terça-feira, agosto 09, 2005

BANHO DE LUA-CHEIA

Ilustração: Léo Sodré, Foto: Karl Leite
Foto Karl Leite


COM A PINIMBA DE FORA

Ói aqui, macacada.

Num adianta desarná na ''grafitagem'' e nem soletrá na tabuada do politicamente correto, apois isso é frescuragem de gente ''xananinha demais da conta'' e cheia de ora pru nóbis.

Qualé o pó, hem povim amostrado?

Ficaram todos de bico calado e com o galho dentro quando o patrão - por motivos econômicos e não de "segurança" - tirou a catraca da traseira e meteu na dianteira da lotação. Agora, tão tudim butando queixo e criando causo por quinze centavos a mais?

Sostô essa fubana véia do pós-guerra... foi uma das premeiras qui butou o povo pra andá de revestrés dentro dos õimbus e ninguém deu uma bufa de protesto. Quano é agora, vão tudo barrê rua e alevantá poeira nos "Cantões'' do Grande Ponto pra mode dá na vista do povo.

Se vocês são assim, tudo atirado a furico de satanás, entonces arranquem novamente a cabeça de Kennedy da praça em frente ao Ducal e mandem de presente pra moleca de recado do Jorge Bucho, junto com um cacho de mangará e uma penca de pacova.

E aí...vão aliviá e livrá a cara da negona americana, hem?

Quero vê só quem me empata de apelidá de Condoleza uma soim danisca lá do horto Dois Irmãos, no Recife véio guerra. Se a gloriosa Associação Atlética Ponte Preta é chamada carinhosamente de ''macaca campineira'', porque cargas d'água essa afilhada do Tio Sam num pode sê chamada de ''macaca de Uóxiton?''

Quem diabos vai conseguir calar um estádio entupigaitado de argentinos, todos gritando ''macaquitos...hu- hu-hu-hu!!!"

Derna de pixototim qui meu pai me dizia: "se ligá pra apelido, reiou-se!"

Agora, vão me cabuetá pra Lucifé, pro polidoro da esquina, pra mãe de Saprico, pra bexiga taboca, pros marines americanos, pros escoteiros do Alecrim, pra Migué Cabrobó, pro bispo de Taipu, pro Padre Eimá, pra dona Noilde da Doméstica e inté pra ''fia da guvernadora'', qui agora só véve fazendo poema no beco e tomando chamada com tira-gosto de farinha e percoço de frango lá no boteco do Majó!

Taí a continuação da ''pinimba de canguleiros e xarias'', seja no inferno, no céu, no purgatório ou no Sanatório da Imprensa.

Ou será qui pra escrevê minhas cantilenas e loas ou mermo fazê quadrinha, sextilha e dez pés de martelo, eu tenha qui pagá patente e pedir pinico pro povo da Paraíba?

Como já dixe o filósofo alemão bigodudo e dos zóios abuticados:

Moro em minha própria casa,
nada imitei de ninguém
e ainda ri de todo louco

Rocas Quintas



Eu era feliz...



Existem frases que marcam uma época, mas que depois, pelo seu alcance,
tomam o rumo da eternidade. Uma dessas é a do compositor e cantor Ataulfo
Alves, que um dia disparou no meio de uma melodia: “Eu era feliz e não
sabia”. É claro que, para alguns, essa frase não teve e não terá o efeito
por ele imaginado. Muitos nasceram na mais completa miséria, não tiveram
família mas, mesmo assim, conseguiram superar os obstáculos e, hoje,
ocupam um lugar ao sol. Estudaram, casaram, tiveram filhos, melhoraram de
vida e o passado, para estes, é algo para esquecer. Seus filhos não
passarão o que eles passaram.

Quando Ataulfo eternizou aquele lamento, ele se referia apenas à inocência
que ainda habitava nossos corações, quando uma simples bola de futebol ou
uma boneca eram motivos para noites em claro de tanta felicidade. Nossa
lembrança daquela época é pontilhada de momentos felizes, puros, mal
distinguidos entre a realidade e a fantasia - tão comum na nossa infantil
e fértil imaginação. Inesquecíveis. Como não lembrar da família unida em
torno de uma mesa comemorando o Natal, com direito a peru assado e
ervilhas, além de presentes como sobremesa? E os afagos dos pais e irmãos
mais velhos que nos deixavam a certeza de que tudo aquilo seria para
sempre? O desconhecimento da dor dentro da alma, da solidão, da tristeza,
fazia de nós os próprios heróis das revistas em quadrinhos que povoavam
nossas cabeças. Isso era felicidade! Tranqüilizantes e antidepressivos não
constavam nos nossos vocabulários. Eles estavam contidos no ar que
respirávamos.

Hoje, alternando momentos de amargura e de felicidade, paramos para
refletir sobre a vida. Olhamos nossas cicatrizes interiores, provocadas
pelos desencantos da vida, feridas curadas à base de amor e luta, e
voltamo-nos ao passado. Pouquíssimos de nós, creio eu, não sentem saudades
quando o fazem. Não é para menos. Hoje, as famílias nas noites de Natal já
não se reúnem mais. Afinal, há lugares vazios, pois muitos já partiram.
Uns com precocidade. A bola de futebol e a boneca se transformaram em
compromissos – quase sempre inadiáveis e criados por nós nesse insano
cotidiano. E os afagos, ah! Os afagos! Esses não passam de vagas
lembranças que nos apertam o coração, já que algumas daquelas mãos não
mais existem. A dor dentro da alma, a solidão e a tristeza agora andam ao
nosso lado. Vingativas! Como se nos estivessem cobrando por aquele período
em que nós simplesmente não lhes dávamos a menor das atenções. Na verdade,
nós as ignorávamos.

Particularmente, a vontade que toma o peito neste exato momento é de,
literalmente, me embriagar e tentar, envolto pela névoa da embriaguês,
voltar ao passado. Ao colo de Emilio Salem, meu pai, ao convívio com
Emilinho, meu irmão, e a desfrutar da doçura de Bebete, minha irmã.

Gosto de beber whisky, mas amargo como estou, só entra Campari.

Minervino Wanderley



Desenterrando Marx



Lembra daquele livro velho de Marx que seu pai, avô ou algum conhecido enterrou no quintal de casa na época da ditadura? Pois é. Está na hora de desenterrá-lo e dar uma boa lida nele. Não falo do Marx agitador político do Manifesto Comunista, nem do hermético pensador econômico que escreveu O Capital. Falo do Marx filósofo. O sujeito que doutorou-se em filosofia com uma tese sobre o cruzamento teórico de dois filósofos clássicos, Demócrito e Epicuro. Esse é o Marx que pretendeu reformular a metafísica da história que Hegel empurrou goela abaixo do ocidente no começo do século XIX.

Mas por que desenterrá-lo agora? Porque só repensando Marx é que vamos entender a sinuca de bico na qual o PT se meteu. Nascido sob a confluência de três vertentes políticas significativas (a Igreja, os Sindicatos e a intelectualidade universitária paulista) o PT começou sua história como um bom e velho partido marxista e acabou assumindo de modo descuidado a metafísica de Hegel. Entender como isso aconteceu é fundamental para a esquerda brasileira retomar seu caminho. O PT apareceu como um partido que se arrogava à tarefa de ser o porta-voz de um sem número de movimentos sociais. Do movimento sindical aos sem-terra. Das pastorais operárias aos grupos da sociedade civil que lutavam pela defesa dos direitos das minorias políticas. Ele deveria ser o braço político de uma reforma social que caminharia pela base da infra-estrutura econômica e social do país. A tal revolução deveria acontecer independente da vitória nas urnas, porque Marx, colocando pés em Hegel e virando-o de ponta à cabeça, entendia que não é atuando no corpo do Estado que se modifica uma sociedade, mas sim agindo, como as formigas fazem, pela base. Sabotando a lógica econômica que institui a dissolução do homem no altar da máquina de reproduzir ilusões do capital. O PT começou a perder o fio da meada da sua história quando começou a ficar maior do que os movimentos que lhe geraram. Quando trocou o projeto de reforma social pelo projeto de apropriação do Estado.

Então o PT caiu na armadilha de Hegel e vendeu a idéia a seus militantes e a sociedade civil que, ganhando a presidência da República, poderia implementar as reformas sociais que pretendia fazer. Mas não se muda uma sociedade de cima para baixo. Não é materializando o espírito absoluto no corpo Estatal que vai se quebrar o truque da alienação do trabalho e da produção de riquezas do capitalismo. O PT acabou usando os movimentos sociais que lhe legitimavam para chegar ao poder e acabou enfraquecendo a proposta de reforma social que lhe deu origem.

Não foi o PT que contaminou o Estado nacional com seu ideário político. Foi o Estado nacional brasileiro, com seus vícios históricos, que arrastou o PT para longe de suas próprias utopias. Graças à filosofia nunca fui petista. Hoje é fácil escrever esse artigo porque é bem mais simples entender a história depois que ela acontece. Mas refletir sobre os deslizes conceituais que montaram a tragédia que o Brasil vive hoje é uma tarefa da qual não posso me furtar. Se há uma saída para a crise da esquerda brasileira ela está na releitura de suas bases filosóficas. Hoje eu percebo... Deveria ter votado em Serra. Não porque acho o PSDB grande coisa. Meu tio, Antônio Capistrano (ex-Vice Prefeito de Mossoró), já alertava na época da eleição de 2002, que a pior coisa que se faria com o PT era deixar que ele governasse o país. Porque o Estado, não é um animal doméstico. É uma fera selvagem, que tritura e devora, na mesma vala comum de miséria moral, aqueles que ousam se aproximar de suas garras. Mas toda crise é uma benção, porque nos indica que temos que abandonar o cadáver de nossas crenças já velhas e trocá-lo pela inquietante lufada de ar do imponderável. Viva o futuro! Nunca é tarde para recomeçar e, como diz Gabriel, O Pensador, nenhuma rua é sem saída quando se sabe olhar para trás.

Pablo Capistrano



CASA DE DETENÇÃO



A brisa bate no ferro
da tua grade,
na grade
da tua cela
onde por lei
trocastes
a liberdade
pela vida
que tirastes.

O barulho
longínquo e surdo
da onda
que se espraia
na areia
como se o mar
viesse a ti
indiferente
à lua
que o prateia.

E a bruma
e a brisa
e a lua
e o mar
companheiros de cela,
e do ferro
que a maresia
não come,
que a água
não molha,
mas que,
o visual
diz tristeza
diz dor
e te mostra
solidão.

Chagas Lourenço



Ovos de ferro



Depois de um longo período como bancário do Banco do Brasil, finalmente Minervino iria realizar o sonho de sua vida, tornando-se um empresário. Resolveu montar uma granja de galinhas de raça puríssima, e depois de pesquisar na internet e consultar muitos especialistas, optou pela raça “Plymouth Rock Barrado”, que tinha a característica de ser totalmente xadrez e robusta.

Sonhava com os prêmios que iria ganhar nas exposições do setor em todo o país e começou a procurar uma área para montar sua granja, que teria que ser numa região tranqüila para que as galinhas pudessem crescer em paz. Um lugar onde não houvesse grandes variações climáticas. E, depois de percorrer praticamente todo o Rio Grande do Norte, optou pela região de Touros, depois que descobriu ser um dos locais, no mundo, onde ocorria uma das menores variações de temperatura, que segundo seus estudos oscilavam anualmente menos de um grau centígrado.

Comprou uma pequena fazenda, fez as obras necessárias para adaptar as galinhas que estavam vindo da Inglaterra - cerca de quinhentas matrizes - , construiu uma casa, escritórios e passou a esperar o aviso do importador, para ir buscar as “bichinhas” no aeroporto.

Sem ter o que fazer, enquanto esperava a chegada das habitantes da “Fazenda Beatles Rock Barrado”, passava os dias tomando uísque e fazendo as contas de quantos pintos iria vender anualmente. Chegou a conclusão que se não houvesse nenhum inconveniente, como doenças, ficaria rico em poucos anos. Mas, estava contrariado com a demora. Amaldiçoou os entraves burocráticos de importações e quase se arrependeu de ter mandado busca-las na Europa. Poderia ter comprado suas matrizes no Brasil, mas como era excessivamente desconfiado, queria ter certeza de ter adquirido um lote de sangue absolutamente puro.

Num domingo chegou o aviso do importador: as galinhas estavam no aeroporto aguardando que ele fosse buscar o quanto antes. Sem perda de tempo e tomando todos os cuidados necessários, trouxe-as para a fazenda, instalando-as, conforme tinha estudado, da melhor forma possível. “Pronto, – pensou – agora estou estabelecido. Tenho minha fazenda e minha criação.”

Passaram-se alguns meses e nada das galinhas colocarem um único ovo. Apesar do árduo trabalho que os felizes poucos galos estavam tendo, nada. Ele somente gastava com ração e a explicação dos técnicos que contratou era de que isso ocorria devido ao estresse da viagem, que durou muitas horas.

Minervino, nervoso, pesquisava profundamente sobre o assunto na internet. Tentou de tudo. Até colocou caixas de som nos galinheiros com músicas dos Beatles, mas nada deu resultado. “Um fracasso – pensava. O que vão dizer de mim, depois de toda essa trabalheira? Bem que disseram que eu fosse criar bode no Seridó”.

Um dia, quando ele menos esperava, todas começaram a colocar ovos. Centenas. Ele quase não acreditou. Ligou para os amigos, comemorou, fez festa e dormiu bem pela primeira vez em muitos meses.

Na manhã seguinte, ao raiar do dia, contente, saiu para apreciar sua criação. Quase morre, depois de verificar em todos os galinheiros, que todos os ovos haviam sido bicados pelas galinhas. Todos! Desolado voltou cabisbaixo para consultar novamente os técnicos no assunto. Depois de muitos telefonemas, descobriu que algumas galinhas, não se sabe porque, têm esse hábito. Mas logo as suas! E todas!

Como não tinha mais o que fazer, resolveu tomar “todas” num bar próximo. E, depois de alguns uísques e de comentar o seu infortúnio para alguns amigos, alguém sugeriu que as penosas fossem submetidas a um treinamento para pararem de bicar os ovos. O esperto sugeriu que ele conseguisse alguns ovos de ferro, pintasse de branco e colocasse no galinheiro. Garantia que depois de umas bicadas no ferro duro, as galinhas fatalmente deixariam de quebrar suas posturas. Minervino concordou:

-Tem sentido. Vou providenciar imediatamente alguns ovos de ferro. Elas vão aprender.

No outro dia, vai a Natal, diretamente para o bairro da Ribeira, onde existiam muitas lojas de ferragem. Entrando numa, de um velho conhecido comerciante, é cumprimentado por ele, que vem atendê-lo encurvado, apoiando-se numa bengala.

Minervino estava eufórico e sem dar muitas explicações ao seu velho conhecido, foi logo perguntando:

-O senhor tem ovos de ferro?

O velho coça o seu longo bigode, já acostumado com muitas perguntas e histórias impertinentes da velha Ribeira e responde com tranqüilidade.

-De jeito nenhum, meu filho. Eu ando encurvado assim devido a um velho problema de coluna...

Leonardo Sodré





versos de circunstância

escuto piazzola manhãzinha
já que há muito partiram
os bem-te-vis

e a ausência em ondas se
desdobra e à varanda
que náufraga

espelha todo o quanto de
mim quase sem sentir
eu me perdi.

haverá barco que à guisa de
varanda a mim resgate
se um dia

ao pinheiro e às manhãs por
mero acaso retornarem
os bem-te-vis?

Márcia Maia



Esta é uma Pátria! O Brasil é uma Pátria!



É mais do que uma Nação! Mais do que um Território! Mais do que um Povo!

Todos estes elementos são necessários, mas não são suficientes para formar uma Pátria. É preciso mais! Uma Pátria é como uma família, uma grande família. E para formar uma boa família, é preciso Amor: amor pela Terra, amor pelo Povo e amor pela História. O amor pela Terra se traduz pela defesa da mesma. O amor pelo Povo, pela responsabilidade com as pessoas que o formam. O amor pela História, pelo reconhecimento de todos os que nos precederam.

Pátria é mais do que a classe política! É mais do que as eleições! É mais do que o voto! Estes elementos, para formá-la, são necessários, mas não são suficientes. É preciso mais! Uma Pátria é formada de pessoas com diferentes condições, mas com o mesmo objetivo: viver melhor. Como uma grande família em que uns, eventualmente, possuem mais do que outros, mas todos se ajudam. É preciso, portanto, que os políticos representem os partidos, as classes, os interesses, e que alguém represente, física e pessoalmente, o Povo. Alguém cuja representação e importância ultrapasse o período eleitoral, e cuja responsabilidade com o Povo seja diuturna, perene e natural. Alguém que não seja de nenhum partido, mas que os observe a todos, visto que é o Povo. Alguém que não possa ser prejudicado pela incerteza do voto. Voto que, tanto vale para eleger o bom quanto para eleger o mau. Por si mesmo o voto não tem qualidade nenhuma, mas tem o poder de manietar uma Nação, pois pode servir para os maus, os incompetentes, e penalizar o povo por um longo tempo.

Uma Pátria é bem mais do que a Economia! Mais do que o Agro-negócio! Mais do que o PIB! Tudo isto é necessário, mas não é suficiente. Para formar uma Pátria é preciso mais! É preciso confiança na pessoa que está ao nosso lado. É preciso saber que os fatores acima são resultado do sucesso do trabalho conjunto, e que o este é uma questão de vontade coletiva. Da vontade de vencer. Da vontade de ser grandioso como Povo. Vontade de ser uma grande família. Para existir sucesso é preciso a confiança que existia entre si nas grandes e antigas famílias extensas. É preciso saber que alguém, permanentemente, zela pelo Povo, pela família e pelas virtudes das gentes. Alguém que, mais do que os outros precisa dele, do Povo!

Uma Pátria é mais do que o Presidencialismo! Este, não é suficiente para formar uma! E muito menos é necessário! Em um mundo onde o dinamismo da multiculturalização e da interdependência econômica força adaptações rápidas e prementes; onde não há lugar para que os erros sejam consertados pela inércia e pela pasmaceira; onde não existe uma segunda chance de recomeçar; nesse mundo, é preciso capacidade de mudança de rumo sempre que necessário. E cada vez mais será necessário. O sucesso estará com o mais ágil em acompanhar os tempos. E acompanhar os tempos é saber que se devem tomar as medidas antes que aconteçam os fatos. É colocar a tranca antes que arrombem as portas!

Esta é uma Pátria! O Brasil é uma Pátria!

Ver o Brasil voltar a ser uma Pátria é mais do que um sonho, está mais perto do que nunca, pois existe uma chance para que isto aconteça. Fazer do Brasil uma Pátria é mais do que uma Promessa, pois há um enorme cabedal de sucesso, no passado, a garantir que sejam retomadas a grandeza e a dignidade nacional que já teve um dia. E o Brasil voltará a ser uma Pátria novamente, após 115 anos de desastrosa experiência republicana. E, diga-se, a experiência começou mal! Começou por um golpe militar. Como poderia ter dado certo! Aquele dia - 15 de Novembro de 1889 – foi fatídico para o Brasil. Nele, com a deposição de D. Pedro II, o Povo deixou de governar! E instalou-se o caos, a insegurança, o desamor pela Pátria.

Por quê ficou esquecida essa nossa Pátria? Porque a História foi modificada, e os heróis conspurcados, pois a única maneira de esconder a verdade do fracasso da república foi desqualificar aqueles a quem ela tinha derrubado pela força bruta, militar, autoritária. Assim, hoje, para se garantirem, ensinam aos jovens o desrespeito aos antepassados. Fazem com que se sintam envergonhados de uma Pátria que emocionava o Povo. Ora, e por que fazem isto? Porque morrem de medo do retorno daqueles que verdadeiramente amam esta Pátria. Esta verdadeira Pátria, esta grande família que ainda persiste na mente, no coração, e na saudade subliminar, dos brasileiros.

Walner Barros Spencer



A CADÊNCIA FINAL



"Nasci ás dezenove horas. Portanto, quero que tudo acabe no mesmo horário."

O Liebestraum número 3, em Lá bemol, de Liszt toca suave na vitrola do quarto.

"Fiz quase tudo que quis na vida", disse o rapaz para o médico, que sentava próximo ao seu leito, em um hospital em Calcutá, na Índia, "...me arrependi algumas vezes, outras não. Não irei me arrepender desta decisão. Ah, não! Desta eu não irei!" Fechou os olhos e respirou fundo, como se fosse esforço demais deixa-los abertos. "Além disso, estou pagando!"

"O problema, meu rapaz, não é quantas rúpias terá de me pagar. O problema é outro..."

"Qual?"

"...o arrependimento."

"Bobagem."

"È típico do egoísta....", retrucou o médico, ajustando os óculos. "O arrependimento nem sempre atinge aquele que o provoca, rapaz."

"Quando eu era criança, por volta dos meus nove ou dez anos, fugi escondido no vagão de um trem, daqui até Bombaim. Atravessei toda a Índia. Sozinho. Tive muito medo, mas fiz assim mesmo. Passaram-se vinte anos, e ainda lembro da jornada."

Uma nova música começa a tocar, Debussy , Clair de Lune.

"Aprendi muito, doutor. Com o passar dos anos, aprendi bem mais sobre aquela viagem. Afinal, eu era muito jovem para entender meu povo, sua diversidade, as religiões. Conheci budistas, hindus, protestantes, islâmicos e até católicos. Conheci o desconhecido porque tive coragem. Coragem, doutor. Essa é a palavra."

"È bom poder ouvir o relato de uma experiência, direto da boca daquele que vivenciou o momento, mas o que você deseja fazer, não lhe dará essa oportunidade, entende?"

Os dois se entreolhavam com atenção.

"Mas trata-se de coragem, doutor. Coragem, entende!?"

"LOUCURA!!! Como posso apreciar sua coragem, sua experiência, se não ouvirei diretamente de você, o relato da jornada que deseja fazer?"

O jovem pausou pensante. O espírito aguou-lhe os olhos. O singular efeito de uma fraca gota de lágrima revelou sua emoção. A sua direita, a maquina improvisada de soro. Sobre a mesa, a solução a ser usada, as bandejas de aço inoxidável com algodões e agulhas.

"Será mais uma experiência doutor. Mais uma decisão que posso fazer, enquanto tenho a plena e sã consciência dos meus desejos. Tenho pouco tempo. Mas tenho o poder de decidir por mim", falou firme. Em seguida, respirou fundo, repondo o ar aos pulmões.

O doutor levantou e andou em círculos pelo quarto por algum tempo. Mãos para trás, fitava o chão com profunda contemplação. Dirigiu-se até o equipamento, e sem preâmbulo, sentou e iniciou todos os ajustes e dosagens.

A penumbra da noite chegou rápido.

O relógio de parede lia dezoito e cinqüenta.

"Coragem, doutor!", incentivava o rapaz.

Por alguns minutos, ouvia-se apenas as melodias vindas da vitrola.

"Segure esse controle. Quando você estiver pronto...", tossiu repetidamente procurando procrastinar o inevitável, "...aperte o botão preto para liberar a solução", Falou o doutor instruindo o rapaz. Cruzou os braços, e recuou três passos.

As primeiras gotas escorreram pela cânula virgem com rapidez, entraram na agulha e seguiram de veia adentro. O jovem olhou apático para o doutor, até que veio o primeiro espasmo e os olhos se arregalaram. Enquanto uma das mãos agarrava firme a lateral do colchão a outra se entendia trêmula buscando consolo.

Na vitrola a melodia triste do Impromptu número 1, em Dó menor, de Schubert, trazia em sua cadência, ritmo análogo ao da frágil vida que se exauria em gradativa lentidão, sobre a cama do hospital.

"Desejo apenas uma resposta", o doutor se apressou na pergunta sacudindo-lhe os ombros "o que sente agora, coragem, ou arrependimento???"

Silencio.

Charles M. Phelan



O MATUTO MUTILADO



Um sujeito era noivo,
munto bem apessoado,
pobre mais bem educado,
bom papo, bom cumpanhêro.
Fugindo da sêca braba,
do interiô nordestino,
êsse cabra, seu menino;
foi p'ro Rio de Janêro.

Lá no Ríi, já empregado,
certo dia, dispricente,
sofreu um grave acidente,
no quá ficô mutilado.
Foi uma grave fratura,
num vortaria ao normá.
Teve êle, lá no hospitá,
a perna e o pé amputado.

Foi um trabáio danado,
p'ro cumpetente dotô.
A amputação, meu sinhô;
foi arriba do juêio.
Um choque fela da gaita,
para o nosso personage,
quando viu a sua image,
rifritida no ispêio.

Mais forte qui nem um tôro,
matuto, cabra da peste,
ao seu povo, no nordeste,
nunca mandô avisá.
Pensô: Eu só vô contá,
a minha situação,
quando vortá p'ro sertão,
no dia qui eu fô casá.

Cunvaliceu totaimente,
butô prótese muderna,
adonde num tinha a perna,
no lugá da amputação.
Nosso querido matuto,
in grande contentamento,
no dia do casamento,
viajô inté de aivião.

Dispôi da recepção,
fôro prá lua de mé.
A noiva, lá no hoté,
foi logo a rôpa trocá.
Êle intonce, tirô a perna,
butô debaixo da cama:
Meu amô, seu bem lhe chama,
venha logo se deitá.

Butô no iscuro, a mão dela,
onde só tinha o catôco.
Falô prá ela, já rôco:
Diga, minha fía; qui tá ?
Ela dixe: É de lascá!
Coisa grossa é minha sina,
mais cum jeito e vaselina,
pode inté dá prá entrá!...

Bob Motta


INSTINTOS PRIMITIVOS



O olhar de Roberto Jefferson irradiava um brilho de esfinge no momento em que, dirigindo-se a José Dirceu, saiu-se com a célebre frase: "Vossa Excelência provoca em mim os instintos mais primitivos". Sem palavras, Dirceu retribuiu o afago com um sorriso monalísico pintado com todo cuidado para evitar rugas. A tradução do sorriso, segundo as cassandras tucanas, foi dada em Pernambuco por Luiz Zagalula da Silva: "Com ódio ou sem ódio, eles vão ter que me engolir".

As emoções do espetáculo Jefferson versus Dirceu lembram a época romântica do parlamento brasileiro, quando os deputados Carlos Lacerda, jornalista proprietário do "Tribuna da Imprensa", e Ivete Vargas, sobrinha do presidente Getúlio Vargas, trocavam afagos no plenário da Câmara. "Vossa Excelência é um purgante", exclamou Ivete certa vez, em aparte a Lacerda, que, de chofre, como diria o poeta Marcos Ferreira, devolveu a carícia: "E Vossa Excelência é o efeito".

Noutra oportunidade, conforme relato do publicitário Carlos Brickmann, no livro "A vida é um palanque", a doce Ivete adentrou o plenário "aos gritos de filho da puta". Faltou com o decoro, pois deveria ter respeitado o Regimento Interno e pedido autorização ao orador a fim de aparteá-lo. Outra coisa, na Câmara ninguém chama o colega assim, na lata, de filho disso ou daquilo. O correto é seguir a etiqueta e declarar com todo respeito: "Vossa Excelência é um filho da puta".

Por coincidência, era Carlos Lacerda quem estava com a palavra, cumprindo o dever cotidiano de massagear a lombada presidencial de Getúlio Vargas, com um repertório invejável de adjetivos, na hora em que Ivete resolveu entrar em cena. Lacerda, também chamado de "O Corvo" pelos adversários e de "A Ave" pelos correligionários, lamentou a impossibilidade de ser o filho de tão simpática senhora: "Vossa Excelência é muito jovem, não tem idade para ser minha mãe".

No caso Jefferson/Dirceu, o decoro e a etiqueta foram preservados, mesmo durante o instante de maior tensão, quando a redundância dos instintos primitivos cruzou-se com o sorriso lascivo do lagarto. Tenho a impressão de que todo instinto é primitivo, mas deixo essa análise para meu amigo Capitão Caverna, filólogo-mor das terras potiguares. Talvez tenha sido um mero artifício retórico inspirado em Sade, para disfarçar o profundo e simultâneo sentimento de gozo e dor.

Do ponto de vista aristotélico, esses instintos significam receber propina de forma automática, sem auxílio da razão. Darwin defenderia a tese de que os fatores inatos determinantes da conduta do sujeito associado ao esquema do mensalão recebem estímulo do meio e a ele se adaptam. José Simão, por sua vez, jura que "Instinto primitivo ou é sexo ou é sangue!" e registra em letras garrafais: "Eu repilo os instintos primitivos de Vossa Excelência!". Vote, diabo, e eu também!

Cid Augusto


por Alma do Beco | 11:03 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

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