Edgar Allan Pôla
Pedrinho estava num dia altamente movimentado no seu point de boemia, atendendo a todos com contagiante bom humor, quando irrompe, bar adentro, Ivanísio Ramos, com cara de quem não só quer comer e beber, como gostar.
Gostar, claro, todo cliente quer e tem direito. Mas Ivanísio não estava mesmo era podendo gastar. Já na primeira abordagem, deixou isso claro:
- Pedrinho, hoje estou a zero de grana. No dia 30, porém, você sabe, estarei aqui para saldar o prejuízo...
Por incrível que pareça, nesse dia, Pedrinho ainda não apresentara nenhum sinal de que é portador de tique nervoso dos mais persistentes. A abordagem de Ivanísio, contudo, em nada alterou o seu estado: de bom humor estava, de bom humor permaneceu. E sem nenhum sinal do famoso espasmo nervoso.
Com obras no fundo do bar, a grana curta e muito serviço ainda por fazer, ele ficou meio sem jeito para negar a cerveja pedida pelo negão da Tribuna do Norte, repórter fotográfico da melhor cepa, ex-remador de clube náutico da rua Chile e de porte ainda atlético para um boêmio inveterado, já quarentão.
Verdade que Pedrinho estava sem condições para o pendura e, depois de uma conversa com sua mulher Ivone, responsável pela cozinha sempre movimentada do estabelecimento, resolveu chamar Ivanísio a lugar neutro e discreto, e sapecou a decisão:
- Ivanísio, meu amigo, estou com o bar em obras e a coisa está pegando. Vamos combinar um limite de crédito?
O negão, sempre muito gentil, não mostrou insatisfação:
- Libere pelo menos cinco, que está tudo resolvido e não vou sair daqui com mágoas.
Negócio fechado, Pedrinho chamou Eduardo a um canto e confidenciou:
- Eduardo, você sabe: Dennis é o homem das ampolas de 600 ml. Mas o negão é o das 600 ampolas... Se eu não der um freio, fecho a bodega em uma semana!
E saiu para atender os clientes que já faziam coro esperando reabastecimento.
Fim de festa, pelas 10:30h da noite, chega o psiquiatra André Pereira acompanhado de sua franca e irrestrita verve detonadora. Sonda o ambiente e senta, pede uma, outra, e, de repente, percebe que Pedrinho não apresenta nenhuma evidência de que é acometido pelo tique que todos, ali, bem conhecem.
Pergunta a um, a outro, e obtém a confirmação de que, naquele dia, Pedrinho, em momento algum, deixou-se levar pelo estímulo nevrálgico. Chama o turco a sua mesa e faz a observação.
- Pó, Pedrinho, você está de parabéns! Parece até que está curado! Hoje, não se deixou levar pelo tique nervoso uma única vez...
Foi tiro e queda. Mal ouviu aquilo e Pedrinho, intermitentemente, estava a balançar a cabeça para cima e para baixo, para os lados esquerdo e direito.
Sem dar mais trelas, desolado, Pedrinho comentou:
- Por que você foi lembrar, André?
Crônica publicada no Balalaika - Informativo Cultural, junho de 1997. Natal/RN