Carlos de Souza - Jornalista
Manhã de segunda-feira no Tirol, os estabelecimentos comerciais começam a abrir suas portas. Logo, Jaeci também coloca a plaqueta de "aberto" na porta de seu estúdio na rua Afonso Pena. É um homem de estatura mediana, voz pausada denotando calma e com um vigor físico que não revela sua idade. Trata-se de um dos mais antigos e conceituados fotógrafos da cidade. E aquelas pessoas que entram no local para pedir a Jaeci que fotografe seus filhos, dificilmente vão saber que ali se encontra um dos mais completos acervos fotográficos de Natal e sua vida social.
Jaeci Emerenciano Galvão nasceu em Natal, em 5 de julho de 1929. Seu pai, Jaime Coelho Galvão viveu o suficiente para ver a projeção do filho. Sua mãe, Cecília Emerenciano Galvão acompanhou boa parte de sua trajetória profissional, mas faleceu cedo. Aliás, ela é que foi sua grande incentivadora. O casal teve mais uma criança, a menina Teresinha Emerenciano Galvão que depois teve mais um nome ao seu, ao casar-se com Álvaro Vaz. Desse casamento nasceram quatro filhos.
A primeira grande lembrança na vida de Jaeci vai longe no tempo. Remonta aos seus 6 anos de idade, quando seu pai, que trabalhava na Coletoria Estadual, foi transferido para o município de Penha (hoje Canguaretama). Foi um dia de muita emoção e a coisa mais marcante que ficou na memória de Jaeci foi o grande susto que tomou com o apito do trem. "Fomos eu, minha mãe e minha irmã deixar meu pai na estação. O trem deu aquele berro e me assustou. Em primeiro lugar nunca havia visto um trem".
Em seguida, a família inteira mudou-se para Penha. Aos 7 anos de idade, foi matriculado no Grupo Escolar Alberto Maranhão. Desse tempo, Jaeci guarda lembranças dos muitos amigos que foi fazendo. De vez em quando falando de si mesmo na terceira pessoa, vai enumerando os amigos. "Foi nesse colégio onde tivemos os primeiros colegas de estudos. Uma figura que ainda hoje vemos por aqui com prazer de avistá-lo é Nilsen Fernandes de Oliveira, esse criador de canários e uma figura bastante popular, chamado Nilsen Farol; o irmão dele, doutor José Carvalho, que mora hoje no sul do país; Maria Nina, casada com um oficial da Marinha; Vera, hoje divorciada do arquiteto João Maurício de Miranda... tivemos também como colegas Carmen Lima, Hugo Lima, Caio Newton, filho do prefeito Otávio Lima, figura muito popular em Canguaretama que quando ficava muito alegre chamava todo mundo de 'caro amigo'..."
São muitas as lembranças desse tempo de colegial. Mas uma é mais marcante e iria influenciar em uma de suas maiores paixões no decorrer da vida: a aviação. "De vez em quando a cidade era surpreendida por vôos rasantes desse tipo de avião, o T-6 norte-americano. Os oficiais tinham suas namoradinhas em Penha e eles acharam um lugar numa salina onde baixavam lá para encontrar as namoradas". Os aviões passaram a fazer parte do cotidiano da cidade e, às vezes, até de forma bem estranha. "Tem uma história engraçada: diziam que o pessoal do interior, crente de muita coisa, raspava o local onde passavam as rodas do avião e levavam para fazer remédio".
Depois de alguns anos morando em Penha, os pais de Jaeci viram a necessidade de transferi-lo para Natal. Ficou hospedado na casa de uns tios e foi estudar do Atheneu Norte-Rio-Grandense. A escola ficava na antiga avenida Junqueira Ayres, no prédio onde funciona hoje a Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal. Jaeci lembra dos professores e dos muitos amigos que fez ali. "Foram meus colegas, o desembargador José Gosson, Nabor Pires de Azevedo, Alvamar Furtado, que era professor de Geografia; Antônio Fagundes, que era professor de Português; Ivaldo Pinheiro, figura belíssima; o doutor Claudionor de Andrade; Celestino Pimentel, que era diretor do colégio; Heli Segundo, o Helisom, esse foi meu companheiro junto com seu irmão Milton Segundo; tinha também uma figura chamada Kilowatt, que se apresentava como 'seu criado elétrico'; tinha outro que pedia dinheiro emprestado demais e a gente apelidou de Zé Macaco Meu Dinheiro..."
Tudo começou com uma Baby Bessa
Cecília Emerenciano Galvão, A mãe de Jaeci, percebeu que o rapaz não gostava muito de estudar. "Na verdade eu nunca fui um bom aluno. Nunca fui muito ligado nos estudos".
Preocupada com a situação, sua mãe começou a pensar em uma profissão para o garoto. Ela percebeu o sucesso de um antigo fotógrafo da cidade, era José Seabra de Melo, que fazia fotografias na Praça Pedro Velho e tinha uma grande clientela. Mas não havia dinheiro para comprar a máquina e a situação só foi contornada com a chegada de um tio de Jaeci, que era da Marinha, e trazia uma máquina fotográfica do tipo Voiitlender Baby Bessa. "Uma máquina alemã, conseguida por esse meu tio, uma pessoa que ainda está aí nos seus 85 anos e bem de saúde, graças a Deus. Chama-se Alceu Batista Emerenciano, aposentado da Marinha".
Então sua mãe viu aí um caminho que ele poderia seguir. A maior dificuldade era conseguir o dinheiro para comprar essa máquina do tio. Por essa época, Jaeci encontrou uma maneira de ganhar uns trocados nas horas vagas da escola. Ele fazia sorvete e mandava vender por garotos mais pobres.
"Não havia nada elétrico, era tudo manual e eu é que fazia tudo, inventava aquelas caixas e tudo dava certo". Juntando o dinheiro da venda dos sorvetes, Jaeci conseguiu comprar a máquina. "Eu devia ter aí uns 14 ou 15 anos, mais ou menos. A dificuldade que eu sentia era de que alguém pudesse me ensinar. Bater a fotografia era o mais fácil, mas ir para o laboratório não era nada fácil. Todo mundo fazia segredo disso. É tanto que tive que ser autodidata, tive que aprender sozinho. Não havia escola profissionalizante na época, como hoje ainda não tem. Mas não existe mais o segredo que havia antigamente".
Jaeci procurou então ajuda entre os amigos. "Os primeiros passos dados nesse sentido foram através de um colega do Atheneu, José Alencar. O pai dele era do Exército e tinha lá umas fórmulas para revelar fotografias. Tornou-se muito meu amigo e me ajudou muito nesse sentido."
Havia também o problema da obtenção dos filmes que eram do tipo 120 e eram importados. Ele foi obrigado a trocar sua máquina por uma de 35mm, coisa pela qual iria se arrepender para sempre. Seu sonho é ter um modelo dessa primeira máquina para guardar de lembrança.
Com essa nova máquina conseguia filmes importados com mais facilidade na loja dos americanos, em Parnamirim. Eram as chamadas PX, instaladas em todas as bases militares dos EUA. "Normalmente tinha lá uma cota, um ou dois filmes e eu comprava com uma certa facilidade. Esse tipo de loja tinha tudo, refrigerantes, sanduíches, etc. E lá nós íamos. Eu ainda estudava no Atheneu e um dos colegas que nos acompanhava era Hélio Segundo. Nós íamos de bicicleta para tomar Coca-Cola, comer hambúrguer e comprar os filmes. No início as cobaias eram os próprios amigos. "José Gosson era o colega endinheirado, era quem gastava mais com fotografias."
Jaeci agradece até hoje a iniciativa de sua mãe, de ter escolhido essa profissão para ele. Uma profissão que fez questão de passar para filhos e netos. "Hoje estamos aí já com alguns filhos na profissão. Tem o Jaeci Júnior, o Fred Galvão e Fredinho, que é meu neto. Todos na profissão e com bastante sucesso, naturalmente são os meus sucessores". São dez filhos ao todo, três mulheres e sete homens.
Mas a profissão de fotógrafo trouxe mais alegrias que dissabores para Jaeci. Um episódio que ele gosta de lembrar divertido é sobre sua primeira experiência profissional de grande importância. Ia ser prestada uma homenagem ao presidente João Café Filho, no então Teatro Carlos Gomes (hoje Teatro Alberto Maranhão). Senhoras da sociedade natalense iam entregar um buquê de flores ao Presidente. Naquela solenidade o único fotógrafo presente era Jaeci.
"O teatro todo estava esperando aquele momento, a entrega do buquê de flores, e eu usava aquelas máquinas com flashes de lâmpadas em que o obturador era acionado por um imã. No momento da entrega era aquele silêncio. Então eu vou me preparar para bater a foto, aí um sujeito lá em cima grita, 'falhou'. Todo mundo caiu na risada, porque falhou mesmo. Se eu pudesse, me enterrava ali mesmo. Imediatamente tirei a lâmpada, mudei, e novamente quando vou bater a foto, o cara lá em cima grita, 'falhou de novo'. Aí fiquei morto de vergonha. Olhei para o equipamento, o diabo do fio estava solto. Botei no lugar, fiz a foto e me saí com essa: 'Senhor Presidente, foi a emoção de fotografar um Presidente conterrâneo que fez isso'. Ele me agradeceu e apertou minha mão. Para mim foi uma honra muito grande".