Neuza Margarida Nunes
Meus pensamentos já não cabem nas teias da razão. Antoniel Campos
Armarei ciladas na noite de hoje. É pré-carnaval e na Ribeira uma banda toca. Ensaia, como se fora para aprisionar almas; como se fora para propor infernos.
Preparo meu corpo para uma noite suja de intenções.
Não me comparo a nada: despi de qualquer razão os meus atos. Já não sou afeto: sou carne.
Ardem em mim, consentimentos de ontem, quando fui menina e muitas vezes presa; alimento de luxúrias que não ficaram em mim. Nem em quem de mim fez pasto.
Hoje sou quem tarrafeio. Conheço os cardumes em busca de alimento; faço pescarias com anzóis de encantos mágicos perfumados.
Se hão de censurar-me, censuro-os eu na liberdade que proponho.
Lagos não me satisfazem. Apesar da imensidade, oceanos também repousam em limites: quero a ousadia da água que corre; a ousadia do obstáculo proposto.
Vencê-lo-ei sempre, sou rio: barragens não aplacam a minha fúria. Por isso previnem-se em comportas.
Estou ladeira abaixo e trilhos não sigo: tenho o peso dos comboios de minha idade. Nada me freia nem me conduz. Nem mais sou condutora de mim: sou deriva; Titanic a buscar icebergs.
Se estou louca, não sei. Não me importa a razão.
Não me quero fardo nem arrumo trouxas para viagens frugais: a roupa que visto basta-me como mortalha.
Não quero fantasia. Só me proponho ser coveira num carnaval de entregas: enquanto.
Do pó da cal que me guardas, quero apenas o sal que uso de tua carne.
Barro Vermelho, Natal/RN, 25 de Janeiro de 2005
Com medo de mim mesma