No dia seguinte, Potiassu confabulou com diversos líderes guerreiros; escutou opiniões dos mais velhos e; procurou saber a reação das mulheres. Serenados os ânimos, viu que a tribo ainda reverenciava-o em grande respeito. Era sábia sua decisão de proteger o inimigo. Nem só pelas informações que poderiam dele obter, mas até porque poderia servir de barganha num futuro próximo, a troco de quê não sabiam. Potiassu chamou Jandira a uma conversa, e convenceu-a, a bem da segurança de todos, que aquele homem poderia ser seu marido, e que ela tinha permissão para isso. Que, sem pressa, quando a mágoa não mais fizesse parte de seu espírito, procurasse cortejá-lo, trazendo-o ao convívio dos demais.
Resignada, Jandira prometeu ao chefe que tudo faria pelo bem do seu povo, mas que jamais deixaria de ver aquele homem como inimigo pessoal. Faria o que lhe determinasse o cacique, desde que este tomasse para si o seu filho Japarandiba, Madeira de Fazer Arco, pois a partir daquele momento tinha novas funções: seria guerreira como os homens da tribo, teria que mudar seus hábitos, preparar-se para uma missão de guerra reservada pelo seu Deus Tupã, missão inusitada às mulheres índias, especial, só aceita pelo ódio que possuía seu coração.
A partir daquele dia, Japarandiba passou aos cuidados de Itapietá, Pedra que Descansa, mulher do cacique Potiassu, e todos na tribo prometeram esquecer-se de que aquele não era um filho natural do chefe, inclusive Jandira. Japarandiba, por força de um destino inusitado àqueles filhos de chão potiguar, sob a proteção de Itapietá e iluminação de Tupã, cresceria sem saber-se órfão da primeira vítima de arma de fogo da grande nação Tupi-Guarani, a partir daquele episódio, condenada ao desaparecimento vertiginoso e cruel que lhe seria imposto pelos homens vindos do mar, de terras distantes, para tingir de vermelho o chão onde o pau-brasil crescia na mata, sem despertar o interesse que a ele dava o homem branco, saído da canoa grande.
Jandira, a verdadeira mãe de Japarandiba, agora seria mulher guerreira e atrairia o assassino do pai de sua cria a conviver entre os Comedores de Camarão, índios pacíficos, brincalhões, amantes da dança, de brincadeiras e da terra que nada fazia faltar à felicidade de todo aquele povo temente à natureza. Um povo bom, amante do seu chão, feliz, e sempre pronto à reação quando fustigados pelos Cariris e Tapuias, seus inimigos territoriais. Contra aquele novo invasor, eles já percebiam, seria bem diferente. Eram em menor número, mas dispunham segredos que metiam medo, cuspiam fogo de suas naus gigantescas, e de suas mãos também saía fogo que matava à distância, com estrondo.
Eduardo Alexandre