quinta-feira, abril 21, 2005

TEXTOS DE AUGUSTO FERNANDES*



A CIDADE MENINA

Pequena, sem diversões, sem vida noturna, a cidade de Natal é uma saudade dos tempos idos. É u'a menina que não quer ficar moça. Pr'a que? Seu povo, porém, é simples e bom. Dentro das suas possibilidades vai vivendo. Há educação aqui. Há instrução.
Um dia fui à cidade pela primeira vez. Conhecimentos, amizades, namoros... Em poucos minutos pode-se conhecer Natal, mas são precisos anos para compreendê-la.
Certos cavalheiros que, como eu, chegaram de outras plagas, hoje vivem em Natal por algum motivo. A maioria, militar que a guerra foi buscar nos mais diversos recantos do Brasil e do mundo.
Imagino que você, leitor, veio também de uma grande cidade, onde é comum encontrar-se o que é bom e agradável, o que faz bem ao corpo e ao espírito. Bons cinemas, bons teatros, bons cassinos, boas avenidas, boas praças e jardins, boas praias, comércio, adiantada civilização e as mulheres mais lindas deste planeta. Em uma palavra: conforto.
Você, digamos, veio do sul, onde, apesar dos pesares, tudo são flores... Pois bem. Em Natal, você encontrou uma cidade diferente. Acredito que em um momento de desânimo, de tédio, você tenha deixado explodir alguma exclamação menos lisonjeira para a cidade que o acolheu tão bem. Eu também, confesso, reclamei e ainda reclamo contra certas coisas que não admito. É lógico que nós, humanos, especialmente nós que já tivemos a oportunidade de gozar das delícias de uma vida boêmia numa cidade mais civilizada, culta e próspera, sentimos às vezes certa revolta quando vivemos fora do nosso ambiente e do nosso lar.
Vamos colocar os pontos nos ii...
Em Natal, você poderia encontrar uma cidade igual ao Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre ou Belo Horizonte. Você sabe que o Brasil é um "caso" puramente geográfico. Veja-se o livro "Crítica", de Humberto de Campos (1ª parte). "Retrato do Brasil". E não me expandirei contando a história que você deve conhecer. Temos no sul - grandes cidades - bem adiantadas, enquanto - no norte - com raras exceções, o que vemos é verdadeiramente digno de atenção por parte dos que trabalham pelo desenvolvimento moral e material do nosso Brasil. Cidades, como Natal, precisando de auxílio, de cooperação.
Sob a influência da guerra e outros fatores (seca, emigração, etc.) a sua população aumentou consideravelmente. Dizem as novas estatísticas que de mais de 50%. Considerando esse aumento de seres humanos, em sua maioria, militares; as conseqüências diretas da guerra; a vida passou a ser enfrentada sob outro aspecto (carestia em tudo). Chegaremos, pois, à conclusão fácil de que por muita benevolência, boa vontade e paciência que tivéssemos, sempre haveria de aparecer um momento para menosprezar a cidade que culpa nenhuma tem das transformações sociais e ideológicas que se passam no mundo. Nós, que aqui chegamos, deixamos lá distante aqueles que fazem parte do nosso Ego, aqueles para quem uma separação é verdadeira tortura, pois não sabem por quanto tempo e, o mais doloroso, se voltarão.
Assim, longe dos que nos são caros, longe de todo o conforto de outrora, enfrentando os mais sérios obstáculos, sem termos a ocasião de encontrar bons divertimentos, bons lugares para recrear o espírito, é admissível que saia uma expressão áspera, em sinal de protesto - o grito d'alma de quem não está satisfeito com essa vida agitada em que vivemos. É por isso que eu te peço, natalense amigo, perdoa-nos se algumas vezes ofendemos a cidade que é tua e é nossa, porque ela também é Brasil.
Natal hoje está muito diferente. Transformou-se, como tudo, segundo Lavoisier. Natal de hoje é Natal da guerra, do Trampolim para a África. Surgiram novidades de todas as formas. É Natal dos militares, dos americanos de Parnamirim. Outro movimento, outra gente, outras emoções. Natal onde as águias metálicas passam...
Natal do clima saudável e das noites bonitas.
Há, de dia, pelas ruas, grande agitação, carros enormes, caminhões cheios de gente, de operários que vão trabalhar. Natal do meu tempo é Natal do "Grande-Ponto", da "cidade-alta" e da "cidade-baixa". Natal d'A Rádio Educadora, d'A República, d'O Diário e d'A Ordem. É Natal do Alecrim, de Petrópolis, do Tirol e da Ribeira. Ruas pequenas e bem limpas, onde se nota a falta de arborização. É Natal do cinema Rex e do Teatro Carlos Gomes. É Natal das garotas simples, simpáticas e inteligentes. É a mocidade do Ateneu, do Colégio das Neves, da Escola Doméstica, do Colégio Santo Antônio.
É Natal dos esportistas do ABC, do Alecrim, do Santa Cruz, do América e do Atlético. Natal onde se pode encontrar ainda um tempo que não acabou: o bom tempo da verdadeira amizade, aquele em que é comum o sujeito pegar o café e o bonde pr'o amigo.
É Natal inteligente e culto, onde podemos encontrar Luís da Câmara Cascudo, Elói de Sousa, Esmeraldo Siqueira, Lourenço Branco, Américo de Oliveira, Rui Paiva, Alvamar Furtado, Antonio Fagundes, Djalma Maranhão, José Saturnino, entre tantos outros da velha guarda.
A nova geração surge brilhantemente representada por jovens como Murilo Melo Filho, Veríssimo de Melo, Hélio Santiago, Leonardo Bezerra, José Guará, Romeu Aranha, etc. Este é o meu Natal querido do rio Potengi - o rio que é um verdadeiro poema.
É Natal - a cidade onde eu e outros colegas recebemos verdadeiras lições de experiência da vida e de brasilidade. É Natal dos nossos vôos arriscados, das nossas "Patrulhas". Será a cidade onde (se bem que não tenha encontrado um Paraíso) formei ainda mais o meu caráter. Será Natal das boas amizades, da rapaziada camarada, "igual" e sem pedantismo. Será Natal de uma geração vigorosa, nascida e criada num mundo de realidades.
Será Natal - sempre e sempre - pedaço do Brasil! Nosso berço e nossa alma...


O TRAMPOLIM DE HOJE
(1945)


Em 1945, a Base Aérea de Natal é uma Base completamente diferente daquela de 42, 43 e 44, quando o mundo vivia entre ferro e fogo. Hoje, o Campo de Parnamirim - o famoso Trampolim da Vitória - representa uma página gloriosa na História da última guerra. Ainda é, assim mesmo, uma grande Base.
Os nazistas, os fascistas, os fanáticos japoneses, foram todos derrotados. É certo que o mundo ainda enfrenta grandes problemas - conseqüência lógica da tempestade que passou - mas, se houver boa vontade e compreensão entre os homens - teremos realmente um mundo de paz. O Trampolim da Vitória não deve ser esquecido, porque ele foi um fator importante na derrota do Eixo. Hoje, nos céus de Natal, não vemos - em tão grande número - bombardeiros de outrora, mas as águias metálicas continuam pousando em Parnamirim. São as mensagens da paz. Surgiram as companhias comerciais e vemos então os grandes transatlânticos aéreos cruzando o espaço em todas as direções. É o mundo novo. Que esse mundo não seja efêmero!
O alicerce ficou. Os americanos - quase a totalidade - já voltaram, como prometeram - e entregaram aquilo que devemos defender com cuidado e carinho: as suas instalações.
Hoje, não vemos mais, como antigamente, os homens do "Army" e os da "Navy" espalhados pelas ruas da cidade, vivendo e brincando como qualquer filho da terra. Eles voltaram. O tempo é outro. Uma vida nova surgiu. Que sejam felizes! Em nossa Base, também, o panorama transformou-se. Outros companheiros chegaram, outros morreram - como o Novais e o Divino, mas o Trampolim continua firme, com a sua história, com a sua vida, nem sempre cheia de belezas.
Poucos são os que - desde os primeiros tempos - ainda se encontram trabalhando, vivendo e voando, nesse pedaço de terra, onde o vento, a areia e o sol forte do Nordeste, são os companheiros de todos os dias.
É justo citarmos esses nomes: Roberto Pessoa Ramos, Pedro Luis Pereira de Souza, Sebastião Cequeira, José Carlos Teixeira Rocha, Eduardo Costa Vahia de Abreu, Oscar Tempel da Costa Gadelha, Altamiro Di Bernardi, Alex Gunther Schaly, Carlos Walsh, Everton Batalha, Myron Campelo da Silva, Manoel Magalhães Filho, Marceliano de Almeida Neto, Urilo Ribas Ribeiro, Telêmaco Manoel Antunes, José Soares Vargas, Hélio Moreira de Souza, Wilson Silva Cardoso, Licio de Castro, Denes Alcântara, Orlando Bulcão de Figueiredo, Gizelar de Oliveira, Pedro de Ascenção Silva, Arnaldo Yule de Oliveira, Modesto de Souza, Danilo Teixeira da Silva, Moacir da Silva Ribeiro, Carlos Alberto de Araújo Souza, Aldo Schimidt, Furio Tonso, Flávio Pereira do Vale, José Augusto Nunes, Rangel Toledo, João A. do Nascimento.
São pilotos, Especialistas, infantes, técnicos, artífices, homens que enfrentam sérios obstáculos - longe da família e de todo o conforto. Recordemos, também, os que continuam em Recife, Fortaleza e Belém, os da velha guarda. Eles são os verdadeiros heróis, embora não tenham recebido medalhas nem títulos honoríficos. Sinto não poder escrever o nome de todos, mas a glória, a verdadeira glória, pertence a eles, os heróis desconhecidos...


PARNAMIRIM

Luis de Câmara Cascudo - o historiador potiguar, que eu admiro pela sua cultura - mantém em "A República" uma coluna com o nome de "Ata Diurna".
Um dia, o senhor Coronel Luís Tavares Guerreiro escreveu-lhe pedindo que falasse sobre Parnamirim. E ele falou. De tudo que já foi publicado sobre Natal, suas Bases e os americanos, o trabalho de Câmara Cascudo merece destaque. É um documento histórico.



"O meu velho amigo Coronel Luiz Tavares Guerreiro, em "carta aberta" que me foi amavelmente dedicada "A República", de 3-10-1943, evocou magnificamente a história viva de Parnamirim, tão agradável às lembranças de sua mocidade. Tenho toda alegria em saber ter sido um oficial do Exército Brasileiro quem localizou, indicou e divulgou o campo de Parnamirim, numa antevisão maravilhosa de que seria um dos maiores aeródromos da América, determinando que Natal constituísse uma das oito capitais do Mundo, vértice onde se entrecruzam os meridianos de todas as comunicações.
Nada mais agradável que receber, de mão autorizada e amiga, tais informações preciosas.
Agora, direi o que sabia.
Quando os holandeses dominavam no norte do Brasil, governando o Conde de Nassau, viveu o grande George Macgrave, a organização mais completa de sábio e pesquisador que possuíram os batavos. Macgrave entendia de tudo, deixando documentação sapiente de sua sabedoria e previsão cultural. Viajou, pacientemente, toda região administrada pelos holandeses, observando as vilas e propriedades. Desenhou um mapa, fixando as moradas, engenhos, currais, matas, rios. E mais, riscou o curso das estradas, as estradas reais e as derivantes e atalhos, divulgando as comunicações populares do Brasil holandês. Publicou-o em 1643.
O título é assim: Brasiliae Geografica & Hidrographica Tabula Nova, continens Praefecturas de Ciriji, cum Itapuama, de Paranambuco Itamarica Parayza & Potigi vel Rio Grande. Quam proprijs observationibus ac demensionibus, diuturna peregrinationi a se habitis fundamentaliter supestruebat & delineabat Georgius Macgraphius Germanus, anno Christi 1643.
Esse mapa compreende de Sergipe à enseada de Jenipabu, perto do Natal. Foi publicado na íntegra e em folhas esparsas, ilustrando o livro de Barléu, o famoso "Res per octennius etc", traduzido para o português pelo Prof. Cláudio Brandão e impresso pelo Ministério da Educação, 1940.
Quando Macgrave desenha a parte referente à Capitania do Rio Grande, marcando a estrada principal que vinha desde Pernambuco, assinala, depois de Apetimbu, com um índice de vegetação, o topônimo "Parnamirim".
É o primeiro registro conhecido.
Parnamirim é contração de Paraná-mirim, rio-pequeno, denominação tupi. Como se vê, já estava figurando num mapa da primeira metade do século XVII.
E sua utilização no movimento aviatório?
1927 foi um ano de intensa glória aérea. Natal espalhou seu nome no noticiário da imprensa universal. Em fevereiro, chegou o marquês de Pinedo; em março, os portugueses, com o "Argos" e três hidroaviões anfíbios do Exército Norte-Americano, esquadrilha comandada pelo então major Herbert A. Daqrue; em Maio, o inesquecível "Jaú"; em Junho, voltou do Rio de Janeiro o "Argos".

Às 14 horas de 18 de Julho de 1927 aterrissava na praia da Redinha o primeiro avião da Latecoere, um Breguet-307, com motor Renault, de 300 HP. Pilotava-o Paul Vachet, trazendo Deley como navegador e Fayard, mecânico.
Logo depois que, graças à indicação do coronel Guerreiro, o campo de Parnamirim ficou provisoriamente preparado, inaugurou-o um avião ilustre, o "Nungesseret-Coll", pilotado por D. Costes e J. M. Briv, dupla que realizava a volta-do-Mundo.

Desceram às 23:45 de 14 de Outubro. Foram os primeiros a fazer o salto Atlântico, de São Luís do Senegal à Natal. O avião era um aparelho Breguet, nº 1685, monomotor Hispano-Suizo, de 600 HP. Há um livro desses dois aviadores contando, com notável exagero, a linda jornada, "Notre Tour de la Terre", Hachete, Paris, 1928.
A 20 de novembro o Laté-25, nº 616, pilotado por Pivot, com Pichard e Gaffe, mecânicos, estabelecia a linha aeropostal regular, no Campo de Parnamirim.
Ali, desceram os veteranos do ar, Bert Hinkler, em Novembro de 1931, dando o salto do Brasil para Bathurst; Jean Mermoz, com o "Arc-enciel", Janeiro de 1935; o assombroso "Couzinet-70", trimotor; em Fevereiro, James Mollison, o "az" inglês, com o vitorioso "The Heart's Content", vindo de Dakar, num monomotor Gipsy Mayor, aparelho Puss Moth, idêntico ao que Lindenberg atravessou o Atlântico sul, de New York à Paris.

Assim dizem minhas notas de antigo repórter.

A família Tavares Guerreiro é secular no Rio Grande do Norte. Em Julho de 1714, Manuel Tavares Guerreiro faz parte do Senado da Câmara do Natal. Em 1734, Luís Tavares Guerreiro, com o mesmo nome do meu amigo, requeria e recebia três léguas de terra na Ribeira do Potengi, fazendo pião no riacho de Santa Rosa. Em 1757, o Padre Francisco Tavares Guerreiro tinha propriedades no riacho Salgado.

Falta razão do topônimo "Taborda".

Em 1706, era vereador do Senado da Câmara do Natal o senhor Manuel Rodrigues Taborna, possivelmente o primeiro sesmeiro daquelas paragens.
Com quase duzentos e cinqüenta anos de Rio Grande do Norte, os Taveres Guerreiros têm o direito da defesa de um amor que autoridade tradicional tornou profundo e nobre.
Eis porque, dois séculos e meio depois, um descendente apontava na Campina de Parnamirim o lugar predestinado, ninho onde pousariam os pássaros de aço, prontos, em eterna vigília, para o vôo e para a luta".



AUGUSTO FERNANDES
(Sargento da FAB – Livro Virtual do site RESERVAER)

*Enviados por Laélio Ferreira

por Alma do Beco | 9:32 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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