domingo, fevereiro 13, 2005

Grande Ponto?

Dani
Pe. Agustin Juan Calatayud y Salom SJ

"O ser divino de Jesus se encontra em seu ser profundamente humano" - Karl Rahner

O quê poderia dizer em português, na sua variante nordestina, um padre estrangeiro, sobre o Grande Ponto de Natal? E, ainda, limitado por ser espanhol, cuja língua-mãe não é o castelhano, senão o valenciano? Valência, minha cidade, cujo grande ponto nos tempos de minha avó (fins do XIX e começo do XX) era conhecido como Praça Emilio Castelar; em minha infância e juventude, foi a Praça do Caudilho (referência ao Ditador, Franco) e, depois, com a chegada da monarquia e da democracia, após o choque entre a direita e a esquerda por chamá-lo de Praça do Reino de Valência ou Praça do País Valenciano, findou por ser a neutral Praça de l'Ajuntament (da Prefeitura)!
Comparando o Grande Ponto do Natal de minha maturidade com aquele grande ponto de minha adolescência e juventude, posso dizer, resumindo, que a humanidade é uma só. Os mais de dois mil anos de história de minha terra natal, que começara com a instalação dos "valentii" romanos, conduziram-na até o mesmo lugar dos quatrocentos anos de história de minha terra vital, Natal, que começara com a chegada dos portugueses à terra de Poti. Portugueses? E espanhóis!
Como não lembrar o valenciano, padre, jesuíta e construtor que foi quem dirigiu as obras do primeiro Forte de Natal e da primeira Igreja de taipa, dedicada à Nossa Senhora da Apresentação, Pe. Gaspar de Sanperes?
Hoje, a expansão que lá se verticaliza e absorve as outrora pequenas cidades vizinhas, manifesta-se aqui do mesmo jeito: o Natal do além Potengi explode até Extremoz e São Gonçalo, enquanto que o aquém-Potengi absorve Parnamirim e Macaíba. A expansão, lá e cá, provocada pelas neuroses sociais econômicas e consumistas, uniformizadas pela estética moderna, fazem sucumbir os velhos hábitos de relacionamento humano que, se outrora era pessoal e personalizante, hoje é massivo e massificante. Consequentemente, somos confinados à solidão da TV ou à procura na Internet de novos relacionamentos, agora virtuais, a gosto do consumidor.
De todos os modos, lembra-me nosso Grande Ponto, que se articula ao redor do eixo que vai desde a Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, caminha pela praça do Pe. João Maria, praça Presidente Kennedy, até a Nova Catedral... Lembra-me, digo, o Montmartre de Paris, de minha juventude de padre estudante. Pelo metrô, chegava até o Pigalle, com seu Moulin Rouge e etc. que, obviamente, não vou descrever, pois "mutatis mutandis", corresponde a qualquer "zona" de qualquer grande cidade do mundo. Depois, caminhando, remontava lateralmente a colina de Montmartre, onde se encontravam dúzias de pessoas caraterizadas "a lo" existencialista, sartriano, progressista, anarquista, artista, intelectual, estudantes, turistas. Parava-me perante um pintor de calçada, tomava um café quente no inverno ou uma cervejinha gelada no verão, em qualquer bar. No fim, chegava ao cume, à Igreja do Sagrado Coração de Jesus que, não sei porquê, sempre me pareceu um imenso e branco bolo de noiva. Rezava um pouco diante do Jesus no Santíssimo Sacramento.
Hoje, quando caminho pelo nosso Grande Ponto, observo nossos tipos humanos: os costumeiros pedintes nas calçadas, com ou sem equipamento de som; os vendedores das lojas, às vezes atarefados, às vezes convidando os que passamos para comprar qualquer coisa; as pessoas interioranas ou de bairros mais distantes, que se apressam no calor da tarde, transpirando simplicidade; os biscateiros; os "guardadores de carros"; os funcionários públicos, alguns engravatados, outros de calção, alguns descabelados, barbudos, tatuados, estudantes dos vários colégios públicos, privados ou religiosos tradicionais... Enfim, lojas, "self services", restaurantes populares... Na realidade, o luxo ficou para os "shoppings" (e que Deus nos perdoe a todos a introdução em nossa linguagem destes termos). Cada tipo humano me comunica algo: a pobreza, a energia da adolescência e da juventude, a luta pela sobrevivência, a decepção ou o fracasso da vida, a sociedade que consome o que não precisa, o religioso que procura a igreja, o palhaço que orienta os pedestres, o intelectual, o bêbado, o doente, o artista...
Durante o dia, minha caminhada, sempre interrompida para saudar um paroquiano ou um conhecido, termina invariavelmente na contemplação dos quatrocentos anos de história de Natal, na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, e rezo... De tarde e de noite, às vezes é o profundo silêncio, mas, às vezes, é o barulho da seresta ou de qualquer música, a fala alta dos meus vizinhos comunistas, artistas, intelectuais, daqueles que procuram no luar, na cerveja e na camaradagem desafogar as pressões do dia e da vida, no meu Beco da Lama, no bar do Pedrinho, meu vizinho.
Às vezes, ainda, tenho boas conversas sobre qualquer tema: religião (como não?!), política, filosofia... ou sobre os simples fatos da vida partilhada e compreendida pelo relacionamento humano e fraterno com meus vizinhos noturnos, que Deus abençoe!
Hoje, para mim, o Grande Ponto de Natal é meu lar. O charme de sua história e de sua decadência me atingem de cheio, pois minha vida que se passou no meu grande ponto natal, Valência, volta a mim intacta, apenas tomando outras formas, no meu Grande Ponto vital, Natal.

In Cantões, Cocadas, Grande Ponto Djalma Maranhão

por Alma do Beco | 11:13 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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