segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Tempo bom?




A peculiar geologia do litoral na esquina do Atlântico edifica paisagens paradisíacas, formadas por ecossistemas dunares, praias e principalmente sua grande intensidade de insolação, tem transformado a pacata cidade ("noiva do sol" conforme poeta Ferreira Itajubá e "impossível de se viver sem óculos escuros" nas palavras do modernista Mário de Andrade) segundo o prisma globalizante da nova divisão social do trabalho, em vítima da urbanização turística.

Natal passa por singular espacialização, o encontro/desencontro do lugar. Aqui se busca vivenciar, através da exacerbação dos sentidos corpóreos, as possibilidades prazerosas do consumo do lugar. Todos os incentivos estatais são direcionados para política de construção imagética da cidade do prazer, excluindo os habitantes num típico "apartrade turístico".

A cidade do prazer é vendida, erroneamente, como "Cidade do Sol" (o ano inteiro). Principalmente, no período de verão se levarmos em conta a classificação de Wilhelm Koppen (XIX), que considerava médias anuais (térmicas, pluviométricas, etc.), conceituando como clima tropical, caracterizado por chuvas no inverno. Contudo, tal classificação está presa a valores médios dos elementos climáticos.

Em oposição à climatologia tradicional, a climatologia dinâmica dá ênfase ao comportamento das massas de ar (pressão, temperatura, umidade). Essa dinâmica atmosférica é responsável pela maior parte das alterações do tempo de um lugar. Antenado nesta perspectiva surge a classificação de A. Stralher, relacionando a área litorânea nordestina, como clima litorâneo úmido exposto às massas tropicais marítimas. Devido ao encontro dos alísios, tal clima possui grande circulação de ar, tanto pela penetração de frente fria, como pela penetração do ar atlântico.

O fato é que há décadas não chovia tanto desde o verão - pescadores experientes, que lidam diariamente com o tempo, afirmam que o último ano que choveu tanto em janeiro foi em 1964. A presença de chuva no verão atribuída ao fenômeno La Niña (uma outra face do El Niño), foi anunciada anos anteriores, mas não se confirmou. Só agora, veranistas e turistas têm provado o dissabor do tempo nublado com constantes pancadas de chuva. Sem insolação, as águas do mar não tem suas cores; não se pode tatuar na pele a cor do pecado; perde-se o brilho das paisagens; não se vê nas noites o lusco-fusco do céu; não se tateia "estrelas distraídas"; atrapalhando as férias de muitos e interferindo na indústria predatória do turismo: cancelamento hospedagens e passagens aéreas, geram prejuízos nesse vetor da economia.

Quando ligamos a cela quadrática da tela da TV, no telejornal a moça do Tempo, afirma exuberante: "Tempo Bom, com sol brilhando na maior parte do país!". Interessante é perceber que o fenômeno da precipitação é recebido com festa por uns e ressabiado por outros. No campo, é recebida como milagre, sendo um gerador de valor e questão de sobrevivência. Concomitantemente, pessoas ligadas ao turismo – hotéis, pousadas, restaurantes, bares de praia, bugreiros – xingam a chuva como a pior das desgraças que se abateu sobre seus negócios.

Mas como explicar tal fenômeno climático? Deixar como no senso comum, nas mãos dos Deuses (exemplo: a previsão do dia de São José) ou na hipótese da perversidade da "natureza má"? Ou tentar exercitar a Teoria do Conhecimento sobre o motor climático da Zona Intertropical (ZCIT), onde a circulação geral é representada pela célula de Hadley, expressando as trocas de energia entre as latitudes equatoriais e as latitudes subtropicais. E ainda, conhecer todas as questões correlatas, como: El Niño, explosão do Sol, magnetismo da terra, camada infravermelho, cataclismos, liberação de energia do fundo do mar, tectônicas, deriva dos continentes e principalmente, a entropia?

O que urge é a consciência de que o tempo geológico engana a memória humana, permitindo a ilusão de que o homem está no controle. Na realidade, somos meros turistas sobre a terra. E devemos cuidar para que a ação antrópica não propicie a degradação e a destruição do planeta - casulo tão belo, e frágil!


Plíno Sanderson - Poeta, escritor, artísta plástico, antropólogo, professor de geografia e anima-a-dor-cultural.

por Alma do Beco | 11:22 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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