domingo, fevereiro 27, 2005

Esquinazinha do mundo

Marcus Ottoni

Pablo Capistrano
Escritor, professor de filosofia.
pcapistrano@hotmail.com

Na época em que o dólar estava um para um, em 1995, no auge do plano real,
eu e um grupo de amigos resolvemos juntar uma grana e ir ao Peru. Queríamos
ver a tal festa do Sol em Cuzco. Viajamos de avião até Lima e depois pegamos
um ônibus pela panamericana até Arequipa. De lá, outro até Cuzco cruzando os
Andes numa noite gelada e seca. Nesta época eu achava uma espécie de
maldição ter nascido em Natal. Cidade pequena, metida a besta, com uma elite
provinciana, sem opções culturais, sem perspectivas para um aspirante a
escritor como eu.
Cuzco era linda. Exalava história. Transpirava anos e anos de tradição
cultural Inca. Além do mais era um pólo de atração de malucos de todo o
mundo. Do Hawai até Nova Zelândia o mundo baixava por Cuzco na época da
festa do Sol. Gente em busca de tradição, história, diversão, natureza e
revelações espirituais no teto das Américas. Se tivesse coragem tinha ficado
por lá. Conheci um peruano que morava no Brasil e que, para meu espanto,
odiava Cuzco. Dizia que era uma cidade metida a besta, provinciana, que só
tinha a oferecer aos turistas cocaína, prostituição e uma cultura
inautentica, falsificada e embalada para o consumo. Reclamava da falta de
opções culturais realmente instigantes e da ausência de perspectivas para um
aspirante a fotografo de arte como ele era. Fiquei confuso. Como ele podia
dizer aquilo de um lugar tão legal?
Quando voltei a Natal ouvi a música de Pedrinho Mendes (Linda Baby) no
rádio. Naquele dia eu fiz as pazes com Natal. Comecei a relativizar essa
coisa de se endeusar lugares. Essa coisa de “lá fora tudo é mais legal”.
Percebi que, na maioria das vezes, nossa insatisfação vem de dentro e que,
algumas pessoas nunca gostam do lugar aonde estão. Natal, como Paris, Cuzco
e Mossoró tem seus defeitos e suas qualidades. Tem sua elite metida a besta,
sua falta de opções culturais (será mesmo?), seu provincianismo, mas também
têm seus lugares, suas esquinas, suas pessoas, seu espírito. A música de
Pedrinho Mendes se tornou, para mim ao menos, o verdadeiro hino de Natal.
Junto com a Praieira é a música que mais perto chega da alma litorânea dessa
esquinazinha do mundo em que, por acaso, eu nasci. Pedrinho sorveu, com sua
sensibilidade estética apurada, algo que não se vê. Alguma coisa que se
esconde nessa cidade. Seu canto de amor à Natal vai vai ecoar na memória de
muitas pessoas que, como eu, já ansiaram pela avenida São João e pelo mesmo
padrão que se tem por aí, mas que, de um modo misterioso e inefável,
aprenderam a sentir nas nuvens daquilo que não se vê, no espaço natural
daquilo que não se mostra fácil, as pérolas que essa cidade pode oferecer
(se não são muitas, são, ao menos sedutoras).
Hoje eu aprendi que o inferno e o paraíso são espaços da alma e não
fronteiras geográficas. Pacificar-se com o lugar que você vive pode ser um
bom começo para transformá-lo. Mas se esse estado de espírito é algo difícil
de se encontrar então o melhor mesmo é ir para rodoviária ou o aeroporto. Na
terra, existem uma infinitude de lugares para se viver. Alguns tem oceanos,
outros montanhas, muitas esquinas, vastas avenidas, rios poluídos, grandes
arranha-céus. Alguns tem museus, outros só dunas. Alguns tem clima ameno e
outros vivem sob a influência de ciclones e furacões. Viver num lugar não
pode ser uma sina medonha. Tem de ser uma opção. Pedrinho Mendes me ajudou a
formar minha opção. Se foi a melhor ou a pior eu não sei (também não vou
culpá-lo por isso). O fato é que, mesmo mantendo o sendo crítico, ainda
gosto de viver na minha esquinazinha do mundo.

por Alma do Beco | 7:39 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

.. .. ..

.. .. ..

Recentes


.. .. ..

Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

.. .. ..

A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

.. .. ..

Powered by Blogger

eXTReMe Tracker