Bárbara Holanda
Tribuna do Norte
26/10/02
Berço histórico da Cidade Alta, a avenida Rio Branco tornou-se a partir da decadência da Ribeira, na década de 50, o coração da vida econômica de Natal. O crescimento da cidade e o avanço dos shoppings centers, porém, está ameaçando o comércio na via. Atualmente, os herdeiros do centro comercial convivem com a crise e a falta de incentivo oficial para garantir mais conforto aos consumidores.
A presença constante de pessoas não é sinônimo de prosperidade para os comerciantes da avenida Rio Branco. Segundo a gerente de uma loja de calçados, Zayama Galvão, o comércio está praticamente morto por conta da falta de comodidade para os clientes. A loja foi instalada há dois anos no local e os planos da direção da empresa é mudar-se para um shopping.
De acordo com o Sistema de Apoio à Decisão Empresarial (Sade) do Sebrae, de 2000, existiam 211 empresas na avenida. Cerca de 65% dos empresários não estavam totalmente satisfeitos com a situação dos negócios no local. A maioria das empresas (em torno de 43%) têm até cinco anos na via.
Para o gerente de uma loja de eletrodomésticos recém instalada na avenida, Valdemir Ferreira da Silva, a localização exerceu muita influência no momento de escolher onde a loja seria construída. Apesar do local estratégico, o negócio não prospera porque, de acordo com o gerente, os clientes não dispõem de estacionamento e ar condicionado, confortos oferecidos pelos shoppings.
"É preciso haver uma campanha de divulgação maior do Centro por parte da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e da própria Prefeitura. O comércio da avenida Rio Branco precisa ser revitalizado. Nossa parte, que é facilitar as vendas, já fazemos", disse.
Para consumidores, o comércio da Rio Branco se mantém graças, principalmente, às lojas âncoras como a C&A e a Americanas. A estudante Bruna de Pádua, 25 anos, contou que só faz compras no Centro quando vai a alguma dessas lojas. "Não vale a pena sair de casa e vir para o Centro se no shopping a gente pode encontrar tudo pelo mesmo preço", afirmou.
A falta de estacionamento é, aliás, um dos principais problemas da avenida Rio Branco. O militar da reserva Álvaro Ferreira de Lima disse que oferecer um lugar gratuito, sem a pressão de flanelinhas, seria ideal. Promoções em conjunto, para ele, são o melhor caminho para cativar o consumidor.
A Rio Branco era conhecida no século XIX como a rua Nova. A avenida corta todo o bairro da Cidade Alta, no trecho compreendido entre o Baldo e a Ribeira. Até 1845, a antiga rua Nova servia de limite leste da Cidade, com suas casas ocupando apenas o lado voltado para a nascente. A partir dali existia um espesso matagal.
Vocação comercial vem desde o século XIX
A história da avenida Rio Branco se confunde com a dos prédios que nela foram erguidos. Segundo o livro "Caminhos de Natal", da arquiteta Jeanne Nesi, que conta a história do local, a via abrigou importantes patrimônios históricos como a Casa d’Aula, já demolida, o Mercado Público, hoje ocupado pela agência do Banco do Brasil, e o Liceu Industrial, que está atualmente abandonado.
O Curral do Açougue, a praça do Peixe e as quitandas espalhadas pela antiga rua Nova no início do século XIX já indicavam a vocação comercial da rua. O povoamento da avenida Rio Branco foi iniciado efetivamente a partir de 1845, quando foi construída a Casa d’Aula e destruído o matagal que impedia a edificação de casas do lado oriental da rua Nova.
Em 1860, foi iniciada a construção do Mercado Público da Cidade Alta, no mesmo local anteriormente ocupado pela praça do Peixe. O prédio demorou 32 anos para ser erguido porque os recursos eram escassos. "O prédio do mercado teve uma existência efêmera. Nove anos depois de sua inauguração, ele já estava em ruínas. Sofreu uma restauração e foi reinaugurado em 1901", contou Jeanne Nesi. Anos mais tarde, o mercado da Cidade Alta foi destruído por um incêndio.
Existe ainda na Rio Branco um prédio, de arquitetura neoclássica, construído nos primeiros anos do século XX, onde funcionou por 50 anos o Liceu Industrial. Atualmente, o prédio está abandonado, mas a última ocupação foi das Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB).
O nome da avenida é uma homenagem ao baiano Visconde do Rio Branco. Militar, jornalista e político, ele apresentou ao Império a Lei do Ventre Livre, que libertou filhos dos escravos brasileiros.
Casarão sobrevive ao progresso
A avenida Rio Branco ainda possui prédios exemplares da arquitetura neoclássica que predominaram na segunda metade do século XIX. O casarão do industrial João Francisco da Motta, localizado no início da via próximo ao Baldo, é um dos mais belos. Alheios à agitação do comércio, descendentes do empresário conseguem encontrar qualidade de vida na avenida e resistem em mudar-se do local.
Construído com um porão alto, o casarão de três andares é isolado da rua por um vistoso gradil de ferro rendilhado. O acesso da casa é valorizado por uma escadaria. Com 10 quartos, cinco banheiros e dois quintais, o casarão foi o primeiro em Natal a ter uma piscina. Suzana Motta, 55 anos, a caçula do industrial, lembra que eram necessários três dias para encher a piscina, que foi aterrada há poucos anos.
A casa foi construída há 50 anos e hoje é habitada apenas por Suzana e as duas filhas. "Fui criada nessa casa e pretendo continuar aqui até o fim dos meus dias", disse. A herdeira dos Motta considera a vida na avenida Rio Branco tranqüila, apesar do barulho dos veículos que transitam pela via. "Considero a segurança uma vantagem de morar nessa rua. Há quatro anos um ladrão entrou aqui, mas tomamos providências e isso nunca mais se repetiu".
O casarão da Rio Branco era freqüentado pela alta sociedade natalense no início do século. Suzana Motta contou que até o presidente João Goulart foi hóspede da casa. "Quando chegava alguém importante em Natal, tinha de passar pela nossa casa. Hoje a situação é diferente, mas tentamos manter o casarão como um ponto de encontro para toda a família."
Ambulantes registram queda nas vendas
O comércio formal não é o único a sofrer com a decadência da avenida Rio Branco. Os ambulantes amargam queda nas vendas de até 40% depois que tiveram de deixar de ocupar a rua e foram transferidos para o Shopping Popular, há cinco anos.
Para o camelô Lisanildo Antônio da Silva, que desde 1995 trabalha no Centro da cidade, dois fatores influenciam o abandono do local pelos consumidores: a falta de estrutura dos boxes e a localização do shopping.
"Quando a gente podia expor a mercadoria na avenida, conquistávamos mais clientes porque eles viam a mercadoria e gostavam dos preços. Hoje, estamos muito escondidos e o espaço dos boxes é muito apertado", reclamou Lisanildo da Silva.
O camelô Francisco Fernandes disse que para superar os problemas é preciso diminuir custos e adquirir mercadorias a preços mais atrativos. Francisco Fernandes acredita que os baixos preços mantém aceso o comércio do camelódromo, apesar das dificuldades.
O trânsito também é uma característica marcante da avenida Rio Branco. Ela foi a primeira via de Natal a ter faixas exclusivas para ônibus e táxis, o que ajudou a reduzir congestionamentos e melhorar o tráfego na Cidade Alta. Cerca de 40 mil veículos, segundo a Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte Urbano (STTU), trafegam diariamente pelo local.