quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Preparando a sucessão

Vargas e Café Filho
31 de janeiro de 1951. Getúlio Vargas e Café Filho aclamados à entrada do Palácio Tiradentes,
antes da solenidade da posse na sede do Congresso.Reprodução de foto do livro Do Sindicato ao Catete, 1966, Livraria José Olympio Editora


Paulo Victorino

Estamos em 13 de agosto de 1954, onze dias antes do fim inesperado do governo Getúlio Vargas. É Meio-dia. O vice-presidente da República é procurado em seu gabinete pelo jornalista Murilo de Melo Filho, com o objetivo de agendar um encontro entre Café Filho e Carlos Lacerda, este último fazendo-se porta-voz das Forças Armadas e articulando a sucessão presidencial, após a vacância da Presidência da República, que já era contada como certa.
Relutando a princípio, o vice-Presidente, por fim, acede ao convite, sendo escolhido um local neutro, o Hotel Serrador, onde se achava hospedado um comum amigo, recém vindo do Nordeste. Um e outro deveriam chegar separadamente, a fim de preservarem-se incógnitos, livrando-se de especulações.
Às 14h30, Café Filho chega ao Hotel Serrador. Uma hora depois, entra Carlos Lacerda, acompanhado do jornalista que agendou o encontro. Vinha em uma cadeira de rodas, em virtude do tiro que recebera no pé por ocasião do atentado da rua dos Toneleiros. Conversaram por duas horas e dez minutos e acertaram os detalhes para a transferência de governo, no momento em que isso devesse acontecer.
Dias depois, agravando-se a crise, o vice-Presidente procurou Vargas e lhe propôs a renúncia de ambos, hipótese em que a vaga seria preenchida pelo presidente da Câmara Federal, até que se convocassem novas eleições. Getúlio não aceitou e, de quebra, a proposta inusitada acabou gerando um atrito entre o ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa e o ministro da Marinha, almirante Renato de Almeida Guilhobel, ambos com opiniões antagônicas sobre o assunto (Guilhobel dava apoio irrestrito a Vargas e desconfiava que este estava sendo traído pelos outros dois ministros militares, o da Guerra e o da Aeronáutica).
Dez horas da noite de 22 de agosto. O brigadeiro Eduardo Gomes telefona ao general Juarez Távora (ambos no pico da conspiração) e informa-o de que Getúlio se recusara a aceitar a renúncia coletiva. Surge, então, o manifesto dos generais a que nos referimos no capítulo anterior, solidarizando-se com a Aeronáutica e a Marinha, que já haviam se manifestado contra a permanência do presidente da República no poder. Era a autoridade do Chefe Supremo das Forças Armadas que vinha sendo contestada por seus subordinados, invertendo-se a ordem constitucional.
Dia 23 de agosto, segunda-feira, à tarde. O vice-presidente da República, que pela Constituição de 1946 era também presidente do Congresso Nacional e do Senado, pronuncia um discurso nesta Casa, considerando já a hipótese de vir a assumir a presidência da República em substituição a Getúlio Vargas.
No mesmo 23 de agosto, à noite. O manifesto dos generais já contava com 27 assinaturas e estava apto para divulgação. Não foi preciso publicá-lo, pois, como já sabemos, horas depois, na madrugada de 24 de agosto, Getúlio Vargas pôs termo à própria vida, deixando vago o cargo para seu sucessor imediato, o vice-presidente, João Café Filho.

O gosto amargo da vitória

A morte do Presidente não trouxe a pacificação, pelo contrário, iniciou um novo período turbulento na vida do país, pois seu substituto tinha poderes constitucionais que não podia usar em sua plenitude, refém que era das mesmas forças que acuaram Getúlio Dorneles Vargas até além dos limites da própria vida.
Getúlio Vargas morrera entre duas e três horas da madrugada do dia 24. Nesse mesmo dia, entre dez e onze horas da manhã, João Café Filho toma posse, sentindo o gosto amargo da vitória, sem ministério, sem palácio, sem gabinete, sem povo.
O evoluir dos acontecimentos acabou trazendo uma cisão na cúpula militar, como conta Hélio Silva: "Também os chefes militares foram traumatizados, porque não pretendiam ir tão longe, nem haviam previsto as conseqüências de uma crise que se desencadeava além de seu controle. Os ministros militares não foram facilmente substituídos, porque as divisões nas Forças Armadas iam se acentuar, culminando com os acontecimentos de 64 [golpe militar]. O titular da Guerra, general Zenóbio da Costa, foi ultrapassado em suas previsões. Outro chefe militar de atuação destacada no episódio, o general Juarez Távora, tomou a deliberação, e a manteve, de ‘nunca mais se envolver em tentativas de corrigir, pela força, os erros ou omissões de nossos governantes.’
"O vice-presidente era conduzido pelas circunstâncias e seria dominado por elas. A autenticidade de seu mandato e a autoridade de sua investidura, por imperativo constitucional, nada mais valiam, depois da imposição feita a um presidente da República. A intangibilidade da Constituição desaparecera. Erigira-se uma ‘lei de necessidade pública’, de que eram legisladores e intérpretes os militares e os políticos."
O Palácio Guanabara ainda era residência da família Vargas. As massas populares, sofrendo a dor da perda, naquela hora, pelo correr do dia, pela noite adentro e pelo dia seguinte, se aglomeravam em frente ao Palácio do Catete, onde se deu a tragédia, chorando a morte do "pai dos pobres" e tentando chegar até a urna funerária, para vê-lo uma última vez.
Nas grandes cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, turbas avançavam pelas ruas e clamavam por justiça. Batalhões de soldados, usando balas de festim, aumentavam o tumulto, tentando acabar com as passeatas. E como nem todas balas eram realmente de festim, várias pessoas saíram machucadas. No dia seguinte, multidões acompanharam a urna funerária, numa homenagem póstuma, até o avião que levaria o chefe de volta a São Borja, sua primeira e última morada. Temendo pelo pior, as forças militares evitavam entrar em choque com aqueles aglomerados que, no jargão militar, costuma-se classificar de "baderneiros".
Café Filho surgia nesse cenário como um Presidente solitário, esquecido das massas que se voltavam para o presidente morto, e fiscalizado pela UDN e pelas Forças Armadas, que lhe encaminhavam os passos, donas que eram da situação.
Não restou ao novo Presidente senão acomodar-se como pôde no Palácio das Laranjeiras, o único disponível, para tomar, a partir dali, os primeiros atos do governo, em circunstâncias tão graves que não admitiam sequer um minuto de paralisação.
A propósito de João Café Filho, sabe-se hoje que ele não teve, por vontade própria, nenhuma participação na conspiração que levou à derrubada do presidente Getúlio Vargas. Seu encontro com Carlos Lacerda, proposto por este, aconteceu por um erro de avaliação de Café, pois ele acreditava estar ajudando a administrar a crise. Ao contrário, assumindo o compromisso de subir à Presidência assim que se desse a vacância, sua posição fez recrudescer a ação dos adversários de Vargas, apressando o fim do governo já cambaleante. Tentando depois se explicar com um discurso no Senado, na véspera do desfecho, complicou ainda mais sua delicada posição.
Tomava posse, pois, numa situação em que a hierarquia se achava perigosamente invertida. No Palácio das Laranjeiras, o Presidente constituído, Chefe Supremo das Forças Armadas, se tornara refém dessas mesmas forças, que lhe delineavam os caminhos, sem deixar campo de manobra para suas próprias decisões. Essa interferência se deu na preparação do Ministério e nos subseqüentes atos de governo, sempre em coordenação com Prado Kelly, presidente da União Democrática Nacional, que fazia os contatos e a intermediação. Café Filho, desde o início, tornara-se apenas um espectro de Presidente. E assim seria até o fim.

Quem era Café Filho

João Café Filho nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, em 3 de fevereiro de 1899, formando-se advogado e constituindo banca especializada em assuntos de natureza trabalhista. Dedicando-se a essa causa com ardor, fundou um jornal em que fazia ampla oposição ao governo e aos patrões.
Sua posição de defensor dos humildes lhe trouxe constantes problemas. Em 1934 elegeu-se deputado federal, mas já no ano seguinte, enfrentou perseguições por ter-se manifestado contra as restrições impostas à Constituição, após a Intentona de 1935, da qual não participou.
Em 1937, insurge-se contra o Estado Novo implantado por Getúlio Vargas, Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, tendo de fugir para a Argentina, onde ficou por mais de um ano, até que a situação no Brasil se acalmasse.
Reconquistadas as liberdades democráticas, em 1946, filiou-se ao Partido Social Progressista de Ademar Pereira de Barros, juntando-se aos populistas e integralistas que se aninhavam nessa legenda. Foi por ela que se candidatou a vice-presidente, na chapa de Getúlio Vargas, dentro da coligação PTB-PSP.
A partir daí, sua atuação política ganhou uma feição mais conservadora, que o colocou em oposição ao governo de Getúlio Vargas, na medida em que se manifestava contra o progresso da legislação trabalhista, contra a nacionalização da economia, etc. Seu novo posicionamento em face da administração colocava-o agora mais próximo da UDN que do trabalhismo.
Como vice-presidente da República, cabia-lhe, segundo a Constituição de 1946, presidir o Senado e o Congresso Nacional (Senado e Câmara Federal reunidos). Não freqüentava o Palácio do Catete nem tinha presença no governo, mas foi convidado, algumas vezes para participar de reuniões ministeriais. Não era íntimo do Palácio, mas também não se incluía entre os ferrenhos opositores de Vargas.
É este homem que encontramos no meio da crise que se desenvolveu em agosto de 1954 e que, ao final, assumiu a presidência da República.
Orientado e pressionado por forças externas, e necessitando formar uma base governista no Congresso, teve de ceder, e muito, formando um ministério conservador, com forte influência udenista. Salvou-o, pelo menos, a indicação de seu ministro da Guerra. Havendo uma forte cisão na cúpula militar, o resultado de consenso foi a nomeação de um militar apolítico, voltado exclusivamente para suas atividades profissionais, o general Teixeira Lott.
O Ministério ficou assim constituído: Relações Exteriores, Raul Fernandes; Justiça, Miguel Seabra Fagundes; Fazenda, Eugenio Gudin; Agricultura, José da Costa Porto; Educação e Cultura, Cândido Mota Filho; Saúde, Raimundo de Brito; Trabalho, Indústria e Comércio, Napoleão Alencastro Guimarães; Viação e Obras Públicas, Lucas Lopes; Guerra, general Henrique Batista Duffles Teixeira Lott; Marinha, almirante Saladino Coelho (interino), logo substituído pelo almirante Edmundo Jordão Amorim do Valle; Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes. Para chefe da Casa Militar foi nomeado o general Juarez Távora, que, com Eduardo Gomes e Carlos Lacerda, foi um dos pivôs da crise de agosto. Carlos Lacerda impôs um nome para a Prefeitura do Distrito Federal: Alim Pedro, que iria substituir Dulcídio Espírito Santo Cardoso.
In Brasil - Cem anos de República (1889-1989)

por Alma do Beco | 1:07 PM


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