Observando os telejornais da terrinha, percebe-se o lugar-comum que habita o conceito da "Política". Os entrevistados são invariavelmente políticos, se revezando nos canais, repetindo sofismáveis discursos, ludibriando a inteligência dos midiotas. Os jornalistas, interlocutores do quarto poder, não-antenados, contribuem para a perpetuar o equívoco uníssono de que a Política é a primazia pelo controle do aparato estatal. Hegel, afirmava que o Estado é a síntese dos interesses contraditórios entre suas classes. Na vórtice da Política é inerente o conflito entre o Estado, detentor soberano de monopólios (inclusive da violência), o Leviatã de Hobbes, versus a sociedade civil, organizada no cerne "das políticas": da mulher, ecológica, dos sem terras, educacional, sindical... Nos remeteremos ao âmago da política cultural: Polética!
A cultura não é acessório supérfluo. É o amálgama que sedimenta toda nação. Alicerce na construção de qualquer sociedade humana. A cultura converge para as dimensões: Política, uma vez que almeja público, é pois, uma questão pública, inerente à coletividade. Sua prática torna-se instrumento eficaz de legitimação do Estado. Atualmente, não se coloniza apenas com exércitos, mas com a onipresença da indústria cultural, vide o "American Way of Life"; Social, fundamentada na edificação da cidadania, eclodindo uma arena pragmática de lutas cotidianas; Econômica, a cultura como fonte produtora de renda, geradora de empregos; indústria e mercado agregando valor nas interfaces produtivas entre a cultura e: o turismo, a educação, a arte, a tecnologia, o entretenimento.
Desde 82, quando o turismo ainda era incipiente, defendíamos como zênite na efetivação de uma política cultural, o binômio: "importar turista e exportar cultura". Não ficar reféns das belezas naturais, até porque, o tempo profundo (geológico) consagrou eternidades para esculpi-las e a insensatez do capital é imediatista, impiedosa, sem escrúpulo (nem memória), perversa e avessa à sustentabilidade do lugar. Gritávamos à plenos pulmões a necessidade de catalogar, resgatar, revitalizar as manifestações populares; e, essencialmente, fomentar uma prática cultural estruturante de identidade, enraizada no imaginário, possibilitando aos protagonistas lucrar com seu produssumo - sem culpa, nem pires na mão!
A contemporaneidade traz consigo o dilema do papel estatal e seu imbricamento com a Arte. Do Mecenato clássico, inspirador dos dogmas católicos, onde havia a cumplicidade assistencialista e ideológica; passando no início do século XIX para o Patrocínio, consolidado em meados do XX com o Marketing Cultural, que juntou interesses corporativos e mercadológicos. Recentemente, o Estado oferece benefícios fiscais instituindo o "investimento incentivado" - através das leis de incentivos. A lógica do mercado substitui a política pública. A questão é: como se dá a transferência dos recursos públicos? O Estado deve ser isentado de quais obrigações? Como fica a produção artística não convencional, experimental ou não-comercial?
O que podemos inferir é que em nosso estado as leis carecem de revisão! O mais preocupante é que o Estado deixou o mecenato e de ser patrocinador, mas continua participando da cena. Pior, está interferindo na captação de recursos. Exemplo: ano de 2002, o governador deveria se desincompatibilizar do cargo em maio e promoveu uma espécie de "Feira dos Municípios" antecipada, imaginem de onde vieram os recursos? Até a reforma do palco do teatro Alberto Maranhão foi paga com recursos da Lei Cascudo. Artistas e produtores reclamam, pois, quando aprovam os projetos, não conseguem captar. Eis uma luta injusta, desigual e capciosa. Quem o diretor da Cosern, Telemar vai receber: um desses escritórios especializados (tais empresas de alhures se proliferam na cidade, exigindo dos nativos a profissionalização) ou o poeta Jackson Garrido do morro de Mãe Luiza? Um representante sob a chancela de uma instituição oficial do governo ou o excrachado Paulo Augusto da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins?
Chega de engrossar o coro dos descontentes! Lagrimejar no muro das lamúrias! De que adianta reclamar do cenário cronicamente inviável da falta de apoio e/ou verbas? Urge sugerir, buscar saídas, formular parcerias. Emblemática a busca de transparência das instituições que procuram legitimar-se junto à sociedade, abrindo literalmente suas portas para a comunidade em eventos culturais - o Tribunal de Contas, a Assembléia Legislativa, a Câmara Municipal do Natal, a UNP, a exemplo do "Domingo na Praça" da TV Cabugi/UFRN. O que importa é metamorfosear, consumar as instituições existentes em espaços de ambiência cultural.
Sob o sisteima capitalista, o argumento de que o imperialismo é seu último estágio, feneceu. A globarbarização incide como estágio letal do famigerado. Avassalador, na labuta da mídia e dos interesses escusos, reelabora tradições, festas populares e até paisagens, e as transforma em objetos reificados. No lugar de artes expressivas, arremedos reprodutivos e repetitivos; ao invés de arte-criação, eventos efêmeros. Antes de experimentação, a consagração na fútil moda. Na civilidade da televisão, valores transgênicos pulverizados numa pós-modernidade centrada no consumo e lazer.
No dizer de Mário Faustino "o Artista deve antes de tudo sentir na pele a necessidade de experimentar". Vislumbrar as matizes da vanguarda de Djalma Maranhão, que focou sua administração na educação e cultura - criação de bibliotecas populares, de praças de cultura, do teatrinho do povo, da Galeria de Arte, formação de círculos de leitura, realização de encontros culturais, reativação de grupos folclóricos, exposições de arte. Conclamando a massa para lutar contra a miséria, contra o analfabetismo, contra a espoliação, uma organização da cidade onde o povo participava não apenas como mero espectador (ou recruta no exército de reserva da força-de-trabalho). Inverter o fluxo de dependência cultural, oferecendo a experiência da inclusão e o sentimento de pertencimento. Dos Pampas, adverte o Nei Lisboa: "Quando a corja fala de cultura, Gualber quer quebrar a tampa do caixão". Será que todo povo tem o novo que merece?
Plínio Sanderson