador, que os poetas vêm além do imediato. Talvez por isso, de repente, dei por mim e Eduardo discorrendo, explicando, conversando com os três gatos pingados da platéia, como se ali houvesse uma quase multidão. Pensando bem, decerto havia. No olhar interessado dos amigos, na expressão deslumbrada da cantora, que se encantava a cada novo blogue que mostrávamos. Valeu a pena, pensei ao terminarmos. E o vento agitou as folhas da mangueira, como se comigo concordasse.
Tv de volta, flash ao vivo, demorado, desta vez entrevistando Leonardo e Eduardo, os responsáveis pelo Projeto Cultural Luiz Carlos Guimarães. E então, o show de encerramento. Ângela Castro, a cantora, jovem, talentosa, bela, e sua banda, dois ou três músicos, não lembro ao certo. Foi aí, nesse instante, que se deu o inacreditável, o inimaginável. O desrespeito e o descaso esgrimidos de forma tão displicente e tranqüila, que me fizeram, de novo, lembrar dos contrastes. Ao fim da primeira música, os responsáveis pela iluminação, desligaram as luzes do palco, e cobriram cuidadosamente os holofotes (será que ainda se chamam assim?) com capas pretas. A noite morna de Natal se estendeu além do pátio, sobre o palco. Por cerca de meia-hora, as canções se elevaram na semi-escuridão. Acentuando o sentir de abandono sobre o Espaço.
Findo o show, as despedidas. O sentimento de se ter feito a sua parte, brilhava no sorriso da cantora, ainda encantada com os blogues. E hesitava nos lábios de Eduardo, ao me dizer, embaraçado: que mico! Que mico? perguntei. (Ah, como é bom ser estrangeira nessa hora! pensei.) Você cumpriu a sua parte. Se os outros, os que fazem a Câmara Municipal de Natal, no coração da qual pulsa este Espaço, se eximiram de comparecer e de até mesmo o evento divulgar, deixe que a eles caiba o mico. Se mico houve. Se mico houver.
Fim de festa, em torno só mormaço e bruma. Além, as dunas. Pensei no poeta recifense que dizia ser "do sonho dos homens que uma cidade se inventa". E percebi que tinha a boca seca, que tinha sede. Mas ali, naquele espaço, naquela noite, para matar a sede nada havia. Nem água.
Márcia Maia
Orf
Ângela Castro, o debate sobre blogues e o vazio. Natal, 28/04/2005
PERUZINHO
Olívio chegou ao Brasil em 1921, em companhia de mãe e irmã, a chamado de seu Silva, irmão mais velho, famoso sorveteiro dos idos de 30 nas calçadas do Majestic e Royal Cinema.
— Quem nunca tomou sorvete feito por seu Silva não sabe o que é sorvete, relembravam os saudosistas.
— Não eram essas essências de hoje. Dava gosto tomar uma casquinha. Você sentia o sabor do abacaxi, do maracujá, do caju, da baunilha.
Enéas Reis, da Sul América e do Cinema Rex, chegava e pedia:
— Seu Silva, bote aí vinte minutos de sorvete.
E passava nos peitos quantas casquinhas viessem naquele espaço de tempo.
Só o próprio seu Silva não dava valor ao seu produto, como certas cozinheiras que produzem manjares celestiais e não provam um pedaço sequer do que fazem. O que ele apreciava mesmo era a branquinha. Aí, sim, ele dava o devido valor.
— Se eu voltar pra Santa Terrinha, fico rico em dois tempos, só vendendo cachaça, sonhava, esquecido dos tintos, dos brancos, do Macieira.
Mas como ia dizendo, Olívio era natural de Peruzinho e nada mais compreensível que, assumindo o negócio, colocasse o nome do seu torrão como endereço telegráfico da firma, gravado em letras vistosas nos papéis de embalagem que mandara confeccionar.
Alguns queriam saber a naturalidade de quem nascia em Peruzinho.
— Pirulista, assegurava Moisés Villar, como se acabasse de consultar Aurélio Buarque de Holanda.
— Impossível! Soltava-se Mozart. E com dupla intenção:
— É frango de peru. Ninguém nasce peru. Vai crescendo aos poucos. Portanto, quem nasce em Peruzinho é frango.
Um dia, depois de visita à lusitana terra em missão cultural, Cascudo soltou a bomba em pleno salão:
— Olívio, percorri Portugal de Ceca à Meca e não localizei Peruzinho.
Ninguém sabia se era verdade ou brincadeira do mestre para bulir com o portuga.
— Foi tragado pelo rio Tejo, logo que Olívio saiu de lá, descarava Moisés, a seriedade em pessoa: eu li nos jornais.
— Nunca! Agora era Eider Reis quem entrava na querela. Quando Olívio deixou Portugal, o rio Tejo ainda era olheiro d’água.
Outro luminar se manifestava.
— Lá, é fácil se saber se o filho é legítimo ou não. Se fizer glu-glu, é legítimo. Se não fizer, o marido vai entregar a mulher ao pai da moça. Era Múcio Teixeira, o Múcio Caninha, que dissertava do alto da sabedoria da quinta dose.
Foram precisos muitos anos, e depois de Luizinho, filho mais velho de Olívio, ir estudar em Portugal e de lá escrever, para a freguesia acreditar, de mesmo, na existência de Peruzinho.
O português passava, de mesa em mesa, mostrando o carimbo do correio na carta.
Lá, ainda existiam parentes de Olívio.
— Está rico e não vem mais nos ver, queixavam-se. É um ingrato. Capaz de não falar mais português...
Olívio tem vontade de rever a aldeia, mas falta-lhe coragem, principalmente agora que Luizinho casou em Portugal e trouxe a reboque mulher e dois portuguesezinhos.
Olívio encontrou uma desculpa:
— Agora eu tenho com quem falar português. Não vou mais. Coisas de português.
O diabo é que freqüentei anos e anos a confeitaria e ainda hoje não sei a naturalidade de quem abre os olhos para o mundo em Peruzinho.
José Alexandre Odilon Garcia
(05.05.1925 - 02.02.1997)
In Acontecências e Tipos da Confeitaria Delícia,
Editora Clima, Natal/RN – 1985
Pratodomundo no Beco da Lama
Divulgação Samba
Jornalista Luciano de Almeida confere O Beco Nº 2
Neste Sábado, 7 de Maio, a partir das 14h, a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências - SAMBA realiza a festa Pratodomundo, para entregar o prêmio do festival gastronômico realizado em 1 de novembro de 2003, durante a festa "Vem até quem já morreu".
Ao primeiro colocado, o Bar da Amizade, que serviu à comissão julgadora uma rabada, será conferido prêmio em dinheiro. Aos demais participantes do circuito gastronômico do Beco da Lama e adjacências será conferido o "Prato do Mundo", como certificado de participação no evento.
Durante a festa, homenagens serão prestadas a Civone Medeiros, poeta criadora do circuito gastronômico, e aos mais velhos proprietários de bares do Beco e adjacências: Dona Odete, Chico e Seu Pedrinho, todos com aproximadamente 30 anos dedicados à boemia do Beco da Lama.
A festa comemora o Dia do Artista Plástico (8 de Maio) e várias exposições serão montadas. Instalações sob responsabilidade do M8M (Movimento 8 de Maio) serão montadas, recitais poéticos vão acontecer, além da música que estará presente com shows à cargo do Instituto Waldemar de Almeida, da FJA, e músicos da Banda Sinfônica do Natal, da Capitania das Artes.
A festa serve para chamar mais uma vez a atenção da Prefeitura para a necessidade de revitalização da área, com a qual várias instituições já estão compremetidas, como a Agência Cultural do Sebrae, Fundação José Augusto, Capitania das Artes, Sectur, Setur, Prodetur, SESC/SENAC/SESI, FAL, Caixa Econômica, Banco do Nordeste, entre outras.
Na oportunidade, será lançado o segundo número de O Beco, jornal que homenageia com textos literários, poesia e fotografia a boemia do lugar.
Programação
14:00: Exposições de Artes Plásticas, Fotografia e Poesia - Distribuição do Jornal O Beco nº 2
14:00: DJ Mackaco
14:30: Sonorosinho
15:30: Entrega dos Pratos do Mundo e homenagens (Civone Medeiros, Dona Odete, Chico e Seu Pedrinho)
16:00: Boi-de-reis do Mestre Manoel Marinheiro
16:40: Recital Poético (Plínio Sanderson, Amélia Freire, Eduardo Alexandre)
17:00: Taka Sax Quarteto
18:00: Pauta Livre para canjas musicais e recital de poesia
Digo não e por dentro digo sim
Digo não e por dentro digo sim,
tudo em mim é perfeita contramão.
Sou canção começando pelo fim,
estopim onde acendo a escuridão.
Guardião desse nada de onde eu vim,
folhetim não escrito pela mão,
sou clarão incontido no nanquim
e o latim exilado do sermão.
Sou senão em sinônimo de assim,
sou enfim o meu sim que me diz não.
Antoniel Campos
para Dunga, Crys e Mércia
de mim se esconderam tantos dias
(enquanto tanto eu as procurava)
pois só se revelaram à hora última
(aquela da partida )
talvez como canção de despedida
talvez como cantiga a ser lembrada
e assim por tantas léguas me seguiram
por trás de minhas pálpebras cerradas
que já não lembro o tempo de não
tê-las visto
que já não mais as deixo de mim se
irem embora
Márcia Maia
MEU CORAÇÃO CHANANA
Para todos os corações chananeiros do Beco
Não sei se
Por mérito ou maldição
Teima em querer amar
E só sofre coração
A cada novo amor
Nova devastação
Enxadas e mutilação
Meu coração Chanana
Tem raízes profundas
Foices destroem meu corpo
Mas fortalecem minha’lma
E a cada capinada
Mais as raízes se infincam
E a cada chuvarada
Ou promessas de amor
Mais desabrocha em flor
Meu coração Chanana
É um velhinho teimoso
Nem com muita desilusão
Faz desistir o tinhoso
E por um brilho no olhar
Forte volta a palpitar
É como tempo ameno
Meu coração Chanana
É como chuva maneira
A florada vem faceira
E encanta aos que têm olhos
Pras coisas singelas da vida
Meu coração Chanana
Ao amor,
Tá sempre dando guarita
Ana Cristina Cavalcanti Tinôco
Menino ainda, se fez engraxate pelas ruas do centro da cidade. Queria ajudar a família e garantir seu próprio sustento.
Não foi fácil enfrentar a selva urbana e a concorrência. Como ele, muitos meninos, apesar das dificuldades, tinham suas caixas de engraxate e delas faziam local de trabalho a céu aberto em qualquer esquina, qualquer mesa de bar.
Da infância difícil às convivências duvidosas de todo centro de cidade. Os envolvimentos, a droga.
Hoje, rapaz e cansado, despreocupadamente, puxa seu fuminho em praça pública, como se a fazer algo muito natural.
Flagrado pela polícia em meio aos tapas no fumo, a indagação do policial:
— Fumando maconha pra quê, negro sem-vergonha?
E a resposta fácil e imediata:
— Pra arriar a lombra nos sapatos!
Pra quê?
Ato contínuo, o coturno do policial desce sobre a caixa de trabalho do adolescente, espatifando-a.
As graxas explodiram agora imprestáveis. Só lhe sobraram as escovas.
E o desejo de começar tudo de novo.
Eduardo Alexandre
Um crime cruel cometi
E por ele fui condenado
Confesso, não me arrependi
Nem choro pelo que tenho passado.
Momento felizes vivi
Deles tenho sempre lembrado
Hoje, mesmo vivendo isolado
Esquecê-los eu não consegui.
Só não entendo porque tanto castigo
Mas aceito esse preço a pagar.
O sofrer, pelo crime, eu bendigo.
Só lamento o teu abandonar
Sozinho, caminhando, hoje eu sigo
O meu crime? Foi um dia amar!
Carlos Barba dos Santos
Fandango de sonho
De pastorinhas
Em bumbas-meu-boi
Sonopreguiça
Rederredinha
Natal!
Eduardo Alexandre
Abstracionista de primeira grandeza
Raro amigo Eduardo Alexandre, poeta, escritor, pescador de sonhos pictóricos e domador de pigmentos.
Abstracionista de primeira grandeza, você é daqueles artistas plásticos que conseguem conduzir as cores por caminhos nunca vistos por olhos sensíveis e sem brilho, mas a mãe natureza é tão generosa que dá vida à arte e independe dos seres verem uma obra sua: ela é quem nos olha e nos toca, fazendo-nos ver, ouvir e degustar arte.
Eduardo Alexandre, o grande imperador das cores, dotado de uma inteligência singular e plural nas suas formas e contra-formas. Com habilidade no manuseio dos pincéis, que é a verdadeira história de botar a mão na massa, entre outros derivados de objetos germinados da mente florida e fértil.
Eduardo, você tem índole de paz e é leve na condução da realização de suas obras de arte, com segurança e fidelidade na sua originalidade de idéias. Por isso, sua pintura é viva porque provoca, com maestria, uma arte visceral e não está preocupada em agradar olhos que não têm o gosto de ver algo que lhe dê motivo de reflexão para questionar o belo ou o feio.
Eu posso citar artistas que fizeram opção natural pela escola abstracionista que são da sua estirpe, como: Kandinsk, Paul Klee, Jackson Pollock, Amilcar de Castro, Iberê Camargo, Manabu Mabe, Tomie Otake, entre outros importantes artistas.
Mas o interessante é que de Eduardo eu posso falar, tocar e recordar a época em que tinha cabelos longos e fazia manifestações culturais em uma galeria muito privilegiada pelo mar e pelo povo. Seu nome é Galeria do Povo, ícone da cultura potiguar.
Eduardo, você é um homem livre e suas idéias florescem na pintura, literatura, política e em qualquer campo que atue. Você é dotado de inteligência e força criativa e, o melhor: é um sonhador convivendo com a lucidez da loucura. Um feliz bobo cortejado pela corte da arte e por todas as facções tribais.
Meu amigo Dunga: sei que você existe e que na sua existência correm cores na sua essência de ser humano. Você é soberano dos seus atos e do seu traço de pura arte.
Do artista plástico e amigo,
Pedro Pereira
Natal, 29 de Abril de 2005
Escolha a alternativa correta:
1. Quando chove:
a) ( ) abro a janela para que você entre com a chuva;
b) ( ) saio à chuva porque sei que te encontrarei lá;
c) ( ) conto nas gotas de chuva os beijos que te darei;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
2. Quando anoitece:
a) ( ) espalho pela casa almofadas de cetim;
b) ( ) ponho o vinho pra gelar, acendo os castiçais e fico ouvindo um fado;
c) ( ) troco de roupa e me preparo, pois sei que você vai chegar;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
3. Quando bate a saudade:
a) ( ) sei que você também está sentindo minha falta;
b) ( ) releio teus escritos e já não sei se são teus ou meus;
c) ( ) quero correr ao teu encontro;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
4. Quando ouço uma canção:
a) ( ) danço seguindo teus passos, com meu corpo junto ao teu;
b) ( ) sinto na melodia o teu canto e na letra ouço tua voz;
c) ( ) uma lágrima molha meu rosto;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
5. Quando escrevo um poema:
a) ( ) você é o motivo;
b) ( ) vejo no papel tua imagem em ‘background’
c) ( ) a mão treme e o coração dispara;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
6. Quando não te encontro:
a) ( ) me perco;
b) ( ) ligo pra você;
c) ( ) vou dormir pra te encontrar em sonhos
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
7. Quando te encontro:
a) ( ) não sinto o tempo passar;
b) ( ) não há distância;
c) ( ) quero te cobrir de beijos, te abraçar, cantar pra você e te dizer um poema com meus olhos;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
8. Quando ouço a tua voz:
a) ( ) emudeço;
b) ( ) ouço, ao fundo, sons de harpas, liras, cítaras e flautas;
c) ( ) viro criança e só sei sorrir;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
9. Quando digo que te pertenço:
a) ( ) é porque sempre pertenci a ti;
b) ( ) estou sendo redundante;
c) ( ) é porque só existe você em minha vida;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
10. Quando digo que te amo:
a) ( ) digo o que sinto;
b) ( ) sinto o que digo;
c) ( ) é como se dissesse a primeira vez;
d) ( ) todas as alternativas anteriores.
Antoniel Campos
Então, daqui pra frente — quem foi mesmo o guardador dos caminhos e em qual data? —, a poesia será concisa. E ai daquele que ousar a contramão. Ansioso, prolixo e verborrágico ficarão de boa monta aos recalcitrantes. E haja o poeta iniciante ir atrás dos próximos ditames dos “iniciados”, os guardadores dos caminhos. E tolhe aqui, tolhe acolá. A tesoura passa a ser mais importante do que a palavra. Acredita piamente que o seu poema alcança a poesia pretendida pelo guardador, qual seja, A Poesia. Quebra o verso na metade com a rapidez de um “enter” (o poema ficara diminuto demais...), como se isso, por si, agregasse valor ao já concebido. Como se a disposição espacial do verso no poema estivesse divorciada da leitura e do ritmo que ele, autor, gostaria de dar. Mas isso é outra história. Voltemos à concisão. O prejuízo ao entendimento da mensagem é totalmente desprezível, face à canalhice inventada de que tudo o que se pretende poema, há que ser conciso. Ora, o que é concisão? Por ventura algo relacionado à extensão do poema? Lógico que não, dirão os prestimosos teóricos. Tem a ver com a idéia, o insight, o flash, a fagulha poética captada pela lente do poeta, dirão. Ponto pacífico até aí. Mas é aí, justamente, onde quero chegar. Porque esse cânone esdrúxulo que se quer impor na poesia, esse fascismo indefensável, tem sido responsável pelo que vemos por aí, uma proliferação de poemas “angustiados”, com duas vertentes: a primeira, pela confusão entre concisão e extensão, o que leva a poemas microscópicos; a segunda, e a mais grave, pela abordagem apenas de uma idéia, a idéia central, com a pressa, a angústia para dizer de uma vez aquilo que foi captado, aquilo em que reside poesia. Aí é o poeta que se tolhe, não o poema, pois abre mão da possibilidade de surgir outros momentos no poema, igualmente válidos, igualmente poéticos. Por quê? Porque o sentimento de extensão está interligado, no entendimento dele, à abordagem única da idéia captada. Pode-se fazer poesia escrevendo poemas diminutos em extensão e abordando um único tema? Óbvio que sim. O que não se pode dizer é que toda poesia tem que ser assim.
Outras canalhices foram inventadas, como a não-adjetivação do poema e a necessidade imperiosa da substantivação do poema, como se o escritor estivesse fadado a abrir mão de suas ferramentas de trabalho — as classes das palavras —, ou como se um pintor estivesse proibido de usar certo tipo de pincel, ou um entalhador só pudesse usar o buril e nunca a goiva, ou um músico de não visitar certos ritmos. Mas isso, também, é outra história. Escrevamos aquilo que tivermos de escrever, sem nos preocuparmos com extensão ou quantidades de idéias abordadas. Que isso seja conseqüência e não causa do poema. E tenhamos a convicção de que não há guardadores dos caminhos da poesia. Cada poeta constrói o seu.
Antoniel Campos
ANGÚSTIA
Espera, dúvida
palavras que confundem,
expressões que complicam.
Meus pensamentos
divagam e fogem,
minha cabeça
tenta o equilíbrio,
que o espírito
e o coração
não permitem.
Apenas uma vez,
somente uma presença,
tudo volta ao normal.
A PLANTA
Precisa iniciativa
para plantar uma árvore.
Precisa esperança
para vê-la crescer.
Precisa perseverança
para esperar os frutos.
Precisa paciência
para colher.
SENTIMENTOS
É necessário
que a minha afronta
te faça débil,
para que
te entregues a mim
como mulher.
Chagas Lourenço