Como havia um Beco no meio do caminho, fiz dele o beco que passou em minha vida.
Do beco, por ser viço, fez-se vício que, como droga, contagia e arregimenta, multiplica-se.
Como na sarjeta do vício havia um corpo, no beco, o bolero entoado em desafino juntou-se a um violão que juntou-se a uma caixa de fósforos, que se fez percussão. Alimento.
Do bolero nasceu a banda e da banda fez-se espetáculo.
E vieram festas e vieram vozes e veio o coro no meio da noite em serenata.
A menina, linda menina, fez-se encantada praieira ao som da flauta, que fez-se harmônica, que fez-se sinfônica, que um dia chegará ao Beco que desnuda-se em todas as madrugadas.
No meio da cidade, da minha cidade, havia um beco. Um beco tão grande que tinha nome de rua e era pai de todos os becos. Não os da cidade, mas pai de todos os becos do mundo, abençoado Beco.
Sua cidade decerto tem um beco como a minha. Um beco da lama como o meu.
Se não tiver, deve ser triste a sua cidade.
E deve ser triste porque na sarjeta do vício feito beco não haverá um bêbado cantando a volta do boêmio. Volta ao beco, ao álcool, ao vício maior que é o próprio beco.
Não por ser o Beco pelo Beco, mas pelo que ele guarda em suas canções tristes ou baladas alegres, beco que se desfaz em sorrisos e tem pernas de apaixonada amante, sempre aberta a amar por amar. Como vício.
Vício de ser e querer ser sempre beco. Ou beco ser enquanto ente: vivo, pulsante, feito ribombares de zés-pereiras em sábados de carnaval.
Nesse Beco, rio de minha vida, por sorte ou ventura, havia um tamborete e havia uma mesa que pedia uma cerveja que pedia companhia.
Da companhia, o beco fez-se confraria e a confraria tomou a cidade por não se bastar a si mesma.
E foram tantos os becos, tantos os bêbados trôpegos que não se pode mais: de beco da cidade, a cidade tornou-se beco de seu próprio beco, pois dele encantou-se para poder ser, com nome, identidade e todas as digitais guardadas - registro de antigamente em cartórios de saudade: poesia.
Eduardo Alexandre