sexta-feira, junho 10, 2005

O PRIMEIRO BRASILEIRO 10



Na manhã seguinte, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes terminou sua tarefa de armação da cabana. Agora, preocupar-se-ía com o feitio de uma cama para estar mais protegido contra os pequenos bichos peçonhentos vindos da areia, e de algo onde pudesse guardar melhor seus apetrechos.
Já não sentia pressa de nada. Nesse dia, tomou o rumo da praia e decidiu-se por abater alguma ave para servir-lhe de alimentação. Como eram em grande número, não foi difícil abater várias delas com um único tiro que espalhava chumbo em bom diâmetro. Espantados com o estampido, os índios correram a contar a novidade ao chefe. Haviam presenciado os tiros das canhoneiras das naus de Gaspar de Lemos, mas aquele fogo saído de entranha coisa nas mãos do homem branco, ainda não conheciam. E voltaram a temê-lo.
O chefe Potiassu passou o dia a espreitá-lo, e como ele voltou a usar a arma de fogo, agora uma mais comprida, recostada ao ombro, na tentativa de abate de um veado que se aproximara do rio para beber, ele associou aquilo ao som de que falaram seus comandados quando do desaparecimento do guerreiro que não regressara à aldeia. Potiassu ficou imensamente intrigado com a morte do animal, afinal, Homem da Canoa Grande estava a grande distância e depois da explosão, o animal rolou por terra, inerte.
Potiassu recomendou mais cuidado com o visitante. Ficassem a distâncias mais longas, e mandou que um grupo de guerreiros voltasse ao local de onde viera o primeiro barulho semelhante àquele. Como João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes não cuidara de enterrar sua trincheira, o esconderijo foi logo encontrado pelos nativos, que levaram a notícia ao chefe. O cacique dirigiu-se ao local indicado e no fundo do buraco encontrou folhas com vestígios de sangue, deixadas pelo português na trincheira. Um dos índios, sentindo fofo o chão onde o lusitano enterrara o corpo do índio abatido, noticiou suas suspeitas ao chefe que logo mandou cavar o lugar, encontrando o cadáver já em estado de decomposição.
O achado gerou grande revolta entre os índios, que queriam do chefe a permissão para matar o visitante. Potiassu, no entanto, achou que aquilo seria precipitado, já que melhor seria conhecer seus costumes, seus segredos. Tinha-o como inimigo perigoso, mas este estava à sua mercê. Conhecendo-o melhor, conheceria aos demais, e conhecer a astúcia do inimigo era fundamental na guerra, sabia o experimentado guerreiro potiguar, convencendo seus comandados.
Enquanto Homem da Canoa Grande devorava em grande satisfação partes do veado abatido, a carne fresca a revigorar-lhe as forças, a viúva índia pranteava sua perda. Era jovem a viúva índia, e ainda carregava preso ao corpo o filho de poucos meses de idade. Sem o seu guerreiro a protegê-la, a vida tonar-se-ía mais difícil dali por diante. Ela queria do chefe reparação pelo mal que o indesejado visitante lhe causara.
Potiassu, consternado, prometeu-lhe a reparação, mas não de imediato, no calor das emoções. Refletiria sobre o acontecido e prometia dar solução breve ao problema. Os últimos acontecimentos na aldeia eram inusitados e necessitavam reflexão e análise. Que lhe perdoasse a índia Jandira, mas a guerra que se avizinhava era por demais inesperada, cabendo cautela em cada decisão a ser tomada. Haviam visto as dimensões das embarcações do inimigo, o poderio de suas armas que cuspiam fogo e atingiam alvos a grande distância. Era necessário, sim, conhecer mais sobre ele.
Os índios estavam divididos. Uns queriam a morte imediata do visitante, outros pensavam como o cacique Potiassu. O pajé Potimirim antevia desgraças para toda a tribo, e colocava-se a favor da fogueira para Homem da Canoa Grande, para que seu espírito, depois da comilança, se incorporasse em todos eles. Foi difícil aquela noite na aldeia. Só a pulso firme e decisão que constrangeu a muitos, Potiassu acalmou a ira dos revoltosos. Estaria condenado à morte aquele que atentasse contra a vida do homem solitário. Vivo, ele poderia dar melhor conhecimento do que dispunham os homens brancos. Morto, os nativos jamais poderiam saber como deles se proteger. Melhor fazer daquele prisioneiro um amigo, cativá-lo para que pudesse revelar os segredos dos homens saídos do mar. Afinal, para sobreviver, Homem da Canoa Grande iria precisar da ciência indígena. E poderia ser morto quando bem lhes conviesse.

Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 6:26 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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