Nasi Canaan
Que importa a paisagem, a glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco! Manuel Bandeira
Partindo do pressuposto que Assu é Terra de Poeta, sendo Santana do Matos desmembrado de seu útero, por gravidade nasci também poeta e, ainda por cima (literalmente), abençoado por serras densamente inspiradoras.
Depois de habitar o centro do Estado, vim habitar o centro da Capital, a Cidade Alta, na aurora dos anos setenta. Matuto recém chegado do sertão, vislumbrado com um grande rio de água doce que nunca seca e outro muito maior, de água salgada e galões enormes.
Minha relação íntima com a poesia se eleva ainda mais. A rua que me acolheu: Auta de Souza (poetisa), mais uma benção poética. Rua pequena tendo sua esquina à esquerda de minha casa, a Avenida Rio Branco, com grandes lojas, entre elas, a grande 4400 (Quatro Quatrocentos). A esquina à direita era caminho obrigatório, nicho de minhas amizades e brincadeiras: Rua Princesa Isabel.
Todos os dias, eu descia a Princesa Isabel em liberdade para encontrar o lazer. Um Senhor sempre cruzava minha infância em sentido contrário. Habitante da Rua Princesa Isabel, Seu Nasi subia, no seu rumo diário, para a labuta em seu bar no Beco da Lama. Crescendo entre becos e ruas pequenas, o Beco da Lama foi sempre rota de minhas andanças, onde respirava uma atmosfera mais humana e poética.
Subi os tabuleiros de Candelária pra morar, veja só, na Rua Poeta Moysés Sesyom! A poesia sempre nimbando minha existência. Nos anos oitenta, quase adulto, já freqüentava assiduamente o templo do Beco da Lama, o Bar de Seu Nazi e, em meio às calorosas discussões ideológicas, a meladinha daquele senhor contribuía para acender idéias de uma sociedade ideal.
Início dos anos noventa, meu pai me revelou que tinha servido na Aeronáutica, pós-guerra, na Base Aérea de Parnamirim, com Seu Nasi. Sempre que eu lhe lembrava que era filho de Cabo Bezerra, ele mudava a forma de atendimento para comigo, sendo um pouco mais atencioso. Eu disse, um pouco! Com essa aproximação, fui nutrindo uma admiração e respeito por ele.
Um dia, acho que fins de 1993, escrevi um poema em sua homenagem e prometi que o traria emoldurado de presente. Pra que eu fui prometer! Ele passou um ano cobrando e, em fins de 1994, finalmente, saldei minha dívida.
A Escócia tem whisky; Rússia, vodka; França, champagne ou cognac (conhaque); Porto (Portugal), vinho. O pequeno principado do Beco da Lama tem a meladinha de Seu Nasi, elixir da longa vida poética, passaporte obrigatório da boemia, bendito e exaltado pelo jardineiro musical, o glorioso Pixinguinha, que também plantou uma Rosa por lá. Minha poesia ainda exala o odor de sua meladinha, estro-essência extraída à flor do Beco da Lama.
Eis o Poema a Nasi:
ENTRADAS & SAIDEIRAS
Ao Grão-Mestre da Confraria do Beco da Lama, Nasi
(Retreta Poética - 2002)
O vácuo noturno vaga vielas e avenidas
Desembocando no beco
A nau dos sedentos bandeirantes.
Entre entradas e saideiras
Saúdam santos e errantes.
Entre os tragos da resistência
E as tréguas da existência,
Sobra uma lua
Suspensa por cabos e fios
Dos cinzentos edifícios,
Para embalar abrigos embriagados,
Mendigos, boêmios e poetas
Que buscam o ouro reluzente
No fundo dos copos do alquímico Nasi.
Em sua taberna, papiros nas paredes
E pêndulos tecidos mil e uma noites a fio,
Aspiram a poeira poética.
Mais um anoitecer
E o Beco-Albergue
Acolhe ilustres e anônimos.
Manuel de Azevedo