quinta-feira, agosto 11, 2005

CLOTILDE, MÁRIO, ANTONIEL

Minha gente,



Como todo mundo sabe, ando viajando desde o dia 2 de agosto.

Já passei por Campina Grande, Patos, atravesssei a serra do Teixeira,entrei em Itapetim, desci para São José do Egito e Tuparetama, e daí passei dois dias em Afogados da Ingazeira.

Seria muita pretensão minha querer descrever em um e-mail o que venho vendo nesse meio de mundo, principalmente depois que que penetrei no sertão do Pajeú, uma região tão linda e tão poética que não dá nempra imaginar.

Mas quero dar aqui uns toques, para vocês terem uma idéia.

Em Patos pisei o solo sagrado do beco do mercado onde, há muito mais de cem anos, ocorreu o lendário desafio entre Inácio da Catingueira e Romano do Teixeira.

Atravessei a Serra do Teixeira, pensando que ia ter medo, mas é pequena em comparação com a serra de Portalegre, no RN, essa sim, geradora de fortes emoções.

Em Teixeira recordei a figura de Franklin Dantas, que junto com meu tio-bisavô Augusto Santa Cruz colocou o sertão em polvorosa em1912.

Em Tuparetama, hospedada na fazenda Pacaúba, desfrutei a principesca hospitalidade de Francisco e Ivone Perazzo; e vi ovelhas e borregos, patos, marrecos, gatos e cachorros, entrei no curral para ver os bezerrinhos mamando, vi os ninhos de joão-de-barro e o grito
das araras, e as vaquinhas me olharam com seus olhos doces. Não vi as onças, que dizem que existem naqueles ermos, mas se tivesse tido uma oportunidade teria ido aos grotões ver uma, pois gosto de gatos e uma onça é somente um gato crescido. Com o fazendeiro, poetei por horas: ele contava uma, eu contava outra, a ponto da fazendeira ameaçar botar uma canga em nós dois e atrelar num carro, porque disse que eu e ele era como Tomé e Bebé.

Em Itapetim, fotografei a casa onde nasceram os Batista: Dimas, Otacílio e Lourival. São Jose do Egito leva a fama mas eles nasceram mesmo em Itapetim, cidade onde todo mundo é poeta.

Em Afogados da Ingazeira, onde o Rio Pajeú faz uma curva, penetrei mesmo na poesia. Aqui ninguém fala: verseja. Em todo muro tem um verso pintado.

Além disso, além das terras, paisagens, ares, plantas e bichos, há o povo, a gente hospitaleira do sertão.

As próximas cidades deste trajeto são Sertânia, Arcoverde e Belo Jardim.

Darei notícias.

Clotilde


A VIDA É BÉLICA


Quando eu era bem pequeno chegava a acreditar que a lua era tão perto que eu poderia até chegar lá com uma escada. Mas, quando fui à escola e aprendi a geografia, descobri a distância que entre nós existia. Isso foi só o começo, foi a minha primeira descoberta, onde eu aprendi a sonhar e ficar dono das estrelas. Tempos depois conheci uma coisa chamada de Mapa.
Ele era colorido e estava em um livro chamado Atlas. Nele, tinham os continentes, os países e as cidades. Cada pedaço disforme tinha uma cor e um nome, e, eram divididos por linhas e oceanos. Em cada pedaço de desenho daqueles mapas, ensinaram-me, que havia habitantes, pessoas diferentes de mim. Foi difícil entender que aquelas mesmas estrelas que eu pensava serem apenas minhas, também eram vistas por toda gente que morava dentro
daqueles desenhos. Até chegar a conclusão do que significava ser América do Sul, Brasil e Rio grande do Norte, tive que estudar e decorar muitas guerras. Era já a história complementando a geografia. Eu não concebia, não gostava de aprender nome de gente que matava índios e escravizava negros. Não queria saber daquelas histórias de pessoas que vinham de outro mapa invadir o mapa dos outros. Eu só pensava em meus sonhos, não queria saber daquele passado mórbido, e nem tampouco do futuro. Queria apenas ser
aquele momento de vida, mas, eu tinha que aprender aquelas guerras, decorar aqueles nomes e aquelas datas para poder ser aprovado no ano letivo.
Hoje, acho absurdamente terrível terem me avisado de que existiu um Hitler, uma devassidão chamada de holocausto, e uma fogueira chamada de inquisição. Acho agressivo terem apresentado-me falsos heróis, falsos mártires, sem antes terem me avisado que também existiram, Chopin, Mozart, Bach, Beethoven e Ghandi. Qual o motivo de terem ensinado-me guerras antes da arte?
Meu pai foi combatente da Segunda Guerra Mundial. Ele tinha um isqueiro Zippo, óculos Ray-Ban, e muito medo de uma doença chamada sífilis. Ele me contava histórias assombrosas da guerra, e falava também do progresso que a guerra trouxe para a cidade do Natal. Eu achava esquisito. Guerra e progresso não combinam. Meu pai também me contou que um piloto escritor que escreveu o famoso livro chamado “O Pequeno Príncipe”, na guerra, sobrevoou o nosso Rio Potengi e registrou em um de seus livros o magnífico pôr-do-sol de Natal. Nunca nenhum professor meu, me falou sobre isso. Só falavam das guerras!
Enquanto eu acreditava que o mundo era igual, fui crescendo e entendendo que para se ir de um mapa para o outro, eu teria que ter um passaporte. Se tentasse botar meu pé após aquela linha que dividia um lugar do outro, eu poderia ser preso. Se, eu não tivesse aprendido a acreditar nessas linhas divisórias, consequentemente, também não teria aprendido a criar
territórios dentro da minha própria vida, da minha própria casa. De tanto ensinarem guerra, a gente termina virando estrategista, passa a procurar inimigos invisíveis, e, a criar, impulsivamente, uma xenofobia nacionalista, bairrista e imbecil. Penso que é por isso que hoje tenho tanto repulsa as potências mundiais. Luto comigo mesmo para não generalizar, pois nada tenho a ver com a guerra deles. Eu sou cidadão do mundo, não pertenço a um mapa só. Já tive a experiência de visitar outros lugares, outros povos, outras civilizações, e, mesmo com a dificuldade da comunicação devido à língua, fui capaz de sentir afeto, carinho, amor e amizade das pessoas que conheci, independente do mapa onde elas moravam.
Meu coração é cosmopolita simplesmente pelo fato de ser humano e filho de Deus. Então, não matemos em nome da raça, em nome de um território, em nome de um lugar.
É muito complexo absorver como um cidadão pode atirar em outro que ele nunca viu antes, não sabe quem é, apenas por ser de um país inimigo.
Queria não fosse verdade, mas foi na escola onde aprendi que pessoas matavam pessoas. Eu pensava que pessoas só morriam de doenças e acidentes.
Foi na escola onde me ensinaram que a vida é bélica. Foi na escola que destruíram o meu mundo de sonhos e paz, que me ensinaram a desconfiar da humanidade. Ainda bem que eu sou poeta, desde aquela época em que peguei aquelas estrelas para mim, lembram? Ainda bem que hoje, apesar de tudo isso, eu consigo dividi-las com quem quiser tê-las. Ainda bem que consegui transformar guerras em poesia, e vivo mais aliviado, menos tenso para poder orar pela sobrevivência, pela criação, pela vida. Talvez, se escondessem essas guerras da história, a geografia poderia ter um só mapa.
Todas as guerras da história foram por causa da geografia.
Esta é a minha pequena história crônica. Se vocês gostaram contem aos seus filhos, eles merecem sonhar como eu. Nunca digam a eles que existe um Saddam e um Bush, digam apenas que existem os poetas, os soldados da palavra. A palavra é a única arma que todos têm o direito de usar.

Mário Henrique Araújo



Palabras


menos calo
pouco fico
muito digo
nada falo

tudo parto
menos perto
pouco longe
nada falo

falo calo
digo perto
longe fico
muito parto

menos pouco
muito nada
longe perto
digo falo

perto muito
fico tudo
longe nada
pouco parto

tudo tudo
perto perto
longe menos
menos, nada.

Antoniel Campos

por Alma do Beco | 9:01 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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