quinta-feira, maio 05, 2005

ZÉ ALEXANDRE, 80 ANOS

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PERUZINHO


Olívio chegou ao Brasil em 1921, em companhia de mãe e irmã, a chamado de seu Silva, irmão mais velho, famoso sorveteiro dos idos de 30 nas calçadas do Majestic e Royal Cinema.

— Quem nunca tomou sorvete feito por seu Silva não sabe o que é sorvete, relembravam os saudosistas.

— Não eram essas essências de hoje. Dava gosto tomar uma casquinha. Você sentia o sabor do abacaxi, do maracujá, do caju, da baunilha.

Enéas Reis, da Sul América e do Cinema Rex, chegava e pedia:

— Seu Silva, bote aí vinte minutos de sorvete.

E passava nos peitos quantas casquinhas viessem naquele espaço de tempo.

Só o próprio seu Silva não dava valor ao seu produto, como certas cozinheiras que produzem manjares celestiais e não provam um pedaço sequer do que fazem. O que ele apreciava mesmo era a branquinha. Aí, sim, ele dava o devido valor.

— Se eu voltar pra Santa Terrinha, fico rico em dois tempos, só vendendo cachaça, sonhava, esquecido dos tintos, dos brancos, do Macieira.

Mas como ia dizendo, Olívio era natural de Peruzinho e nada mais compreensível que, assumindo o negócio, colocasse o nome do seu torrão como endereço telegráfico da firma, gravado em letras vistosas nos papéis de embalagem que mandara confeccionar.

Alguns queriam saber a naturalidade de quem nascia em Peruzinho.

— Pirulista, assegurava Moisés Villar, como se acabasse de consultar Aurélio Buarque de Holanda.

— Impossível! Soltava-se Mozart. E com dupla intenção:

— É frango de peru. Ninguém nasce peru. Vai crescendo aos poucos. Portanto, quem nasce em Peruzinho é frango.

Um dia, depois de visita à lusitana terra em missão cultural, Cascudo soltou a bomba em pleno salão:

— Olívio, percorri Portugal de Ceca à Meca e não localizei Peruzinho.

Ninguém sabia se era verdade ou brincadeira do mestre para bulir com o portuga.

— Foi tragado pelo rio Tejo, logo que Olívio saiu de lá, descarava Moisés, a seriedade em pessoa: eu li nos jornais.

— Nunca! Agora era Eider Reis quem entrava na querela. Quando Olívio deixou Portugal, o rio Tejo ainda era olheiro d’água.

Outro luminar se manifestava.

— Lá, é fácil se saber se o filho é legítimo ou não. Se fizer glu-glu, é legítimo. Se não fizer, o marido vai entregar a mulher ao pai da moça. Era Múcio Teixeira, o Múcio Caninha, que dissertava do alto da sabedoria da quinta dose.

Foram precisos muitos anos, e depois de Luizinho, filho mais velho de Olívio, ir estudar em Portugal e de lá escrever, para a freguesia acreditar, de mesmo, na existência de Peruzinho.

O português passava, de mesa em mesa, mostrando o carimbo do correio na carta.

Lá, ainda existiam parentes de Olívio.

— Está rico e não vem mais nos ver, queixavam-se. É um ingrato. Capaz de não falar mais português...

Olívio tem vontade de rever a aldeia, mas falta-lhe coragem, principalmente agora que Luizinho casou em Portugal e trouxe a reboque mulher e dois portuguesezinhos.

Olívio encontrou uma desculpa:

— Agora eu tenho com quem falar português. Não vou mais. Coisas de português.

O diabo é que freqüentei anos e anos a confeitaria e ainda hoje não sei a naturalidade de quem abre os olhos para o mundo em Peruzinho.


José Alexandre Odilon Garcia
(05.05.1925 - 02.02.1997)

In Acontecências e Tipos da Confeitaria Delícia,
Editora Clima, Natal/RN – 1985

por Alma do Beco | 10:43 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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