João Batista Machado
O Poti
17/05/92
“Não sei se amanhã amanheço preso ou prendendo alguém”. A frase foi dita pelo ex-prefeito Djalma Maranhão, no “Grande Ponto”, quase meia-noite do dia 31 de março de 1964. O ex-prefeito chegava ao Centro da cidade dirigindo uma caminhonete Ford Roquete, sem motorista e sem segurança. Sozinho, sem parar o motor do veículo, cercado por admiradores e amigos, Djalma disse a frase, provocado pelo ex-líder dos sindicatos rurais do Rio Grande do Norte, José Rodrigues, que perguntou a Maranhão como estava a situação e se o presidente João Goulart tinha condições de debelar o golpe que começara, por ironia do destino, nas terras lendárias das Minas Gerais.
Foi a última vez que vi e ouvi Djalma Maranhão. Depois, a prisão, o exílio, e a morte no desterro com a saudade de Natal doendo todas as noites no seu peito saudoso dos bambelôs, dos cocos de roda, das lapinhas e da tapioca com peixe frito no bar de Dalila, na Redinha. O coração de Djalma, forte e vigoroso, não resistiu à distância do seu povo e da sua terra. Morreu de saudade.
Djalma Maranhão era um político que tinha cara e alma do povo. Nasceu do ventre da vontade popular. Era autêntico. Conhecia seus hábitos, costumes, cultura, folclore, tudo, enfim, sem demagogia, porque tudo nele era natural. Ninguém mais valorizou os festejos populares do que Maranhão. Valorizava e participava. Djalma se confundia com as aspirações populares. Se podia dizer dele referindo-se ao povo: “este, sim, é um deles”.
Prefeito nomeado de Natal e eleito da vontade livre do povo, marcou a cidade com obras que ainda hoje lembram sua passagem pela Prefeitura: Palácio dos Esportes, que hoje tem o seu nome, retirado na época, e reposto no seu lugar pelo então prefeito José Agripino, num ato de reconhecimento e valorização do líder deposto; escolas ”De Pé no Cão Também se Aprende a Ler”; Estação Rodoviária; Galeria de Arte; início da Av. do Contorno e; tantas outras.
Quando o então jovem prefeito José Agripino começou a sua vida pública visitando e conhecendo os bairros de Natal, fazia questão de perguntar, aonde chegava, quem tinha sido o último prefeito a visitar aquela comunidade. A resposta, uma só: Djalma Maranhão. Em um dos bairros pobres da cidade, Agripino construiu uma escola e deu o nome do ex-prefeito.
No exílio, em cartas aos amigos, Djalma falava com saudade de Natal e, principalmente, do peixe frito com tapioca, no bar de Geraldo e Dalila, na Redinha. As cartas mostravam um homem amargurado com o exílio e com um desejo incontido de voltar à sua terra. Desejo que veio se concretizar com sua morte. Ele queria ser enterrado em Natal. E, somente um homem poderia ter atendido a vontade do amigo morto: o senador Dinarte Mariz.
Vendo-se doente e sentindo a presença da morte rondando seus passos, Djalma pede ao dono da pensão em que morava em Montevidéu, que se acontecesse algo com ele, ligasse para o Rio de Janeiro ou Brasília, procurando o senador Dinarte Mariz e dissesse a ele que seu último desejo era ser enterrado em Natal. O velho Dinarte recebe o telefonema, pela madrugada. No dia seguinte, estava no Ministério do Exército, solicitando ao ministro Orlando Geisel um avião da FAB para transportar o corpo de Djalma, de Montevidéu a Natal.
- Ministro, vim lhe pedir autorização e um avião para fazer esta viagem. Djalma quer ser enterrado na sua terra e vou cumprir o seu desejo. Se o senhor não me conseguir o avião, vou alugar um jatinho da Líder e desço com o corpo em Natal, nem que seja aos pedaços.
- Não precisa disso, Dinarte, você vai buscar o seu amigo para sepultar na sua terra, disse-lhe o ministro Orlando Geisel. O velho Dinarte me contou esta história com os olhos marejados de lágrimas, e com a voz embargada pela emoção. Era mais um gesto do homem que era amigo dos seus amigos.
Djalma marcou Natal com a construção de obras de cimento e pedras, valorizou a cultura popular do seu povo, deu escolas aos que queriam aprender sem farda e sem sapatos, governou ouvindo nos bairros os reclamos populares, morreu no exílio com saudade de Natal, mas ainda não recebeu da cidade a homenagem marcante. Natal deve a Djalma este tributo. Uma homenagem com o cheiro do povo que ele tanto amava. Ou, como diria Drummond, com o sentimento do mundo.