segunda-feira, fevereiro 14, 2005

O Beco da Lama, das artes e dos Orixás

Por Moura Neto - Revista Preá Nº 1 / FJA


Artista Plástico Valderedo Nunes, em expo na Rua Cel. Cascudo/Bar de Nazaré

Um dos últimos redutos dos artistas e boêmios no centro de
Natal, o Beco da Lama vem se tornando palco de manifestações
culturais prestigiadas não somente pela fauna humana que o
freqüenta com pontualidade. Alguns dos eventos realizados na
rua Dr. José Ivo, nome oficial do logradouro que se estende entre
a Ulisses Caldas e Heitor Carrilho, cortando a João Pessoa, na
Cidade Alta, têm atraído até mesmo parcela da sociedade chique
tradicionalmente avessa aos botecos modestos e restaurantes
populares que ali proliferam. A idéia é que isto aconteça com
mais regularidade, segundo os membros da Sociedade dos
Amigos e Moradores do Beco da Lama e Adjacências (Samba),
entidade que há quatro anos levanta a bandeira da preservação
do patrimônio histórico que o local abriga.
Se depender da nova diretoria da Samba, que tomou posse em
meio a ambiente festivo no mês de maio, com apresentações
de bandas e performances dos remanescentes das tribos
undergrounds, o Beco da Lama e adjacências irão ganhar um
calendário de eventos que ajudará a resgatar sua história e ampliar
seu acesso a todas as classes sociais. “Queremos promover pelo
menos um evento por mês”, afirma o poeta Plínio Sanderson,
40 anos, laureado com o prêmio Otoniel Menezes 2002, diretor
cultural da entidade.
O carro-chefe desta programação, segundo ele, será um
evento que prestará homenagem póstuma a todos os grandes
“habitues” da área, famosos e anônimos, talentosos ou não, que
contribuíram para que o lugar ganhasse uma áurea pitoresca e
se consolidasse, ao longo de tantas décadas,
como ponto de encontro de artistas plásticos,
músicos, poetas, escritores, cultuadores e
apreciadores das artes em geral. Enquanto a
grande maioria dos mortais estiver chorando
seus mortos nos cemitérios, no feriado do Dia
de Finados, em novembro, a Samba garante que
estará promovendo uma animada festa, que se
repetirá nos anos seguintes, com exposição
de fotos, recital de poesia e apresentação de
músicas que lembrem os baluartes do Beco
da Lama e adjacências, como o foram, por
exemplo, o artista plástico e escritor Newton
Navarro, o poeta Bosco Lopes e o cantor
pau-de-arara Odair Soares, todos de saudosa
memória.
Se os mortos merecem loas, os vivos mais ainda,
com o projeto “Calçada da fama”, idealizado no
molde hollywoodiano para render homenagens
aos que ainda estão entre nós. Outra meta da
nova diretoria da Samba é popularizar a lavagem
do beco, ao estilo baiano, com a participação
das entidades de Umbanda e dos comerciantes
que, alojados naquela área, vendem artigos para
adeptos das religiões afro-brasileiras. Além do
marketing que a realização invoca, conforme
ficou comprovado nas duas edições anteriores,
o objetivo é “limpar as energias” que confluem
para aquele refúgio natural de boêmios,
jogadores inveterados e “malucos” em geral.
“Enfim, queremos transformar o beco num
corredor cultural”, revela Plínio Sanderson.
O médico e sindicalista João Batista de Lima, o
Zizinho, que passou o cargo de diretor executivo
da Sociedade dos Amigos e Moradores do Beco
da Lama e Adjacências para o produtor cultural
e poeta Eduardo Alexandre, o Dunga, conta
que a idéia de fundar a entidade nasceu entre
aqueles que alimentam “um certo amor pelo
centro da cidade e sua parte mais antiga”. A
fonte de inspiração, segundo ele, brotou das
inúmeras iniciativas semelhantes ocorridas
em cidades onde a população despertou para
a necessidade de prezar seus sítios históricos,
como a do Rio de Janeiro. “Nosso objetivo foi
o de alertar a comunidade e o poder público
para a importância de tombar e preservar um
patrimônio histórico como esse”, disse Zizinho,
53 anos recém-comemorados, claro, num dos botecos do bunker
da boemia natalense que ajuda a manter ativo.
Foi na sua gestão que o Beco da Lama, com suas casas e casarões
antigos, abriu suas fronteiras para a penetração de notívagos e
foliões acostumados aos cenários modernos da capital. Além da
lavagem do beco, a Samba promoveu, nos anos anteriores, festas
como as dos tributos a Chico Science e Noel Rosa, carnaval
com banda de frevo e marchinha e um grande mutirão entre
artistas plásticos para a pintura do seu calçamento, entre outras
realizações.



Novas gerações mantêm a
tradição e o folclore do lugar
Várias gerações de biriteiros já se aposentaram ou se
“encantaram”, mas o Bar do Nasi, na esquina da rua Dr. José Ivo
com a Coronel Cascudo, no coração do Beco da Lama, continua
com suas portas abertas aos profissionais do copo e amadores
da conversa solta, possivelmente sem o mesmo glamour de
décadas atrás, quando o velho Nasi Miguel Canan (Nasi, como
era conhecido) descendente de libaneses, adotou uma clientela
fiel ao aperitivo que ainda hoje dá fama ao estabelecimento: a
meladinha, feita com cachaça, mel e limão.
O patrono da casa faleceu em dezembro de 2001, aos 76 anos,
mas deixou descendentes para cultuar sua memória e a do bar ao
qual dedicou 40 anos de sua existência, de 1955 a 1995, quando
adoeceu de diabetes e transferiu a administração do negócio para
o filho Nasi Adoniram Fernandes Canan, hoje com 34 anos.
“Mesmo doente ele vinha aqui todos os dias”, conta Adoniram.

por Alma do Beco | 9:12 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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