segunda-feira, abril 18, 2005

DUNAS VERMELHAS


Poucos livros que eu li em minha vida fotografam de um modo tão exato e cinematográfico a alma de uma cidade como o livro Dunas Vermelhas (AS Livros) de Nei Leandro de Castro. Sem nenhuma preocupação de ser um tratado sobre a história do Rio Grande do Norte, o livro de Nei utiliza o cenário da Intentona Comunista da década de trinta para nos passar uma senha desconcertante sobre o enigma que é a cidade de Natal.

Toda cidade oferece um enigma. Ou você decifra o enigma da cidade ou ela te devora sem muita cerimônia. Para os que nascem e vivem a vida toda em uma cidade isso pode parecer estranho. Mas para o viajante não. Todo viajante, como Édipo às portas de Tebas, é empurrado e na direção do enigma. Não há acordo para quem sai da própria terra e vai morar em outro lugar. Ou você decifra o enigma ou é destroçado por ele.

O cenário político desenhado pela câmera literária de Nei é apenas parte da solução do problema que a vida em Natal propõe. Junto aos discursos sobre a doutrina marxista, ao sexo sempre presente no texto, às paixões cotidianas e aos pequenos acontecimentos privados que dão sentido à vida em uma província, Nei explora o dilema dessa cidade como poucos fizeram. Um dilema retratado na ansiedade pelo universal em meio ao particular. Imagine a cena: numa tapera de pescadores na Redinha, nos anos trinta do século passado, um agente do partido comunista disserta sobre uma ideologia política gestada numa Europa industrializada e urbana. Como adequar essas duas realidades? Como fincar, num solo primitivo e de natureza totalmente hegemônica, uma antena para captar as ondas de um mundo grande demais para ser condensado entre a Praia do Forte e o bairro do Alecrim? Natal é uma cidade assim. Uma eterna quase metrópole. Uma cidade que cresce e encolhe no ritmo das grandes guerras, dos pousos e decolagens das aeronaves que ligam a América do Sul à Europa. Observando a história da cidade, nota-se de imediato esses ciclos, que hora projetam Natal para o Brasil e o mundo apenas para, logo depois, lançá-la num silêncio desconcertante, proporcional a seu tamanho.

Vivemos um desses ciclos de projeção, semelhantes ao período da guerra dos bárbaros, dos vôos intercontinentais e da grande guerra. No entanto, mesmo com o mundo batendo a nossa porta, não abandonamos a cegueira típica das províncias mais isoladas. Vivemos nesse vai e vem, nesse corredor de passagem. O mundo passa por Natal, chacoalha a cidade de tempos em tempos e depois a abandona, sem muita cerimônia. Então fica essa ansiedade pela modernidade, essas ruas futuristas projetadas por Palumbo, esse jeans americano deixado pelos soldados na guerra, a vanguarda estética da Londres Nordestina. Vivemos sempre a nostalgia do vazio. Uma nostalgia do futuro. Concentrada de modo muito peculiar no nosso imaginário. Conversando com o professor Sérgio Trindade, um dos grandes nomes da nova geração de historiógrafos dessa cidade, fui alertado para a natureza inquietante desses ciclos de expansão e recolhimento a que a cidade se submete.

Nei Leandro, do alto de seu exílio carioca, conseguiu, de um modo bastante instigante, apontar para esse dilema, indicar o local aonde mora essa ansiedade que o natalense nutre pelo universal, pelo cosmopolita, sem conseguir se libertar do próprio provincianismo. Muita gente boa foi devorada por essa cidade, aparentemente inocente e hospitaleira, por não ter seguido o exemplo de Édipo diante da esfinge. Agora, Nei Leandro, longe de Natal, olha para cidade e redireciona o desafio: “devora-me logo, ou então eu te decifro”.

Pablo Capistrano

por Alma do Beco | 9:23 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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