Pe. Agustin Juan Calatayud y Salom SJ
"O ser divino de Jesus se encontra em seu ser profundamente humano" - Karl Rahner
O quê poderia dizer em português, na sua variante nordestina, um padre estrangeiro, sobre o Grande Ponto de Natal? E, ainda, limitado por ser espanhol, cuja língua-mãe não é o castelhano, senão o valenciano? Valência, minha cidade, cujo grande ponto nos tempos de minha avó (fins do XIX e começo do XX) era conhecido como Praça Emilio Castelar; em minha infância e juventude, foi a Praça do Caudilho (referência ao Ditador, Franco) e, depois, com a chegada da monarquia e da democracia, após o choque entre a direita e a esquerda por chamá-lo de Praça do Reino de Valência ou Praça do País Valenciano, findou por ser a neutral Praça de l'Ajuntament (da Prefeitura)!
Comparando o Grande Ponto do Natal de minha maturidade com aquele grande ponto de minha adolescência e juventude, posso dizer, resumindo, que a humanidade é uma só. Os mais de dois mil anos de história de minha terra natal, que começara com a instalação dos "valentii" romanos, conduziram-na até o mesmo lugar dos quatrocentos anos de história de minha terra vital, Natal, que começara com a chegada dos portugueses à terra de Poti. Portugueses? E espanhóis!
Como não lembrar o valenciano, padre, jesuíta e construtor que foi quem dirigiu as obras do primeiro Forte de Natal e da primeira Igreja de taipa, dedicada à Nossa Senhora da Apresentação, Pe. Gaspar de Sanperes?
Hoje, a expansão que lá se verticaliza e absorve as outrora pequenas cidades vizinhas, manifesta-se aqui do mesmo jeito: o Natal do além Potengi explode até Extremoz e São Gonçalo, enquanto que o aquém-Potengi absorve Parnamirim e Macaíba. A expansão, lá e cá, provocada pelas neuroses sociais econômicas e consumistas, uniformizadas pela estética moderna, fazem sucumbir os velhos hábitos de relacionamento humano que, se outrora era pessoal e personalizante, hoje é massivo e massificante. Consequentemente, somos confinados à solidão da TV ou à procura na Internet de novos relacionamentos, agora virtuais, a gosto do consumidor.
De todos os modos, lembra-me nosso Grande Ponto, que se articula ao redor do eixo que vai desde a Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, caminha pela praça do Pe. João Maria, praça Presidente Kennedy, até a Nova Catedral... Lembra-me, digo, o Montmartre de Paris, de minha juventude de padre estudante. Pelo metrô, chegava até o Pigalle, com seu Moulin Rouge e etc. que, obviamente, não vou descrever, pois "mutatis mutandis", corresponde a qualquer "zona" de qualquer grande cidade do mundo. Depois, caminhando, remontava lateralmente a colina de Montmartre, onde se encontravam dúzias de pessoas caraterizadas "a lo" existencialista, sartriano, progressista, anarquista, artista, intelectual, estudantes, turistas. Parava-me perante um pintor de calçada, tomava um café quente no inverno ou uma cervejinha gelada no verão, em qualquer bar. No fim, chegava ao cume, à Igreja do Sagrado Coração de Jesus que, não sei porquê, sempre me pareceu um imenso e branco bolo de noiva. Rezava um pouco diante do Jesus no Santíssimo Sacramento.
Hoje, quando caminho pelo nosso Grande Ponto, observo nossos tipos humanos: os costumeiros pedintes nas calçadas, com ou sem equipamento de som; os vendedores das lojas, às vezes atarefados, às vezes convidando os que passamos para comprar qualquer coisa; as pessoas interioranas ou de bairros mais distantes, que se apressam no calor da tarde, transpirando simplicidade; os biscateiros; os "guardadores de carros"; os funcionários públicos, alguns engravatados, outros de calção, alguns descabelados, barbudos, tatuados, estudantes dos vários colégios públicos, privados ou religiosos tradicionais... Enfim, lojas, "self services", restaurantes populares... Na realidade, o luxo ficou para os "shoppings" (e que Deus nos perdoe a todos a introdução em nossa linguagem destes termos). Cada tipo humano me comunica algo: a pobreza, a energia da adolescência e da juventude, a luta pela sobrevivência, a decepção ou o fracasso da vida, a sociedade que consome o que não precisa, o religioso que procura a igreja, o palhaço que orienta os pedestres, o intelectual, o bêbado, o doente, o artista...
Durante o dia, minha caminhada, sempre interrompida para saudar um paroquiano ou um conhecido, termina invariavelmente na contemplação dos quatrocentos anos de história de Natal, na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, e rezo... De tarde e de noite, às vezes é o profundo silêncio, mas, às vezes, é o barulho da seresta ou de qualquer música, a fala alta dos meus vizinhos comunistas, artistas, intelectuais, daqueles que procuram no luar, na cerveja e na camaradagem desafogar as pressões do dia e da vida, no meu Beco da Lama, no bar do Pedrinho, meu vizinho.
Às vezes, ainda, tenho boas conversas sobre qualquer tema: religião (como não?!), política, filosofia... ou sobre os simples fatos da vida partilhada e compreendida pelo relacionamento humano e fraterno com meus vizinhos noturnos, que Deus abençoe!
Hoje, para mim, o Grande Ponto de Natal é meu lar. O charme de sua história e de sua decadência me atingem de cheio, pois minha vida que se passou no meu grande ponto natal, Valência, volta a mim intacta, apenas tomando outras formas, no meu Grande Ponto vital, Natal.
In Cantões, Cocadas, Grande Ponto Djalma Maranhão