Ex-repórter
Nos idos de 43/45, no auge da presença dos sobrinhos do Tio Sam em Natal - os “galegos” como os chamávamos –, entre os meus cinco e sete anos, quando tudo era novidade até mesmo para os adultos, tomei muita Coca-Cola, mastiguei, masquei, muito chiclete daquele fininho, vi muita “gente grande” tomando cerveja em lata e fumando “Camel”, “Phillips Morris”, “Lucky Strike”. Dos maços de cigarro vazios, fazíamos as “notas” para apostar biloca nos quintais vizinhos.Como meu pai e um irmão mais velho trabalhavam em Parnamirim Field não faltavam as “cocas”, de segunda ao sábado de meio-expediente. Geladeira nesse tempo era coisa de rico. As garrafas escuras meu Pai as trazia, seis ou mais, do “Campo”, quase anoitecendo, bem acomodadas sob muito gelo e serragem, num depósito de madeira com alça. Rafik de “Seu” Izidin (Nagib) da bodega, Doca de “Seu” Ruben (Câmara) da “Saúde” e Zelinho de “Seu” João (Vasconcelos) da padaria, olhos pidãos, pigoravam, quase todo santo dia, a tal novidade made in USA e bebiam, satisfeitos, arrotando a cada gole, pelo menos um copo. Era uma festa na rua Felipe Camarão, ali bem perto da Juvino Barreto...!
Washington, o mano mais velho – que deixara o emprego na “Força e Luz” e o Sindicato dos Eletricitários com um companheiro de diretoria chamado Jessé Pinto Freire –, era o Pagador-Geral do pessoal civil de Parnamirim, conhecendo deus e o mundo: brasileiro paisano ou fardado, de soldado raso a general americano. Falando fluentemente inglês, nos dias e horas de folga, apesar dos renovados protestos de mamãe, farreava adoidado com os gringos – competentíssimo cicerone, “guia turístico” de largos conhecimentos em uma Natal de apenas uns 50 mil habitantes, até antes da guerra uma aldeia provinciana e quieta.
O “pacote”, em geral – pude saber, anos depois, já taludo -, além dos meretrícios mais manjados, o “baixo” (XV de Novembro, Beco da Quarentena, Bica da Telha e Rua São Pedro) e o “alto” (Maria Boa, Maria de Josino, Rita Loura), circunavegava também pelo Grande Ponto, Tavares de Lira, Canto do Mangue, Grande Hotel, Lagoa do Bonfim, Macaíba, São José e – pasmem todos – Fernando de Noronha! Para o tour no arquipélago chegava a patota a requisitar, nessas “missões”, B’s25 (Parnamirim-Noronha-Parnamirim) e hidroaviões Catalina (Rampa-Noronha-Rampa). As desculpas (amarelas) para tantos deslocamentos eram as mais diversas: pagamento do pessoal civil, checagem de equipamentos e instalações, inspeções – o escambau. Nessas esbórnias todas por Natal e adjacências, à exceção de outra rota aérea Rampa-Lagoa do Bonfim-Rampa, os traslados terrestres eram todos cumpridos por jeep’s. Raramente em “carros-de-praça” (os táxis de hoje), usados tão-somente quando as girl’s friend’s (leia-se “piranhas”) exigiam maior discrição e comodidade. Parnamirim, a incipiente Vila de então, obviamente, face à proximidade dos chamados “escalões superiores”, era descartada de toda essa azáfama turística...
Saudades do meu irmão Washington ! Em um desses seus dias de turista irresponsável, chegou lá em casa, de-meio-lastro-a-queimado, na companhia de um aviador americano do tamanho de um bonde, galego rosagá, suado como os seiscentos. Levou-me e a Netinho, um ano mais velho do que eu, à oficina de um seu amigo na Travessa Aureliano, na Ribeira. Em meio ao alvoroço do estabelecimento, cheio de operários e clientes, “Seu” Edísio, o inventor das famosas flying boots, ajoelhado e risonho, tirou-nos as medidas, riscando sobre uma cartolina,um a um, os contornos dos nossos pés descalços. Uma semana depois, sob os olhares mansos e risonhos de Othoniel e Maria, posávamos, na Praça Pedro Velho, para a máquina de Washington. Nas canelas finas, brilhando mais do que espinhaço de pão doce, as famosas “botas dos americanos”, tão canguleiras quanto eu – que nasci na rua Ferreira Chaves, Ribeira velha de guerra...