François Silvestre
Sonhei com Mário Moacir Porto. Um sonho esquisito, com ele lendo um texto de Oscar Wilde sobre o muro da cadeia. Pela manhã, vejo na televisão, uma matéria sobre os cem anos e a obra de Nice da Silveira. A mãe dos loucos.
Aquela que cantava canções de ninar no ouvido da loucura para que ela dormisse e despertasse ao mesmo tempo nas asas da criatividade.
Nice dos cárceres da ditadura. Nas páginas de Graciliano Ramos. Na solidão de sua luta contra estupidez. Todas as ditaduras são iguais. São todas de direita, inclusive as de esquerda. Os ditadores e seus burocratas. Toda burocracia é burra, inclusive as inteligentes.
Toda loucura é bela, inclusive as feias. Os esquizofrênicos são os espelhos deformados da nossa hipocrisia. Cada esquizofrênico é um sentinela do desespero. Ele vive pedindo socorro ao infinito. Seu olhar não contém pedido de piedade. Tem a ânsia do inatingível. Ele não quer amparo, quer o claro. Porque é um habitante da escuridão, mas no mesmo tempo é a lanterna de um corredor inconsciente e brilhante. E produz uma vida íntima, seu inferno, que pode ser um paraíso para os olhos dos que se julgam sadios.
O que é a loucura? Pilatos poderia ter feito essa pergunta a Cristo e ele não teria respondido. Como não respondeu o que era verdade. Nice, assim igual a Cristo, não respondeu essa pergunta. Nem preocupou-se em respondê-la. Quando encontrou-se com Yung, o contraponto de Freud, não foi essa sua preocupação.
Seu objeto era a libertação daquele inferno. Não pela lobotomia nem pela terapia do eletrochoque. Mas pelo rompimento da porteira que a comodidade dos "sãos" havia imposto aos "loucos".
Só havia uma saída. Só há uma saída. Qual é? A ARTE. Pela pintura, pela música, pela representação, pela poesia, enfim, pela arte é possível arrancar a peia, destorcer o nó da peia, e oferecer uma saída do inferno da esquizofrenia.
Viva Nice da Silveira. A domadora da loucura. A mãe dos loucos e irmã da arte.
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