Toda cidade que se preza tem um beco. Não sei se a tua tem... Mas, a minha Natal que é chique possui dois becos históricos. Um fundado pelo Pe. João Maria, denominado de "Beco da Quarentena"; outro não menos importante, fundado por gente humilde, chamado de "Beco da Lama".
O primeiro, por muitos anos abrigou as vítimas de uma peste que atingiu os potiguares no início do século. Ficava na Ribeira, entre as ruas Dr. Barata e Chile. Anos depois, virou lugar de ninguém, cheio de Casa de Recursos, onde alguns intelectuais da cidade, vez ou outra, costumavam aparecer.
O segundo, localizado no Centro, e ironicamente denominado de "Beco da Lama", abriga até hoje tudo que presta e não presta em Natal. Gente de bem, papudinhos, malandros, poetas, lanceiros e uma infinidade de outros recursos humanos que formam uma cidade.
O "Beco" é, acima da praça, o lugar mais liberal de uma cidade. Nele você pode tudo. Afinal, poucas vezes é visto nele a presença do Estado - como órgão de repressão a tudo que acontece ali. É como se ele não existisse, fosse algo fora das leis vigentes do país.
Os dois nossos aqui na cidade não são diferentes. Tem de papudinho até intelectual, garotas bonitas, drag queem, mendigo, meliantes, padres e até almas.
Contam os mais antigos, que um dia morreu por esses lados um poeta, de nome não conhecido. Vivia o personagem pulando de bar em bar, quando em uma determinada noite aos delírios e quase louco, acabou encontrando a escuridão no cabo de um punhal de um mestre de obra não muito chegado às coisas da poesia. Falam que até hoje na Lama, a alma do poeta pena de um lado por outro e de vez em quando é possível ouvir seus gritos nas canetas esferográficas dos mais sensíveis.
Os becos são assim. Meu, tu, dele e de todos nós. Não tem dono. É de todos que precisam dele. Uma cidade sem beco, não é uma cidade. Natal pode se orgulhar que tem em seu espaço geográfico dois "lugarzinhos" como estes: o Beco da Lama, no Centro, e o Beco da Quarentena, na Ribeira
Guto de Castro - escritor