Em aparente liberdade, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes sabia estar à mercê dos Potiguares. A gaiola preparada para si, porém, permanecia ali, como se a esperar qualquer deslize seu. Melhor seria aceitar a corte da jovem índia e com ela casar, como lhe era sugerido em gestos de boa vontade, e viver em harmonia com os nativos.
Por vezes, o lusitano voltava à barraca armada quando de seus primeiros dias em terras do novo mundo e ali passava dias, sem voltar à taba de Potiassu. Só Jandira o visitava, e não deixava um só dia sem que isso fizesse. Saíam para caçar, pescar, conhecer praias distantes.
Numa dessas caminhadas pela orla, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes deparou-se com uma foz de larga embocadura, talvez de um grande rio, chamado pelos nativos de Potengi. Em sua margem esquerda, resolveu, com a ajuda da companheira de todos os dias, armar uma nova cabana, onde passaram a viver como marido e mulher.
Logo Jandira estava grávida e a notícia chegou a Potiassu, que preparou festa para comemorar. Remoendo ódio profundo, inconformado com a benevolência do chefe, e mais agora com a notícia do casamento de uma mulher de sua tribo com o invasor, o pajé Potimirim urdia planos para matá-lo.
Tempos tenebrosos para o seu povo era só o que antevia Potimirim, a cada dia mais inconformado com a presença de João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes. Matá-lo-ia, sim, na primeira oportunidade, e o mesmo faria com Jandira. Não deixaria nascer o rebento que já estufava a barriga da jovem guerreira.
Quando a lua cheia subia no horizonte de mar do dia que celebraria o casamento de Jandira com Homem da Canoa Grande, chega à tribo a notícia de que grandes embarcações descem do norte com destino sul. Preparativos desfeitos, novas providências são tomadas para aquela noite.
A primeira delas, a volta de Homem da Canoa Grande à gaiola no centro da taba.
Por trás das dunas de todo litoral circunvizinho, grupos de guerreiros espreitam os mares. Próximo ao amanhecer, a notícia se confirma: quatro embarcações cruzam os mares potiguares e se perdem de vista sob a cerração chegada com forte temporal.
Chove durante toda a manhã, impedindo a visão do horizonte.
Os índios impacientam-se e, a custo, Potiassu contém Potimirim que exige a morte do homem da canoa grande, ali, segundo ele, a esperar o resgate que viria, trazendo a morte para seu povo.
Quando cessa a cerração, sol a pino brilhando forte mais uma vez em terras e mares potiguares, nenhum sinal das embarcações é visto. A notícia de que seguiram em direção norte chega de guerreiros acampados do lado direito do Rio Grande, mas nem assim o clima de inquietação arrefece.
Aproveitando-se do alvoroço e da excitação de todos, Potimirim, num gesto de insubordinação, toma seu arco e dispara uma flecha contra João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes, não o atingindo mortalmente porque resvala na estrutura de madeira da gaiola, alojando-se em sua coxa.
Jandira corre ao chefe para levar a notícia, quando uma outra flecha é disparada por Potimirim, agora em sua direção. A mulher grávida rola por chão, enquanto guerreiros fiéis a Potiassu contêm Potimirim, já preparado para nova investida.
Eduardo Alexandre