Tribuna do Norte
11/06/05
Yuno Silva - Repórter
A cena estava armada no box do Sebo Vermelho, instalado dentro da 3ª Bienal Nacional do Livro de Natal. Cercado de amigos de longas datas, como o parceiro Marcelo Fernandes, o artista plástico Marcelus Bob — de macacão, bigode e cabelão, sentado ao lado de um Dom Quixote feito de lata — esbanjava bom humor e demostrava certa curiosidade sobre o assunto que motivou o súbito encontro: o natalense nascido no Passo da Pátria há 47 anos e criado no morro de Mãe Luíza (bairros humildes da capital potiguar) foi considerado um dos 100 maiores artistas de vanguarda do mundo, segundo a revista alemã Neue Blätter.
Conhecido por sua verve transgressora e irreverente — na medida certa — e mal compreendida por incautos provincianos, Marcelus Bob (nome artístico incorporado há tanto tempo que nem vale a pena ficar lembrando o registrado em cartório) é a personificação de um profeta da arte urbana, uma entidade que não se cala mesmo sob a ameaça de ser taxado de “maldito”.
Com ousadia e sem medo de enfrentar as adversidades impostas àqueles que resolvem encarar a vida munidos de pincéis, tintas e idéias na cabeça, Marcelus está se preparando para comemorar — em grande estilo — seus 25 anos de carreira artística com a possível publicação de um livro que une ilustrações e textos de poetas que circulam pelos becos (da Lama) da vida.
Um dos poucos, talvez o único a conseguir uma autorização oficial para grafitar os muros da cidade com seus indefectíveis Humanóides, isso em pleno anos 80, o artista não lamenta ter deixado a segurança de um emprego federal (passou em primeiro lugar em um concurso para o antigo IBDF, atual Ibama), muito menos de não ter seguido a carreira de técnico em Mineração (formado pela ETFRN, atual Cefet/RN). Sua única lamentação é o preconceito dos potenciais clientes quanto ao endereço de seu ateliê: Marcelus Bob está à procura de um novo espaço fora do morro de Mãe Luíza — “mas não muito longe, pois o cordão umbilical da Mãe é poderoso e mantém seus filhos sempre por perto.”
Seguindo o lema de Charles Baudelaire (poeta e crítico francês): “trabalho, trabalho e mais trabalho...”, para buscar inspiração, o artista conversou com o caderno VIVER:
Marcelus, para você o que significa Vanguarda nesses tempos de globalização e contemporaneidade?
Marcelus Bob: É uma avant-première, um pós-pós... por isso sempre digo que sou um “possibilista”.
E essa indicação de estar na lista dos 100 maiores artistas de vanguarda do mundo, divulgada pela revista alemã Neue Blätter. Muda alguma coisa?
Marcelus Bob: Olha, em primeiro lugar posso garantir que não estou ganhando dinheiro com isso, mas vai engrossar o caldo das grandes idéias acumuladas. Minha grande curiosidade no momento é saber como chegaram a essa conclusão e como e onde conheceram meu trabalho.
E se surgir um convite para cruzar o Atlântico para participar de alguma exposição na terra do chucrute?
Marcelus Bob: Se o meu médico me der um remédio pra dormir a viagem todinha vou numa boa. Confesso que tenho claustrofobia e passar mais de dez horas fechado num avião vai ser complicado.
Quem são os Humanóides, figuras de capuz sempre presentes em seus trabalhos e uma espécie de marca registrada?
Marcelus Bob: - Cara, são nômades subversivos... uns possibilistas. Uma pessoa encapuzada pode ser boa, má, um zorro urbano, um pastor de ovelhas, um padre, um santo, um Dom Quixote ou até mesmo o Mister M.
Atualmente como é seu esquema para vender os trabalhos já que há um certo tempo não participa de uma exposição?
Marcelus Bob: Seguinte, tenho obras espalhadas por galerias de arte mas, hoje, trabalho mais na base da encomenda — sinal que as coisas estão crescendo. Tenho obras espalhadas por, pelo menos, 12 países.
Acha que falta reconhecimento local?
Marcelus Bob: Não diria isso, pois estou vivendo há 25 anos de fazer arte.
Você sempre diz que sua arte traz uma carga significativa de “roquenrou”. A quantas anda o Grupo Escolar*, pensam em registrar alguma coisa em estúdio? (*banda de rock pesado da qual Marcelus é guitarrista, principal letrista e vocalista, e que tem esse nome por estar em constante aprendizado, como num grupo escolar. Quando estiverem preparados, a banda pode vir a se chamar “Grupo PhD” — coisas de Marcelus Bob!)
Marcelus Bob: O Grupo Escolar continua firme, forte e esporádico. Quanto a gravar, estamos conversando com o Vlamir (Cruz, do Ícone Estúdio) para ver as possibilidades. Realmente minha arte é toda em cima do rock e do repente... tem tudo a ver a arte pintada com a arte musicada.
Algum plano sendo arquitetado para um futuro próximo?
Marcelus Bob: Por enquanto não tenho nenhuma exposição marcada, estou me concentrando no projeto de montar um livro para comemorar os 25 anos de carreira. Penso em um livro com ilustrações ligadas a textos de gente como João da Rua, Dácio Galvão, João Gualberto Aguiar e Jota Medeiros, entre outros.
Você participou ativamente do “desbunde” artístico visto no final dos anos 70 e começo dos 80 em Natal. Acha que aquela magia que existia acabou?
Marcelus Bob: Não. Hoje ela é diferente, cosmopolita e urbana. Claro que os tempos do Festival do Forte e da Galeria do Povo na praia dos Artistas deixaram saudades, mas ainda temos magos circulando por aí...