O BURACO É VORAZ COMO A VIDA SEVERINA
Jomard Muniz de Britto
Ilustração Franklin Serrão Foto: Lenilton Lima
Pecado Capital
Plantar verde
Para colher verdinhas
Plínio Sanderson
Assim fala o cabra da peste
O jovem da capital,
por exemplo, vai saber:
Se amoitá é se esconder,
quem faz fofoca, fuxica.
Mais outro, para ilustrar,
no meu verso, eu mostro agora:
Quem joga conversa fora,
tá cunversando aritica.
Rede é fianga ou tipóia,
apragata é o chinelo,
guaxiním, chamam guaxélo,
touro preto é azeitão.
Frouxo é afolosado,
bicho cruviana é o frio,
arripeio é arrepio,
corretor é intrujão.
Rapariga é surupemba,
mulher chifreira é galinha,
bicha é almofadinha,
novilhote é baibatão.
É assim, caro leitor,
que fala o cabra da peste,
do meu querido nordeste,
nas quebradas do sertão...
Bob Motta
... E nem assim saberei
Que destino
Cumprirá Bagdá?
Cumprirão os judeus?
Que segredos
Foram queimados
Na biblioteca
De Alexandria?
Essa história
Imprevisível
Surpreendente
Que leva bárbaros
Vândalos do norte
À destruição
Do império romano
Essa vontade
De onde vem?
Que forças levaram
Vietcongues
A derrotar
Todas as armas
Do tio Sam?
Esses povos antigos
Esses Sérvios
Croatas
Esses Bascos que lutam por chão
Que destino cumprirão?
Essa porção soviética
Esse povo da Geórgia
Esses russos-brancos
Como coexistirão
Cazaquistaneses
Com ucranianos?
Esses momentos
Esses amores
Tormentos em alto-mar,
Movem Maomé à montanha
Deslocam Thatcher
A retomar as Malvinas
Carregam Castro
À Sierra Maestra!
Esses mistérios terráqueos
Essas contradições
Transcendem
Fazem voar
Um disco voador
Do lago Ness
Aos jazigos eternos
Dos faraós...
E nem assim saberei
De uma sereia
Num doce sussurro
Dos abismos profundos
Dos segredos do mar!
Eduardo Alexandre
Cantinho do Zé Povo
RELAXO
Caro leitor (a):
Hoje, o Cantinho do Zé Povo queria passar para vocês uma situação desrespeitosa à qual seu titular foi submetido por uma empresa de fora, cujo produto é bom, mas seu pós venda, atendimento ao cliente nessa pós venda, é digno de repúdio e de uma sonoríssima nota ZERO... Mas, vou deixar prá lá, para não sujar o espaço do jornal e muito menos minha coluna que eu lhe escrevo todo Sábado, com um carinho e um respeito muito grande.
Também não quero dar IBOPE para esse estabelecimento comercial (?), citando seu nome... Intonce, vamos ao causo verídico, de hoje, passado com meu amigo Relaxo (uma "menina"...), moradora da minha querida Boa Vista, cidade do Cariri Paraibano, hoje sob a batuta do meu querido amigo Betinho, seu prefeito, muito bem acessorado por outro grande amigo: Genilson Pires Gonzaga.
Pois bem! Até hoje não sei o nome de batismo de Relaxo; sei só que, na época em que por lá vivi, já perto de voltar para Natal, estava passando a novela Vamp, e "ela", Relaxo, queria por fim da força, ser chamada de Natasha, a personagem vivida pela Cláudia Ohana... Relaxo é um cara boníssimo, ao qual quero muito bem; e respeito muito sua opção sexual, classificando-o de altamente "corajoso", assim como também caridoso e educado, pois "além de tirar a roupa para servir aos amigos, ainda pede desculpas por ter que ficar de costas"...
Aconselhado certa feita pelo Dr. Rosandro Aranha, médico, fazendeiro da região e ex-vice-prefeito da cidade, quando o Dr. Rosandro alertou-o para o perigo da AIDS, dizendo que ele usasse camisinha, respondeu ao médico:
- Que é isso doutor? Não vou comer "banana com casca nem confeito com papel"!
É de uma irreverência autêntica, mas sincera e cativante. Não perde, ou pelo menos na época que por lá andei, não perdia um Sábado da feira de Campina Grande, por nada desse mundo. E quando passava na feira do peixe, a "mundiça" mexia com "ela", que respondia com seus trejeitos:
- Meu filho, isso aqui, dizia batendo na bunda, é como voto: quem tem o seu, dá a quem quer!
E num determinado Sábado, uma "colega" sua assaltou uma jovem na feira e passou o relógio tomado de assalto para um menor. Em questão de segundos, e o menor saiu em desabalada carreira. A "menina" foi presa e levada para a delegacia, onde recebeu, a partir da entrada, um verdadeiro "chá de casca de vaca" (surra) para descobrir onde estava o produto do assalto, enquanto protestava em seu histerismo:
- Isso é um abuuuuuuuso: só batem em mim porque sou mulheeeeeeeeerrrrrrrrr!....
E o pau cantando! Eis que, de repente, o delegado tem uma suspeita e sem querer acreditar na mesma, ordena a um dos agentes:
- Vá aí na feira e a primeira colega desse camarada que você encontrar, traga aqui.
Quando o agente ía saindo, foi exatamente na hora em que Relaxo passava na frente da delegacia, toda "paramentada e mais enfeitada do que penteadeira de rapariga"... O agente abordou Relaxo, explicando que o delegado estava precisando de um favor seu. E Relaxo foi docilmente, como sempre foi de seu feitio, e sem qualquer reclamação. E, chegando na frente do delegado, falou toda despachada:
- Diga, meu lindo: em que lhe posso ser útil, doutor?
E o delegado, se esforçando para não rir, perguntou sem preâmbulos:
- Amigo velho, me diga uma coisa: é possível uma pessoa esconder um relógio no c...?
E Relaxo, acentuando seus trejeitos, respondeu "em riba da bucha":
-Isso depende, meu filho: o relógio é despertador ou de parede?
Bob Motta
Eu sei que está chegando o momento. O espaço em que me encontro me serve bem. Mas minha estadia tem limite e, logo, logo, sairei. Mesmo estando no ventre da minha mãe, cedo ou tarde, bem mais cedo no meu caso, serei expelido. Eu confesso que sinto medo. Muito medo.
Experimento o mundo através da minha mãe. Das vozes que reverberam de fora, reconheço poucas: a da minha mãe, a do meu pai, e uma sirene que vez por outra aparece. A voz do meu pai é diferente da voz da minha mãe. Ela fala suave e com carinho. Ele fala forte e com agressão. Sua voz provoca medo nela, e em mim. Eu ainda não falo. Só penso. E é o meu pensamento que você ouve.
Quando estou feliz, mudo de posição, fico inquieto, chuto. Tento chamar atenção. Sinto quando a ponta dos dedos da minha mãe deslizam sobre sua barriga. E eu, logo abaixo daquela camada de pele tênue, que separa os nossos olhares, relaxo. Sinto que ela tenta me acalmar. “Shhhh....”, eu escuto ela falar. Escuto também os gritos do meu pai, sobre o shhhhh carinhoso dela, seguidos muitas vezes de um sacolejado infligido contra minha mãe. Aprendi a ficar imóvel diante de ameaças. Sinto em mim, a tristeza da minha mãe. Afinal, somos um só, ligados pelo cordão umbilical. Compartilho com ela todos o seus sentimentos, tristes ou alegres. O mundo dela é o meu mundo. Tenho medo.
Começam as dores.
As contrações começam. Fortes e cada vez menos espaçadas. Isso me afeta. Afeta minha mãe. Ela chora. Sinto ela segurar a base da barriga com uma das mãos, e em seguida falar para meu pai que já é hora.
Gritos.
Fico imóvel. Mais encolhido que o normal.
Uma pressão começa a me forçar para baixo. Minha mãe chora. Ela anda com dificuldade. Pára! Continua a andar. Pára novamente! Sinto ela respirar ofegante. Pede apoio do meu pai.
Gargalhadas.
Minha mãe chora mais forte desta vez. Sinto o seu soluço aumentar. Escuto uma sirene diferente das outras se aproximar. Outras vozes aparecem. Muitas. Minha mãe está deitada agora.
Escuto a voz do meu pai no meio da confusão. Mesmo distante, consigo distingui-la de qualquer outra voz. Fico imóvel.
O momento chegou. Sou puxado pelo pescoço assim que minha cabeça desponta, e separado da minha mãe. Já não somos um só. Fico apavorado. Mas aquelas vozes desconhecidas logo me levam para perto dela, que pela primeira vez toca minha pele e me fala suavemente que me ama. Em seguida sou posto em outros braços. Nada enxergo. Ainda dependo do que ouço. Escuto a voz do meu pai. Fico quieto por alguns segundos. Começo a gritar e a gritar!! Sinto os meus pulmões expandirem e aproveito para gritar desesperado. Grito tudo que posso, até que me tiram de seus braços. Escuto de longe minha mãe dizer, “shhhhhhhhh......”. Respiro cansado até me acalmar.
Charles M. Phelan