“And thou were the truest lover
of a sinful man that ever loved woman. And thou were the kindest man
that ever struck with sword. And thou were the goodliest
person that ever came among press of knights.”
(Thomas Mallory, La Morte d’Artur, Livro II, Cap. XIII)
A gaivota me trouxe um galho queimado
E algumas folhas de gingko.
As rezadeiras disseram então
“Bom augúrio! Muito bom augúrio!”, mas
Eu duvidei de todas elas.
Esse é um tempo sem profecias,
Um tempo de rapidinhas, mutreta, tramóia,
Atividade na saída, e cobras na lanchonete.
Pela manhã, faces escolhidas a dedo no armário
Abrilhantam e cobrem o dia de perfumes e máscaras.
Mas as rezadeiras tentaram colar alguns pedaços de
Argila, forma procurando qualquer forma.
Foi quando Gurnemanz aproximou-se e disse:
“Veja rapaz, veja aquela ponte!”
“Embaixo dela corre um rio e centenas de esgotos,
Cadáveres, toneladas de lixo que a cidade
Joga nela mesma todos os dias.”
“Sombras, meu rapaz, apenas sombras! Esta cidade é
Apenas mais uma sombra feita de memórias
Rápidas que desaparecem debaixo das tumbas no Alecrim,
Novos corpos, novas línguas, novas lendas, mas
Sempre o mesmo lixo, sempre as mesmas centenas
De esgotos, e o rio abarcando tudo, abraçando tudo.
Pare um pouco e escute: veja as lajes, as cruzes,
Sem fotos, sem nomes, vazias de tudo e somente o rio
Abraçando e a abarcando tudo. Mais os esgotos.
Lembre meu rapaz, nada você é,
Nada eu sou e a tudo pertencemos, com tudo e por tudo.
Imagem última, eco derradeiro.
Junto ao seu coração carregue sempre a
Pedra silêncio, aquela que fala nas horas grandes,
Água por água, fogo por fogo, vento por vento,
Isso é o que importa.
Olha aquele pregador! Ou aquele banqueiro feio
Arrotando na calçada.
Ou aquele bêbado atormentando sua vida e a dos vizinhos?
Sombras recheando palavrão e contravenção
Num mesmo palco, num plenário desalentado e vazio.
Mímica milenar, feia e torpe;
Teatro falido recitado de memória com
Enfado e convicção por personagens desgastados, cuja
Voz dissolve-se lentamente em meio ao
Ruído das caixas registradoras, dos caminhões de lixo e
Dos carros de polícia.”.
E perguntei a Gurnemanz:
“Como eu posso afugentar o veneno dos
Homens, mulheres, víboras, escorpiões e
Profissionais responsáveis? Como eu posso
Sentar nessa praia com meus amigos, de mãos dadas, fumando e cantando?
Como passar ao largo dos
Compromissos, afirmativas, missivas, comissões,
Comitês, Assembléias, Almoços e Funerais?
Eu não preciso de um mundo complicado, Sire,
Eu não preciso de um crédito imaculado.
Às vezes, durante as tempestades
Eu vejo a
Maré
Me jogando
100 metros pra cima e
No meio da rua dos fundos, justo em
Tempo da Assembléia municipal de pais e filhos
Perseguirem-me e lincharem no meio da rua dos fundos.
Segundo eles eu descobri e expus seu mais
Temível segredo, seu mais precioso tesouro,
Sua memória mais secreta.
Não faço a mínima idéia do que seja,
Mas o fato é que por 300 noites e 300 dias
Eles me perseguiram sem descanso, até você
Chegar e
Luz
Fez-se
Na minha parede
E suas histórias me acordaram feliz,
Afugentando a História outra vez, sim, feliz.”
Gurnemanz me deu um vaso chinês,
Uma bolsa de erva e duas pedras antes de dizer:
“Não se assuste , meu amigo. Não tema.
Duas coisas homem não gosta: tempo e
relógio. Por isso criam museus
Tribunais, serviços sociais, fundações beneficentes;
Por isso criam sindicatos e associações, fan clubes e forrós.
Só assim eles podem dormir sem Valium e sem sonhos.
Portanto meu amigo, não tenha medo
Do canto mais escuro do seu quarto e lá,
Enrolado num cobertor de lã azul,
Tente falar com os anjos.
De que outra forma
Poderíamos aprender a ilusão do milagre e da
Penitência, o vazio do ídolo e do idolatrado,
Decifrar o mistério dos eclipses, mantendo o vento
Frio lá fora, mas ao alcance
De nossa imaginação tão simples e tão arbitraria?”
*NA: Este poema apareceu em versão inglesa em 2003, na publicação “Poetry” , do New England Poetry Club, Cambridge, Massachusetts, EUA, e é parte de um poema longo sobre o ciclo Arturiano. (A presente tradução é do autor). Gurnemanz, uma das vozes do poema, é um dos personagens do ciclo, e foi introduzido por Mallory 1469.
Marcílio Farias