terça-feira, março 01, 2005

Andanças




Denise Wingerter

Eu estive grávida. Ainda lembro bem dos incômodos da gravidez. A
acidez, o peso, o desconforto físico aliado ao conforto psicológico de
ter aquele serzinho pulando dentro de mim. Os humores e temores, as
oscilações de tristeza e felicidade que a gravidez nos traz. O medo,
medo de errar, de fazer errado, do errado. E a certeza que tudo vai
ficar bem.

Então ela nasceu. E nasceu linda, como a mais linda de todos os bebês
da face da terra, embora as outras mães que mães são não cheguem a
concordar comigo, mas a certeza era minha: a mais perfeita, a mais
linda, a mais bebê de todos os bebês. E eu a achei parecida com
Letícia, que nunca vi nem conheci, mas Letícia. E esse foi seu nome.

E ela chorou. E riu, e teve cólicas, e sorveu o leite que lhe deu
vida, força e alimento. E ela brincou, e recebeu carinho e broncas,
amor e limites, e, de repente, cresceu. Não cresceu assim devagar, de
repente ela cresceu! Já não queria mais só colo. Precisava descobrir o
resto do mundo, as texturas, gostos, cheiros, o desafio do andar, de
correr, de ir à escola, de ter amiguinhos...

E agora, eu olho para ela, pulando - voando - feito seu espírito, num
brinquedo que instalaram no shopping. Imensa, enorme, já não cabe mais
no meu colo, já não pede mais meu beijo, já não precisa mais de mim
como eu agora - pasma e aterrorizada - descubro que gostaria que ela
continuasse precisando.

Vejo-a voar e dar cambalhotas no ar, e me vejo no chão, olhando para o
vôo dela: voa, minha princesa, o mais alto que puder! Estou aqui para
amparar se você cair, e aplaudir a cada cambalhota, a cada salto e a
cada vitória e nova conquista, embora feliz, morro por dentro, de
olhar para trás e achar - sempre achar - que eu deveria ter
aproveitado mais, brincado mais, brigado menos.

Mas depois, eu olho de novo, saio de mim e olho, por cima do ombro, o
horizonte passado. Meus carinhos não foram integrais, todo o tempo,
mas fizeram você se sentir amada e segura. Minhas broncas não foram
tão poucas, mas fizeram de você uma menina educada, atenciosa,
consciente do seu espaço e do espaço alheio.

E olho de novo, agora para o futuro. Ainda tenho muito de minha missão
a cumprir. Ainda tenho muito amor e muita bronca para dar, ainda temos
muito o que aprender uma com a outra, ainda temos uma vida inteira
pela frente, embora eu tenha a falsa impressão que perdi, ainda tenho
muito a ganhar, com novas experiências, novos carinhos, novos
caminhos. Com tantas flores e espinhos de outrora, só que outras
flores e outros espinhos. E vamos juntas, no improviso que é educar e
amar, seguir em frente, sempre em frente.

E chegará um dia que você será mãe, como eu sou mãe. E eu vou poder,
nos meus netos, reviver toda a parte que eu achei que tinha perdido, e
descobrir, feliz e realizada, que não perdi nada, que nós ganhamos
tudo.

por Alma do Beco | 4:36 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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