domingo, fevereiro 13, 2005

Bondes


Berilo Wanderley

“Durante séculos o natalense andou a pé, subindo morros, calcando areia, suando frio ou quente” diz Luís da Câmara Cascudo em sua “História da Cidade do Natal”. Só em 1890, surgia aqui uma “Empresa de Carros de Aluguel”, propriedade de dois médicos, naturalmente ociosos naqueles anos de poucos clientes. O nome pomposo escondia uma cocheira, que abrigava alguns cavalos e três ou quatro vitórias dignas de um ministro de Estado. Puro luxo. Essas vitórias iam da Ribeira à Cidade Alta, mediante contrato, e cobravam até o Alecrim, que era uma subida, 500 réis por passageiro.
Os primeiros bondes datam de 1908 e Câmara Cascudo fala deles com minúcias. Eram puxados a burros, lerdos que eram uma beleza, e apanhavam os passageiros na ladeira da Junqueira Aires. Na viagem inaugural, viajou o governador Alberto Maranhão, em companhia do senador Ferreira Chaves e do deputado Juvenal Lamartine. Poste de parada, não havia. O candidato a passageiro levantava o dedo e o bonde parava. Imagine que já em 1909, houve o primeiro acidente com um bonde; um menino foi apanhado por um e perdeu uma perna. Nada demais para os natalenses assustados e acostumados com as mortes debaixo das rodas de ônibus e corcéis, a toda hora, hoje em dia.
Câmara Cascudo conheceu os primeiros bondes. Eu ainda conheci os últimos. Eram igualmente lerdos, como os primeiros, e dava-se para ler boas páginas de um romance, entre a casa e o trabalho. Para mim, dava para estudar toda uma lição, entre a casa de meus pais, na rua Hemetério Fernandes, no Tirol, e o Colégio Marista. Os passageiros, meus vizinhos de banco, eram tranqüilos e viajavam lendo seus jornais ou olhando a paisagem. Não via no rosto de ninguém a pressa afobada comum nos rostos de hoje. Mas recordo de uma vez que saltei com pressa, com o bonde já dando partida, e numa braçada doida, bati na sacola que o cobrador levava a tiracolo (parecia com essas que os jovens carregam hoje, mas menos cheias de efes e erres) e a sacola foi rolar nos paralelepípedos da avenida Hermes da Fonseca, com moedas se espalhando por todos os lados. E nada mais vi, porque corri.
Os passageiros que não levavam jornal ou livro tinham outra opção de leitura: os anúncios (reclames, como se chamavam) do Biotônico Fontoura, de Bromil, do Elixir de Inhame Goulart, da Grindélia de Oliveira Júnior, do Tahiuá de São João da Barra, do Elixir da Saúde da Mulher Nº 1 (excesso), Nº 2 (escassez)...

por Alma do Beco | 8:26 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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