Os jornais, vez por outra, noticiam a descoberta de plantações de maconha em terras potiguares, no Seridó e no Alto-Oeste. Essas lavouras teriam surgido, dizem os entendidos (epa!), por conta do assédio da Polícia Federal aos latifúndios do chamado Polígono - ou Triângulo - da Maconha, nos cafundós de Pernambuco, ribeiras do São Francisco.
A atividade, o plantio, o canhameiral, pode ser até novidade para os nossos sertanejos. O uso da droga – pernicioso ou não – é secular. A “erva maldita”, veladamente, por baixo do pano, sempre esteve presente nos sertões nordestinos.
Graciliano Ramos, escrevendo o “Linhas Tortas”, em Palmeira dos Índios, no sertão das Alagoas, afirmava que “nas cidades os viciados elegantes absorvem o ópio, a cocaína, a morfina; por aqui há pessoas que ainda usam a liamba”. “Liamba” é uma das denominações seculares da maconha no Nordeste e tem origem africana. Ly-amba, em Angola, São Tomé e Príncipe. Já “dirígio” (ou “dirijo”) é vocábulo indígena, amazonense, nosso, brasileiro – embora Nei Lopes, pesquisador carioca, tenha acenado ser, “provavelmente”, de origem banta. Ambos, sem dúvida, relativos à cachimbagem dos africanos e à pajelança dos silvícolas, nos seus ricos rituais de invocações às divindades representativas das forças da Natureza.
Nunca misteriosa, sempre perigosa e deletéria, a maconha, noutra modalidade de uso, recebeu na Arábia o nome de “haxixe”. É a resina, a cera extraída das flores e dos frutos (“belotas”). Homero, falando da embriaguês a que se entregavam os citas, faz alusão à inalação dos vapores do cânhamo. Os orientais servem-se do haxixe pitando o narguilé – cachimbo composto de um fornilho, um tubo e um vaso cheio de água perfumada, por onde atravessa a fumaça antes de chegar à boca do usuário. Mil anos a.C., os hindus já consideravam o cânhamo como “planta sagrada”, havendo, no Rig-Veda, alusão a respeito. “Charas”, na Índia, é, também, sinônimo de “costume”. Notável, curioso, é que, no Brasil – aqui mesmo em Natal, nas comunidades periféricas ou nos condomínios de luxo - , qualquer dependente da maconha, com ou sem leitura, sabe que “chara” equivale a um longo, grosso, “substancial” “canela-de-anjo”, um “cheio” !
A sinonímia é extensa: maconha, aliamba, atchí, bagulho, bengue, birra, bosta-de-burro, cabeça-de-nego, coisa, diamba, dirígio, dirijo, dorme-dorme, elba-ramalho, erva, erva-do-diabo, erva-do-sonho, erva-maldita, erva-do-cão, erva-do-capeta, fuminho, fumo, fumo-de-angola, fumo-do-mato, fumo-da-Índia, fumo-selvagem, jererê, liamba, manga-rosa, maria-joana, massa, mato, muamba, mutuca, pacau, palha, pango, preto, rabo-de-raposa, ralfe, riamba, tabana-gira, sariema, soruma e (ufa!) suruma.
Voltando à nossa interlândia, Otoniel Menezes, no seu “Sertão de Espinho e de Flor”, de 1952 (reedição à vista agora, em 2005 ), anotando a palavra “liamba”, citando fontes raras, fidedignas, descobriu que no tempo do Padre Cícero, em Juazeiro, a Meca nordestina, dos muitos “endemoniados e possessos” levados, às vezes até amarrados, à presença do patriarca para a benção curadora , boa parcela estava de “cabeça feita”, patota muito “doidona”. O “Padim”, sabedor da mutreta, do fumacê aloprado, queimou ruim, ruim mesmo...
Laélio Fereira de Melo