terça-feira, junho 07, 2005

O PRIMEIRO BRASILEIRO 9



Enquanto trabalhava na cabana, montando-a com cuidado, Homem da Canoa Grande observava seu derredor, os pássaros marinhos e silvestres, os animais que apareciam arredios, correndo pelas dunas. Olhava o mar e sentia-se pequeno diante da imensidão despovoada. Nada que pudesse dar sinal de vida humana, o que o intrigava. Nada, porém, que o assustasse, pelo menos até ali, à exceção dos silvícolas. Ele estava feliz, muito feliz, apesar de apreensivo, é verdade, mas certo de que logo dominaria aquelas terras, conheceria os seus segredos, a fauna, a flora, sua geografia. Viveria em paz consigo mesmo na solidão daquelas terras, e, se pudesse, faria amizade com seus habitantes.
No seu sexto dia em terras de Pindorama, Homem da Canoa Grande dormiu em sua cabana, ainda com o teto inacabado, mas já a protegê-lo contra a chuva, se viesse, pelo menos em um dos seus lados. Homem da Canoa Grande fez blocos de feixes de varetas de metro e meio, amarradas com os cipós encontrados com fartura na mata, e folhas maiores, de cajueiro. Aqueles blocos de madeira e folhas decerto o protegeria do sol e das águas que viessem do céu, proporcionaria mais conforto e segurança a sua estada naquelas terras desconhecidas, cheias de mistério e encantamento.
Nesse dia, além das maçarandubas, comeu peixe novamente, capturando-os com a mesma técnica do dia anterior, apesar de portar anzóis e linha de pesca. Estava interessado na caça de aves e animais, na pesca marinha, mas a preocupação com a cabana era a prioridade do momento. Primeiro, o abrigo, o lar, solitário lar, para depois explorar aquele curioso mundo, como difundido na Europa.
O cacique Potiassu junto a duas dezenas de guerreiros bem armados de arcos longos e flechas de pontas mortais cercavam a área do homem da canoa grande. A curiosidade que aquele novo habitante proporcionava era imensa para os silvícolas, ainda estarrecidos com a aparição daquelas naus gigantescas trazendo um povo para si desconhecido, com vestes diferentes, proteções de cabeça bem diferentes dos seus cocares de penas coloridas, apetrechos diferentes, intrigantes.
O cacique Potiassu não tinha dúvidas: era necessário observar aquele estranho ser, temê-lo, e, se preciso fosse, se oferecesse perigo, e só nesse caso, matá-lo. Recomendou aos seus comandados poupar-lhe a vida e insistia nisso: ele era uma aparição muito especial para que não fosse observado, estudado, sabidas as suas intenções, o que queria na terra dos Potiguares.
Mais além de suas fronteiras, a tribo tinha inimigos, Tapuias, Cariris. Aquele, porém, apesar de sozinho, a mercê da vontade do chefe, poderia representar perigo maior, até porque não chegou sozinho mas acompanhado de muitos estranhos, iguais a ele, e que não deixaram claras suas intenções; fizeram reconhecimento da terra; deixaram, fincado no chão da tribo, estranha pedra logo cercada e vista com espanto pela maioria dos nativos, pedra branca, desconhecida, com escultura trabalhada em seu relevo. Potiassu não gostava daquilo.
Em sua sétima noite em terras desconhecidas, Homem da Canoa Grande dormiu mais sossegado. Acendeu a fogueira em frente ao local que serviria à porta ainda não trabalhada da cabana, e cuidou de abrir fendas que pudessem fazê-lo ver o exterior, antecipando reação a algum perigo porventura a surgir.
O medo voltou a tomá-lo nessa noite, o cansaço daqueles últimos dias, contudo, fizeram-no dormir a sono ferrado durante toda a noite. Estava extenuado.
Nem a presença dos índios em derredor do acampamento ele percebeu, de tão silenciosos que foram os nativos em sua incursão de alumbramento. Em nada tocaram ou levaram, cuidando de apagar as pegadas sobre a areia fina daquele chão com galhos de árvore de folhas pequenas e redondas, a mangabeira, abundante na mata que dominavam.
Com o cuidado que se achegaram à cabana do homem da canoa grande, os índios se afastaram, sem molestá-lo, para voltar a observá-lo logo que despertasse daquele sono pesado, na manhã seguinte. As ordens de Potiassu eram de que o deixassem viver em paz, só o aprisionassem se alguma embarcação fosse vista no horizonte, e que levassem vida normal, não temesse se mostrar de longe ao visitante, até para que ele se apercebesse ser prisioneiro da tribo, mesmo em seus movimentos livres.

por Alma do Beco | 11:12 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

.. .. ..

.. .. ..

Recentes


.. .. ..

Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

.. .. ..

A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

.. .. ..

Powered by Blogger

eXTReMe Tracker