Lula e Palocci, repito, já morreram. Não desencarnam porque a ausência de problemas na economia e a falta de interesse dos políticos em carbonizá-los mantém a dupla no formol.
José Negreiros
Danielle Christine
São divinos os pintores
Madê é uma aquarela
vejo Tomé numa tela
inventam todas as cores
como deuses criadores
Dorian Gray é avatar
Fernando Gurgel, Renoir
de expressão modernista
um pincel expressionista
na piscina azul do mar
Marcelinho de avião
com seu lápis colorido
ganhou um sexto sentido
um "hippie" de ocasião
deixou em exposição
um trancelim, um colar
um brinco só, a brincar
com as luzes do Farol
foi na Ladeira do Sol
na piscina azul do mar
Meu quintal era cercado
tinha cajá e coqueiro
debaixo do cajueiro
com a poesia de lado
ele esperou madrugar
e demandou a cantar
era vermelha sua crista
um galo tropicalista
com pinta de artista
na piscina azul do mar
Mora no mundo da lua
a mulher sempre dizia
nos olhos tem alegria
hoje a luta continua
ouço o murmúrio da rua
peguei um táxi lunar
num foguete fui pousar
enfinquei minha bandeira
a bandeira brasileira
na piscina azul do mar
João Gualberto Aguiar
O MEDO
A luzinha acendeu
a porta se abriu
eu entrei.
Mil olhos
me olhavam
mil gentes
acotovelavam-se
junto a mim,
dentro do elevador.
O medo
estampado
em meu rosto
no fundo
dos meus olhos,
a debilidade física
a ressaca moral
o calor
da segunda-feira.
Eu temia
eu tremia,
o medo
que ali ruísse
a fortaleza
do meu eu,
o medo
que ali cessasse
o prazer
de ser forte.
Interiormente
a vida é uma balela
a estrutura física
é frágil
a mente
é débil.
Mesmo assim
tudo vai subindo,
de repente
pára,
a porta se abre
e eu saio.
Chagas Lourenço
DESABAFO
Dotô, discuipe a franqueza,
dêsse poeta matuto,
de linguajá puro e bruto,
e munta sinceridade.
Pelo qui se vê na imprensa,
mermo sem lê sua mente,
sei qui o sinhô, véigonha sente,
se eu lhe chamo de confrade.
Mais, seu dotô, é verdade.
No verso eu vô mais além.
Sendo poeta tombém,
num dô valô a refrega.
Cada quá no seu estilo,
tem a sua cumpetença.
Intoce, a vossa inselença,
digo qui semo colega.
O poeta de verso livre,
tem poema elitizado.
Sem rima, dá seu recado,
e é sempre inartecido.
Só êle ganha concurso,
na Capitá Potiguá.
O poeta populá,
é um eterno isquecido.
E num é qui êle num tenha,
cumpetença nem valô.
Pois tombém fala de amô,
é um apaixonado eterno.
O causo é qui uis cumponente,
dais Comissão Jurgadora,
são pessoas defensôra,
do verso dito muderno.
Aparece uis concurso,
toda mídia noticia,
se propaga noite e dia,
se pubrica o editá.
Mais o poeta de cordé,
sabedô da "arrumação",
num tem o menó tezão,
de dêle participá.
Ais Cumissão Jurgadora,
despreza o verso rimado,
bem feeito, metrificado,
qui soaa bem na audição.
Num sabe qui tão perdendo,
versos de rara beleza,
do isprendô da natureza,
da paisage do sertão.
Sertão da sêca, do inverno,
da cabôca mais bunita,
qui in seu vestido de xita,
ixtraçáia um coração.
Sertão qui inspira o poeta,
qui faiz o fole gemê,
e o cabra enlouquicê,
na puêra do salão.
É isso, caro dotô,
qui uis concurso tão perdendo,
disprezando e isquecendo,
ais raízes curturais.
Intonce, "abram do ôio",
tá in tempo de concertá.
Mais se ligêro num andá,
pode sê tarde demais...
Bob Motta
O Motim das Mulheres
O Motim das Mulheres, ocorrido aos 30 de agosto de 1875, é um dos mais conhecidos episódios da História de Mossoró. Certas autoridades costumam associá-lo à Guerra do Paraguai, embora este que até hoje é considerado o maior conflito da América do Sul, envolvendo o Paraguai e a aliança formada por Brasil, Uruguai e Argentina, tenha acabado em 1870.
O episódio mossoroense tem a ver com o alistamento militar, mais especificamente com o decreto nº 5851, de 27 de fevereiro de 1875, aprovado no governo Rio Branco e regulamentado pelo Duque de Caxias, contento as normas de recrutamento para o Exército e a Armada.
A medida, diga-se de passagem, gerou revolta em outras cidades brasileiras. O caso de Mossoró ficou famoso pelo fato de haver sido protagonizado por mulheres, cerca de trezentas, conforme registram Romão Filgueira, Francisco Fausto e Câmara Cascudo, lideradas por Anna Rodrigues Braga, a Anna Floriano.
Um ofício da Câmara Municipal à Presidência da Província confirma esse número, que só encontra contestação nas palavras do então juiz da comarca, José Antonio Rodrigues, quando se refere ao episódio como a “farsa mais ridícula e ao mesmo tempo criminosa de um grupo de 50 a 100 mulheres mal-aconselhadas por seus maridos”.
Cinqüenta, cem, trezentas, o número não altera o fato de que, desafiando os poderes constituídos e o machismo, dezenas de cidadãs tomaram do escrivão de juiz de paz e rasgaram em praça pública os papéis com a relação daqueles que deveriam se alistar, o mesmo sendo feito com as cópias afixadas na porta da igreja e com as que foram entregues para publicação no jornal O Mossoroense, pertencente a Jeremias da Rocha Nogueira, filho de Anna Floriano.
Em correspondência curta, Jeremias da Rocha, que chegou a ser apontado como inspirador do levante, comunicou à Junta Paroquial a impossibilidade de continuar publicando a relação dos sorteados:
“Comunico a V. Sas. que deixo de continuar a publicar no meu periódico a lista de sorteio desta paróquia, como me havia comprometido, em consequência de haverem sido os respectivos autógrafos que se achavam em meu poder, inutilizados por um grupo de senhoras, que ontem pelas nove horas do dia invadiram a minha tipografia”.
De acordo com Romão Filgueira, Anna Floriano era forte, tinha olhos azuis, cabelos loiros e estatura maior do que o normal das mulheres de sua época. Não nasceu Camboa (apelido da família precursora do povoamento de Mossoró), mas assim se fez pelo matrimônio com Floriano da Rocha Nogueira. Os historiadores da terra nunca conseguiram determinar com exatidão suas origens. Lauro da Escóssia levanta a possibilidade de ela haver nascido em Portugal.
Anna Floriano, ainda de acordo com Lauro, estava sempre demonstrando austeridade e valentia. É famoso, antes do Motim das Mulheres, o episódio em que a mãe de Jeremias teria se armado com um espeto de ferro para impedir que invadissem O Mossoroense, História esta que contarei em outra oportunidade.
Cid Augusto