sábado, janeiro 29, 2005

Azul da cor da saudade

AZUL DA COR DA SAUDADE
Yasmine Lemos

Esquina da rua Apodi com Afonso Pena. Domingo desses entrei num bar, onde não costumava freqüentar, mas cresci passando pela sua calçada todos os dias e seus freqüentadores testemunharam minhas modificações físicas, meus passos rápidos e acenos leves. Muitos já "viajaram"...
Entrei sem muita pretensão de ficar. Ali havia muitos vestígios que particularmente não gostaria de lembrar. Mas fui. O ambiente está mudado (pintura, espaço), mas a nostalgia e o clima de conversa é o mesmo.
Não estou me traindo ao falar de um ambiente em que apenas passava na calçada. Mas carregamos (falo agora especialmente de mim) traços físicos e emocionais genéticos e eles me condenam ou me abrem as portas e todas as resenhas contadas naquele espaço, ouvia em casa, talvez 20%, porque a fidelidade dos boêmios é de causar inveja a qualquer casal apaixonado.
Sentei e os olhares pesaram ao meu redor. Rostos antigos, olhares sorrindo ...
O violão começou a tocar e as conversas foram se calando. Já estava mais perto do que imaginava e começaram as perguntas e fui até eles:
- Eu conheço esse rosto...
- Você parece com...
- Você mora aqui perto eu sei...
Quem me acompanhava havia entregado o "ouro" quando disse meu nome.
- Já sei! Você é filha de...
- Menina! Seja bem vinda. Seu pai deixou saudade! E começou, e começou... Já não podia voltar, nem sair. Senti-me mais à vontade. E aceitei, como nunca, minha condição de inimiga da saudade.
Prometi escrever um poema para colocarem na parede. O dono concordou feliz, uma oportunidade para mim, afinal. Onde numa cidade que a maioria fecham as portas.
Fiz o que tinha que ser feito: bebi, cantei, conversei, me emocionei e fiquei de voltar qualquer dia. Não sei. Sonolenta e triste me despedi. Fazia tempo que não sentia apertos de mãos fortes, olhares que não fogem, nem do lugar nem do bar de um azulão que não tem tinta nova que modifique sua cor original deixada nas histórias e lembranças.

por Alma do Beco | 3:24 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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